O Curioso Caso de Daniel Boone escrita por Lola Cricket, Heitor Lobo


Capítulo 23
Should Have Known


Notas iniciais do capítulo

*Quem é vivo sempre aparece, como já dizia a grande pensadora Mamãe*
OI OI GENTE! Faz tempo que eu não apareço com um capítulo, não é mesmo? O motivo é que eu sou uma pessoa preguiçosa e sempre deixa tudo para o Vitor. Como vocês podem perceber pelo fato de termos dito que teria capítulo dia 30 e não teve, DESCULPEM!
Motivo? Eu viajei e fiquei presa na loucura que é o trânsito da minha cidade. Então, o capítulo ficou para hoje mesmo.

Mas antes de vocês lerem, saibam que esse capítulo foi escrito tanto por mim quanto pelo Vitor. Agora vocês podem pegar suas pipocas, lencinhos e um boy bonitão da imaginação para se divertirem com esse capítulo.
Tenham todos uma boa leitura! :)
PS. "Should Have Known" é mais uma canção original do querido Vitor *u*



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Washington, D.C

23 de Novembro de 2015

146 dias antes da facada que pode ou não ter me matado

Poderia ser pior. Poderia ter sido muito pior. Essas são as palavras que murmuro para mim mesmo enquanto vejo Shawn Hans descer os degraus do transporte e acelerar os passos até estar em seu território familiar ou seu porto seguro.

Que talvez nem fosse assim tão seguro.

Solto a respiração que eu nem sabia que estava segurando e chamo por Raven que estava sentada na primeira fileira. Os cabelos loiros é a primeira coisa que vislumbro quando ela se senta ao meu lado. Os olhos estão estreitados e ela parece desconfiar que eu escondo alguma coisa.

Que eu escondo os reais acontecimentos de uma conversa que quase não aconteceu.

— Pode abrir essa boca e contar tudinho para mim, senhor Daniel — Ela bate com as mãos nos joelhos parecendo ansiosa. — Vocês realmente se resolveram?

Bem, resolver mesmo a gente não se resolveu. Shawn Hans é um ser humano incapaz de abrir a boca durante discussões relacionadas a nós e só eu falei na droga da conversa. E quando eu achei que ele fosse dizer alguma coisa que ajudasse a nossa situação, a minha mão foi parar em seu objeto funcional.

Sim, Raven, nos resolvemos bem.

 — Claro que não né, — aponto para o meu rosto. — Olha bem para a minha faceta de quem está feliz com a situação. Mas olha bem, Raven, é uma única chance na vida.

— Você é tão estúpido — faz bico e cruza os braços contra o peito. — Tá, acho que entendi. Vocês dois não se resolveram, para variar. Eu odeio tanto quando as pessoas não se acertam. Parece àquela coisa chamada “cu doce”, conhece?

— Eu conheço cu e doce, mas não sabia da existência dos dois em uma mesma frase — seguro a risada quando Raven me soca no peito. — Tudo bem, tudo bem. Eu sei que você está fugindo do assunto apenas para não deixar evidente o seu desespero para saber o que aconteceu aqui nesse banco. Então senta que lá vem história.

— Citando Castelo Rá-Tim-Bum?

— Eu era apaixonado! — Levanto a mão em sinal para que ela se cale. — Eu vou jogar a primeira bomba... Eu peguei no objeto funcional dos homens que você adora encarar.

— O QUE?! — Raven leva às mãos a boca e emite um gritinho escandaloso. — Nossa senhora protetora do brioco! Você está brincando com a minha cara, não é, Daniel?

— E eu tenho cara de quem brinca?

— Ah, isso você tem sim — sorri amistosa. — Enfim, o que mais aconteceu?

Procuro contar todos os detalhes para ela sem chamar a atenção das poucas pessoas que ainda estavam no transporte. E isso envolvia Kian. Eu nunca entendera o motivo dele descer duas ruas antes da minha sendo que ele fazia o caminho de volta em vez de entrar em qualquer casa das diversas que havia por ali.

Talvez ele fosse morador de rua. Talvez ele nem tivesse casa. Ou talvez ele não quisesse expor a sua casa. Ok, a última hipótese é tão ridícula quanto 2015 está sendo.

— Eu estou aguardando, Daniel — a voz de Raven interrompe os meus pensamentos sobre o garoto sentado a poucas fileiras a frente de nós. — Você só pegou?

— Sem perguntas, por favor. Deixe-me terminar.

Raven assente e ouve atentamente os detalhes que eu queria compartilhar. E claro que foi uma chuva de perguntas, surtos e histerias quando contei que quase nos beijamos. Talvez fosse uma tática de distração de Shawn para que eu não tocasse mais no assunto. E talvez ele usasse isso com a Boa Sorte, Charlie, mas eu preferia acreditar que eu estava do lado vencedor da história e que tive uma das melhores distrações da minha vida.

Você é tão trouxa, Daniel.

— E o que você vai fazer agora? — Indaga mordendo a cutícula do dedão e com os olhos claros atentos a mim. — Não pode deixar assim, Daniel.

Solto um suspiro e encosto o meu corpo no banco, deixando os meus ombros um pouco mais relaxados que no começo desta conversa.

— Acho que vou esperar o dia seguinte — dou de ombros. — Você sabe como o Hans é. Ele é tão bipolar quanto Dylan Cooper. A gente não pode esperar muita coisa dele...

— Continue, Daniel.

— Se ele fizer alguma coisa em relação à hoje... — desvio o olhar para a paisagem que passava corrida na janela. — Aí eu tomarei alguma providência.

Raven me responde apenas com o silêncio, e sei que essa é uma das situações mais inesperadas e agonizantes que me meti em todos esses anos.

A situação de não saber como será o amanhã.

[...]

Meu corpo se encontra esparramado na cama de solteiro do meu quarto mórbido. As cortinas estão abertas e o pouco de Sol que ainda resta do dia está aquecendo a madeira gasta do chão. No andar abaixo consigo ouvir o som da televisão ligada e a voz de Ellis acompanhada do seu telefone inseparável, onde ela ria continuamente depois de um longo silêncio.

Decido caçar meu celular entre algum dos meus bolsos e abro o Snapchat sabendo que provavelmente eu não encontraria coisa boa, mas mesmo assim eu insistia em ver. Eu poderia listar aqui mil fatos para evitar abrir os snaps de Shawn Hans, mas o meu dedo parecia criar vida própria e lá estava eu encarando a porcaria da foto.

E, bem, isso acabou de acontecer.

A foto é bem esclarecedora. Shawn Hans com uma garota e beijando o canto de sua boca. Se não bastasse o ato de carinho — ridículo — entre os dois, existe também o maldito emoji de coração no cantinho da tela, e claro, que para combinar o pacote de sofrimento o snap tem 10 segundos de duração combinado com o olhar que ele dirige a câmera como “Toma essa, Daniel Trouxa Boone”.

Como é que dizem mesmo? Ah sim, “Eu queria estar morto”. Levando em consideração a minha vida, eu quero estar morto desde que conheci o sobrenome Hans.

Mas você, Shawn Hans, não me compreende, não é? Você não me entende. Você não sabe pelo o que eu passo todo dia por sua causa. E tá, isso soou clichê, mas é a mais pura verdade. Não venha todo cínico e cheio de manhas pra cima de mim, porque esse papo não vai mais colar. Eu sei quem você é. Um filho da puta (sem querer xingar sua mãe; na verdade, eu nem pensei nela quando disse isso, só queria adaptar o palavrão em inglês motherfucker mesmo) desgraçado que mentiu pra mim desde que eu tive todo o trabalho de abrir meu coração e te revelar como eu me sentia perante a sua presença. Um falso que jura amor eterno a mim e cinco segundos depois tá de olho em outro alguém. E eu sei que você nunca me quis, mas ainda assim, isso machuca, sabia? Ainda assim, dói te ver me enchendo de carinho puramente falso, porque sei que no fim do dia você estará nos braços daquela garota, envolto em uma camada de vida normal e não dando a mínima para os sentimentos de quem te ama há um bom tempo.

[...]

Washington, D.C

08 de Dezembro de 2015

131 dias antes da facada que pode ou não ter me matado

As táticas — ou opção — de suicídio sempre se tornavam uma boa ideia quando eu concluía as minhas provas trimestrais e percebia que todas as horas que eu usei para estudar de nada adiantaram.

Eu não ficaria nada surpreso se encontrasse uma nota vermelha adornando o meu boletim, para logo depois os surtos de Ellis acompanhada do olhar reprovador de Aaron. A melhor reação com certeza seria do meu irmão, que daria uma risadinha baixa e depois sairia correndo antes do sermão “Daniel, o que é isso?” começar.

Largo a mochila em um canto do quarto e já vou procurando a mala de viagem que eu tinha guardada embaixo da cama. Tateio até encontrar a alça e puxá-la com força para cima da cama.

— Seu tio já conversou comigo — Ellis surge no corredor trajando um avental de cozinha e os cabelos escuros presos em um rabo de cavalo. — Aparentemente você vai passar um tempo na sua casa do campo.

— Como todos os anos, mãe — evito seu olhar enquanto abro o zíper da mala — Não tem mais porque se preocupar.

Ellis assente e vem até mim. As mãos quentes afagam o meu rosto e depois os meus braços cobertos pela camiseta preta. Os olhos sempre tão julgadores parecem estar mais doces, mas é apenas uma questão de segundos, já que ela pisca e o encanto se vai.

— Estou lá embaixo limpando a cozinha. Qualquer coisa é só me chamar.

— Claro — abro um sorriso que se desmancha assim que ela fecha a porta do quarto e desce as escadas calmamente.

Reviro os olhos com o fato da relação com minha mãe ser tão estranha. Às vezes eu me sentia como o John — de Querido John — quando o assunto era a sua família. As conversas sempre caminhavam para o lado forçado, havia sempre um cuidado no que dizer e as demonstrações de carinho eram todas rasas.

Eu poderia contar nos dedos quantas vezes a minha mãe me abraçou por mais de três segundos sem fazer uma careta de “Acho que já chega, filho”.

Coloco uma quantia razoável de roupas limpas na mala quanto ouço meu celular tocar. Procuro-o entre toda aquela tropilha de roupas e fico surpreso quando vejo o nome de Melanie na tela.

— Não vou mentir, estou muito surpreso com essa ligação — digo com o aparelho apoiado na orelha enquanto coloco o primeiro par de sapatos que vejo pela frente na sacola separada. — Você...

— Shhh, Daniel — sou interrompido por sua voz em tom autoritário. — Você está em casa?

— Melanie — uso meu tom mais neutro possível. — Você sabe que os únicos lugares que vou é a igreja e escola.

— Ah sim, desculpe — ouço uma risadinha ao fundo que não consigo identificar. — Está fazendo o que?

Enrugo os lábios achando aquele papo muito estranho.

— Terminando de arrumar a minha mala — fecho o zíper e sorrio para a rapidez que eu terminara. — E você?

Não ouço sua resposta, já que um carro estaciona a frente da minha casa e reconheço-o como o veículo preto do meu tio. Tiro a mala da cama e desço as escadas correndo ainda com o celular na mão e a voz de Melanie sendo o pano de fundo de todo aquele caos.

— Desculpe, desculpe — digo para o celular. — Andy chegou e...

Assim que abro a porta pronto para encarar o rosto jovem de meu tio, encontro outra pessoa ao seu lado. O sorriso que se estende pelos lábios da garota ao seu lado é de aquecer o coração de qualquer ser humano acompanhado do olhar divertido que ela carrega.

Melanie Schmidt está na minha calçada. Na minha cidade. No mesmo espaço que eu (mesmo que a física diga que não)

Largo minhas coisas no chão na mesma hora. Minha primeira reação é sair correndo para os braços daquela menina que eu só conhecia virtualmente há mais de um ano. Minha primeira vontade é de abraçá-la, por todas as vezes que dissemos um ao outro via mensagem de texto que queríamos nos abraçar para esquecer os problemas no conforto desse gesto; por todas as vezes que eu estava triste e ela quis muito me abraçar só pra me consolar, ou vice-versa; por todos os momentos em que compartilhamos nossas alegrias e nada melhor para comemorar do que um abraço que não podíamos dar devido à distância. Ela em St. Paul, no estado de Minnesota, e eu aqui na capital do país. Se até viajar para Denver era difícil por conta das horas de viagem por terra, imagine eu embarcando para Minnesota?

— Daniel, eu vou passar uma semana aqui, não precisa me segurar pro resto da vida…

— Desculpe — respondo, com a voz já embargada. Droga, já vou chorar? Sério mesmo? — mas eu acho que você deveria me entender. Poxa, tu me aparece assim, do nada e quer que eu aja normalmente?

— Eu sei. Só queria melhorar o clima — ela quebra o abraço, me dando um leve soco no ombro — o que achou da surpresa?

— De fato a melhor coisa que me aconteceu em anos — decido não esconder minhas lágrimas e noto que ela também não esconde as dela — mas como diabos você conseguiu vir para cá?

— Minha mãe é dessas que apoiam minhas loucuras e até pagam a passagem, sério mesmo — nós dois rimos — e antes que você pergunte: eu fucei seu Facebook à procura do seu tio favorito, encontrei, entrei em contato e ele foi me buscar no aeroporto morrendo de medo de eu ser uma sociopata, mas tudo bem.

— Em minha defesa — Andrew se aproxima da nossa interação — essa garota podia ser qualquer pessoa, certo?

— Mas ela não é — abraço-a de lado — Melanie é minha melhor amiga virtual, e que agora me viu em carne e osso.

— Mais osso que carne — meu tio resolve zoar da minha cara logo agora, e eu o encaro com um olhar de fúria, fazendo-o gelar de medo na posição em que está. Mas não sem antes dar a volta por cima — ué, você mesmo diz isso!

— Está bem, está bem, desse argumento eu não fujo — ergo as mãos admitindo minha culpa.

— Só uma perguntinha antes de levar vocês ao meu apartamento e lá poderem conversar em paz sem ter os pais irritantes do Daniel por perto — dou uma alta risada só porque Aaron e Ellis não estão aqui — tudo bem se eu adiar a viagem, querido sobrinho? Sei o quanto de papo você tem pra colocar em dia com a Melanie…

— Tudo bem. Mas em troca eu fico no seu apê até a viagem.

— Vai mesmo me extorquir dessa forma?

— Você me ama mais do que meus próprios pais — percebo Melanie segurar uma crise de risos — fará isso por mim e eu sei disso.

.::.

— A yakisoba chegou — Andy sai correndo de seu quarto, já abrindo a porta com uma mão e entregando o pagamento com a outra — obrigado, moça. Aqui está o dinheiro.

— Tenham uma boa refeição — a garota entrega o saco com as marmitas do alimento nosso de cada dia, mas ainda focando seu campo de visão no rosto do meu tio — eu teria chegado antes se soubesse que me depararia com um homem tão lindo como você.

— E eu teria pedido pra um homem vir entregar, porque aí vinha o yakisoba e o leitinho junto — e é com esse lacre em forma de frase que ele bate a porta na cara dela.

— Eu definitivamente tenho o melhor tio do mundo! — Pulo do sofá e corro para dar um abraço nele, enquanto Melanie vem logo atrás de mim para roubar o saco da comida. Desgraçada.

— Você viu a cara dela antes de eu fechar a porta? — Ele exclama, enquanto nos soltamos e encaro a minha melhor amiga esfomeada invadindo a cozinha para procurar os pratos.

— Acho que ela ainda vai demorar um bom tempo até sacar a referência — respondo, rindo em seguida — ô, Melanie, qual o problema do seu estômago? Tem uma tênia dentro, é?

— Desculpa aí — ela volta à sala de estar com três pratos nas mãos — é que eu fiquei com tanta fome naquele avião que senti o cheiro do almoço de amanhã. Mamis pagou a passagem, mas não era louca de pagar a alimentação do voo também.

— Minha mãe faria o mesmo, então nem vou reclamar e ainda ponho o seu prato primeiro — Andy se prontifica, já pegando os pratos da mão dela e distribuindo dois deles na mesa, deixando um de lado para colocar logo a comida da Mel — vou colocar os pratos de vocês dois logo e depois levo o resto pra comer sozinho no quarto enquanto faço maratona de Skins.

— Versão americana ou a britânica? — Ela pergunta.

— Duh, a britânica — ele fala como se fosse óbvio — eu tenho cara de quem assiste aos remakes mal feitos das coisas?

— A Fantástica Fábrica de Chocolate com o Johnny Depp é um remake — lanço a frase para meu tio, que arregala os olhos.

— Minha vida nos últimos dez anos foi uma mentira — seu comentário nos faz gargalhar enquanto nos sentamos à mesa, um do lado do outro — hum, já vão sentar pertinho? Cuidado para não converter meu sobrinho pra heterossexualidade, garota…

— Se depender de mim, vocês ainda terão muitos papos sobre leite integral no futuro. E além do mais, eu não atraio nem os héteros, quanto mais os gays. Relaxe — ela dá uma piscadela para Andrew, que sorri satisfeito e deixa o ambiente levando seu prato de yakisoba.

— Seu tio definitivamente é a melhor pessoa que eu já conheci na minha vida! Ele ganhou meu respeito e admiração no momento em que começou a tocar Blank Space na rádio do carro e ele começou a fazer caras e bocas enquanto cantava — a Schmidt comenta antes de levar uma garfada do macarrão à boca.

— Ele é o meu melhor amigo dentro da família. Não sei o que seria de mim sem os dias que a gente deita no chão da sala lá da casa de campo dele enquanto falamos várias merdas irrelevantes — sorrio antes de também comer um pouco do macarrão.

Continuamos a conversar sobre as loucuras da minha vida que envolvem meu tio até que ela termina de comer tudo o que estava em seu prato e me encara como se fosse a deixa para eu fazer alguma coisa.

— Eu sei que você quer conversar sobre aquele dia, Dan. E nem tente sair dessa.

— Na verdade o que eu mais quero é sair dessa furada, você não acha?

— Você me entendeu — ela solta uma bufada — naquela hora eu não te perguntei como você estava se sentindo porque quis te dar espaço. Mas já se passaram mais de duas semanas e eu acho que seus sentimentos já devem estar bem definidos que nem os músculos do Justin Bieber.

— Credo, não tinha uma comparação melhor?

— Você quer o quê? O corpo do Terry Crews?

— Um Theo James da vida já estaria bom o suficiente — tento forçar uma risada para distrai-la, mas sua expressão continua séria — Mel, está tudo bem. Eu já superei aquele momento.

— Você não voltou correndo para os braços do Shawn nos últimos dias de aula, por favor, me diga que você não fez isso…

— Então vou ficar calado.

— Caramba — ela leva as duas mãos à testa — eu deixei claro que ele não merecia isso! Como que você tem a audácia de fazer uma coisa dessas?

— É mais complicado do que você pensa, tá bom? — Levanto-me da cadeira e fico de costas para ela, tendo que fitar a visão do mundo do outro lado da janela da sala de estar — isso não se trata só de jogar as verdades na cara dele e ir embora pra sempre dessa vida de sofrimento. Não se trata só de seguir em frente e procurar por alguém cujo esforço para demonstrar os sentimentos seja recompensado no final. É tarde demais para dizer que vou esquecê-lo, Melanie, porque eu definitivamente amo aquele garoto. Eu não devia? Não devia, nem em um milhão de anos, sentir o que eu sinto. Eu tenho consciência disso, Mel! Tenho total conhecimento de que Shawn Graham Hans é a maior roubada da minha vida e que eu só me fodo nessa história. Sozinho. Porque ele continua lá, com a garota dele, que tem um órgão reprodutor que se encaixa perfeitamente não só no brinquedinho dele como também nos padrões aos quais ele se sujeita desde sempre. Ela tem o que eu não tenho, e fim de papo. Perdi a batalha e a guerra numa tacada só. Inventei de tentar falar dos meus sentimentos e ele me distraiu na hora sem que eu soubesse. Fui ludibriado? Fui. Mas ele é um ímã. Ele me puxa, não importa o que aconteça. Isso é uma merda, porque eu realmente não queria ser atraído para perto dele. Perto de Shawn, eu só encontro a destruição total do meu coração sem chances de conserto. Mas a cada cumprimento, a cada sorriso, a cada contato físico, a cada palavra dita, ele aumenta seu poder sobre mim. E adivinha? Ele sabe disso! Ele sabe! — nesse momento a minha voz já toma uma sonoridade embargada, e aperto meus olhos para tentar conter o que está por vir — E usa isso a seu favor. Eu deveria ter descoberto antes que ele não me queria de verdade, que ele só queria garotas, como sempre. Enquanto eu quero um amor pra vida toda, ele só quer uma menina por noite. Eu devia tê-lo empurrado pra fora da minha vida e não faço a mínima ideia do porquê o fiz ficar. Eu odeio amá-lo! — começo a dar repetidos socos em meu estômago, e logo depois já me ajoelho no tapete com as lágrimas sendo derrubadas — Odeio tudo o que ele fez comigo, e principalmente, me odeio por ter deixado essa onda toda acontecer. Eu podia ter evitado, eu podia, eu sei que eu podia, mas agora tô aqui sendo esse idiota apaixonadinho e trouxa por um cara que não me dá atenção e ainda muito provavelmente tem repulsa por quem eu sou. Eu tento arrancá-lo do meu coração, mas a cada tentativa, é como se ele ficasse ainda mais preso, que nem areia movediça. Eu não quero que as coisas acabem mal, mas também não quero chegar ao ponto mais baixo dessa história por causa de um sentimento de merda!

É aí que Melanie me abraça de lado, e eu me permito chorar em seu ombro direito sem me preocupar se irei molhar sua blusa ou seu pescoço. Essa é a menor das preocupações agora. Eu só quero um apoio para chorar e que não seja meu travesseiro.

— Danico… você não impediria isso de acontecer, infelizmente. Não mandamos no coração, pequeno gafanhoto — ela começa a fazer carinho no meu cabelo — não escolhemos quem vamos amar. Se pudéssemos fazer isso, a vida seria mais fácil, mas, ao mesmo tempo, sem graça. Tudo seria planejado demais, as coisas seriam exatamente como nos planos e a gente se contentaria com isso e mais nada. Pensa em como seria sem graça não viver a vida a mil batimentos cardíacos por hora! — suas palavras começam a surtir efeito na minha mente e começo a me acalmar do último surto — Aprendemos com os erros, mesmo que eles doam. Você aprendeu alguma coisa com esse erro e eu tenho certeza disso. Não precisa me responder se acha que não consegue. Mas antes de tudo, responda essa pergunta a si mesmo: o que você aprendeu com isso? Que lição você vai tirar do fato daquele filho da p*ta que não deve ser nomeado ter quebrado seu coração em centenas de pedaços?

Denver, Colorado

17 de Dezembro de 2015

122 dias antes da facada que pode ou não ter me matado

— Acordou antes do meio-dia… hum, fala logo o quê que houve — Tio Andy para o que está fazendo assim que me vê adentrar a cozinha, indo lavar as mãos na pia e depois bagunçando meus cabelos, como de praxe.

— Tio, você acabou de molhar meu cabelo!

— E desde quando você se importa? — Ele se senta de um lado da bancada do cômodo, e eu me sento do outro, deixando nós frente a frente — Certo, pode falar.

— Na semana passada eu tive uma crise. Como nunca tive antes. E foi por causa do Shawn — seus braços são cruzados na altura do tórax — e desabafei com a Melanie. Ela me fez pensar no que eu aprendi me apaixonando pelo cara errado e, bem, no final do dia eu me tranquei no quarto, abri o bloco de notas do meu celular e compus uma canção. Sem ritmo, porque eu sou péssimo em produção musical e é você quem entende disso, mas eu precisava transcrever o que senti ao responder mentalmente o que ela havia me perguntado… posso te mostrar?

— Claro que pode — Andrew se inclina para pegar o óculos no final da bancada.

Meu tio meio que é desobediente quando se trata de usar seu famigerado óculos toda hora. Por mais que o oftalmologista reforce em toda santa visita que ele só pode se separar do bichinho na hora de tomar banho e dormir, Andy nem se dá conta de quando está usando ou quando não está. Felizmente, não sou eu a pessoa que irá repreendê-lo por isso porque também uso óculos e sei como ele se sente.

Por que diabos eu escrevi um parágrafo sobre óculos da família Boone? Qual a relevância disso para o momento? Por que eu consigo ser tão aleatório nas horas mais sérias? Descubra sexta-feira, no Globo Repórter.

Não, espera aí…

Enfim.

Retiro meu celular do bolso e abro a letra da música para que ele possa ver, mas sem eu soltar o aparelho.

— Você não confia em mim o suficiente pra deixar seu celular em minhas mãos?

— Nem meus pais tocam nesse celular, imagina você, tio — aperto o espaço entre as sobrancelhas em sinal de “por favor, tenha a santa paciência”, e o loiro dá uma risada antes de focar na tela.

I guess you don’t feel like this

(Eu aposto que você não se sente assim)

It’s clear, we don’t feel the same things

(Está claro, nós não sentimos as mesmas coisas)

While I want a lover for all my life

(Enquanto eu quero um amante para toda a minha vida)

All you want is break a heart every night

(Tudo o que você quer é quebrar um coração toda noite)

I should have known you didn’t love me

(Eu deveria ter sabido que você não me amava)

The second I saw you kissing that girl

(No segundo que eu te vi beijando aquela garota)

I should have known you didn’t want it

(Eu deveria ter sabido que você não queria isso)

The moment you made me feel hurted

(No momento em que você fez-me sentir machucado)

Why I thought I could uncover you

(Por que eu pensei que poderia te descobrir)

When you gave me no clue?

(Quando você não me deu nenhuma pista)

Why I thought we could end together

(Por que eu pensei que poderíamos terminar juntos)

If in this love you never got surrended?

(Se nesse amor você nunca esteve rendido?)

Did you ever want me any other way?

(Você já me quis de alguma outra maneira?)

I was black, you were white, now we’re like gray

(Eu era como preto, você era como branco, agora somos como cinza)

Should I have pushed you away?

(Eu deveria ter te empurrado para longe?)

I don’t know why the hell I made you stay

(Eu não sei por que diabos te fiz ficar)

I should have known you didn’t want me

(Eu deveria ter sabido que você não me queria)

The day you showed me your girlfriend

(No dia em que você me mostrou sua namorada)

I should have known you never loved me

(Eu deveria ter sabido que você nunca me amou)

When everything was leading to this end

(Quando tudo estava levando a este fim)

Why I tried to unlock you and set you free

(Por que eu tentei te destrancar e te deixar livre)

When you never gave me the keys?

(Quando você nunca me deu as chaves?)

Why I thought you could be mine

(Por que eu pensei que você poderia ser meu)

When what you gave me was some fake signs?

(Quando o que você me deu foram alguns falsos sinais?)

— A única coisa na qual eu não consegui pensar foi num refrão, sabe — bloqueio o celular e o deixo em cima da bancada — não sou muito bom com partes repetitivas…

— Eu acho que tenho uma ideia. Vamos para o nosso jardim secreto?

Abro um sorriso de ponta a ponta quando ele diz tais palavras, porque isso significa que é hora de entrar no seu pequeno estúdio de produtor e gravar mais uma canção original. A segunda que eu escrevo, e a segunda que ele ajuda a escrever. Imagine aí uma música dessas estourando nas paradas da Billboard, e estiver lá “Should Have Known”, escrita por Andrew e Daniel Boone? Acho que eu surtaria se uma coisa dessas acontecesse. Bem que eu queria ser o featured artist, mas meus limitadíssimos dotes como cantor não permitem isso. A solução é virar rapper e esperar que o mundo creia que minha voz é afinada para cantar trezentas frases em quatro minutos.

Após alguns minutos que Andy pede a mim para que ligue tudo o que for preciso e afine as cordas de seu estimado violão, ele pede a letra de “Should Have Known” de novo e eu o mostro, enquanto o observo escrever cada frase numa folha de caderno avulsa encontrada na bagunça de sua mesa.

— E a sua ideia? — Pergunto impaciente, quando o noto encarar a folha por intermináveis segundos.

— Não interrompa uma mente em funcionamento, Arthur.

— Não me chame pelo nome do meio, Robbins.

— Eu ia te chamar de “filho da p*ta”, mas aí eu lembro quem é a sua mãe — ele diz ao se virar para me encarar — e decido proteger minha dignidade…

— Caramba, você dizendo isso? Estou profundamente sentido — ironizo, caindo na risada logo depois.

— Nós somos terríveis — Andy ri comigo, empurrando minha cadeira giratória para longe com seu pé — mas como eu disse, não me atrapalhe enquanto minha inspiração estiver no modo de trabalho.

— E o que merdas eu faço aqui enquanto espero o Senhor Criatividade dar um refrão para minha composição mais íntima até hoje?

— Não ligo, contanto que você não fale mais nada pelos próximos minutos.

Reviro os olhos, decepcionado com essa sessão de escrita, e procuro algum objeto interessante ali para me manter entretido. Meu campo de visão foca num tambor e arrasto minha cadeira até o mesmo, encarando-o por um tempo até que meus dedos involuntariamente repousam em cima do instrumento de percussão. Começo a incorporar alguma batida desconhecida por seres humanos, mas decido não parar; pelo contrário, repito a mesma ordem dos movimentos por mais umas três vezes. No final, Andrew já está se aproximando de onde estou e me olhando como se eu tivesse feito a descoberta do século.

— Repita essa batida, por favor — ele exclama, andando apressadamente até a mesa de som, com todos aqueles botões cujos nomes nunca decorarei na minha vidinha — eu acho que posso usá-la.

Mesmo estranhando o seu pedido, repito o que havia feito um pouco antes, só que com mais força. Noto seus pés se moverem no ritmo que eu faço, enquanto se divide entre ajustar os botões para gravar a batida e escreve alguns versos na folha de papel. Logo depois, ele pede para que eu pare de bater no tambor e arrasta sua cadeira até mim, me entregando a bendita composição.

— Vê o que você acha do que eu fiz — aponta para o papel agora em minhas mãos, e bato meu olhar logo nos novos versos que Andy escrevera.

E a nova estrofe escrita pelo meu tio nunca me representou tanto como antes.

Can you feel the tears I dry?

(Você pode sentir as lágrimas que eu derramo?)

Can you see the nightmares in my mind?

(Você pode ver os pesadelos em minha mente?)

Can you imagine how hard I try

(Você pode imaginar o quanto eu tento)

To get you off my life?

(Te tirar da minha vida?)

 


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Notas finais do capítulo

Ok, agora sou eu mesmo, Jacó Lobo, assumindo as notas finais.
Será que agora o Daniel supera? SERÁ QUE AGORA VAI, QUERIDOS BOONERS? Ao que tudo indica, ele vai trabalhar duro nisso e ainda vai ter a ajudinha do tio pra expressar todos os sentimentos. E sim, eu também queria ter um tio Andy na minha vida. :( Resta saber se o Shawn vai facilitar esse caminho ou irá apenas continuar com seu joguinho - ui, rimou HAHAHAH!
Mas, e aí? Qual a opinião de vocês sobre a situação do momento? Deixem seus estimados comentários e a gente vai responder com grande carinho, okay? Okay.

PS. Para os que não sabem: hoje eu comecei uma fanfic nova aqui no Nyah! Fanfiction. É um universo alternativo (mas bem show, garanto) de Maze Runner e o título dela é T.N.T. Vocês podem dar uma passadinha nas histórias do meu perfil pra conferir meu trabalho ;)



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