O Curioso Caso de Daniel Boone escrita por Lola Cricket, Heitor Lobo


Capítulo 22
Fire Meet Gasoline


Notas iniciais do capítulo

Okay, talvez eu tenha demorado um pouco mais com esse capítulo. Mas, vocês sabem, a vida corrida dos dois autores dessa fic às vezes atrapalha bastante os planos de atualizá-la o mais rápido possível. Mas antes tarde do que nunca, não é mesmo?

"Fire Meet Gasoline" é o último capítulo perfeitinho que vocês verão em um bom tempo. Porque, a partir do próximo episódio - que será intitulado com mais uma canção original minha - as coisas ficarão muito, mas MUITO complicadas pro nosso menino Daniel Arthur Boone. Desastres? Tretas? Decepções? Quase mortes? HUM, NÃO SABEMOS DE NADA, NÃO SABEMOS DE NADA *risos maléficos*

Enfim, partam logo para essa deliciosa leitura ;)



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“É perigoso se apaixonar, mas eu quero queimar com você esta noite. Há dois de nós; estamos repletos de desejo, a dor do prazer e do fogo. Então vamos lá, eu vou guiá-lo; eu sofro por amor e sofro por nós. Por que você não vem um pouco mais perto? Então venha agora. Risque o fósforo; nós somos um par perfeito de alguma forma. Fogo encontra gasolina, estou queimando vivo, mal posso respirar quando você está aqui me amando. Fogo encontra gasolina; eu tenho tudo o que preciso quando você vem atrás de mim… Mas está ficando ruim. Morte certa. Porém eu quero o que quero e tenho de conseguir. Quando o fogo morre, os céus ficam escurecidos, quentes como um fósforo… e só sobra a fumaça.”

— Sia, “Fire Meet Gasoline”

 

Washington, D.C.

23 de Novembro de 2015

146 dias antes da facada que pode ou não ter me matado

 

“Será que vai passar Velozes e Furiosos 7 hoje na TV?”

Nunca tomar café da manhã sozinho foi uma atitude tão prazerosa como está sendo agora. Encaro a tela de meu celular, com a mensagem no Snapchat enviada por Shawn Graham Hans e me perguntando como ele consegue atirar em mim dessa forma logo no começo do dia. A história desse filme entre nós acabou se tornando meio que uma piada interna desde o dia em que tecnicamente nos casamos, e eu nem acho mais estranho o fato de ele mandar três vezes por semana a mesma pergunta. A cada vez que ele pergunta, eu saio correndo para a guia dos canais da TV a fim de procurar o que ele quer e respondo na hora. Afinal, a vida é muito curta pra gente se fazer de difícil e não responder o crush em pouco tempo, certo? Certo.

“Eu acabei de acordar. Não posso ver isso depois?”

“Eu quero ouvir a resposta da sua boca na escola. Te vejo lá, Danico ♥”

Chega de enrolação. Eu poderia só te contar — ih, olha lá, o Daniel Arthur Boone louco que acha que pode quebrar a quarta parede como se fosse o Deadpool — que estou animado para mais um dia dessas doidas interações com o Shawn e depois altas conversas com Raven, Peter e Melanie sobre os acontecimentos. Mas a verdade é que tem estado assim desde 15 de outubro. Shawn se alterna entre dar atenção a mim e dar atenção à irrelevante da Boa Sorte, Charlie. Sei que o lado fraco da corda é justamente o que está a meu favor, mas se eu não defender meu lado com unhas e dentes, é capaz de eu perder até mesmo o único elo que me mantém são e salvo das atrocidades verbais que tenho de ouvir todo dia dos meus pais.

Há dias que ele me ignora por completo e eu dependo dos meus fones de ouvido para não sucumbir à bad, e há dias que ele me enche de abraços e palavras de carinho que eu não consigo guardar pra mim e acabo contando para meus amigos. Há dias que ele quer dividir os fones comigo — da primeira vez eu mostrei “Bitch Better Have My Money” e ele gostou da batida trap — e há dias que ele fica em busca de um rabo de saia qualquer. Como se eu fosse somente um estepe, um plano B para quando não há uma garota aos seus pés. Tenho quase certeza disso, mas não consigo criar coragem para ir lá e perguntar o que merdas ele quer comigo.

Ou não conseguia.

Parece que hoje será o grande dia do acerto de contas.

 

.::.

 

Pisei na escola decidido a mostrar ao Shawn como me sinto em relação ao último mês e perguntá-lo o que ele quer tirar da história toda. Não passaria de hoje, e não importa o porquê desse meu desejo repentino de querer lavar a roupa suja. Só me importa estar certo do que está havendo entre nós e não quebrar meu coração pela centésima vez com esse garoto. Graças ao maravilhoso Aaron Boone que acordou na hora para me deixar aqui, cheguei mais cedo, então pude desfrutar de um bom lugar logo na primeira cadeira de uma das fileiras da minha classe, jogando minha bolsa ali mesmo e optando por andar um pouco nesses corredores para pensar em como eu deveria agir nas próximas horas — e, claro, procurar o grande crush por aí.

E já digo de passagem: não é nada difícil encontrar Shawn Hans no meio de um corredor rindo da desgraça alheia com aquela rodinha de amizades que ele tem.

— Olha, se não é o famosinho Danico — Klaus força uma animação sobrenatural em sua personalidade só porque estou na área.

— Não precisa fingir que está feliz em me ver — rebato assim que chego mais perto da rodinha — até porque nem minha mãe faz isso.

— Nossa, a pessoa não pode nem sorrir pra você que já recebe uma patada dessas…

— Deixa ele, Klaus — o Hans passa o braço em torno do meu pescoço — uma hora você se acostuma com a bipolaridade não diagnosticada desse lindo.

— Como se você também não sofresse do mesmo distúrbio — sussurro só pra ser engraçado comigo mesmo, mas…

— O que disse?

— Só estava pensando alto, nada que te interesse — quem vê pensa até que minha maior vontade é a de sair daqui e voltar pro meu cantinho da paz na sala de aula.

Mas, na real, eu vim aqui porque eu quis. E ainda tenho de concretizar meu plano. Sendo assim, quando o menino Furler não está prestando atenção na minha cara de palerma, chego pertinho do ouvido de Shawn e sussurro:

— Precisamos conversar mais tarde.

— Não pode ser agora? — Ele sussurra de volta.

— Se eu estou dizendo “mais tarde”, é porque não pode ser “agora” — respondo como se fosse a coisa mais óbvia de tudo. Se bem que eu geralmente respondo as pessoas dessa forma de uns tempos para cá… — Enfim, vejo vocês por aí! — Falo em um tom mais audível, para que a rodinha toda ouça, e saio da encruzilhada já dando uma daquelas expiradas de alívio.

— O que diabos você estava fazendo na roda dos escarnecedores? — Edward me surpreende por trás, dando um tapa forte nas minhas costas que quase me faz ir de encontro com a parede lá do outro lado do corredor. Onde esse menino treina os músculos, pelo amor de Fifth Harmony?

— Ui, deu pra citar os salmos da Bíblia agora, foi? — Dou de ombros, mais para relaxar os ossos do trauma sofrido do que para responder ao que ele perguntara.

— Não acredito que você colocou o rabinho entre as pernas e foi atrás dele de novo — ele põe as mãos na cintura.

— Relaxe, Sheeran — quem entender essa referência ganha um prêmio secreto — eu sei o que estou fazendo. Vou resolver essa bronca sozinho e do meu jeito. Só… não se questione sobre meus métodos nada ortodoxos — pisco o olho esquerdo para o líder da classe — nós não deveríamos estar na sala? A aula deve começar em instantes, sabe…

 

.::.

 

— Daniel, você está bem? — Raven me pergunta, pondo seu celular no bolso da calça jeans que está usando agora — Eu conheço sua mania de ficar balançando as pernas toda hora, mas hoje essa tremedeira tá descomunal, viu?

— Desculpe — tento fazer minhas pernas ficarem quietas. Péssima tentativa — estou nervoso.

— Nervoso pra quê? Vai ter sua primeira vez hoje à noite pra você ficar com tanto medo de não mover suas pernas depois a ponto de aproveitar o máximo delas antes da hora?

— Raven, que porra foi essa que tu acabou de falar? — Peter intervém — O que deu em você hoje?

— Acordei me sentindo uma adolescente perigosa, só isso — ela responde calmamente.

— Raven, vem cá, vamos ter um papinho — me levanto da mesa e puxo minha amiga junto — Peter, segura a mesa e não deixa ninguém ocupá-la. E se você deixar, eu conto pro Luke que você colou na prova de química.

— Que argumento infantil, não? — Ele retruca, cruzando os braços na altura do tórax nada definido.

— Mas você sabe que é válido — pisco o olho esquerdo e saio correndo para longe com a Fields. Quando já estamos no ginásio da escola, me viro para encará-la e exclamo: — Que merda foi aquela, Raven Fields? Você não é assim e eu sei bem disso. Agora vai. Desembucha.

— O que você acha? Que eu guardo um segredo de você? — Ela lança um olhar tão incrédulo com minha atitude que por um segundo eu me sinto constrangido — Faça-me o favor, Danico. Eu teria que trabalhar mais arduamente pra te esconder alguma coisa, já que sua língua grande faria essa coisa deixar de ser secreta, não é mesmo?

— Tudo bem. Você tem razão — quase ergo as mãos em sinal de rendição, até que… eu tomo consciência de uma coisa — então se você não está fingindo tão bem, é porque você quer que eu saiba. BINGO! TE DESVENDEI!

— Filho de uma égua — revira os olhos e expira o ar preso em seus pulmões já admitindo a derrota. Eu sou um gênio! — já percebeu que eu tô levando meu celular pros quatro cantos da Terra toda hora?

— Você sempre faz isso, ué…

— Sério que você não percebeu que meu vício ficou pior? — Raven arregala os olhos para mim.

E só por esse olhar, eu sei que ela está pensando algo como “CUIDADO COM O BURRO” ou “puta merda, qual a sua demência?”. Mas a culpa não é minha se eu não noto muito as mudanças ao meu redor, certo?

— Eu sou idiota, você sabe — sorrio envergonhado — mas, tá. Você se prendeu mais ao celular e o quê que o traseiro tem a ver com as calças?

— Depois fala de mim — já que é a segunda vez que ela esbugalha esses olhos, na terceira ela já pode pedir música no Fantástico, não é mesmo? — eu meio que conheci um cara.

— UM CARA?

— Ele é da minha idade, tá? — Grita de volta — Eu entrei num desses grupos de séries no Twitter e ele também está lá. Quando me dei conta, já estávamos trocando mensagens no privado — se você não sabe o que “privado” significa nessas circunstâncias, vá procurar e depois volte a este capítulo, tá bom? — e agora ele me disse que estuda nessa escola!

— Eita — a típica reação de quem absorve uma reviravolta na historinha da amiga — agora é só gritar no meio do pátio quem tem o nome dele e fica mais fácil de filtrar, certo?

— Errado — a excitação dela esmorece — ele só me disse o sobrenome. Gray.

— Tipo o Christian?

— Não, o Christian é Grey com “e”. Esse meu amiguinho especial é Gray com “a”.

— Grandes merdas — dou de ombros — mas eu vou repetir de novo a frase que eu falei antes: o que o traseiro tem a ver com as calças?

— Hã?

— Por que você está descontando seu nervosismo pra conhecer uma paquera nos seus amigos e da forma mais explícita possível?

— Você já devia saber que eu não tenho um raciocínio lógico digno de um Prêmio Nobel da Ciência, tá — Raven faz menção de caminhar de volta à mesa, e eu vou logo atrás dela — ainda mais quando se trata desse garoto. Você não sabe, literalmente, o que eu sinto quando converso com ele, quando ele me telefona e ficamos mais de uma hora conversando sobre nossas séries e livros favoritos… e às vezes desabafamos um com o outro sobre nossas vidas de merda.

— Você sabe muito da vida desse carinha? Quero dizer, é bom saber pra não ficar desconfiando de quem ele realmente seja, sabe…

— Eu sei que a mãe dele se casou com outro cara aí, bem-sucedido nos negócios, e acabou ganhando um irmão postiço de cara. Ele vive dizendo que não gosta muito do irmão e nem vice-versa, mas que os dois são obrigados a interagir todo santo dia para que os pais não vejam as desavenças e as coisas mudem de novo na estrutura familiar. Tão lindo esse sacrifício, não é?

— Eu também faria o possível pra não me mudar de novo, Fields. É lindo, mas também é a coisa certa a se fazer, não?

— Droga. Eu achei que ele era especial por isso, mas você está incrivelmente certo.

— Eu sempre estou certo, cedo ou tarde — imito a pose do Superman, fazendo-a rir.

Porém, nossos sorrisos desabam de vez quando avistamos Peter Zaslavski ainda sentado na nossa mesa… mas com um peculiar amigo ao seu lado. Aquele amigo do tipo que você nunca imaginaria estar com seu melhor amigo, sendo que na verdade você é o amigo daquele amigo que chegou de penetra. Dá pra entender minha ideia ou nem?

Dá sim, Daniel. Eles não são tapados e sabem que é Shawn a figura misteriosa.

Vai se danar, consciência!

— E-e-ele d-disse q-que… — Peter está claramente nervoso por estar ao lado do meu.. é… meu-alguma-coisa-que-não-dá-pra-descrever-com-uma-palavra-só — quer falar com você.

— E eu realmente quero — o Hans se levanta da cadeira, me encarando como se eu fosse a única pessoa restante no ambiente — podemos?

— Poder, podemos, mas não agora.

— Tem certeza de que não quer adiantar a conversa?

— Que conversa? — Peter e Raven perguntam ao mesmo tempo. Idiotas, não sabem nem disfarçar a surpresa pra eu não pagar mico na frente do Shawnzinho, não é?

— Não se metam nessa conversa — aponto para meus dois amigos retardatários — e você — aponto para Shawn dessa vez — quando eu disse que era mais tarde, eu não quis dizer agora. Eu quis dizer, no transporte escolar.

— Mas eu quero que seja agora — ele põe as mãos nos bolsos.

— Sério que você é tão mimado a ponto de não saber esperar?

— Por favor, eu não vou aguentar esperar até mais tarde — sua voz desce algumas oitavas, o que me faz perceber que já tinha gente de olho na ceninha.

Felizmente, concordo com a cabeça e decido passar reto da mesa, mas não sem antes esbarrar em seu ombro e sussurrar em seu ouvido:

— Se você realmente quer ouvir o que tenho a dizer, vai ter que esperar.

 

.::.

 

— Daniel, por favor… tome cuidado com o que você vai fazer, está bem? — Peter arrisca a me dar um abraço logo depois de falar tais coisas. Fico inicialmente constrangido e perplexo com sua atitude, mas acabo retribuindo-a.

— Cara, não é como se eu fosse assinar minha sentença de morte indo falar com o Shawn, tá? — Digo em baixo tom no seu ouvido — Eu ainda vou aparecer vivinho da Silva amanhã.

— Tô nem aí pra sua saúde física — dou um empurrão de leve nele — espera, essa frase soou errada. Quero dizer… do que adianta você aparecer por aqui se não aparecer mentalmente bem? Ele pode te machucar com uma simples frase.

— O garoto de sobrenome exótico tem razão — Raven repousa suas duas mãos em meu ombro esquerdo, fazendo-me virar a cabeça para encará-la — Shawn Hans infelizmente tem esse incrível poder sobre você de te deixar feliz em um segundo e acabar com sua sanidade no outro. Ele é um bostinha.

— Ele é um bostinha — Peter reitera.

— Eu tenho total consciência de que ele é um bostinha, tá… e por que vocês estão me tratando como se eu fosse tomar a decisão mais errada da minha vida? Só vou contar a ele como me sinto diante dessa história toda! Não é o que ele tem de saber?

— Não é porque ele tem de saber que isso significa que ele precisa — Fields volta a falar.

— Amiga, você não está ajudando — o outro rebate, levando um tapa dela bem no antebraço esquerdo.

— Eu até rebateria seu argumento com outro argumento, Peter, mas a van acabou de chegar e olha quem já está entrando — e aponta para o veículo.

Vejo Shawn adentrar o espaço, e logo puxo Raven junto a mim para entrarmos também antes que o carro dê partida sem a nossa presença. No momento em que piso lá dentro, encaro o fardo da minha vida, bem na última fileira, apontar para o espaço vazio ao seu lado... e é para aquele banco que eu vou. Acomodo-me no estofado, jogo a bolsa no meu colo e estou prestes a dar uma daquelas respiradas audíveis quando sinto uma cutucada no meu braço esquerdo.

E que comecem os jogos.

— Creio que esta será a última vez que nos veremos hoje — noto suas sobrancelhas arqueadas — então… sobre o que quer conversar?

— Boa Sorte, Charlie.

Hã?

— Hã?

— Digo, sobre nós — cruzo os dedos de minhas mãos, quase fazendo uma oração ao vivo pra Deus me ajudar a não travar enquanto eu falo.

Aí eu lembro que provavelmente Deus me repudia por gostar de um garoto.

Enfim.

Voltemos à programação nada normal da minha vida.

— O que, especificamente, você quer dizer sobre “nós”?

Seus olhos brilhantes e bem abertos. Sua mão direita bagunçando meu cabelo. Sua mão esquerda repousando em minha coxa. Sua respiração em sincronia com a minha pela primeira vez em um bom tempo. Todo esse pacote de atitudes pequenas de Shawn neste momento seriam uma fácil distração se eu não estivesse tão obstinado a falar como me sinto. Foco, Daniel, foco. Você precisa arrancar esse band-aid de uma vez por todas.

— Eu te disse há alguns meses da forma mais não convencional possível que gostava de você e que ninguém deveria saber disso — começo a discursar, mas sem olhar diretamente para o Hans e sim para a paisagem que se passa do outro lado da janela — e eu achei que você lidaria com isso da pior maneira, só que a julgar pelo fato de que você ainda não me odeia, alguma coisa nessa história eu fiz certo…

Ele solta um pequeno riso e sorri para mim.

— Eu gosto de você, Daniel, e por mais que a gente não tenha tido o melhor começo de todos, ainda podemos escrever um belo final para isso, não?

— Verdade… mas tem alguns pontos que ainda me deixam bastante aflito. Eu contraio uma passeata de problemas toda vez que acordo e ponho meus pés no chão pra viver o dia… mas é claro, você muito provavelmente não entende o que eu passo.

— Dan, eu posso imaginar que deve ser difícil você não ser aceito por quem você é ou por quem você tem sentimentos. Eu te compreendo, sério... mas eu sei também que você é forte o suficiente pra passar por isso de cabeça erguida. Não é?

Não.

Na verdade, não.

Eu não sou tão forte como todos pensam que sou. Não mesmo. Shawn não sabe o quanto eu sofro por gostar dele. Shawn não sabe o que eu tenho de ouvir todos os dias. Ele não sabe.

Mas vai saber agora.

— Você não me compreende, não é? Você não me entende. Você não sabe pelo o que eu passo todo dia por sua causa. E tá, isso soou clichê, mas é a mais pura verdade. Você nunca teve problemas em se socializar com as pessoas. Você nunca teve problemas em ser um ótimo aluno em um ano e tornar-se um aluno abaixo da média regular em outro ano. Você nunca teve problemas de autoestima. Afinal, você sempre foi esse cara arrasador de corações, o orgulho da família, o irmão do ano, vencedor do Globo de Ouro de Melhor Filho, Melhor Familiar e Melhor Amigo de Todos. Você nunca gostou de outro cara. Você nunca teve problemas por gostar de outro cara. Por exemplo, você nunca testemunhou a opinião imutável de sua família totalmente cristã sobre homens amarem outros homens e ficar com agonia no estômago. Você nunca escondeu de todas as pessoas confiáveis da sua vida que você gosta de outro cara. Você nunca se sentiu obrigado a fazer coisas que não queria somente para esconder de todos os seus amigos e parentes próximos que você gosta de outro cara. Você nunca se privou de ser quem você é por gostar de outro cara. Você nunca quis sumir da face da Terra por um tempo por gostar de outro cara. Você nunca quis morrer por isso. Você nunca fez sacrifício algum por gostar de um cara que não se importava com seus sentimentos em boa parte do tempo. Você nunca quis enfiar a cabeça debaixo da terra quando percebiam que você nutria sentimentos por outro cara. Enfim… você nunca passou pelo o que eu tenho passado desde que te conheci. Então, por favor, nunca diga que você me compreende.

Tudo o que ele faz é olhar para mim fixamente por longos segundos. E eu sei o que seu olhar significa. Ele ainda está tentando entender o que eu passo só para me responder alguma coisa. Eu disse tudo o que queria dizer? Definitivamente não. Mas pelo menos consegui liberar uma de minhas principais preocupações: o fato de que eu me escondo por nós. Eu sofro por mim, e sofro por nós. E me parece que o Hans finalmente está percebendo isso. Ou não. Ele pode estar me enganando com esse olhar, enquanto que seus pensamentos estão direcionados totalmente para a Boa Sorte, Charlie, ou focados demais em fazer sua expressão facial permanecer a mesma pelo resto do dia e só assim meu coração não ser quebrado. Merda. É muito difícil decifrar Shawn Graham Hans, ao passo que é muito fácil me decifrar. Eu queria que as coisas não fossem assim. Mas, infelizmente, elas são.

E é por isso que desisto de sustentar o olhar que lancei para ele no meio do discurso e apenas coloco meus fones de ouvido, pronto para ouvir a primeira música que aparecesse no modo aleatório. E como se o universo estivesse brincando com a minha cara de propósito, a canção que começa a tocar é justamente “Infinity”, da banda One Direction. Sei que não tenho cara de ouvir músicas de boybands e sim músicas de divas pop, mas eu sou aberto a vários gêneros musicais. Eu não reclamaria se Beyoncé e Lady Gaga lançassem músicas country, okay?

Voltando.

Fico tão avoado ouvindo “Infinity” que mal presto atenção na letra da música e muito menos no fato de que já apertei o botão pra aumentar o volume umas duas vezes, me desconectando totalmente do mundo externo. Quando os quatro vocalistas (difícil falar que são quatro e não cinco? Não, até que me acostumei rápido com a saída do cantor que não deve ser nomeado) já estão cantando o refrão pela segunda vez — “oh, querida, eu estava lá por você / Tudo o que sempre quis foi a verdade” — sinto a já conhecida cutucada incomodar meu braço de novo. Tiro o fone esquerdo com calma e me viro para encarar um Shawn Hans com uma cara meio estranha. Dá para notar um pouco de suor sair dos poros de sua testa; porém, ele limpa a região e abre um sorriso meio sarcástico, meio safado — típico dele — antes de sussurrar as cinco palavras que mudariam nossa situação enquanto ela durasse:

— Quer tocar no meu pau?

— É… sério? — Sussurro de volta, olhando pra frente só pra saber se não tinha ninguém ouvindo.

Felizmente, Raven estava lá na frente e só havia ela na van. Shawn será o próximo a ser deixado em casa, e a minha resposta tem que ser rápida se eu quiser me permitir esse momento.

— Sério.

— De verdade?

— De verdade.

— Não ‘tá zoando com a minha cara?

— Não mesmo.

A tonalidade de sua voz é séria. Seu olhar é sério. Ele está parado, ao meu lado — poderia estar de frente se eu me virasse — me oferecendo seu brinquedinho para eu brincar. Eu tenho zero experiência sexual? Bingo. Ele tem 100% de experiência? Muito provavelmente. É uma encruzilhada. Eu posso perder minha inocência e meter minha mão nas suas calças, mas posso simplesmente recusar e perder toda a evolução da nossa história até agora.

Porém, enquanto meu cérebro batalha entre essas duas escolhas, minha mão esquerda já está em cima da sua coxa, sendo visualizada e correspondida pelo olhar de Shawn com sucesso.

— Vou te ajudar com isso — ele usa suas duas mãos para mover a minha até o destino, e quando isso acontece… — gostou do que encontrou?

Porém, não respondo sua pergunta. Apenas continuo concentrado em manter minha mão ali, sentindo o que acabei de encontrar. Sinto-me uma vadia de certa forma. Eu não deveria estar com minha mão esquerda ali. Ela deveria estar onde estava antes, ajudando minha mão direita a segurar meu celular no colo. Eu não tenho mais controle sobre minhas próprias mãos, é isso? Quando sinto que já passei tempo demais com minha mão em seu brinquedinho, tento me desvencilhar da interação, porém os dedos dele são mais rápidos e a seguram antes que ela volte para sua posição inicial. Por um segundo penso que ele fará minha mão voltar ao seu pênis, mas me surpreendo quando ele na verdade a conduz até seu pescoço.

Tudo acontece muito rápido. Num intervalo de cinco segundos, minha mão esquerda está em seu pescoço, sua mão direita está no meu e meu par de olhos tem somente o par de olhos dele para encarar. Nossos rostos se aproximam até demais, a ponto de minha testa encostar na sua. Ambos sabemos o que pode acontecer no próximo segundo. E, pelo menos da minha parte, eu poderia deixar isso acontecer. Eu quero que o fogo encontre a gasolina. Eu quero que essa explosão aconteça. Eu quero que as borboletas no meu estômago voem livremente dentro dele. Eu quero queimar vivo. Eu quero que haja apenas a fumaça da nossa explosão depois. Eu permito.

Infelizmente, o fato de termos chegado em sua casa não permite que isso aconteça.

E ainda bem que não nos beijamos.

Porque isso impediu que meu coração se quebrasse ainda mais depois do que viria a ocorrer.

 

Washington, D.C.

16 de Abril de 2016

Horas antes da facada que pode ou não ter me matado

 

Sinto minhas costas se chocarem contra a parede do corredor dos quartos. O quadril dele está perfeitamente encaixado no meu; suas mãos parecem se encontrar em perfeita sintonia com meu tórax, que sobe e desce conforme os movimentos de meus pulmões, e sua boca distribui beijos por meu pescoço como se tudo o que ele quer seja apenas essa região de meu corpo.

— P-por quê d-do nada v-você — droga, por que eu tenho de gaguejar logo agora? — me quer?

— Daniel, quando eu te beijei naquela hora, não foi pra te convencer a vir. Foi porque eu quis te beijar e provar que posso ser melhor que aquele filhinho de papai — ele diz, pausando sua sessão de beijos em meu pescoço para me encarar seriamente — e você sabe que eu não estou tão bêbado.

— É, eu sei. Você só bebeu um copo e ainda vomitou depois — rio em seguida, fazendo-o rir também com meu comentário, só que ele apoiou sua cabeça em meu ombro. Eu nunca fui tão seduzido por esse garoto em uma noite — mas eu não entendo porque você não me contou antes…

— Ele estava no meu caminho sempre. Você nunca percebeu?

— Eu estava cego pelo joguinho dele, e você, mais do que todo mundo, deve ter notado isso tanto quanto eu — nem sei como estou mantendo a seriedade em minha expressão facial, mas tudo bem — desculpe não ter percebido sua atenção em mim antes, e DÁ PRA PARAR DE APERTAR MEU QUADRIL?

— Por quê? — Como se não tivesse ouvido o que acabei de dizer, ele me prende ainda mais na parede — Não gosta? Desculpa, eu não sei por que pensei que isso poderia acontecer...

— Não… não quero… não quero que você pare — minha língua já está dizendo coisas antes do meu cérebro avaliar — só não quero que me machuque. Dá pra me entender? Seu cérebro ainda tem coordenação motora o suficiente?

— Claro, claro, tudo bem — ele se afasta o suficiente para me deixar respirar.

E então eu o encaro. Céus, ele é tão lindo. Tão quente. Eu poderia ficar com ele pelo resto da minha vida sem me preocupar com mais ninguém. Parece algo fácil de se perceber, mas depois que você entra numa história tóxica como a que eu vivo desde 2014, encontrar alguém que me faça sentir isso é um desafio quase que mortal. A única coisa que sei agora é que eu quero conhecê-lo de verdade, quero abraçá-lo, quero sentir seus lábios, seus braços envolvendo meu corpo, sua voz cochichando em meu ouvido… eu o quero perto de mim como nunca quis ninguém antes.

Então, sem pensar duas vezes, quebro o espaço entre nós e o beijo.


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Notas finais do capítulo

AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA!
NÃO TEM NINGUÉM BEM AQUI! NINGUÉM MESMO!

Querem por a cabeça em ordem? Então lá vai: Raven tá de paquera com um Gray da vida, Shawniel têm uma piada interna via mensagem de texto com Velozes e Furiosos, Daniel pegou no brinquedinho do Shawn, quase rolou beijo Shawniel e no final rolou beijo de Daniel com... com... QUEM VOCÊS ACHAM QUE O DANICO BEIJOU?

Contem todas as reações de vocês nos comentários. Sabem como nos deixam felizes, certo? E fiquem ligados, pois o próximo episódio sai em duas semanas ;)



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