O Curioso Caso de Daniel Boone escrita por Lola Cricket, Heitor Lobo


Capítulo 21
Mine


Notas iniciais do capítulo

Calma. Está tudo bem. Parece anormal, mas... OLHA AÍ MAIS UM CAPÍTULO SAINDO!
Tudo isso graças ao fato de que o notebook da mamis saiu do conserto e agora sim posso escrever na hora que eu quiser (quando estou em casa, claro). A Lola esteve ocupada esses dias, então assumi a tarefa de terminar esse episódio sozinho e olha... o resultado ficou bom demais. Mal posso esperar para ver vocês surtando no final de "Mine" (que não é a música da Taylor Swift, calma, eu sei que vocês ainda têm traumas da overdose de Taylor no começo da história) e gritando nos comentários. Quero gritos, muitos gritos!
Sem mais delongas, aproveitem e boa leitura. Recomendo que ouçam a música referida no comecinho enquanto leem o capítulo ;)



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“Será que daremos certo? Porque, se dermos, estamos levando isso um pouco longe demais… Sozinho no meu lugar, meu coração está longe e tudo em que eu consigo pensar é que nós deveríamos nos casar. Nós deveríamos nos casar. Vamos parar de enrolar com isso e vamos nos deixar levar… Tenho tudo que pedi, menos você. Eu só quero dizer que você é meu, você é meu. Foda-se o que ouviu; você é meu, você é meu. Tudo o que realmente peço é você.”

— Beyoncé & Drake, “Mine”

 

Washington, D.C.

15 de Outubro de 2015

185 dias antes da facada que pode ou não ter me matado

 

Hoje eu fiz avaliações de gramática, literatura e filosofia. Só digo isso mesmo porque me sinto tranquilo agora sabendo que consegui resolver calmamente cada questão de cada prova, e estou confiante do resultado. Acho que aquele sermão do Lucian no primeiro trimestre foi um dos grandes precursores para a minha melhora em algumas matérias — tudo bem, não vou mentir, ainda tenho problemas com biologia e física. MAS QUEM NÃO TEM PROBLEMAS COM ESSAS MERDAS? Sigamos em frente na história porque, por mais que seja a história da minha vida, não precisa ser problemática o tempo todo.

Como sou um dos primeiros da turma a terminar as provas do dia, eu apenas pego minha mochila e me dirijo ao pátio para esperar a hora de ir lá fora pegar minha vaguinha no transporte escolar, ir para casa e revisar as matérias das provas de amanhã. Nesse meio tempo, meu plano é apenas apertar o play e ouvir todo o álbum novo da Selena Gomez, “Revival”, que tá bom pra cacete. Posso também comprar alguma coisa na cantina para comer e até dormir na cadeira. Ninguém virá me incomodar.

A não ser que Peter desça da sala e venha aplicar uma brincadeira pré-Halloween comigo.

É, melhor eu ficar acordado.

Enquanto ouço uma das faixas do álbum da Gomez, “Sober”, começo a pensar involuntariamente — como em todas as vezes em que isso acontece — em Shawn Hans. Desde que Charlotte Evans — SIM, EU DESCOBRI O SOBRENOME DA GAROTA QUE NINGUÉM LIGA E NEM SE IMPORTA — apareceu em sua vida, ele fica de chamego com ela pra cima e pra baixo a manhã inteira. Não que eu fique o seguindo para saber o que ele anda fazendo de tão importante a ponto de só me incomodar quando entramos na van… que isso, imagina, eu não sou Taylor Swift pra ficar me importando com os bofes, certo? Certo. Não vou mentir; prefiro mil vezes a época da vida em que ele só tinha a mim para atazanar o juízo. Pelo menos ele fazia isso comigo e eu sabia que tinha algum motivo oculto nessa história. Mas agora que ele está todo amiguinho da Boa Sorte, Charlie, ele só me quer quando ela não está lá.

Quase que eu falo “melhor você ir chamar a Charlie do cabelo bom”, mas, né, a Beyoncé ainda não lançou o Lemonade pra eu fazer essa referência.

Mal tenho tempo de focar nas músicas que ouço quando percebo uma movimentação no refeitório. É, pelo jeito já tocou para os alunos que terminaram as provas até agora saírem das salas. Por um segundo eu me vanglorio porque saí antes de todo mundo. Mas no segundo seguinte eu lembro que o transporte já deve estar lá na entrada do colégio, pronto para me levar para casa.

E é por isso que saio correndo desesperadamente com a bolsa nas costas e os fones de ouvido pendurados no meu pescoço para fora daquela prisão legalizada. Felizmente, consigo entrar na van a tempo de pegar a primeira fileira da parte de trás da van — a única parte do veículo onde o ar condicionado bate e refresca direitinho — e só esperando pelo meu traseiro para sentar nele. É tão bom quando a gente consegue o que quer, não é mesmo? Dou aquela respirada de alívio quando encosto-me de vez no banco e jogo minha bolsa no estofado ao meu lado, já pensando nas próximas músicas que ouvirei ao longo dessa viagem de volta para casa.

Mas é como eu já disse antes: a vida é como Game of Thrones. Cheia de reviravoltas pra te foder.

— Garoto, você parecia o Flash correndo pra cá — ouço aquela famigerada voz proferir essas palavras — pode dar espaço para eu sentar aí também?

Viro minha cabeça para a direita e lá está ele.

— Shawn Hans.

— Daniel Boone — e ele já vai abrindo a porta — poderia responder minha pergunta?

— Claro.

— Claro é a resposta ou para que você ainda vá responder a pergunta?

— Para as duas coisas — pego minha bolsa, ponho-a no meu colo e dou espaço para que ele entre e se sente ao meu lado.

— Só por você ter feito isso, eu vou te contar uma coisa — ele fecha a porta e se vira para mim — eu tenho um nome do meio.

— Quase toda a população mundial tem um nome do meio, isso não é novidade — dou de ombros — mas qual seria o seu?

— Não conta pra ninguém, porque eu não sou muito a fim desse nome do meio — Shawn chega mais perto de mim, pronto para falar mais baixo do que antes — Graham.

— Shawn Graham Hans — profiro seu nome completo — não sei por que você não gosta muito.

— Acha bonito?

— Combina com seu primeiro nome e com seu último também — dou um sorriso meio que de lado com o canto da minha boca.

— Meu pai também tem Graham no meio — ele se afasta um pouco de mim e foca sua visão no que está à sua frente, assim como eu também faço ao conversar com ele — herança de família, você sabe. Meu irmão mais novo escapou desse nome do meio porque minha madrasta queria deixar a marca dela no filho e não deixar o menino só ter nomes advindos do pai.

Eu nunca admiti isso em voz alta, mas eu prefiro mil vezes conversar com Shawn olhando para o nada à nossa frente. Faço isso porque, se eu olhar em seus olhos enquanto falo alguma coisa, é capaz de minha língua travar, meu cérebro dar um branco e eu simplesmente não dizer mais nada. Olhando para qualquer outra coisa, as palavras fluem, assim como ele está fazendo agora mesmo: encarando o que há do outro lado do vidro da frente e falando comigo.

— Entendo — é só o que consigo responder.

Cerca de vinte segundos de vácuo se seguem depois dessa pequenina conversa entre nós. Quando eu já estou prestes a apertar o play em uma música da banda Maroon 5, sinto a mão esquerda de Shawn tocar meu braço direito, impedindo-me de apertar a bendita opção na tela. Direciono meus olhos para o Hans, e o noto engolir em seco, segurar mais firme no meu braço e dizer as três palavras que eu nunca achei que ouviria com quinze anos de idade — ou melhor: as três palavras que eu nunca achei que ouviria dele.

— Daniel… casa comigo.

Consigo o grande feito de olhar em seus olhos e ter mil coisas a dizer, mas ao mesmo tempo, não saber como dizer essas coisas. Estou simplesmente o encarando, sem expressão alguma em meu rosto, porque é assim que me sinto agora. Sem reação.

Afinal, como você quer que eu reaja a um cara supostamente heterossexual que acabou de me pedir em casamento sem nem mesmo me comunicar que estávamos namorando?

Ah, não, espera. Ele já se autointitulou “meu namorado” umas cinco vezes, mas eu nunca considerei porque sempre achei ser zoeira de sua parte. Será que ele está falando sério?

Não, não, Shawn Graham Hans nunca falaria sério sobre isso. Shawn não é para ser levado a sério, consciência. Jamais. Você só pode fazer uma coisa agora, Daniel Arthur Boone.

— O quê? — Era pra ser uma pergunta, mas acaba soando como qualquer outra coisa, menos isso.

— Quero dizer, não agora, claro — ele coça sua cabeça com a mão livre, enquanto a outra continua firme em meu braço — mas a gente bem que podia casar no futuro, não é?

Shawn diz isso como se 1) fosse a coisa mais óbvia do mundo que 2) nós temos a obrigação de fazer algum dia e 3) tudo não passasse de mais uma das loucas ideias do louco mundo instaurado na louca mente de Shawn Graham Hans.

Adoro falar o nome inteiro dele. Sei lá, é divertido. Não é para você também?

Quem é “você” a quem tu se refere, Daniel? Não tem ninguém lendo essa merda!

Cale a sua boca, consciência. Eu falo com quem eu imagino existir. E se, pra mim, tem alguém do outro lado, então tem. Quietinha. Obedeça-me.

— Até que não é uma má ideia — sorrio sarcasticamente, imitando a mesma expressão que ele exibe em seu rosto agora — é, podemos fazer isso!

— Ótimo, porque eu não aceitaria facilmente um “não” como resposta…

— Possessivo, o senhor, né — arqueio a sobrancelha, dando a deixa para uma barulhenta gargalhada vinda de mim (de quem mais seria?).

— Que nada, eu só cuido do que é meu!

Gente… é cada tiro, né? Cada tiro que eu levo com esse menino que nem sei como lidar. Há mais de um mês eu estava me doendo por tê-lo denunciado por bullying, e agora somos casados imaginariamente.

Acontece, não é? Coisas do dia a dia. Momentos.

— E então — decido me afundar de vez no mar do seu joguinho, mesmo sabendo que essa história de casamento não está nem perto de acontecer — o que faremos agora?

— Vamos morar juntos, ué — ele dá de ombros, e a mão que antes estava em meu braço se direciona ao meu pulso — para onde você quer ir?

— Quer mesmo saber?

— É você quem decide nosso destino agora, meu amor — eu ainda vou entrar em coma por conta desses sorrisos que Shawn me lança a cada frase fofa que ele me joga — pode me responder?

— Então, sem querer ser presunçoso, mas já sendo — aperto sua mão firmemente — o que acha de New York?

— Como você disse antes: até que não é uma má ideia… é, podemos fazer isso! Eu te levo pra lá, te dou tudo o que você quiser, só pra te ver feliz e comigo. Combinado?

O Hans estende seu dedo mindinho da mão que não estava segurando a minha. Fico surpreso, afinal, quem diria que ele saberia fazer a promessa do dedo mindinho, não é mesmo? E para não dar motivos de desconfiança, me enterro de vez nessa história, usando o dedo de minha outra mão para apertar o seu e firmar o juramento.

— Combinado, Shawn Graham Hans.

— Você jamais esquecerá do Graham a partir de agora, não é — é a sua vez de arquear a sobrancelha para mim.

— Não posso esquecer o nome do meu marido, certo?

 

[...]

 

Eu poderia estar concentradíssimo na música que sai dos meus fones de ouvido enquanto observo a paisagem que passa do outro lado da janela à medida que o transporte escolar vai fazendo sua viagem para me deixar em casa. Mas diferente de todos os dias, estou aqui pensando no garoto de quinze anos de idade que se encontra sentado, ao meu lado, e que também está compenetrado na música que está ouvindo. Muito provavelmente é mais um daqueles forrós bregas que ele está acostumado a ouvir. E eu não deveria me importar com isso, mas acho que, depois de ser pedido em casamento e de combinar que sua próxima morada será em (insira a voz de Alicia Keys aqui) NEEEW YOOOOOOOORK (encerre a voz de Alicia Keys aqui), é perfeitamente compreensível você pensar no outro mais do que em si mesmo.

De repente estou tão concentrado nesse pensamento que quase não noto a cutucada de Shawn Graham Hans no meu braço direito.

— Daniel, você pode se encostar no banco rapidinho? Pra eu testar uma coisa — seu tom de voz e sua expressão de pedinte formam o pacote preciso para que eu ceda e me encoste no banco.

Shawn passa seu braço esquerdo na minha frente e abre a janela ao meu lado, prendendo-me ao estofado por alguns poucos segundos e jogando alguma coisa para fora. Consigo olhar a tempo dele descartar os próprios fones de ouvido e voltar para sua cadeira como se fosse a coisa mais natural do mundo.

— O que foi que você acabou de fazer?

— Eles não estavam funcionando muito bem, então os joguei fora — a normalidade na sua voz chega a me assustar — não adiantava mantê-los se não prestavam, certo?

— Entendo seus motivos, mas não foi um pouco drástico-— sou interrompido por seu dedo indicador posicionado em meus lábios.

Tenso… tenso. Se ele não tirar esse dedo daqui, eu faço alguma coisa.

— Relaxe, querido — seu olhar é tão sério e selvagem ao mesmo tempo que me faz baixar toda aquela armadura que ponho todos os dias para que ele não me machuque em sentido algum — apenas… divida seu fone comigo.

— Como é que se diz? — Retruco, tirando seu dedo da minha boca.

— Por favor — ele arqueia a sobrancelha esquerda — divida seu fone comigo. Quero dizer, dependendo do que você está ouvindo…

— “See You Again”. Algum problema com isso?

E voltamos para a programação normal onde Daniel Arthur Boone é um idiota que responde as outras pessoas com um pouquinho de ignorância. Mas tudo bem. O crush dele também faz a mesmíssima coisa quando quer.

— Na verdade, eu gosto bastante dessa música — nisso ele já vai “roubando” o fone esquerdo e colocando no próprio ouvido correspondente — ouvi-a quando fui assistir a Velozes e Furiosos 7 no cinema. Não vou mentir, até que chorei vendo aquele final… mas não conta pra ninguém. Fica sendo nosso segredo.

Também não vou mentir, meus olhos marejaram quando eu assisti na TV àquele final (cadê a professora de gramática pra me parabenizar pelo bom uso da crase nos meus relatos de vida destinados a um telespectador que não existe?). Os motivos para isso ficam claros quando você descobre que foi o último filme com o personagem do Paul Walker e que aquela última aparição dele foi totalmente feita com computação gráfica. Você fica bem triste, cheio de “não me toques” e só quer gritar e perguntar a Deus por que temos de morrer.

Aí você lembra que a culpa pode ser da Eva, que lá na Criação, comeu do fruto proibido e foi condenada a ter vida finita que nem Adão. Aí você se pergunta por quê que ela cometeu essa burrice… bom, paro por aqui minha curta reflexão porque 1) não dá mais pra saber por que Eva comeu o fruto e 2) tem alguém enfiando uma mão por baixo da minha camisa.

Ah, é o Hans.

ESPERA, O QUÊ?

— Viajou aí no lugar, Danico?

— É, minha cabeça foi pra outro lugar e… dá pra tirar suas mãos daqui, por favor? Estamos num local público! — Tento parecer o menos rude possível, mas acho que não deu muito certo. Só acho.

— Então se não estivéssemos em um local público — ele retira suas mãos da extensão do meu peitoral nada definido, mas não sem antes deslizar seus dedos calmamente por ali e só então encerrando o contato físico — você permitiria e a gente poderia até dar uns beijos?

— Eu não disse isso — começo a me atrapalhar nas minhas próprias palavras. Merda, ele me pegou agora — só disse que aqui não é bem um lugar adequado. Tem crianças bem perto de nós.

— Mas se elas não estivessem aqui… — Shawn se aproxima da minha nuca, tira o fone de ouvido direito de mim e sussurra — aposto como você está querendo e muito consumar nosso casamento.

Eu vou ter uma taquicardia. Eu vou ter uma taquicardia. Ele está sussurrando de uma forma sedutora e canastrona bem no meu ouvido, e estou aqui, imóvel, sem a mínima vontade de dar um soco nas suas bolas para ver se ele se afasta de mim pelo resto da viagem.

— Infelizmente para nós dois — ele continua sussurrando — existe uma coisa chamada reputação. Você não devia se importar, mas ela está lá para estragar a sua vida nesse tipo de situação.

— Está dizendo o que eu acho que está dizendo? — Sussurro de volta, bem em seu rosto.

— Depende do ponto de vista — erguendo as mãos em sinal de inocência e afastando sua face da minha, Shawn volta ao seu posto e até devolve o lado esquerdo dos meus fones de ouvido.

Continuo a encará-lo por quase intermináveis quatro ou cinco segundos, até que me permito voltar minha atenção para a estrada que passa do outro lado da janela. Enquanto tento assimilar as últimas palavras do meu crush referidas a mim, o modo aleatório da playlist seleciona “Mine”, de Beyoncé e Drake (um tanto quanto desnecessário na música o rap do Drake, mas tudo bem, os quatro primeiros minutos e alguns segundos depois disso valem a pena) e meus pensamentos tomam um rumo bipolar incrível.

Uma hora eu acho maravilhoso todo esse momento de união entre Shawn Hans e eu; em outra hora tenho vontade de chorar por saber que é tudo uma grande zoeira dele e que na verdade nunca ficaremos juntos. Ora eu me pergunto o que vi nele para me render tão facilmente aos seus charmes; ora apenas me deixo levar pela emoção do agora, ainda sabendo que meu coração será quebrado logo depois sem dó nem piedade. Eu não sei direito em qual dos pensamentos devo confiar pelo resto dessa história. Só sei que devo continuar pensando e desenvolvendo esse pensamento; a conclusão dele é o que vai me dar uma direção.

 

Eu tenho esse problema um pouco - talvez muito - grave. Eu me deixo levar pelas emoções numa velocidade maior que a da luz. Se alguém um dia me trata bem, me elogia e me dá uma atenção a qual não estou acostumado a receber, é certo que no dia seguinte eu já estarei indo atrás dessa pessoa para receber as mesmas coisas outra vez. É como um vício, eu diria... Um péssimo vício, porque eu fico dependente da atenção da pessoa rápido demais, vicio no seu toque e na sua lábia rápido demais. Sei que deveria me precaver, abrir meu coração somente depois de um tempo. Talvez eu seja carente demais, talvez eu sinta todos os dias a necessidade de amar e ser amado de volta... E não é todo dia que se encontra por aí alguém disposto a isso, certo? É mais fácil encontrar alguém que se aproveite da sua ingenuidade e brinque com seus sentimentos, com sua dependência recente e viciosa, com seu anseio desesperado por atenção e carinho. Eu mesmo já encontrei algumas vezes. Poucas, porque eu não sou tão experiente assim; mas o suficiente para entender os lados dessa situação. Tem o certo, que é sempre estar na defensiva e só depender mesmo quando houver toda uma base, toda uma confiança mútua entre eu e a pessoa. Mas tem o errado, que é estar aberto de cara à possibilidade de ter o coração torturado nessa história. E adivinha qual lado eu escolho...

Você gosta de uma pessoa tão babaca que até teus amigos te perguntam: “puta merda, o que você viu nele?” Há alguns meses eu certamente não conseguiria responder essa pergunta. Eu acreditava no amor como um simples sentimento que não precisava de razões específicas para acontecer, que era apenas a sublime sensação de que tudo parecia girar em torno disso. Mas, veja: com o tempo, você precisa justificar o que sente. Eu precisei dar os motivos ao que eu sentia, porque com um galinha daqueles, não dá pra não explicar o porquê da trouxisse, certo? Certo. Então eu comecei a prestar atenção no que me fazia pregar os olhos naquele par de olhos verdes… e fiz a temida pergunta a mim mesmo: o que, em nome da Chanel #2 mortinha, você viu nele pra cair de amores desse jeito?

A resposta não é tão simples, mas é objetiva. Eu vejo nele um sorriso estonteante. Qualquer um que se permitisse manter concentração em seu rosto notaria seu semblante de pessoa relaxada com a vida e se obrigaria a abrir o próprio sorriso apenas porque ele parece estar feliz. Eu vejo nele o mesmíssimo par de olhos verdes únicos, que me convidam a entrar mais fundo no universo fascinante que atende pelo seu nome (o qual obviamente não tenho necessidade de mencionar). Eu vejo nele uma simpatia que todos veem como a única e mera obrigação de ser educado com toda e qualquer pessoa, mas que para mim não é algo forçado… é a sua capacidade de ser amigável e rapidamente ganhar sua confiança com sua conversa cheia de lábia bem expressiva - mas que te deixa rindo da tentativa dele de chegar mais próximo de uma amizade em menos de dez minutos sem precisar falar de família, manias e problemas nos estudos (e provavelmente é por isso que eu não sei quase nada sobre sua vida pessoal). Eu vejo [e sinto!] seus braços me envolverem de uma forma bastante acolhedora, que por muitos pode ser vista como suspeita pelo ato do abraço parecer íntimo demais; para mim só traz um pouco de felicidade à minha nada mole rotina de estudar, discutir em casa e viver na bad com músicas tristes. Seu abraço é como se deixar levar por um vento fresco que te propõe paz, nem que seja por alguns segundos; é como abraçar o Finn Hudson de “Glee” sem ao menos precisar voltar ao tempo em que ele estava vivo; é como esquecer tudo o que te aflige e apenas sorrir apoiado em seu ombro direito. Eu vejo nele a incrível habilidade de me tirar do sério em 5 segundos e de me deixar relaxado na mesma velocidade; nunca ninguém fizera isso comigo antes.

Para ser honesto, não sei explicar o que mais vejo nele. Apenas posso dizer que tudo o que enxergo na pessoa que ele é me faz já acordar apaixonado e me faz dormir na esperança de um dia esse sonho se tornar realidade. O amor pode doer às vezes, mas é a única coisa que eu sei. Mesmo com todos os seus defeitos, eu ainda posso ver uma auréola em sua cabeça.

 

[...]

 

Já passam das dez horas da noite e ainda estou aqui, ouvindo músicas e refletindo sobre meu dia. Após chegar a um consenso com minha própria consciência de que eu não faço a menor ideia do que estou fazendo com a minha vida e de que muito provavelmente eu amo Shawn Graham Hans com todas as minhas forças, — mesmo sabendo que ele não me ama — resolvi apenas deixar esse drama de lado um pouquinho e focar em outras coisas que também precisam de atenção.

Como o fato de eu finalmente ter terminado a primeira temporada de Mr. Robot com louvor e também já ter ouvido o álbum novo da Demi Lovato. Observações finais? “Confident” só tem hinos, hits e os remixes de Cool For The Summer que nem sei pra que estão lá. Ah, e a season finale de Mr. Robot me deixou com mais perguntas que respostas. Acontece, né?

Sinto o sono se aproximar do meu subconsciente enquanto ouço a décima faixa, “Yes”, pela décima (ui) vez em um único dia, mas meu sono é bruscamente assassinado pelo tremor do meu celular. Uma mensagem chegou para mim. No Snapchat, mais precisamente. Agradeço silenciosamente pelo fato de eu ter encontrado seu perfil há uma semana e ter criado coragem para adicioná-lo, porque se não fosse isso, ele não teria aceitado a solicitação anteontem.

Sim. É snap do Shawn. É SNAP DO SHAWN? O QUÊ?

Sem pensar duas vezes, desbloqueio a tela e abro o aplicativo para ver o que diabos ele quer comigo.

“Será que vai passar Velozes e Furiosos 7 na televisão hoje?”

Parece ser uma pergunta besta? Parece. Mas estamos falando do meu crush bipolar. Qualquer coisa vinda dele é lucro se não for uma frase com conteúdo explícito.

Como todo bom trouxa que se preze, saio correndo até a sala de estar — correndo o risco de acordar meu irmão em seu quarto enquanto desço as escadas — e checo a programação dos canais do pacote de TV a cabo. Começou a exibição desse filme na FOX? Tá com legendas? OK.

Sim, eu vou atender ao pedido do Shawn, mesmo não tendo a obrigação de fazer isso. Eu poderia só dar de ombros e dizer “não sei, pega teu controle de TV e te vira”, mas se ele veio me perguntar, é porque ele quer que eu responda exatamente com o que ele está pedindo. E eu poderia me recusar a dar esse gostinho de vitória, mas quando me dou conta, já enviei uma outra mensagem.

“Canal FOX agora. De nada.”

Poucos segundos depois, o modo aleatório do app de músicas (sempre ele!) troca para “Halo”, da Beyoncé (sempre ela!), e ao passo que ela canta os primeiros versos, recebo uma resposta.

“Valeu, man. ♥”

“Você lembra daquelas paredes que construí? Bom, querido, elas estão desmoronando… elas nem tentaram ficar em pé, não fizeram som algum. Eu achei um jeito de te deixar entrar, mas eu nunca tive dúvidas: estando sob a luz de sua auréola, eu tenho um anjo agora.” Talvez Beyoncé Giselle Knowles-Carter tenha passado pela mesma dúvida que eu em algum relacionamento da vida. Será que mais alguém no mundo esteve em conflito consigo mesmo sobre se deixar levar por um sentimento traiçoeiro?

“É como se eu estivesse despertando. Todas as regras que eu tinha, você está quebrando. É um risco que corro, eu nunca irei te calar.” É saudável uma relação te consumir de tal forma que você não tem mais controle sobre suas próprias atitudes? É saudável você ignorar os pontos negativos de alguém em nome de um sentimento aparentemente besta que ninguém mais valoriza?

“Em todo lugar que eu olho agora, estou rodeado por seu abraço. Querido, eu posso ver sua auréola. Você sabe que é minha graça salvadora; você é tudo o que eu preciso e mais. Dá para ver em todo o seu rosto. Querido, eu posso sentir sua auréola, ore para que ela não se vá.” É, já não dá mais para esconder, Shawn Graham Hans.

Quando você irá perceber que meu coração pertence a você? Vá, é sua chance. O quebre em mil pedaços e depois faça uma festa com os cacos. Comemore com os seus amigos o desastre que é amar você. Sim. Eu amo você. E nem mesmo o preconceito, a dor ou a perda serão capazes de arrancar este sentimento de mim. Nem mesmo você. Nem mesmo essa sua mania de destruir tudo o que encontra de bom no mundo. Nem mesmo essa sua mania de manipular o sentimento dos outros. Nem mesmo essa sua mania de me controlar. Nem mesmo essa sua mania de roubar o coração dos outros e fazer um desenho com eles. Meu coração pertence a você, mas o seu aparentemente não pertence a mim.

Infelizmente, para nós dois, eu continuarei com este sentimento.


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Notas finais do capítulo

AAAAAAAAAAAAAA PEDIDO DE CASAMENTO VOCÊS ESTÃO GRITANDO COMO EUE STOYU GRITANO desculpa o surto, gente. Eu também surtei igual um louco quando isso aconteceu e documentar esse dia aqui foi tão emocionante quanto. Enfim, já devem ter notado que Daniel e Shawn prometeram se casar - por mais que no final das contas, todo mundo saiba que é tudo mentirinha e Shawn vai é casar com uma Charlotte Evans da vida. Será que a gente supera? Só o tempo dirá. E os comentários. Bom, vocês podem comentar enquanto a gente não supera, ok? Ok.



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