O Justiceiro de Bela Vértice escrita por Farrel Kautely
Combinaram de ir até a casa de Thais após as seis para conversarem a respeito do plano de Taylor (que Wallace havia adorado). Antes mesmo de saírem da garagem da CPIBV, Wallace já se lamentava com o provável trabalho que levariam para chegar até a casa dela.
– Ela mora em um dos extremos da cidade, e neste maldito horário sempre há trânsitos difíceis. Tenho inveja de não poder ir embora mais cedo como ela. Por que a infeliz não marcou alguma coisa aqui perto?
– Vamos precisar de sigilo – Taylor falou, en-quanto entrava no carro com o parceiro.
– Receio que ninguém esteja realmente interes-sado em escutar nossas conversas. Poderíamos ter tanto sigilo assim lá na minha casa.
– Você não disse que sua casa está recebendo visitas constantes de repórteres?
– Eles não passam da porta – Wallace disse. – Um instante, eles não têm ido até sua casa?
– Eles têm ido até onde eles acham que ainda moro.
Wallace riu com aquilo, mas seu bom humor acabou rapidamente minutos depois, quando chegaram em um engarrafamento. Não demorou muito e uma fila de carros formou-se atrás deles, impedindo que voltassem e tentassem outro caminho.
– Essa maldita cidade é assim – Wallace reclamou. – Ficamos horas parados e quando o tráfego é desimpedido, acabamos descobrindo que não havia absolutamente nada de grandioso obstruindo a maldita passagem.
– Talvez se tivéssemos menos carros na cidade – Taylor sugeriu. – Veja, daqueles três, nenhum tem alguém além do motorista. Ouvi dizer que o metrô de Bela Vértice não é bom.
– Não é bom? O metro dessa cidade é um lixo.
O engarrafamento continuou. Buzinas soavam de todos os lados. Pessoas gritavam palavrões e ofensas enquanto Wallace apertava o volante com tanta força que as juntas de seus dedos pareciam mais brancas que o normal.
Então, um garotinho de cabelo escorrido aparece no vidro de trás do carro da frente e fica encarando os dois. Taylor vê que Wallace sorri para o garoto somo se estivesse se esforçando para se livrar do estresse.
De repente o menino mostra a língua, e o sorriso de Wallace desaparece. Os dois desviam o olhar para outra coisa, e nada do tráfego avançar. Pouco depois Wallace volta a encarar o garoto, que tem a brilhante ideia de lhe mostrar o dedo do meio.
– Mas que filho da puta! – Wallace diz, ao tempo em que acelera o carro e bate com força na traseira do carro da frente. O garoto, que obviamente estava sem sinto, parece se desequilibrar e some de vista, caindo. Wallace sai do carro e Taylor vai atrás dele.
– Controle esse seu moleque, ou terei de dar um susto nele – Wallace gritou para o motorista do carro onde o garoto estava.
O outro motorista sai do carro e começa a gritar. Não chegou, no entanto, a dizer muita coisa, pois Wallace lhe acertou um soco rápido e certeiro no nariz. Imediatamente, outras pessoas saem do carro e tomam partido do homem que segurava o nariz quebrado.
Taylor tentou intervir, achando bem capaz que Wallace desse uma surra em todos eles. Tentou acalmar os ânimos até Wallace tirar uma arma sabe-se lá de onde e dar um tiro para o alto.
– Escutem aqui, seus filhos da puta – Ele falou alto e com selvageria. – Aqui quem vos fala é um desgraçado de alta patente policial da cidade, e exijo que me respeitem como autoridade e voltem para o carro de vocês. Aqui nenhum civil vai intervir num assunto que não lhes diz respeito, ou jogo todos vocês numa cela até amanhã. E acreditem em mim, não preciso disparar um único tiro para dar uma boa lição em todos vocês. Voltem para o carro AGORA.
Funcionou. Taylor ficou observando o parceiro, apreensivo. Estava pronto para intervir caso ele apontasse a arma para alguém que se recusasse a obedecer.
– Agora, meu senhor – Wallace disse, depois de um tempo, dirigindo-se ao homem que acertara –, sugiro que dê uma educação melhor ao seu filho.
Wallace disse isso e deu as costas ao outro.
– Mas e o carro?
– O estrago não foi grande – Wallace disse, olhando para a dianteira do seu grande veículo preto.
– Estou falando do meu.
– Ah, sim! Bem, não dou a mínima para o seu carro.
Taylor cansou-se daquilo e deixou-os ali. Quando Wallace voltou disse que estacionariam o carro na primeira oportunidade que tivessem e iriam seguir a pé.
– Parece que isso aqui só acaba depois das oito.
– O que você combinou com o sujeito lá fora? – Taylor perguntou.
– Ele esquece que eu existo, e eu me esforço para reprimir a vontade de enfiar aquele dedo do garoto na bunda dele.
Taylor não disse nada. Havia visto o parceiro entregar um cartãozinho seu para o outro motorista.
– Vocês demoraram – Thais disse, quando abriu a porta para que eles entrassem.
– Culpa do trânsito – Wallace disse.
– Além disso, paramos para bater num sujeito com um filho mal educado – Taylor brincou.
Thais não estava interessada nisso. Pediu para que entrassem e os levou até a sala de estar. Ofereceu um café que Wallace aceitou, mas Taylor recusou por educação.
– Sua visita mais cedo foi inesperada – Thais disse para Wallace de forma exageradamente formal quando sentou-se na poltrona de frente para sofá onde os dois estavam, com uma xicara na mão –, mas fiquei mais surpresa quando me ligou dizendo que Taylor tinha algo para me dizer.
– Sim, sim. Bem, como eu disse, trata-se de uma ideia bastante agradável – Wallace disse. – Conte a ela Tay.
O apelido era novo para Taylor, que preferiu ignorar. Virou-se para Thais, que o olhava de forma bastante curiosa e começou a falar:
– É uma ideia simples, mas que acho que pode dar certo. Vamos escolher um prisioneiro preso por assassinato e libertá-lo, colocando nele um rastreador. O rastreador ficará desligado por algumas horas e será ativado somente depois de cinco horas; momento que iremos ligá-lo de tempos em tempos e desligá-lo em seguida, até que ele esteja em algum lugar promissor. Afinal, no mundo de hoje, os rastreadores são rastreáveis.
– Eu queria que fossem vinte e quatro horas – Wallace falou, – mas o meu amigo aqui é humanista demais; teme que a tortura comece mais cedo que isso.
– De qualquer maneira – Taylor continuou, igno-rando o parceiro, – depois desse tempo o rastreador será ativado e, com sorte, encontramos o esconderijo, ou um deles.
– É um bom plano – Thais disse. – Mas tem vários problemas. Primeiro; vocês estão sozinhos nisso, se eu estiver certa em supor que Wallace já lhe contou que essa historia de equipe de federais é uma farsa. Em segundo lugar, qual prisioneiro pretendem libertar? Como esperam conseguir tal libertação e, como esperam conseguir o consentimento dele para ajudar?
Taylor abriu a boca para falar, mas Wallace apressou-se em dizer:
– Tenho em mente um velho conhecido meu. O nome dele é Arthur Abrantes, você deve conhecer.
– Sei quem é – Thais disse, surpresa. – Sei o que ele fez.
– Horrível, não é mesmo? – Wallace perguntou – Sequestrar um ônibus com estudantes fugindo da de perseguição policial após ser abordado em seu cafofo com duzentos quilos de uma droga qualquer, se não me engano. Três famílias tristes, o sujeito conseguiu a antipatia de bastante gente. Esperamos que essa antipatia esteja presente neste tal justiceiro também.
– Como espera que ele coopere com isso? – Thais perguntou.
– Eu mesmo o prendi. Conheço o sujeito e sei que posso negociar com ele se prometer algumas regalias bobas.
Ao ouvir aquilo, Taylor lançou ao parceiro um olhar que demonstrava certa indignação. O olhar não passou despercebido da secretária junior de segurança, que perguntou:
– Algum problema com isso, senhor Taylor?
– Ah, ele acha que deveríamos escolher outro menos perigoso – Wallace disse, lançando ao parceiro um olhar que dizia “não fode comigo”. Taylor apenas concordou, depois de alguns instantes.
– Ele realmente não me agrada. Aquilo que ele fez com as três crianças foi horrível.
– Sim, foi – Wallace disse com indiferença. – Mas o que importa aqui é que será ele mesmo. De tal forma, garantimos que o justiceiro venha até ele. De preferência, que isso saia em algum jornal.
– Sim, mas nada espalhafatoso – Taylor resolveu falar –, para que o justiceiro não desconfie. Acredito que o ideal seja que a notícia seja feita de forma que pareça que o repórter tenha descoberto isso, não que a policia saia anunciado.
– E como esperam que isso seja feito? – Thais perguntou.
– A ideia é nossa, e a ajuda é sua – Wallace respondeu, rindo. – É por isso que estamos aqui. Nós mesmos faremos a monitoração e o rastreamento. Quando tivermos a localização, iremos atrás do justiceiro.
– Ah, acho importante dizer – Taylor falou após o término da fala de Wallace – que o rastreador que planejo usar faz muito mais que rastrear. Ele dispara pequenas ondas que retornam a ele ao encontrar objetos sólidos. Isso pode nos dar um mapeamento, mesmo que mínimo, do lugar onde o sujeito estará. Caso julguemos que ele ainda não está em um ponto que pareça ser um lugar de tortura e tudo o mais, desligamos imediatamente o rastreador e o reativamos tempos depois.
Thais pareceu gostar da ideia. Refletiu por alguns instantes antes de propor:
– Tudo bem, ajudo vocês. No entanto, tenho uma condição.
Taylor ficou curioso com as condições que ele iria impor e se aprumou na cadeira. Wallace, no entanto, encostou-se mais confortavelmente com um sorriso no rosto, como se já soubesse o que estava por vir.
– Quando prenderem o justiceiro, vão me ajudar a tirar o atual secretário do cargo.
– E por que quer fazer isso? – Taylor questionou, estupefato.
– Simples, ele está colaborando com o justiceiro – Thais respondeu.
Taylor soltou um “o quê?” muito alto, de surpresa.
– Não diretamente, é claro. Ele está facilitando para o justiceiro. E para ser sincera, ele acredita que vocês dois não possuem condições de obterem êxito.
Wallace riu ao ouvir aquilo.
– Até mesmo você Wallace. Ele sabe que você é bom, mas não acredita que seja capaz, então sente-se seguro em dar a tarefa para vocês.
– Então, o que ele está fazendo, basicamente, é deixando que o justiceiro faça a bagunça? – Taylor perguntou.
– Exatamente.
– Mas ele não parecia estar fazendo isso no dia que cheguei, quando falava com os policiais – Taylor rebateu.
– Apenas aparências, meu amigo – Wallace disse.
Aquilo não fazia muito sentido para Taylor.
– E o que ele ganha com tudo isso? – perguntou.
– Ainda não está claro para mim – Thais respondeu, refletindo. – Mas tenho certeza de que tem alguma coisa relacionada ao prefeito e outros cargos grandes. Ele tem ido muito a reuniões com o prefeito e o governador do estado. Ora, o governador conhece os problemas que o justiceiro está causando, por que ainda não tomou uma medida satisfatória? De inicio, eu acreditei que estavam agindo e pensando da mesma maneira que a população da cidade, mas depois tive a impressão que há alguma coisa a mais aí.
– E o que a população da cidade pensa a respeito do justiceiro se não que ele é um criminoso e que deve ser preso? – Taylor perguntou.
Wallace soltou mais uma de suas gargalhadas e até mesmo Thais deu um sorrisinho mínimo, evitando olhar para ele com seu olhar que o acusaria de ser ingênuo.
– As pessoas amam esse justiceiro, meu amigo – Wallace disse, depois que parou de rir. – Acham que ele está fazendo um favor para a sociedade. Ninguém que perdeu um familiar ou amigo para esses assassinos lamenta que eles apareçam mortos por aí.
– Certamente não são todos – Taylor rebateu. – Você não pode esperar que toda uma população de... quantas pessoas há em Bela Vértice atualmente?
– Algo perto de três milhões de pessoas – Thais respondeu.
– Não pode esperar que toda essa gente compactue com esse justiceiro.
– Toda espécie tem sua aberração – Wallace disse, displicente. – Sempre haverá aqueles que queiram o sujeito preso.
– Não acredito que para você a aberração sejam os que são contra as atitudes desse justiceiro – Taylor disse, indignado.
– Não que eu ache que este é o certo meu amigo. Mas num mundo onde a maioria torce para que o justiceiro continue e uma minoria quer que pare, decididamente, a minoria é a exceção, a “aberração”.
Taylor não soube o que dizer a respeito.
– E tem uma coisa importante para consi-derarmos disso tudo – Thais disse.
– E o que é? – Taylor perguntou, esperando que ela dissesse algo que aliviasse aquela sensação que os belo verticinenses estavam todos loucos.
– Você não vai ouvir a maioria admitir que pensam como Wallace disse. Afinal, por mais que concordem, eles nunca fariam o mesmo.
– Exatamente. Pois é errado – Taylor disse, como se triunfasse.
– Na verdade – Wallace disse, surpreendente-mente sério –, eles não fariam por não possuírem co-ragem. Matar decididamente não é fácil. Daí surge uma certa admiração pelo justiceiro: ele tem a coragem.
Taylor não podia engolir aquilo.
– Eu já chamo isso de covardia.
– Boa sorte em tentar convencer toda a cidade – Thais disse.
Ao saírem da casa de Thais, caminharam procurando por um ponto de ônibus, já que Wallace fora obrigado a deixar seu carro estacionado longe dali mais cedo.
A secretária junior de segurança prometeu que pensaria numa maneira de libertar Arthur, e “primordialmente, urgentemente e decididamente para o dia seguinte”, de acordo com Wallace, que via urgência naquilo.
Quando sentaram-se num banco no primeiro ponto que encontraram, Taylor abordou o parceiro:
– Por que disse a Thais que tentaremos convencer o sujeito a nos ajudar, sendo que você me disse mais cedo que vamos usá-lo sem que ele saiba que o usaremos?
Wallace respirou fundo, como desejando que não precisassem ter esta conversa.
– Não vi motivos para darmos a ela algum motivo para não nos ajudar – o outro respondeu. – Você mesmo viu como ela percebe as coisas, quando ela contou sobre as reuniões e tudo o mais.
– Vamos confiar no sexto sentido feminino? –Taylor perguntou.
– Se isso é sexto sentido feminino, então fui agraciado por alguma entidade divina com este mesmo dom – o outro respondeu, rindo. – Compartilho das mesmas suspeitas que ela... Sabe – Wallace disse, de repente –, acho que você se daria bem com aquele sujeito que estava na central no dia que você apareceu.
– De quem está falando?
– O sujeito dos direitos humanos. Eu já o ouvi dizendo coisas parecidas com o que você disse hoje.
– Não posso acreditar que as pessoas aceitem esse justiceiro como algo bom.
– Pois aceitam meu amigo – Wallace disse, tirando um cantil de metal do bolso. – Afinal, ele está matando quem matou as pessoas que elas amam.
– É o mesmo ato.
Wallace tomou um gole do cantil e de repente começou a rir, chegando a engasgar com o que quer que houvesse lá dentro.
– Do que está rindo? – Taylor perguntou.
– De você. Você é a aberração mais gritante dessa cidade.
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Olá!
Espero que goste e acompanhe a história.
Caso tenha alguma dúvida, sugestão ou correção (pois posso ter deixado passar algo na revisão), eu adoraria conversar com você.
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