Vida e Morte de Zachary Walker escrita por Florels


Capítulo 3
Capítulo II




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Setembro, fim de verão, 1992

O garoto de olhos azuis agora caminhava pela rua silenciosa ainda enevoada da manhã, perguntando-se o que iria ser naquele dia. As tardes ensolaradas de Bloomfield eram agora uma memória distante, a qual ele guardava com carinho e nostalgia perguntando-se quando o sol queimaria sua pele - agora pálida - novamente. Sentia falta dos amigos, dos longos dias de skate sem rumo e nas noites de bebedeiras repletas de histórias no interior de um quarto bagunçado. As tatuagens caseiras por suas coxas seriam o legado desses dias em sua pele, junto das cicatrizes das inúmeras quedas no asfalto. Lembranças disso sempre lhe reluziam um sorriso nos finos lábios.

Mas agora era só a neblina e o triste fim do verão. Não havia mais campinas e vales verdes, apenas montanhas e florestas escuras de pinheiro por toda a parte misturando-se com edifícios clássicos e góticos. Desejou ter se mudado para qualquer lugar menos deprimente que Blue Falls, a cidade vizinha de seu antigo paraíso. De melancólico já bastava o seu ímpeto.

Ele caminhou até chegar no centro, e então parou diante da única loja de cds da cidade. Sempre tinha esperanças de encontrar algum vinil, mas estes já haviam praticamente se extinguido. Passava horas ouvindo Nevermind, seu álbum favorito. Havia ido ao lançamento no ano anterior com seus amigos na cidade natal, lembrou-se que naquele mesmo dia eles pegaram suas guitarras usadas e tentaram reproduzir os riffs no mais improvisado cover de todos os tempos. Foi o mesmo dia em que todos rasgaram suas calças jeans no joelho, porque aquilo parecia algo legal de se fazer.

A lojinha ficava próxima ao Masefield, seu novo colégio. As pessoas da montanha eram realmente fechadas, e arriscava dizer conservadoras. Em seu primeiro dia de aula, podia sentir os olhares o seguindo pelos corredores, bem como a expressão de reprovação dos professores para seu cabelo platinado frequentemente oleoso. Mas Zachary não se importava com isso. Ele se sentava no fundo da sala a fim de observar melhor a todos, e fora as aulas de Artes, dormia ou matava todas as outras. Nessas fugidas, explorava todos os cantos do imenso edifício antigo do colégio, em específico os locais indicados com placas de entrada proibida. Isso o fez ganhar reputação de encrenqueiro no colégio, e a sala da diretora tornou-se aos poucos habitual. Os ditos valentões gostavam dele por isso. Gostava de passar tempo na biblioteca também, onde lia poesias e histórias de mitologia da cidade. Esta última foi sua mais recente descoberta, que o havia deixado obcecado nas últimas semanas. Havia então algo de interessante naquela cidade, afinal. Os ditos nerds simpatizavam com ele por isso. Mas Walker nunca se misturava totalmente com algum grupo, migrando por todos sem se fixar em nenhum. Era visto como um tanto quanto misterioso.

Voltava da escola com Andrew Parks, o garoto de cabelos castanhos cujos olhos verdes transmitiam segurança. Ele era seu vizinho e único novo amigo dali. Os outros eram apenas companheiros de bagunça ou biblioteca, não ultrapassavam as fronteiras do colégio. Mas Andrew era diferente. Ele era um dos melhores do time de basquete do Masefield, e embora andasse com os esportistas populares do colégio, mantinha-se à margem. Assim como Zac, não sentia se encaixar em rótulos e tribos colegiais.

Depois das aulas eles frequentemente iam para a praça central, onde jogavam conversa fora e fumavam um ou dois cigarros. As vezes, quando o dia estava mais parado e seus espíritos enérgicos, entravam na galeria de arte sem pagar entrada correndo pelos corredores, dando início a uma perseguição pelos seguranças locais. A galeria era imensa, os corredores formavam labirintos, era o local perfeito. Haviam diversas portas no antigo edifício, mas eles sempre fugiam pela mesma, que dava nos fundos próximo ao bosque onde os dois desapareciam.

Quase sempre, aliás, os dois pegavam atalhos pelo bosque, coisa que Zac passava muito de seu tempo explorando nos dias de ócio. Ele adorava o isolamento que florestas propiciavam, e depois de suas leituras mitológicas começou a vê-las como algo quase que sagrado.

–Tem certeza que sabe por onde está indo? - perguntou Andrew cético depois de minutos de caminhada.

O garoto ia um pouco atrás, desajeitado, enquanto Zac desbravava agilmente os galhos e raízes da trilha.

–Tô dizendo, isso aqui vai dar lá na ponte do nosso bairro.

Haviam entrado na floresta de trás da galeria, Zac crente de que conhecia o caminho e sabia do que estava falando.

–Nem sei como consigo confiar em você - riu Andrew.

Zachary olhou para trás e sorriu, um sorriso irônico de desafio.

Alguns passos à diante, uma clareira surgia em meio aos galhos. O som do riacho aumentou gradativamente, e antes que percebessem, saíram ao lado da pequena ponte de madeira que ligava o bairro deles ao centro. Zachary lançou um olhar de vitória a Andrew antes de correr até ela. Em seu ponto mais alto, abriu os braços e começou a gritar o quanto Andrew era um fodido. Andrew ria enquanto corria até lá, e ao chegar ameaçou empurrar o amigo para o riacho. Começou-se então uma rápida luta abafada por risadas, e Zac por fim pulou ele mesmo no riacho, sentindo a água gelada por todo o seu corpo renovar suas energias.

–Você é louco, cara - gritou Andrew, pulando em seguida também.

Aqueles foram os últimos dias de alegrias do verão.


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