Vida e Morte de Zachary Walker escrita por Florels
Ensopados e trêmulos porém ainda rindo, eles subiam a rua repleta de casas antigas vitorianas. A maior delas, onde Zachary morava, era a última e mais alta, isolada das outras por uma quadra curta. O pai de Andrew, Antonie Parks, checava o correio quando os dois garotos passaram pela frente de sua casa rósea.
–O que vocês andaram aprontando? Não estavam no colégio? - repreendeu-os observando o estado dos dois.
–Foi um acidente, pai - respondeu Andrew, contendo o riso.
–Um ladrão tentou nos assaltar no caminho de volta, então pulamos no rio da ponte do bairro - Zachary improvisou como o bom contador de histórias que era, lançando um olhar travesso para o amigo.
–Ladrão, no nosso bairro? - perguntou descrente. - Pois deveriam ter deixado que assaltassem, o que tem nessas mochilas surradas além de cadernos e livros?
–Ah é que... - gaguejou Andrew.
–É que temos quilos de substâncias ilegais de tráfico aqui, ia ser um prejuízo danado - Zac contou muito sério.
Aquilo foi além do que eles conseguiam. Instantâneamente caíram na risada, tanto que se curvaram e largaram as mochilas no chão de tanto rir. Sr. Parks revirou os olhos e entrou, gritando para que Andrew fizesse o mesmo. O vento bateu em seus corpos molhados e lhes causou calafrios, forçando uma despedida breve e uma corrida de ambos até suas casas - e seus respectivos chuveiros quentes.
x x x x
Chegando em casa, Zachary deixou um rastro molhado até seu quarto no segundo andar - o sótão. Sua mãe gritou algo lá de baixo, mas ele deu os obros, tanto fazia. Após tomar seu banho quente, sentou-se em sua janela e acendeu um baseado com a última dose da erva um dia lhe dada por Max. Não fazia a menor ideia de onde conseguiria mais por ali. A fumaça o acalmou e aos poucos ele estava deitado, olhando para o céu sem cor enquanto compunha uma melodia em sua mente. Era assim que ele encontrava sua paz particular e temporária. Tinha sempre papel à mão, era nessas horas que a inspiração lhe atacava, embora sua caligrafia durante suas viagens ficasse terrivelmente caótica de se entender depois de sóbrio. A parede azul turquesa de seu quarto estava sempre disponível para mais um rabisco, ou para se colar mais um pôster. Pelo chão, suas calças e suéters se acumulavam, jutamente à garrafas vazias de coca cola e caixas de pizza. Quando o baseado acabou, ele entrou e deitou-se em sua cama, adormecendo quase que instantâneamente.
"Zachary?"
A voz abafada chamava longe, ecoando em sua mente e em todas as suas células.
"Filho, você ta aí?"
Agora a voz era acompanhada de batidas, ainda distante.
De repente a porta se abriu com um estrondo, fazendo-o pular na cama. Como se interrompido de uma profunda meditação, sentiu-se irritado.
–Zac, estou te chamando há horas. Não vai almoçar hoje? - a mulher loira da porta lhe dirigia a palavra.
Lenore era sua mãe. Ela amava seu primogênito mais do que a si mesma, tolerando mais do que deveria em nome de seu amor. Mal sabia ela de que este era um dos passos para se criar um problema.
Zac esfregou os olhos vermelhos, e os apertou com a claridade vinda da porta.
–Ahn, mãe... - resmungou, ainda deitado.
–Que cheiro de fumaça é esse? - ela perguntou em tom de alerta.
–Ah, não é nada - Zachary dizia virando a cara para o travesseiro.
As palavras lhe saíam mais lentas e atrasadas do que seu fluxo de raciocínio. Não seria seguro compor frases elaboradas.
Lenore seguiu a trilha de cinzas que a levou até a janela, onde ela viu no telhado logo abaixo bitucas e cinza que se acumulavam. Um aperto tomou conta de seu peito. Ela se virou para o filho com expressão triste, mas ele estava deitado de bruços e não podia vê-la. Ela foi até ele e se sentou na beira da cama, acariciando de leve seus cabelos lisos enquanto uma lágrima lhe escorria dos olhos.
A manhã de primavera de 1975 lhe veio em mente, dia em que Zachary deu junto ao seu primeiro suspiro de vida sentido à dela. O pequeno garotinho, com pele avermelhada e poucos fios de cabelo, logo chamou a atenção de todas as enfermeiras do hospital por conta de seus notórios olhos azuis. Lenore era apenas uma jovem, ela e seu namorado não haviam planejado nada daquilo. Era tudo tão novo e assustador... Mas o amor entre eles era tão intenso que o filho só poderia ser uma consolidação deste, e ela passou a considerar aquilo uma dádiva. Casaram-se escondidos logo em seguida, era o clássico amor proibido, seus pais eram extremamente conservadores e não queriam sua filha com qualquer um. Seu marido Peter, aos olhos deles, era considerado até hoje como qualquer um.
Zac ouviu o choro da mãe e se virou assustado.
–Mãe... - ele começou a dizer suavemente.
–Prometa que nunca mais vai fazer isso - ela dizia baixinho, desapontada.
Ela então se lembrou das férias de verão de 1984, na costa oeste. Zac havia ficado fascinado, e seus desenhos nas aulas de Artes dali em diante passaram a ter predominantemente praias e palmeiras. Ele sempre dizia que iria morar lá um dia. O pequeno Zac se camuflava fácil entre as crianças litorâneas enquanto brincava na areia da praia: em poucos dias havia adquirido um belo bronzeado que deixava suas bochechas ainda mais róseas. Lenore mantinha o cabelo dele sempre abaixo das orelhas porque era assim que o filho gostava, embora Peter criticasse isso. Dizia que estava deixando o garoto mal acostumado. Mas todo mundo adorava os longos fios dourados de Zac.
–Mãe, calma - ele disse se sentando na cama e dando um abraço em Lenore.
Aí então que as lágrimas dela escorreram com mais velocidade. Ele, mesmo sem entender direito o que acontecia, sabia que ela estava decepcionada. E sabia que a causa de sua dor era ele. Zachary ficou triste por isso, e a apertou em seus braços ainda mais.
"Eu prometo", disse com voz falha e baixa.
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