Safe-Zone escrita por Agatha, Amélia


Capítulo 12
Hopper


Notas iniciais do capítulo

Olá,
1º: A vida está corrida como sempre e por isso estamos postando com intervalos muito grandes. É devido a esse motivo também que esse capítulo não é homogêneo, nós acabamos escrevemos ele em partes.
2º: Como vocês podem ver pelo banner, trocamos a representante da Avery. Por causa disso e de mais alguns motivos todos os outros banners serão trocados. Por enquanto os outros capítulos ficaram sem o banner.
3º: A nova capa está maravilhosa! A Amante Adorável sempre arrasa na edição!
4º: Estamos muito animadas com o futuro da história, conseguimos até ampliar um pouco mais a história de toda a Zona-Segura. Realmente esperamos que vocês curtam.
Boa leitura e não se esqueçam de comentar!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/667183/chapter/12

 

Ela acordou quando uma luminosidade desagradável atingiu seus olhos. Era uma manhã de outono que estava mais fria que o normal devido à chegada eminente da próxima estação, e os raios solares que entravam pela janela eram fracos, mas suficientes para despertá-la. O quarto do casal era virado para leste, de modo que, se as cortinas estivessem abertas, a luz matinal atingiria o cômodo e até poderia aquecê-lo; pelo menos fora isso que sua melhor amiga Emma dissera no verão passado, quando a temperatura ficara acima do tolerável. Avery começou a ter uma série de pensamentos desconexos sobre seu trabalho, sua mãe e até sobre o fornecimento de comida da comunidade. Pensamentos desconexos e lerdos que sempre tinha quando começava acordar, apenas para esquecê-los no instante seguinte.

Quando sua mente se acalmou, a loira decidiu avaliar a situação. Era seu primeiro dia de férias após se dedicar de corpo e alma à construção do centro comunitário; chegara até a dormir em uma tenda no meio da obra para entregá-la antes do prazo inicial. Rick simplesmente havia encurtado seu tempo depois do incidente em Alexandria, todos os líderes a pressionaram para finalizar o trabalho o quanto antes. Ela, como chefe, tinha que reportar todos os avanços nas reuniões que se tornaram diárias. Os palpites também não ajudavam, pois, apesar de eles certamente saberem liderar, não lidavam muito bem com atrasos e nem tinham muita noção de construções. Não que Hopper entendesse de plantas e concreto, ela tinha sua equipe muito bem qualificada que sabia disso, sua função era apenas reportar tudo. Estou até admirada que algumas estruturas estão de pé...

Tirou esses pensamentos ruins da mente e também tentou esquecer o trabalho. Estou de férias. Hopper mais do que ninguém merecia um bom descanso, e isso incluía umas vinte horas de sono ininterrupto. Decidiu que tentaria voltar a dormir. Carl só iria trabalhar em algumas horas, e, quando ele fizesse o café, ela sairia da cama. Mas, se ainda não era a hora de acordar, por que as cortinas estavam abertas? A própria loira se encarregava de fechá-las todas as noites antes de se recolher. Isso era outro assunto que Avery Hopper deixaria para depois. Bastaria mudar de posição na cama, deitando de lado e fechando os olhos para esquecer aquilo tudo. Com certa vagareza típica da manhã, ela puxou as cobertas de lã e esperou ser levada pela escuridão.

O sono não veio. Havia dois estágios que ocorriam logo após o despertar: um deles era quando os olhos se abriam por algum motivo, suas pálpebras ficavam pesadas e se recusavam a ficar abertas por muito tempo, seu corpo não tinha forças suficientes para se mover e sua mente ficava nebulosa, mais dormindo do que acordada; a segunda era quando o corpo estava desperto, mesmo que mole, ainda se acostumando com a interrupção do repouso, só que não era mais possível retornar ao estágio do sono, mesmo com todo o esforço do mundo. Para sua infelicidade, Avery se encontrava no segundo estágio. Merda de relógio biológico. Parecia sensato culpar seu corpo acostumado a despertar às sete da manhã.

Irritada com a constatação de que não conseguiria dormir mais, ela rolou preguiçosamente para o outro lado da cama à procura de Carl. Como não encontrou seu corpo, abriu os olhos imediatamente, sem se importar que a janela idiota ficava de frente para cama, fazendo com que os raios solares a deixassem cega por alguns segundos. Quando seus olhos claros finalmente se acostumaram, ela enxergou seu namorado escorado na parede próxima à janela com uma xícara fumegante nas mãos. Vê-lo bem disposto como estava a fez sorrir, mesmo constatando que fora ele quem deixara a maldita cortina propositalmente aberta.

‒ Bom dia ‒ ela saudou enquanto se arrastava para fora da cama em sua direção, com a voz ainda rouca. Ele mantinha um sorriso vitorioso nos lábios, olhando para sua xícara. Avery desejou com todas as suas forças que fosse café. Como viu que Carl não iria dizer nada, tomou a iniciativa. ‒ Está um pouco cedo para tomar café da manhã, não?

‒ Estou de folga ‒ respondeu dando de ombros. Os olhos da loira brilharam com a notícia. Foram tantos dias em que suas rotinas os afastavam um do outro que ela quase não conseguia acreditar na coincidência.

Imediatamente, sua mente começou a traçar um plano, algo para eles fazerem juntos. Como teriam o dia todo, eles poderiam visitar um posto avançado, um daqueles que ela ainda não tivera o prazer de conhecer. Claro que não tivemos. Carl nos últimos tempos não gosta nem de andar muito pelo Alto do Morro, quem dirá sair pra fora dos muros... Um programa mais caseiro a desanimava, porém era seu primeiro dia de férias, havia muito tempo pela frente. Avery poderia mais uma vez deixar isso para depois.

‒ E por que não me avisou? Eu poderia ter ajeitado as coisas e programado algo pra gente... Quem sabe uma viagem? Ainda não é tarde pra irmos ao Posto 9 ‒ com cavalos rápidos e saindo naquela mesma hora, os dois poderiam aproveitar o rio e as outras coisas que o posto avançado poderia oferecer durante toda a tarde. Sua sugestão seria recusada, ela sabia, só que tentar não mataria ninguém.

‒ Fui dispensado ontem. Quando fui dormir você ainda não tinha chegado... ‒ ele não precisou explicar o resto, tomou um gole do seu não café e colocou um fim ao assunto, ignorando completamente a proposta. Não que Avery esperasse o contrário. ‒ Brianna precisa de cuidados, e eu vou ficar com ela hoje. É por isso que estou de folga.

‒ Ela piorou?

 ‒ Não, ela tem se recuperado muito bem. É apenas preocupação de Harlan, ele acha que ela pode desmaiar a qualquer momento ou coisa parecida ‒ Carl parou e prendeu seus olhos azuis nos dela; Hopper o conhecia bem o bastante para saber o que ele queria.

‒ Eu posso acompanhar vocês?

‒ Se você não se importar de ser babá no seu primeiro dia de férias...

‒ Claro que não.

‒ Então é melhor se aprontar ‒ Avery o avaliou de cima a baixo, dessa vez com um olhar mais crítico, e percebeu que ele já estava pronto para sair. Até a prótese que ele não gostava de usar em casa estava no seu devido lugar. ‒ Brianna está ansiando por essa caminhada e já deve estar nos esperando.

‒ Serei rápida ‒ disse se dirigindo ao banheiro. ‒ Grimes, você já teve maneiras melhores de me acordar.

Então ele riu, e por alguns instantes Hopper ficou petrificada. Isso era algo raro naqueles dias, e ela se esforçaria para ouvir aquele som novamente. Outra coisa que a deixou feliz foi o fato de ele tê-la acordado propositalmente porque queria a companhia dela, mesmo em uma tarefa que poderia ser chata. Isso demonstrava que Carl estava tentando, não estava se afastando como costumava fazer.

Havia um terceiro motivo também, mas esse parecia mais uma ilusão de sua mente desesperada do que a realidade dos fatos. No fundo, ela pensava que aquele convite tinha um significado a mais: ele estava chamando sua namorada para ajudá-lo a cuidar de uma adolescente. Tem que ter um significado maior. O maior desejo de Avery estava estampado em sua testa, e ela se recusava a acreditar que Grimes fosse burro o bastante para nunca ter notado isso. As vezes em que ela comentara sobre filhos foram inúmeras, mas houvera apenas um debate sobre o tema. Sua garganta até começava a arder só de lembrar o ocorrido, principalmente nos últimos dias, em que ela estivera com os nervos à flor da pele e o diálogo vinha à sua mente sem pedir permissão. Diante da exposição do desejo da loira, o homem simplesmente dissera que não era um assunto do qual ele quisesse falar, não hoje, nem amanhã, nem semana que vem, como se não se importasse.

A conversa definitiva tinha sido adiada por tempo demais, entretanto Avery não se arrependia disso. Estava esperando o momento certo: Carl precisava de tempo, e ela estava disposta a esperar por ele o tempo que fosse necessário. As recaídas ainda eram frequentes, e seu namorado precisava da mente aberta e focada para tomar essa decisão. Não que eu tenha precisado de mais do que dois minutos para saber o que eu queria... O assunto também era adiado porque a mais jovem das Hopper sabia que aquela seria uma conversa definitiva, não só para uma futura criança, mas para o relacionamento deles também.

A mulher tinha consciência do estado psicológico de Grimes e fazia de tudo para ajudá-lo, mesmo que seus maiores esforços parecessem não surtir efeito algum. Era como se ele ainda estivesse na Guerra Total, preso naquele dia terrível em que tudo acontecera. Se eles tivessem obedecido seus pais e fugido com Scott, Mikka e as crianças, não teriam sido capturados por Negan, não teriam assistido à morte brutal de Frederick West, e Carl não teria sido mutilado. De qualquer forma, Michonne ainda estaria morta, assim como Patrick e seus demais companheiros de sobrevivência. Nada mudava o fato de que a guerra tinha acontecido, e ver o pior da humanidade havia impedido o ferreiro de dar um novo significado à sua vida. Bastava um pequeno lembrete daquilo tudo para fazê-lo retornar dezessete anos no tempo, e a perna que lhe faltava era mais do que o suficiente.

O namorado de Avery sofria com pesadelos constantes envolvendo mordedores, Salvadores e outras coisas que ele não era capaz de citar. Quando o moreno acordava, assustado e com o coração acelerado, passava o restante do dia com o humor sombrio, certamente remoendo aquilo que vira em seus sonhos. Em outras ocasiões, tinha vislumbres de sangue se espalhando e jurava ser capaz de escutar o som de gritos ou tiros com tanta nitidez como se estivessem de fato acontecendo. E, mesmo que Carl não admitisse, Hopper sabia que os fantasmas de Lori e Judith eram companhia frequente.

O maior problema era que Grimes se recusava a conversar sobre isso, talvez porque temesse externar o que sentia e, dessa forma, tornar tudo real. Para a loira, era como se o filho de Rick não estivesse se esforçando para superar tudo isso, como se tivesse aceitado tal condição. Não era possível que essa vida já não o incomodasse mais. Ela realmente lutava para ser compreensiva e lhe dar todo o espaço possível, afastando-se quando Carl queria e tentando animá-lo quando ele precisava. E, acima de tudo, Avery insistia que não deveria culpá-lo por isso.

Subitamente, a loira percebeu que estivera perdida em pensamentos e ainda não trocara de roupa. Não queria deixar Brianna esperando muito, pois a garota realmente merecia tomar um pouco de ar e Sol depois de ser golpeada na cabeça e passar dias confinada em casa. Hopper não vestiu um casaco, pois era uma pessoa mais suscetível ao calor que ao frio, contudo ficou feliz ao ver que Carl lhe deixara uma xícara de chá na escrivaninha do quarto. Mesmo que ela detestasse a bebida que Jesus insistia em importar do Reino, tinha o hábito de tomar um líquido quente todas as manhãs, e qualquer dia estaria arruinado sem isso.

Avery se esforçou para manter um diálogo durante todo o percurso até a casa de sua mãe. Falou do centro comunitário, do clima e de Sam, conseguindo arrancar de Grimes mais palavras que o de costume. Ele não estava tão sério quanto nos outros dias, o que apenas encorajou a namorada a pensar na possibilidade de começar a conversa. Quando ela pensou em dar início ao tema, o casal alcançou a casa de Gabriela.

Ford estava escorada na parede ao lado da porta com um pequeno sorriso estampado no rosto pálido e magro. Ela tinha um gorro verde-musgo na cabeça e uma pequena folha de papel nas mãos. A ruiva esperou pacientemente que o filho de seus tutores e a namorada dele se aproximassem para abraçá-la. Após os cumprimentos iniciais e as perguntas a respeito de sua saúde, Brianna se apoiou no braço de Carl, e os três começaram a caminhar.

‒ Então, aonde você quer ir? ‒ o homem indagou. Brianna pareceu não escutar a pergunta, apenas apertou a folha que carregava com mais força. ‒ Anna?

‒ Me desculpe, eu me distraí. Eu... A biblioteca ‒ Avery deu um leve sorriso ao ouvir a resposta, lembrando-se dos tempos em que seu irmão e os amigos eram apenas crianças. Enquanto Grace voava como o vento no lombo de um cavalo, Sam perseguia Daryl pelas florestas e Hesh ia atrás de pássaros com seus binóculos, Brianna se fechava na biblioteca local junto com Eugene, longe da terra e do mato que ela tanto odiava. Entretanto, a garota parecia não estar tão animada quanto antes.

‒ Carta de um namorado? ‒ a loira chutou, apontando para o papel que deveria ser a causa da distração. Ao dizer isso, soou como uma tia de quarenta anos de idade.

‒ Não, não! Eu não tenho um... Não! Na verdade, eu recebi uma carta da Grace. Tem algo estranho acontecendo, mas eu não sei o que é. Acho que você deveria ler, Carl ‒ dizendo isso, a garota estendeu o papel para Grimes.

Carl leu e releu o texto em pouco mais de um minuto. Ele estava preocupado, por isso decidiu procurar o mensageiro que trouxera a carta para tentar obter informações a respeito do paradeiro da irmã e, talvez, do pai. Avery pensou em lhe dizer que era inútil, pois, conhecendo o sistema de correios como conhecia, ela sabia que o tal mensageiro não deveria mais estar no Alto do Morro; acabou desistindo porque não custava nada tentar e porque Grimes aparentava estar realmente atordoado com aquilo. E se ele estava realmente disposto a perder seu tempo com isso, que o fizesse.

‒ O que há de errado? ‒ Hopper perguntou com um tom preocupado. A filha de Sarah já deveria ter voltado para o Alto do Morro havia vários dias, mas em momento algum ela parara pra pensar que o motivo do atraso fosse algo grave. Pensando um pouco melhor na situação, fazia todo o sentido que a família Grimes estivesse preocupada com a localização da criadora de cavalos, era inimaginável pensar que Grace estaria passeando pela Zona-Segura enquanto a irmã de criação estava numa cama depois de ter sido atacada. Ademais, ela era uma jovem responsável, não do tipo que simplesmente sumia.

‒ Eu realmente não sei. Ela só disse que está bem e que Rick explicaria tudo quando voltasse, mas ele não deve voltar antes do julgamento. O estranho é que, da última vez que chequei, o Reino estava fechado para mensageiros e só recebia as entregas do lado de fora dos portões. Se Grace ainda está lá, como mandou essa carta? De qualquer forma...

A chefe dos construtores imaginou que houvesse mais naquela carta do que Brianna lhe dissera. O mais estranho daquela situação não era a falta de notícias, e sim que, no momento em que a menina mais precisava, Grace não estava lá. A família inteira da ruiva não estava lá: Sarah estava em Alexandria por causa do julgamento, e Rick e sua filha tinham sido vistos pela última vez no Reino, que se isolara por motivos desconhecidos. E Eugene... Eugene não viria nem se pudesse. Para completar a situação, seus melhores amigos também estavam impossibilitados de lhe fazer companhia, já que David tinha ido a Washington, e Samuel se encontrava confinado no hotel. Avery não conseguia deixar de sentir pena de Ford. Nesses dias, a garota parecia tão solitária e esquecida...

As duas continuaram seu percurso silencioso até a biblioteca da comunidade. Ela era, na verdade, uma casa grande que Jesus havia reservado dezesseis anos atrás para guardar todos os livros que conseguira saquear de uma biblioteca perto de Washington. Desde então, a biblioteca recebera inúmeras doações de moradores até se tornar o que era. Hopper apreciava o acervo que conseguiram formar, mas não podia dizer que era uma frequentadora assídua do local.

Na entrada, foram recebidas por um homem bastante desinteressado largado em uma cadeira atrás de um balcão. Sua característica mais marcante até poderia ser os cabelos ruivos desbotados e lisos que quase alcançavam os ombros, se não fosse pelo aspecto de gênio excêntrico que ele tinha. Era difícil afirmar que os olhos de Isaac Abernathy eram azuis devido à dilatação excessiva das pupilas, porém seu olhar era facilmente definido como o de um louco. Seus orbes se moviam de um lado para o outro freneticamente, totalmente em descompasso com o ritmo dos tremores nas mãos. A pele branca quase transparente se prendia ao rosto magro e fazia contraste com as olheiras profundas, mais um dos vários efeitos que a abstinência lhe causara.

IA, como era chamado, fora um cientista de verdade antes do apocalipse, e dos bons. Já fora considerado o sucessor de Eugene Porter pelos líderes da comunidade. No Posto 6, sua morada original, tinha sido encarregado do controle da metalúrgica local. Sua chegada no Alto do Morro seis anos atrás tinha sido repentina, porém providencial, dezoito meses depois que uma explosão matara metade dos moradores de seu posto. Diziam por aí que ele fora o causador dessa catástrofe, e que Rick e Paul lhe ofereceram abrigo no Alto do Morro logo em seguida. Afinal, seria um desperdício arrancar uma cabeça tão brilhante quanto a dele, mesmo que essa fosse a cabeça de um alcoólatra que, por negligência, explodira quarenta pessoas. Portanto, a biblioteca era apenas uma fachada para que Abernathy desse continuidade às pesquisas de Eugene e às suas próprias.

Mas, obviamente, essa não era a versão oficial. Gabriela Hopper dissera à filha que a explosão na fábrica tinha sido resultado de uma combinação desafortunada de fatores, o que incluía coisas como a chuva forte e a velhice das máquinas. Sendo assim, os líderes do Alto do Morro teriam convidado IA para preencher a vaga de bibliotecário com o intuito de protegê-lo de possíveis ataques dos moradores do 6, pessoas desinformadas que colocavam a culpa no ruivo. Claro que a população desconfiara, principalmente nos primeiros dias após o acidente, quando a fumaça ainda era visível no céu, mas ninguém jamais discordara publicamente do que o Rei Ezekiel, Rick Grimes e Jesus fizeram questão de afirmar.

A destruição fora cinematográfica, assim como a comoção que se seguira. O sentimento de luto sucedido pelo de superação tinha tomado conta da população da Zona-Segura e servira para acobertar IA durante os meses em que ele sumira. Só quando a poeira havia baixado, um ano e meio depois, Isaac surgira das cinzas, enquanto o Posto 6 nunca mais fora o mesmo. O metal, antes abundante, tinha sido soterrado debaixo da maior fábrica do posto, transformando o local em uma mina. Os moradores ganham picaretas para pegar de volta o que já foi deles, e o responsável pelo desastre ganha uma poltrona de couro e um ambiente tranquilo para seus brinquedinhos...

‒ Bom dia, moças. O que vocês vieram fazer aqui? ‒ o antigo alcoólatra questionou com uma voz aguda que beirava o infantil. Estamos atrás de umas doses de vodca e pensamos que a biblioteca fosse o lugar certo, pensou em responder, e teria feito isso, contudo Brianna foi mais rápida.

‒ Bom dia. Eu queria alguma coisa... sobre justiça ‒ se tem uma coisa que ele não conhece, é justiça.

‒ Lamento, moça, mas não tem nada parecido aqui. Eu sugiro Filosofia, pra começar.

‒ Deve servir.

‒ Uau! Eu posso saber o motivo dessa escolha peculiar? ‒ Avery perguntou assim que o bibliotecário se enfiou no meio das prateleiras, caminhando como um animal assustado, molhado e com frio. Sua postura era tão torta que incomodava até mesmo uma pessoa com corcunda da viúva como Hopper.

Em seus tempos de escola, a mulher jamais teria ousado olhar para um livro de Filosofia sem que tivesse sido obrigada por um professor. Nada que se encaixasse no mundo real teria conquistado o seu interesse.

‒ Você sabe, o julgamento. Eu quero estar preparada para ele ‒ Hopper sorriu, surpresa pelo pensamento da mais nova. Então ela achava que devia fazer algo para condenar o criminoso, como se um homicídio público já não fosse o bastante para acusá-lo. Talvez ainda estivesse assustada com a violência que sofrera.

‒ Mas, Brianna, você não precisa se preocupar com isso. Ele matou aquela mulher na frente de toda a Alexandria. Os líderes não poderiam fazer outra coisa além de puni-lo, nem se quisessem, e eles certamente não querem.

‒ Exatamente! Você não escutou as pessoas falando? É como se aquele homem já estivesse morto! É isso o que todos querem.

‒ E você não...?

‒ Olha, eu não estou defendendo um assassino. Eu odiei o que ele fez comigo e odeio mais ainda o que ele fez com aquela mulher. Mas isso não significa que eu concorde com a morte dele. Tudo o que as pessoas dizem é que ele é um monstro, uma pessoa horrível, mas ele ainda é um ser humano!

‒ Assim como a mulher que ele sufocou até a morte ‒ a loira ergueu uma sobrancelha para enfatizar isso. Ford ignorou o comentário, não tinha resposta para aquilo.

‒ Ele foi alguma coisa antes de ser assassino. Ninguém se importa com o que ele sentiu ou fez antes disso. Eu olhei nos olhos dele antes de desmaiar, eu vi como aquele homem estava transtornado.

‒ Mas isso não justifica.

‒ Eu sei que não, nada justifica. O que eu quero dizer é que todos temos maus momentos...

‒... Mas nem por isso saímos por aí matando os outros ‒ a loira completou. Não era uma entusiasta da pena de morte, nem sequer tinha uma opinião formada a respeito disso, mas ver Brianna defendendo a vida daquele homicida não lhe deixava opção além de contrariá-la fervorosamente.

‒ Eu sei disso e sinto muito, de verdade. O que eu quero dizer é que ele deve ter uma família, pessoas com quem ele se importava. Pessoas que vão se importar se ele não voltar. Ele foi algo antes de matar, e esse homicídio não apaga tudo ‒ o tom de voz dela, mais que tudo, irritava a chefe dos construtores. Anna falava como se fosse a portadora do conhecimento e como se Avery fosse uma criança incapaz de compreender. Mas, acima de tudo, falava com paixão.

‒ Apagou, sim, para a morta. Aquela mulher tinha família, um pai e três irmãos, sonhos e uma vida inteira pela frente. Agora ela não tem mais nada, simplesmente porque teve a infelicidade de namorar um imbecil que não soube escutar um “não”.

‒ Avery... Não é justo que as pessoas tratem ele como um animal indo pro abate sem ao menos escutá-lo. Eu não quero que ele seja inocentado por um crime tão grave, eu só quero que ele tenha uma chance. Afinal, as pessoas mudam. E, “uma morte por outra”, sério?

A loira não sabia ao certo como continuar com aquela discussão. Queria dizer à garota que as coisas não eram tão simples quanto ela imaginava, que Ford ainda não tinha visto a maldade que havia no mundo e, felizmente, jamais veria. Queria dizer também que as pessoas nem sempre mudavam, e Hopper sabia disso porque esperara dezessete anos para que Carl voltasse a ser o garoto por quem ela se apaixonara. Talvez Brianna estivesse certa em querer poupar a vida daquele homem, no entanto era difícil encontrar a verdade absoluta, especialmente para um assunto tão delicado. Felizmente, a decisão não está em nossas mãos. Bem, felizmente para mim. Podia ter dito muitas coisas, contudo, mesmo que tivesse conseguido articular a fala, foi impedida.

‒Moças, silêncio na biblioteca.

‒ Não tem ninguém aqui além de nós, moço ‒ Avery rebateu irritada com a interrupção de IA. Ele carregava três livros grossos nos braços magros, mas andava como se estivesse carregando uma pilha de pratos de vidro. Para completar a situação totalmente desgastante em que se encontrava, só faltava que Ford decidisse ficar do lado de Abernathy.

‒Sinto muito, moça, mas você sabe: regras são regras.

‒ Por que você não esquece isso e se concentra na sua futura carreira como médica? ‒ a chefe dos construtores ignorou o aviso do bibliotecário. Queria ver aquele homem tentar impedir.

‒ Eu sempre quis cuidar dos ferimentos das pessoas, mas e se eu puder impedir que elas se firam? ‒ Brianna Ford falou com toda a certeza do mundo. Não era uma pergunta. Seus olhos brilhavam de uma maneira febril; Isaac também possuía um olhar febril, contudo para Avery não havia dois olhares mais diferentes no mundo. Enquanto o do homem transparecia puro transtorno, o outro olhar era algo entusiástico que só os jovens poderiam ter. Era energia, vontade de revolucionar e fazer as pessoas enxergarem o que só ela parecia ver. Meu Deus, quando foi que eu fiquei tão velha?

Ela estava de frente para uma menina que, aos dezessete anos de idade, poderia muito bem ter trocado o seu futuro brilhante como médica por um emprego de advogada, se isso existisse na Zona-Segura. Ninguém precisava de advogados nas comunidades, porém a frase fora dita com tanta convicção que chocara Hopper. Além disso, a menina parecia absurdamente convicta do que faria e deveria ter até um plano em sua mente. Logo, a loira decidiu mudar de assunto mais uma vez.

Deu uma boa olhada na estante de livros mais próxima, caçando algo apropriado para a idade dela. Quando era mais nova, Avery Hopper amava uma ficção científica ou uma aventura em um reino medieval, ou até mesmo os dois juntos, a exemplo da sua série de livros favoritos, Duna. Era isso que Brianna deveria estar lendo.

A arrumação não era das melhores, mas logo viu um nome conhecido e o tirou da prateleira. Na verdade, o que havia lhe chamado a atenção era o nome do autor: Stephen King. Ela não era uma grande fã do autor, nem poderia se considerar uma conhecedora, já que havia lido apenas O Iluminado, contudo não poderia negar que fora um escritor famoso. Como já havia ouvido falar muito bem dele, somado ao fato de o livro escolhido ser bem grande, a loira acabou optando por ele. A mais jovem passaria um bom tempo lendo, e talvez tirasse essas ideias estúpidas da mente. O pior que ela pode encontrar aqui são uns palavrões e umas cenas de sexo...

‒ O que você acha desse? A Dança da Morte ‒ aproximou o livro do rosto dela para que a ruiva pudesse avaliar a capa melhor, enquanto isso aproveitou para ler a sinopse na parte de trás. Porra... A trama se travava de uma série de erros que levara à extinção de noventa e nove por cento da população. Os sobreviventes se dividiram em dois grupos: os que seguiam uma mulher centenária e eram considerados os “bonzinhos”, e aqueles que seguiam o homem escuro, os incorrigíveis. Um arrepio percorreu seu corpo, e os pelos dourados de seus braços se eriçaram como se uma rajada forte de vento tivesse percorrido o recinto.

Aquilo era tão bizarro que ela não pôde deixar de dar uma risada. Ford logo estranhou sua reação, pois Avery parecia de fato uma histérica gargalhando do que havia lido na parte de trás do livro. Poderia ser apenas uma infeliz coincidência, ironia do destino, mas ela preferia deixar aquele livro onde estava inicialmente. A verdade era que King não fora o único autor a idealizar um apocalipse e o fim da civilização, porém nenhum deles jamais imaginara que uma dessas tramas fantásticas poderia se tornar realidade. Além disso, os incorrigíveis e o homem escuro lhe soaram extremamente familiares... Obviamente ela recebeu um olhar de censura do bibliotecário, além de uma nova advertência que continha a palavra “moça” no meio da frase, que fez com que a loira revirasse os olhos.

‒ O que foi?

‒ Nada. Vamos encontrar outro pra você. Essa sinopse me deu sono... ‒ e deve me render bons uns pesadelos também... ‒ Esse autor escreveu vários livros, certamente deve ter algo de que você goste por aqui.

‒ Você tem alguma sugestão?

‒ Eu já li O Iluminado, até que é legal.

Após um pouco mais de insistência da loira, a protegida dos Grimes esqueceu seus livros de Filosofia, que ficaram largados em uma mesinha de centro. Infelizmente, na hora de partirem, Brianna acabou levando um deles e o livro ficcional que Avery tinha insistido tanto para que ela levasse. Foram direto para a casa de sua mãe, com a promessa de que sairiam após o almoço. A pobre garota está desesperada por ar fresco.

‒ E foi esse babaca que pegou o emprego da Athena... ‒ disse baixo, mais para se mesma. No fundo, ela sabia que havia dito em voz alta porque precisava extravasar. Depois de conhecer IA, estava ainda mais indignada do que ficara no momento em que escutara Hall contar a história de como havia perdido a tão sonhada vaga de bibliotecária da comunidade.

‒ Babaca... Mas por quê?

‒ Longa história, é melhor deixar pra lá ‒ era claro que seria impossível deixar pra lá: já havia começado o assunto e, como não iria terminar, a menina ficaria o resto do dia apenas com a curiosidade de saber o que seria aquela longa história. ‒ Vai por mim, você não vai querer saber.

‒ Tudo bem... Só achei ele simpático e um bom profissional... Tá, talvez um pouco perturbado.

‒ Pode apostar, ele é muito perturbado ‒ se controlou ao máximo para não revirar os olhos de uma maneira que a jovem percebesse e que a estimulasse a iniciar uma discussão centrada em Abernathy. O jeito com que Brianna falara em prol do assassino a tirava do sério, era como se ela fosse defender todos os incorrigíveis do mundo. Mais cinco minutos e ela estará defendendo Negan.  ‒ Será que tem comida pra mais um em casa? Ou talvez mais dois, se o Carl resolver aparecer...

‒ Claro que tem, o Ben sempre cozinha em excesso ‒ Avery sorriu, tentando se lembrar da última vez em que vira Gabriela Hopper preparando algum alimento. Algumas semanas atrás, quando Scott e Mika contaram sobre o bebê. Gabriela nunca iria para o fogão por um de nós três, nem que fosse pra fazer uma mísera torta de maçã.

‒ Ben...?

‒ Thorne. Você sabe, irmão do Ashley. Ele cozinhou umas sopas pra mim enquanto eu estava mal. Ele acabou cozinhando pra sua família também.

A loira e a ruiva continuaram caminhando em silêncio, a mais nova apoiada no braço da mais velha. Hopper começava a sentir um pequeno desconforto por ter discutido com Ford, embora ainda acreditasse estar certa. Era perfeitamente aceitável que uma cidadã da Zona-Segura incentivasse uma jovem promissora a seguir sua carreira como médica. Principalmente quando a outra estava tendo tendências a uma profissão tão inútil. Esse era o primeiro crime que ocorria na sociedade em anos de paz em harmonia. Primeiro crime oficial... Uma parte de sua mente se lembrou do homem ruivo sentado confortavelmente em uma poltrona acolchoada, enquanto suas vítimas jaziam nos túmulos rasos de um posto avançado, ou nem isso. Alguns corpos jamais foram encontrados debaixo dos escombros, e vez ou outra os mineiros ainda se deparavam com uma ossada nova.

De qualquer maneira, Brianna não estava pretendendo mudar de carreira. Era, talvez, algo bem maior do que isso, mas certamente não interferiria no fato de ela ser médica mais para frente. Ela queria salvar as pessoas antes mesmo de sofrerem dano físico, salvar suas almas. Não só a do assassino como também as das pessoas que desejavam a sua morte. Brianna havia crescido em um mundo ideal onde pessoas só morriam quando a natureza as levava; era justo que a execução de qualquer ser humano a horrorizasse. Era um sentimento muito nobre, e Hopper só soava mais mesquinha quando pensava apenas no número de médicos disponíveis.

‒ Eu te entendo ‒ a jovem a olhou confusa, esperando que a sentença continuasse e fizesse mais sentido. ‒ Na sua idade, eu também queria salvar o mundo, acabar com uma guerra... OK, a guerra foi um pouquinho depois, mas acho que esse caso se aplica. A diferença é que eu queria matar um lunático que destruiu milhares de famílias, e não salvar um.

‒ Espera, então você concorda comigo? ‒ os olhos azuis de Brianna se iluminaram com a possibilidade de ter mudado a mente de alguém. Quero só ver como Sarah vai receber essas ideias... ‒ Eu estava com tanto medo de as pessoas receberem as minhas ideias da mesma forma que você...

‒ Pode parar por aí, mocinha. Eu disse que te entendo, não que concordo. Eu ainda sinto repulsa por aquele homem e certamente não vou lamentar se enfiarem uma bala na cabeça dele. De qualquer forma, eu admito que você possa estar certa e até aprecio a sua preocupação.

‒ Eu soube que somos menos de dois mil aqui na Zona-Segura. Nós já perdemos uma pessoa; vamos perder mais uma agora? Nós estamos em guerra de novo? Certamente existem outras maneiras de neutralizá-lo sem acabar com a vida dele. E, se um dia ele aprender, talvez até possa voltar a viver com os outros. Sim, são tantas possibilidades...

‒ O que você está fazendo é muito bonito, Anna. Você está lutando por algo em que acredita.

‒ É o que as pessoas deveriam fazer. É idiota não lutar por algo em que se acredita, não?

As mulheres pararam diante da porta da residência de Daryl e Gabriela. Bastou olhar pela janela para saber que não havia ninguém lá dentro, o que foi confirmado pela porta trancada. Avery subiu nas pontas dos pés para pegar a chave que sua mãe deixava logo acima da porta, pensando na garota que, no auge da sua adolescência, era mais sábia que ela própria. Eu sou a idiota.

Encontraram, na bancada da cozinha, uma tábua repleta de folhas e legumes bem temperados. O cheiro que a salada emanava fez a loira torcer o nariz, e mesmo assim ela se obrigou a experimentar, como havia sido ensinada ainda na infância. Bastou mordiscar uma rodela de tomate para que a chefe dos construtores sentisse o estômago protestar. De repente, Avery não tinha mais vontade nenhuma de almoçar.

‒ É toda sua ‒ ela comentou ao empurrar a tábua na direção de sua companheira.

‒ O que foi? ‒ Ford levou a comida para a mesa, onde se sentou para comer sua refeição saudável. Seus olhos, os olhos de Abraham se ele fosse pacifista, fitavam Hopper com atenção, como se tentassem ler seus sentimentos. Estava claro que ela não se referia só à salada.

‒ Não gostei do tempero ‒ a mulher disfarçou e começou a remexer os armários em busca de alguma coisa comestível.

‒ O Carl sumiu...

‒ Ele faz isso ‒ dessa vez, foi impossível disfarçar a acidez da resposta.

‒ Ele é o único da família que ficou aqui, mas também não está ‒ a ruiva suspirou. Ela e Carl não eram exatamente irmãos, mas ainda eram família. Teria sido bom se ele tivesse dado mais atenção à protegida de seu pai, pra variar.

‒ Carl prefere ficar sozinho, mesmo que seja só por dentro. Algumas vezes por fora também. Ele só precisa de um pouco de espaço e de tempo, e da nossa compreensão.

E do nosso amor. Não era isso que ela tinha dado todos esses anos? Sim, Avery dera a Carl tudo o que ele queria mas não ousava pedir: era paciente quando Grimes quase perdia a cabeça, aberta ao diálogo nas raras vezes em que ele queria conversar, compreensiva nos períodos de isolamento e presente quando ele apenas precisava de alguém ao seu lado. Hopper não o culpava, de forma alguma. Havia feito tudo isso conscientemente porque o amava e porque ele precisava. Aquilo a fazia sofrer, mas nada que superasse o sofrimento dele. O casal passara por experiências semelhantes, contudo era natural que cada um lidasse com isso de forma diferente.

Mesmo assim, Hopper não conseguia deixar de sentir uma ponta de inveja de Scott e Mika, uma inveja saudável. Ambos perderam suas famílias várias vezes, enfrentaram uma guerra na adolescência e superaram a morte de uma filha, juntos. E o Universo os compensava com a chance de serem pais de novo. Enquanto isso, Carl se fechava em seu mundo de dor e lembranças, apático e indiferente aos apelos de Avery, que variavam entre o desespero e a gentileza.

‒ Então, Avery, por que você não conversa com Carl? Eu acho que vou dormir um pouco. Agradeça a ele por ter cuidado de mim ‒ a garota disse tudo com um tom casual que lembrava mais que vagamente a sagacidade de Rosita Espinosa. A loira olhou enquanto ela se encaminhava até o quarto, pensando na sugestão óbvia e impensada que acabara de receber. Conversar. A menina era bem mais esperta do que todos acreditavam, havia muito mais embaixo daquela aparência frágil e delicada.

A conversa só ocorreu no final da tarde, quando o céu era pintado com as cores únicas do crepúsculo. Ela arranjara algo para comer ou apenas enganar o estômago, não tivera vontade de almoçar, não enquanto buscava as palavras certas. Chegara até a ensaiar um pouco, o que momentos depois lhe parecera muito estúpido. Organizara a casa, iniciara uma faxina na sala e até lera um livro que estava jogado na sala de estar.

Carl entrou pela porta da frente com um olhar tranquilo, o que quer que ele tivesse feito todas aquelas horas parecia ter dado certo ao olhos de Avery. Estava tão ansiosa que o encurralou ali mesmo, num local que eles geralmente nem usavam muito. Pronta para tomar atitude, ela ajeitou a postura para parecer mais confiante e mostrar que não estava disposta a ceder. Debateriam o assunto naquele dia.

‒ Perdi o mensageiro ‒ ele falou, e foi como se Hopper levasse um tapa na cara, não estava preparada para aquilo. De todos os cenários que ela construíra em sua mente, nenhum deles se iniciava com seu namorado falando sobre um assunto casual. ‒ Mas encontrei um cara que conversou com ele e disse que a mensagem veio do Reino. Pelo menos o mensageiro era de lá. E isso é muito estranho, porque nenhum mensageiro ou entregador tem entrado ou saído de lá nos últimos dias.

‒ E isso ajuda em quê, exatamente? ‒ disse sem interesse nenhum no que ele falava.

‒ Nós sabemos que Grace ainda está no Reino ‒ seus olhos faiscavam de uma maneira que a fez se lembrar de IA. Estava visivelmente animando. ‒ Estou pensando em ir pra lá amanhã...

‒ O quê?!

‒ Vou para o Reino amanhã. Você quer ir junto?

‒ E a sua outra irmã? ‒ Avery percebeu que estava elevando muito seu tom de voz, contudo tinha sérios motivos para fazer isso. Ele queria sair depois de meses em que ela tentara inutilmente levá-lo apenas para fora dos portões. Tratou de falar mais baixo, tentando ser realista e fazer com que ele fosse também. Eu só posso estar louca... Deveria estar feliz por ele querer sair. Deveria estar correndo para fazer as malas e sair antes que ele mude de ideia. ‒ Brianna não tem mais ninguém.

‒ Sua mãe pode cuidar dela, Maggie também.

‒ Ninguém da família, Carl ‒ era agora ou nunca. ‒ Nós precisamos conversar, e não tem nada a ver com a sua irmã. Ela tem mais de vinte anos, sabe se cuidar. Não tem com o que se preocupar. Se ela não pode estar aqui por algum motivo...

‒ Sim, ela pode estar precisando de ajuda!

‒ Carl, ela está bem.

‒ Mas e se... ‒ ela colocou uma das mãos nos seus ombros e forçou para que ele colocasse seus olhos nos dela. Por alguns segundos, a loira se amaldiçoou para não prestar atenção nos sinais, caso não estivesse tão preocupada com o que iria dizer para ele teria percebido que seu namorado estava apavorado. De alguma maneira, o cérebro de Grimes havia raciocinado que o sumiço de sua irmã mais nova se devia a algum ataque, alguma invasão. Era um pensamento estapafúrdio, claro que era, todavia, para uma mente frágil como a dele, era uma situação muito plausível.

Hopper não precisava raciocinar muito para saber que ele estava sendo assombrado pela perda de uma segunda irmã. Fazia quase duas décadas do ocorrido, mas as lembranças nunca pediam licença para invadir a mente, e ela mesma vez ou outra se via lembrando de acontecimentos passados incrivelmente dolorosos. A diferença era que ela escolhia olhar para o futuro, e Carl não queria ou sequer tinha esse poder de escolha.

‒ Carl, Grace está bem. Ela enviou uma carta mandando notícias e o sistema de correios provavelmente entregou com um pouco de atraso, mas isso tudo era esperado. Não estamos em guerra e não vamos estar nunca mais ‒ disse o mais calma possível e com a voz mais doce que conseguiu fazer para não deixá-lo mais alarmado. Dizer a palavra guerra fora um risco calculado.  ‒ Não tem nada com que se preocupar... Provavelmente Ezekiel quis que ela ficasse por alguns dias, afinal, não é todo dia que um Grimes sai do Alto do Morro, certo?

‒ Acho que sim... ‒ ele passou a mão no rosto, como se afastando de vez aquelas ideias malucas. Demorou algum tempo, mas ele retomou o dialogo. ‒ Sobre o que queria conversar?

‒ Nada, não precisamos falar sobre isso hoje.

‒ Pode falar ‒ ele se inclinou para beijá-la de leve no canto dos lábios, e Avery fechou os olhos para aproveitar da melhor maneira possível aquele momento. No fundo, preparava seu coração para o pior.

‒ Você sabe do que eu quero falar, Carl.

‒ Combinamos de não falar mais sobre esse assunto.

‒ Ninguém combinou nada. Você disse que não queria falar sobre isso, e eu respeitei a sua decisão. Mas e agora? Você já considerou a possibilidade de levar em conta o que eu penso? Eu só quero uma resposta. Me diga que você quer o mesmo que eu, ou que isso é loucura. Apenas diga alguma coisa.

‒ Avery...

‒ Eu já sei o que eu quero. Eu quero um filho. Eu só preciso saber se posso contar com você ou se vou ter que fazer isso sozinha. Porque eu vou.

‒ Não é isso que eu quero. Não agora, nem em um futuro próximo.

‒ OK.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Então, o que acharam? Gostaram da troca? E o final?
O próximo deve ser bem menor e com novidades. Ele já está pronto, então só depende de vocês (e de uma revisão).
Até!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Safe-Zone" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.