Safe-Zone escrita por Agatha, Amélia


Capítulo 11
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Notas iniciais do capítulo

Olá!
Sim, nós voltamos. Não, nós não decidimos o final da história. Porém, conseguimos fazer um grande avanço no planejamento durante essa longa ausência e anunciamos orgulhosamente que temos o enredo pronto até o capítulo 33. Pra frente, apenas especulações e alguns desejos para o desfecho.
As coisas realmente ficarão movimentadas daqui a dois capítulos, mas por enquanto ainda estamos arrumando as peças no tabuleiro. Esse capítulo é uma introdução muito importante para o restante da história e apresenta um dos núcleos mais agitados até então. Realmente esperamos que vocês gostem do que vão ver.
Boa leitura!



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— Tem certeza de que podemos fazer isso? 

— Sim, tenho — Wirt sussurrou de volta. A mentira saiu mais fácil do que ele tinha imaginado, talvez pelo fato de os dois estarem de costas um para o outro. Banner não tinha garantia alguma de que aquilo não daria problema, mas, se ele dissesse isso a Wesley, perderia a companhia e o guia. 

O filho de Malcom e Rose nem sequer sabia a quem pertencia aquele barco, todavia suspeitava que fosse de Mitchell, o cara no comando. Ele lhe parecera muito ocupado conversando com Hesh, por isso o garoto optara por não pedir autorização. De qualquer forma, o que teria dito? "Com licença, senhor. Posso subir no seu barco pra dar uma olhada?" Não parecia uma pergunta que se fizesse a alguém, especialmente a um completo desconhecido. 

Quando o líder daquele grupo lhes dissera que eles eram nove centenas, todos os patrulheiros acharam que era exagero, e Steve até rira. No entanto, conforme mais barcos paravam, e foram mais de dez, mais e mais pessoas surgiram na praia com rostos cansados e roupas esfarrapadas. Mesmo que não fosse possível estimar a quantidade, era provável que Mitchell estivesse certo. A ideia de fundar o Posto 15 para abrigá-los, algo que Wirt havia orgulhosamente planejado antes de ver toda aquela gente, não seria viável. Teriam que construir uma comunidade com o dobro do tamanho do Reino para dar a todos eles um lugar onde viver, e pensar nisso, uma comunidade nova e gigante, o excitava mais. 

Mitchell era estranho, Banner tinha que admitir. Além de ser mais baixo que qualquer outro homem, inclusive Wirt, ele usava uma blusa marrom desbotada que, por ser larga demais, o tornava ainda menor e tinha o seu nome na parte superior das costas e o número 2 destacado dos dois lados. O líder dos novecentos tinha olhos escuros expressivos e uma voz que era ao mesmo tempo tranquila e autoritária, carregada de poder. Era peculiar a forma como todos daquele grupo o respeitavam e buscavam a sua ajuda antes de tomar qualquer decisão, mesmo que fosse o local onde deveriam descarregar os barris vazios. Mas seus dois companheiros, na opinião do mensageiro, eram mais interessantes. 

O homem que Mitchell chamava de Winike deveria ser a pessoa mais alta do mundo e segurava o seu facão da mesma forma que uma criança seguraria um graveto. Wirt precisava virar a cabeça toda para cima se quisesse olhar para o rosto dele, que era duro como uma rocha e marcado por uma cicatriz na sobrancelha esquerda. A outra não era nem de longe tão alta e forte quanto Winike, mas era muito bonita e se portava de uma forma que lembrava vagamente Rose Banner, levando na mão direita uma lança com uns dois metros de altura. A dupla andava sempre atrás de Mitch e fazia tudo o que ele mandava, o que, para o jovem da Fortaleza, era no mínimo intrigante. Um homem que tinha descido de um barco carregando uma enorme caixa de madeira tinha explicado a Banner, ao perceber a sua curiosidade, que os dois eram os protetores de Mitchell, mas o garoto não tinha entendido muito bem o que aquilo queria dizer. 

— OK, vamos logo. Não quero perder a comida. Chad disse que eles assariam peixes. 

— Certo. Espera, Wes, o que é isso? — o mais novo apontou para uma palavra inscrita na lateral do barco em letras vermelhas e caprichadas. Maresia

— Não sei o que significa essa palavra... Mas eu sei que esse é o nome do barco. 

— Como assim? 

— Todos os barcos têm nomes. Depois que terminamos de construir um barco no Posto 9, o capitão escolhe um nome e escreve nele. E, antes que você me pergunte o porquê, eu não sei. É uma tradição, eu acho. 

— Legal — Wirt sorriu, tentando memorizar o fato para questionar alguém mais tarde. Devia ser uma tradição pré-apocalíptica, pois era a única forma de explicar porque ela era seguida tanto pelo Posto 9 quanto por pessoas estranhas que disseram ter vindo de uma ilha no meio do mar. Também tentaria se lembrar do nome do barco de Mitchell, pois talvez mais tarde alguém pudesse lhe dizer o significado de tal palavra. — Então, Grande Entendedor de Barcos, por onde nós subimos? 

Allen riu com certo orgulho e mostrou ao companheiro o caminho para subir, ou, como Wes dissera, embarcar. Os dois foram parar em um local aberto com o piso de madeira, cercado por uma grade baixa de metal e com uma casinha no centro. As tábuas rangiam sob os pés molhados de Wirt a cada passo lento que ele dava, observando o barco com uma admiração quase infantil. Era espetacular. Ainda havia o cheiro salgado do mar e os ventos fortes do início da noite que seguiam em direção ao oceano, completando o ambiente. Tudo era muito inebriante, até o balançar quase enjoativo da embarcação em função do movimento das ondas. 

O cansaço de Wirt dera lugar à animação com a descoberta desse pequeno novo mundo. Nadar no mar com os outros patrulheiros tinha sido um alívio, mas aquilo era completamente diferente, era como se estivesse na tal ilha de que os forasteiros vieram. Visitar um posto avançado era mergulhar em histórias e tradições singulares; cada lugar possuía o seu. Assim como cada comunidade possuía um tipo de governo, os postos também possuíam, e o mesmo poderia se dizer dos estrangeiros. Havia toda uma hierarquia que regia as vidas desses homens e mulheres, e isso não os fazia muito diferentes dos moradores da Zona Segura. Talvez a única diferença entre os dois grandes grupos fosse que Mitchell e seu pessoal não tinham um lar, ainda. Banner queria, mais que tudo, conhecer aquelas pessoas, saber como tinha sido a vida deles antes de se lançarem ao mar, onde ficava a sua ilha, por que saíram de lá... Para o mensageiro, um amante da história anterior ao apocalipse, aquelas nove centenas de indivíduos eram mais do que a sua mente poderia processar. 

Ele foi até a casinha branca encardida do barco e, sem pensar, girou a maçaneta da porta. Não estava trancada e deu acesso a uma sala pequena com uma bancada rodeando metade da parede do outro lado e uns equipamentos estranhos espalhados por todo o canto. Wesley deveria saber a utilidade daquilo tudo, mas Wirt estava mais interessado na escadaria que descia até um corredor estreito. O garoto acenou para o seu companheiro, chamando-o para lá sem ousar falar nada para não obstruir o som das ondas varrendo a areia. Os degraus estavam mais gastos que o piso, protestando toda vez que o peso dos jovens era aplicado sobre eles. O corredor mal iluminado por velas nas paredes seguia nos dois sentidos por toda a extensão do barco e era repleto de portas ovaladas com janelas redondas no topo distribuídas alternadamente dos dois lados. 

— Uau! Estou começando a achar que esses caras são piratas! — Allen abriu uma delas logo à direita da escada. 

— Piratas? — os patrulheiros entraram no cômodo, que na verdade era o quarto de alguém. Mais da metade do seu espaço era ocupado por uma cama dobrável, e além disso havia apenas um móvel de madeira com alguns objetos em cima e três gavetas embaixo. 

— Nunca te contaram histórias de piratas? Quando eu era pequeno, quase sempre meu pai estava ocupado demais para os filhos vivos, e a minha mãe passava as noites olhando para o rio e esperando que os filhos mortos voltassem, então a minha irmã me contava histórias pra dormir. Gwen dizia que os piratas eram homens e mulheres destemidos que cruzavam os sete mares em barcos maiores que casas. Eles eram os donos dos oceanos e podiam fazer o que quisessem neles. Jolly Roger, William Kidd, Jack Sparrow, Bartholomew Roberts, Henry Every, Killian Jones, Anne Bonny, Ching Shih... Eu nunca pensei que fosse conhecer piratas de verdade. 

— Que maneiro! Eles devem ter muitas histórias pra contar. Olha isso — Banner apontou para um caderno preto e pequeno que estava sobre o móvel. Na parte inferior da capa havia uma faixa branca onde era possível ler "C. Mitchell". 

— Estamos no quarto... 

— Quem são vocês e o que estão fazendo no quarto do meu irmão? — uma terceira voz surgiu do corredor seguida pelo rosnar de um cachorro. 

A dupla se virou abruptamente para ver um menino negro com pouco mais de dez anos de idade vestindo uma jaqueta laranja em bom estado e uma faixa verde-musgo amarrada na cabeça. Ele estava acompanhado por um cachorro que, ao contrário dos da Fortaleza, era pequeno e esquelético, com pernas tão finas quanto palitos e a cabeça um pouco maior que uma bola de beisebol. Mas o que chamava a atenção naquele animalzinho era a sua feiura exagerada: seus olhos eram vesgos e opacos, e seu corpo era cinza escuro e completamente desprovido de pelos, exceto no topo da cabeça, onde um tufo branco, longo, desgrenhado e ralo se projetava sem motivo algum. Aquilo era definitivamente a coisa mais feia que o garoto já vira na vida e, de certa forma, parecia mais ameaçador que o menino com expressão desconfiada e irritada e voz marrenta. 

— Nós... Seu irmão... Só queríamos ver o barco — Wirt falou. Não tinha desculpa nenhuma para inventar. — Eu nunca estive em um antes. 

— Isso não te dá o direito de mexer nas coisas dos outros. Felix Fausto, pega! — o irmão de Mitchell apontou para os patrulheiros com a mesma voz autoritária que Chad usava para dar um comando aos seus cães. 

— Não... — Wes esticou os braços para se proteger de um ataque que não veio. Felix Fausto, felizmente, não obedeceu ao comando daquele que deveria ser seu dono e, em resposta, apenas balançou o seu rabo estupidamente. Os Salvadores suspiraram de alívio, porém o mais novo não estava tão contente quanto eles. 

— No lugar de onde vocês vêm não ensinam a não entrar em lugares onde não são convidados? 

— No lugar de onde você vem não ensinam a ser educado com as visitas? — o mensageiro rebateu e soltou algumas risadinhas com o companheiro. O menino corou de raiva, sem saber o que responder. 

— Pensei que você estivesse aqui — mais uma pessoa surgiu no corredor, dessa vez uma voz conhecida que fez a pele de Wirt gelar. Mitchell se postou ao lado do irmão e passou uma mão carinhosamente pelos cabelos dele enquanto avaliava o quarto com olhos tristes. — Já vestiu as suas melhores roupas, Benny? 

— Sim — Benny disse obedientemente. 

— Ótimo. O jantar será servido logo, e não quero que se atrase. 

— Eu estava indo pra lá, mas encontrei esses caras estranhos aqui. Eu estava dizendo a eles que não deveriam entrar no quarto. 

— E por que eles não poderiam entrar no quarto? Não há nada de muito valor aqui — C. Mitchell sorriu docemente para os Salvadores, e Wirt soltou a respiração que não percebera que havia prendido. — Eu sei como está se sentindo, mas não pode descontar nos nossos novos aliados. A culpa não é deles. Vá encontrar os outros, eu estarei lá em alguns minutos. 

O menino resmungou um comando para o animal horrendo e saiu do recinto batendo os pés ainda irritado. Definitivamente, Wirt não havia simpatizado com aquela criança que se achava na posição de mandar e fazer exigências. Além disso, ele ordenara que o cachorro desprovido de pelos os mordesse, mas, graças à desobediência canina, Banner e Allen saíram ilesos do confronto. Pouco importava se ele estava chateado por algum motivo plausível. Espero que os outros sejam mais educados que ele... 

— Nos desculpe por termos entrado aqui — Wes disse depois de alguns segundos durante os quais o homem pequeno os estudou com seus olhos penetrantes. 

— Como eu falei, não tem problema algum. Acredito que, além do diário, não há nada aqui que não possa ser visto — Mitchell entrou no quarto voltando a observá-lo com melancolia, e então se sentou na cama. — Perdoem o comportamento de Benedict, ele não é assim sempre. 

— Por que pediu que ele vestisse as melhores roupas? — o filho de Malcom se viu indagando, mesmo que essa não fosse a coisa que ele mais quisesse saber. Havia tantas perguntas... 

— Uma pergunta interessante. Talvez você não compreenda, tendo levado a vida que levou. Nós não tínhamos tantos recursos de onde viemos, e a maioria das roupas que usamos foram tecidas há vinte anos. Passamos o dia inteiro vestidos assim, trabalhando e nos sentindo sujos. Mas, à noite, quando nos reunimos para o jantar, colocamos as nossas melhores roupas e nos sentimos limpos, seguros e vitoriosos. Apesar de todas as dificuldades, nós sobrevivemos a mais um dia e é como se tudo estivesse bem. 

Banner achava que entendia, entretanto também sabia que era incapaz de compreender todo o sentido daquela coisa. Ele não podia imaginar as dificuldades pelas quais os piratas passaram, por isso jamais conseguiria captar a sensação que eles deveriam ter ao vestir suas melhores roupas e comer uma refeição quente e farta. Mesmo assim, o garoto se viu sorrindo para o homem sentado à sua frente. 

— Como era lá? Quero dizer, na ilha de onde vocês vieram. Por que saíram de lá? — foi a vez de Allen perguntar. 

— A ilha foi chamada de Poplar Island há muitos e muitos anos. Ela não era habitada por nenhum ser humano quando os mortos se ergueram, então um grupo considerável de pessoas pegou seus barcos e buscou refúgio lá — o olhar dele se perdeu em algum ponto na parede, mas seus pensamentos claramente tinham viajado para o seu antigo lar. — Deu certo, porque não havia nenhum mordedor lá e nós não deixávamos que nenhum de nossos mortos voltasse a viver. Obras eram feitas lá com frequência no passado, então tínhamos material suficiente para construir mais barcos. Tínhamos equipamentos para tornar a água salgada potável, barcos para pescar e animais para caçar. Mas não tínhamos uma coisa muita importante: terras boas para plantar. Conseguimos tirar uma coisa ou outra daquele solo durante todos esses anos, mas não foi o suficiente. As pessoas começaram a adoecer, e tudo piorou quando a caça se tornou escassa. Se continuássemos lá, morreríamos todos de fome ou de doença. Então eu sugeri que navegássemos até o continente em busca de terras onde pudéssemos nos manter. Nem todos quiseram vir. Cerca de trezentas pessoas permaneceram em Poplar Island dizendo que eu tinha enlouquecido e que não sobreviveríamos aqui — ele encarou os patrulheiros de repente, e era como se pudesse ver suas almas com aqueles olhos escuros. — Digam-me: as suas terras são hostis? Eu errei em trazer meu povo para este lugar? 

— Acho que você não poderia ter acertado mais. A Zona-Segura tem um montão de terras cultiváveis, acho que só dois lugares estão com dificuldades pra plantar. E nós já estamos em paz há quase vinte anos — Wirt havia se empolgado demais e preferiu se interromper antes de mencionar a guerra. Não seria bom falar daquilo. 

— Contem-me mais sobre essa zona segura. 

— A Zona-Segura é um espaço cercado gigante com dezoito comunidades ao todo — Wesley iniciou, empolgado. O mensageiro sentiu-se obrigado a intervir naquela asneira, lembrando-se da explicação padrão que um professor lhe dera muitos anos antes. 

— Na verdade, são quatro comunidades de verdade e quatorze postos avançados, que são versões menores das comunidades — o líder dos piratas riu, uma risada que fez um pensamento passar pela cabeça de Banner tão rápido que ele acabou esquecendo o que era. 

— Acho que temos uns dois mil habitantes ao todo... Ou mais, ou menos... Não sei ao certo — Allen prosseguiu, contrariado. — Nós plantamos, caçamos, pescamos, criamos animais... 

— E tem escolas para os mais novos. Quando completamos dezoito anos, temos que cumprir um serviço obrigatório na comunidade em que eu moro, a Fortaleza, pra aprender a lutar caso seja necessário, mas nunca precisamos disso até agora. 

— Então todos nessa Zona-Segura são guerreiros? — com a pergunta de Mitch, Wes parou por alguns segundos e observou-o com uma expressão séria que o garoto não foi capaz de compreender. 

— Não necessariamente. Nós aprendemos a usar armas e a nos defender como nossos pais precisaram fazer no passado, mas ninguém é obrigado a seguir esse caminho. Quero dizer, existem profissões, sabe? Muitas pessoas escolhem trabalhar na agricultura, na pecuária, na construção...  — Wirt encarou o amigo, tentando perguntar o motivo da súbita mudança de tom, mas sem dizer nada para não chamar a atenção do homem sentado na cama. Se o jovem do Posto 9 percebeu, não demonstrou. —Espera. Pensei que Hesh tivesse falado essas coisas pra você. 

— Sim, é verdade. Vocês repetiram algumas coisas que seu líder disse e omitiram outras, mas também me deram informações novas. Querem um conselho, garotos? Nunca confiem na primeira coisa que vocês escutam. 

— Então agora você confia em nós? 

— Seria imprudente da minha parte confiar plenamente em indivíduos desconhecidos, principalmente quando novecentas pessoas estão dispostas a seguir o meu caminho. Posso dizer que confio no seu grupo mais do que confiava quando os vi pele primeira vez, porém terei certeza apenas quando conhecer a tal Zona-Segura — ele se levantou da cama, tocou o diário com as pontas dos dedos e depois saiu do quarto fazendo sinal para que o seguissem. — Posso fazer um pedido? 

— É claro — Wirt se prontificou enquanto os três subiam as escadas barulhentas. 

— Qual é o seu nome? 

— Wirt Banner. 

— Wirt, você já conheceu meu irmão. Imagino que não tenha gostado dele, e não o culpo por isso, mas peço que dê uma chance a Benny. Ele... — Mitchell suspirou, o que de repente o fez parecer menos imponente e mais humano. Seus olhos pousaram sobre o mar, sereno e escuro. — Nós temos um irmão, Charles. Enfrentamos uma tempestade durante a manhã e ele caiu no mar. Nenhum de nós sabe se voltaremos a vê-lo algum dia. Benny está preocupado, triste e irritado também. Ele gosta muito de Chuck. Temo que ele tente fazer algo que não deveria, como fugir para procurá-lo. Benny não me escuta mais, e a única coisa em que concordamos é que nosso irmão ainda está vivo. Por isso, Wirt, eu gostaria de te pedir para ser amigo dele. Você parece saber de muitas coisas interessantes, e aposto que tem boas histórias para contar, além de ser a única pessoa com idade próxima da dele aqui. Isso poderia distrai-lo enquanto eu penso no que fazer em relação a Charles. Você entendeu o que tem que fazer, Wirt? 

— Sim. Conversar com Benny, contar histórias, fazer companhia... 

— E, o mais importante que tudo, você deve vigiá-lo. Ele quase abandonou o grupo assim que desembarcamos e tentou roubar armas há uma hora. Você precisa estar por perto sempre e impedi-lo de fazer qualquer coisa do tipo. Certo? 

— Pode deixar comigo! — Banner assentiu. Continuava não gostando de Benedict, mas algo no jeito como seu irmão mais velho falava tornava a ideia de ser babá mais aceitável. Além disso, era legal ser tratado como alguém digno de receber uma missão importante. 

— E quanto a você? Tem um nome? — o líder dos piratas olhou para Wesley, que estivera distraído durante todo o diálogo. 

— Ah, sim, eu... Meu nome é Wesley Allen. 

— David me contou que você morava ao lado de um rio, certo? 

— É, sim. 

— Diga-me, Wesley, você tem algum conhecimento sobre o preparo de peixes? 

—Eu acho que sim... Devo ter ajudado minha mãe na cozinha uma vez ou outra — Wirt teve que conter um riso. A missão de Wes seria fatiar peixes, enquanto ele ficara responsável pela proteção do irmão de Mitchell. 

— Eu preciso que você ajude na cozinha. Mais especificamente, eu quero que você ajude Amy na cozinha. Não vai ser difícil encontrá-la, pois Amy espera um filho que deve nascer em poucas semanas — ao escutar isso, o garoto lembrou-se de ter visto uma jovem branca e loira com uma barriga enorme. Notara também a forma como, vez ou outra, Mitch a procurava em meio à multidão. — Eu gostaria que você ficasse por perto para auxiliá-la nas tarefas mais pesadas. Você pode chamar seus companheiros se sentir necessidade. Amy não quer deixar de fazer nada devido à gravidez, mas temo que o trabalho possa afetar a segurança do bebê. E acho que eu não preciso dizer, Wesley, que você deve proteger Amy caso qualquer coisa aconteça. Ela e o bebê são muito importantes. Posso confiar em vocês dois? 

— Claro. 

Responderam quase que no mesmo instante e, em seguida partiram cada um para um local. O jantar seria servido na areia em volta de fogueiras, da mesma maneira que era feito na Zona-Segura. Os patrulheiros, mesmo com pouquíssima comida, iniciaram a organização do local, aproveitando a ocasião para mostrar aos outros como eles faziam nas suas comunidades e postos. Mais tarde, os forasteiros trouxeram a comida deles para compartilhar e a refeição de verdade começou. 

Na fogueira principal estavam os sete Salvadores, as pessoas mais próximas a Mitchell e outros que ainda couberam lá. Wirt não se atrevera a contar quantas fogueiras tinham sido acesas no total. O jovem reparou que, ao lado do líder dos piratas, encontrava-se apenas um de seus seguidores: o homem gigante. Passou algum tempo tentando descobrir onde estava a mulher com a lança, mas acabou desistindo depois de alguns minutos e ficou sem jeito de perguntar para alguém. Benedict, sentado ao seu lado, reparou. 

— Procurando alguém? 

— Nada, é só... Aquela moça com a lança que fica sempre com Mitchell e o grandão. Eu não a vi por aqui. 

— Tayla? Ela saiu. Não quis me dizer aonde estava indo. Por quê? 

— Não, nada importante. É que ela me lembrava alguém, só isso — Wirt virou o rosto para as chamas. Não queria falar da mãe com um desconhecido, por isso resolveu mudar de assunto. — Wesley disse que vocês parecem piratas. Você sabe o que são? 

— Sei, sim. Meu pai falava de piratas às vezes, ele até tinha alguns livros sobre isso. Piratas... Gostei do nome. Agora vocês já têm um nome para nos chamar quando forem nos apresentar pro seu pessoal — o menino sorriu e colocou um pedaço de carne na boca. Parecia alheio à discussão que tiveram momentos antes. 

— É, maneiro. Você pode me emprestar esses livros um dia? Onde eu moro tem poucos, eu já li todos eles. Gosto de tudo o que foi feito antes, você sabe, do apocalipse. 

— Empresto, mas só se você ler pra mim — Wirt assentiu seriamente, pensando se ele tinha entendido errado ou o garoto não sabia ler. Achou que seria uma pergunta muito indiscreta, por isso se calou. —  Sério que você gosta de coisas velhas? 

— Eu não diria velhas... Vinte e quatro anos não é tanto tempo assim. 

— Vinte e quatro anos? De onde você tirou isso? Fazem vinte e dois anos e meio! E, sim, eu acho isso muito. 

— Você precisa dizer isso pros meus professores, então, porque eu aprendi na escola que foram vinte e quatro anos — a sensação de que aquele dado poderia, de alguma forma, estar incorreto, foi desconfortável. Não que o tempo exato fosse tão importante assim, todavia era uma ideia básica que o acompanhava desde sempre, e não ter certeza disso abalava um pouco a sua mente de pesquisador do velho mundo. 

— O que são professores e escola? 

— Vocês não têm isso de onde vieram? — Benedict negou com a cabeça, acariciando seu animal com a mesma mão que usava para comer. — É difícil de explicar porque é como se eu tivesse nascido sabendo, entende? As crianças, na Zona-Segura, passam uma parte do dia em um lugar chamado escola, onde alguns adultos inteligentes, os professores, ensinam coisas. Nós aprendemos a ler, escrever, fazer contas, nos localizar espacialmente, a história das comunidades... 

— É, parece chato. Meu pai disse que ia me ensinar a ler, um dia, mas ele morreu antes disso — Banner esperou alguma explicação, memória ou história em seguida, contudo o irmão de Mitchell emudeceu e ficou lá, encarando as chamas. Ao menos seus olhos tinham expressão, diferente da frieza de Eliza ao afirmar para os companheiros que era órfã. 

— A minha mãe morreu também, faz menos de dois anos. Sinto muito pelo seu pai. 

— O mesmo pela sua mãe. 

A conversa morreu então; ambos conheciam a dor da perda de alguém tão importante. Wirt ficou pensando em Rose nas suas últimas semanas, quando se tornara apenas uma sombra magra da grande mulher que fora. Em alguns dias, ela tossia tanto que não conseguia nem terminar uma frase, e já não era mais capaz de fazer qualquer esforço físico. Pouco antes de começar a expelir sangue com a tosse, a mãe pedira para passar mais tempo com o filho, como se já soubesse que seus dias entre os vivos estavam no fim. Depois disso, na pior parte da doença sem nome que a levara, Banner havia se recolhido em seu quarto para nunca mais sair, não permitindo que ninguém a visse além do marido. Wirt lembrava-se também de como se revoltara com a decisão de Rose, de como se sentira perdido e abandonado com a iminência da morte da mulher que fora a sua bússola durante toda aquela jovem vida. Quando o falecimento dela fora anunciado, não houvera surpresa; no lugar disso, uma grande comoção em toda a comunidade. O garoto, órfão de mãe, rebelara-se contra tudo e contra todos, sem conseguir aceitar que sua mãe não estava mais lá. 

O luto tinha sido pesado, mas não tão longo. Rose Banner não estava mais lá, porém nada que Wirt fizesse a traria de volta. Ela não sairia do lugar para onde fora banida, o lugar chamado morte, por nada naquele mundo. Não importava quanta birra o seu garoto fizesse, ela não retornaria para consertar a postura dele quando atirava com arco ou para lhe dar conselhos sobre garotas. Com o tempo, o jovem Banner fora capaz de compreender isso e, como ele gostava de pensar, tornara-se uma pessoa melhor. Não porque a mãe teria gostado disso, e sim porque ela merecia um filho assim. Rose Banner não fora a melhor pessoa do mundo, principalmente por ter sido muito autoritária e pelo péssimo hábito de poluir os seus pulmões e os pulmões alheios com cigarros, no entanto fora a melhor mãe que um garoto poderia ter. Às vezes, Wirt ainda a enxergava em algumas coisas, mas não da mesma forma que seu pai. Malcom parecia viver como se a esposa ainda estivesse entre eles, recusando-se a admitir que ela se fora para sempre. 

Wirt se distraiu tanto que quase perdeu Benedict de vista quando ele se levantou e saiu do local. Lembrando-se da missão que recebera, o garoto saltou rapidamente e correu atrás do seu alvo. Benny Mitchell não demorou a perceber e voltou-se para ele, irritado. 

— Aonde você está indo? — Wirt questionou tentando parecer casual. 

— Voltando pro barco. Por que você está me seguindo? 

— Porque nós somos amigos — o jovem soou tão verdadeiro quanto uma árvore, mas não conseguiu pensar em algo para consertar isso. 

Mitchell deu de ombros e continuou caminhando, dessa vez um pouco mais rápido. Quando estavam quase alcançando a água, porém, o perseguido mudou de direção abruptamente e começou a correr em direção à floresta. Inicialmente, Wirt pensou que fosse capaz de alcançá-lo, uma vez que era mais velho e mais alto. Contudo, a areia tentava engolir seus pés, e Benny parecia ter mais prática em superar esse obstáculo. Em poucos metros percorridos o mensageiro já ofegava e sentia uma dor intensa na lateral do abdômen, além da sensação de fracasso na missão. 

Quando o irmão do líder dos Piratas desapareceu no meio das árvores, Banner quase desistiu, mas as suas pernas cansadas não pararam e ele seguiu o caminho. Constatou, felizmente, que o seu alvo tinha dificuldades em se esquivar dos troncos e diminuíra consideravelmente a velocidade. Mesmo no escuro, Wirt não o perdeu de vista em momento algum e, ao reduzir consideravelmente a distância entre os dois, jogou o seu corpo sobre o do outro. Os dois garotos caíram na terra úmida e começaram a rolar, um tentando se soltar e o outro lutando para impedi-lo. 

Banner tentou segurar os braços magros de Benedict, ciente de que era o mais forte ali, entretanto o menino se debatia com muita ferocidade. De repente, os seus gritos agudos deram lugar a um rosnado amedrontador e, logo em seguida, Wirt foi atacado por Felix Fausto. As unhas grossas e afiadas da coisa rasparam no seu pescoço e rasgaram um pedaço de sua blusa na tentativa fracassada de pará-lo. Se o cachorro arrancara algum pedaço de pele, o patrulheiro não saberia dizer, tamanha era a sua concentração na tarefa. 

— Pra onde você tá indo? — Banner gritou ao ser mordido. 

—Não é da sua conta! 

— Eu não ligo! Só manda o seu bicho me largar! — Wirt sacudiu o braço fazendo uma careta de dor, tentando soltar as presas do cão da sua pele. 

Ao invés de dar um comando ao seu animal, Benny começou a chorar. Felix Fausto largou Wirt e foi para perto do seu dono, e o mensageiro aproveitou a oportunidade para se afastar dos dois. Primeiramente, pensou em pegar o mais novo pelo braço e levá-lo até Mitch, mas um sentimento repentino de culpa e dó o atingiu. Talvez tivesse ido longe demais naquela missão: ele pensara que não deveria fazer nada além de fazer amizade com um garoto; no final, acabara lutando com ele em uma floresta escura e quase sendo devorado por um cachorro tão feio quanto um caminhante. Subitamente, Banner percebeu que não fazia a menor ideia do que estava acontecendo. 

— Meu irmão está morto! — a criança disse entre soluços. O patrulheiro se viu abrindo a boca para consolá-lo e dizer que não, que Charles estava vivo em algum lugar e que eles o encontrariam. Mas era verdade? 

— Mitchell não acha isso. 

— Não importa o que ninguém acha! Daqui a três dias nós vamos sair da praia e, se Chuck estiver vivo, nós nunca vamos encontrá-lo. E nós só temos esses três dias porque Tayla insistiu muito e prometeu voltar com o meu irmão até o fim do prazo. Mitchell não liga pro Chuck e não liga pro que eu penso. Se você ainda não percebeu, Mitchell só liga pro nosso povo — embora tenha gritado, Benny parecia mais triste do que zangado. 

— É claro que Mitchell liga pra você! Ele até me mandou vigiar você, pra impedir que você fizesse besteira! 

— Ele...? Você é mais idiota do que eu pensei. Mitchell só fez isso porque teria feito o mesmo por qualquer um. Eu não sou o irmão, eu sou um dos novecentos. Me diga que o seu amigo também não recebeu a missão de vigiar alguém. 

Wirt recuou mais um passo, atônito. Nunca passara pela sua cabeça que o líder dos Piratas pudesse se importar mais com o seu povo do que com os próprios irmãos... Aquilo não combinava com a sua voz suave e o seu olhar carinhoso. Antes que algo a mais pudesse ser dito, escutaram-se gritos e, logo depois, passos apressados. Winike foi o primeiro a chegar correndo, seguido por Mitchell, Hesh e mais algumas pessoas que Wirt não distinguiu no escuro. Benny se levantou rapidamente, limpando o rosto para não mostrar que havia chorado. Sem dizer nada, Mitch foi até o irmão e o abraçou de uma forma preocupada que negava tudo aquilo que Benedict dissera. 

— Nós vamos encontrá-lo — ele disse com segurança. 

—Você está bem? Tem sangue na sua roupa — Rhee comentou ao se aproximar, encarando a mordida em seu braço e o arranhão abaixo do pescoço como se estivesse diante de alguém em estado terminal. Banner passou a mão na mordida, constatando que só então aquilo começava a doer. 

— Isso? Aquele cachorro idiota. Não é nada. 

— Vamos voltar pro acampamento. Os outros estão preocupados com você — os dois começaram a andar lado a lado, deixando os Piratas para trás. — O que você acha deles? 

Wirt pensou e decidiu não falar nada. Honestamente, não sabia se tinha dados suficientes para achar alguma coisa. Eram novecentas pessoas, e ele só tivera contato com duas delas. Tivera uma impressão absolutamente positiva do líder, entretanto não era mais capaz de ter certeza de nada depois de escutar o desabafo de Benedict. Se Mitchell era realmente a pessoa descrita pelo seu irmão, isso o tornava um risco à Zona-Segura, ou fazia dele um líder melhor? Quanto ao mais novo, Banner pensava que era capaz de entendê-lo. Julgara-o mal, a princípio. Compreendia o seu sentimento de revolta pela perda do irmão, e esperava de coração que Tayla tivesse sorte e habilidade suficientes para encontrar Chuck. 

— Então, acha que podemos confiar neles? 

— Eu não sei — o garoto admitiu. 

— É certo levá-los para a Zona-Segura sabendo tão pouco? 

— A Zona-Segura é para todos. 


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Notas finais do capítulo

Então, o que acharam dos nossos Piratas? Eles irão render muitas histórias, mas por enquanto vocês só têm a primeira impressão do Wirt. Se conseguirem ler nas entrelinhas, vão perceber que tem algumas coisas interessantes que o próprio Wirt não percebeu.
Só pra esclarecer, esse banner é provisório. Estamos no meio de uma viagem, e o arquivo com a fonte usada para o nome do capítulo ficou em casa. Assim que pudermos, substituiremos isso.
Link para o aesthetic dos Piratas: https://78.media.tumblr.com/1a99349d60dab6353def4ab5a408d440/tumblr_p2xblf1XSs1txro7no1_500.jpg
A respeito do capítulo seguinte, ele ainda nem começou a ser escrito. Temos o 13 pronto, se serve de alguma coisa. Estamos com muitas dificuldades para iniciar o 12, portanto, a menos que vocês queiram uma atualização logo, daremos preferência ao 14, que está mais tranquilo de escrever.
Além disso, estamos fazendo umas pequenas mudança de elenco, por isso alguns banners serão substituídos. Avisaremos assim que isso estiver pronto.
Nos vemos nos comentários!
Beijos!



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