O ano em que eu me apaixonei pelo Paulo Guerra escrita por Jel Cavalcante


Capítulo 2
Janeiro, o mês das dúvidas


Notas iniciais do capítulo

"Eu nunca mais quero beijar ninguém em toda a minha vida"



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Sexta-feira, 01 de Janeiro


2 vestidos estragados (muito bom), 1 irmão repugnante, 1 arranhão no cotovelo, 2 litros de sangue (como se fosse), 1 calo no pé esquerdo, 0 namorado (tanto faz), 250 pensamentos indesejados

2h da manhã. Os fogos demoraram cerca de quinze minutos - pra quê tudo isso, eu me pergunto - e depois disso todo mundo voltou a fazer aquilo que estava fazendo, ou seja, voltaram para onde tinha comida.

O meu lance com o Paulo não durou tanto quanto eu gostaria. A gente se beijou por um tempo, depois a minha boca ficou dormente - só pra constar, eu já tinha beijado antes… uma vez… uma laranja - e foi então que eu tive a brilhante ideia de interromper o beijo, porém sem tirar a mão do ombro dele, o que acabou se tornando o abraço mais estranho que eu já dei na vida. Ficamos parados durante os quinze minutos, com as mãos no ombro um do outro - é assim que se abraça, certo? - assistindo as luzes piscando na nossa cara. Poderia ter sido lindo mas… era o Paulo Guerra. EU TINHA ACABADO DE BEIJAR O PAULO GUERRA!

Depois disso ele saltou do muro e, como quem ia tirar o pai da forca, saiu correndo desesperado de volta pra festa. Será que eu fiz alguma coisa errada? Se bem que eu não achei nada mal pra um primeiro beijo. A gente nem se babou nem nada...

Fiquei mais um tempinho ali, observando as estrelas. E então? O que se faz agora? Saio correndo e conto pras meninas? Posto alguma indireta no facebook insinuando que alguma coisa incrível acabou de acontecer? Nem pensar! O idiota do Paulo ia ficar se achando. Além do mais, eu nem sei se ele beija bem. Quando eu beijar outro garoto, aí sim vou poder achar alguma coisa. Por enquanto, é melhor ficar quieta e fingir que nada aconteceu.

Me arrastei até a borda da parede e pulei achando que a calçada estava bem mais próxima dos meus pés. Resultado: rasguei um pedaço enorme do vestido - pra combinar com a mancha maravilhosa que o meu querido irmão tinha deixado ali - e ainda arranhei o cotovelo bem em cima de uma ferida da minha última queda de skate. Aquela era a hora perfeita pra cavar um buraco no chão e sumir. Infelizmente isso não aconteceu.

2h15. Ótimo, estou voltando pra festa, com um rio de sangue escorrendo pelo braço direito e segurando a parte rasgada do vestido com o esquerdo - parecendo um zumbi de The Walking Dead - quando dou de cara com a Maria Joaquina. Obviamente ela estaria com um vestido impecável, uma pele perfeita e um cabelo que mais parecia um ninho de águia - com a própria águia dentro.

– Nossa, Alícia. O que aconteceu com você? - o rosto dela estava totalmente congelado, como se tivesse acabado de ver um fantasma.

– Comigo? Ah… É que…

Antes que eu pudesse inventar alguma desculpa esfarrapada, o capeta do meu irmão, que mesmo tendo apenas cinco anos de idade já era mais travesso que qualquer outra criança que eu conheço - quase tão terrível quanto o Paulo - chegou de repente e me deu um abraço. Sua camisa estava rasgada e um pouco de sangue escorria do seu joelho esquerdo.

– É um ritual de família pra afastar os maus espíritos. Sabe como é né…

Depois daquele papo furado sobre rituais e espíritos, ficou um silêncio constrangedor entre nós. Eu ainda não tinha percebido mas o Caio estava passando mal. Quando dei por conta, ele já estava bem próximo da Maria Joaquina e, em questão de segundos, vomitou toda a comida da festa no vestido caríssimo dela. Por sorte meu pai parou o carro bem atrás de nós e começou a buzinar para que entrássemos. Minha mãe veio em seguida pra pegar o meu irmão nos braços e levar ele direto pra dentro do carro enquanto eu via a fresca da Maria Joaquina correndo de volta pra festa, passando no meio de todos os convidados gritando feito uma louca.

Infelizmente, não consegui ver o Paulo antes de sair mas alguma coisa dentro de mim sabia que ele estava ali, rindo junto com todos os outros. E de alguma forma aquilo fez com que eu me sentisse menos pior.

_

2h40. Quando cheguei em casa, os meus pés estavam latejando. Minha mãe olhava desconfiada pro meu lado, provavelmente pelo fato de eu não ter aberto a boca enquanto estávamos no carro. Entrei no quarto, fechei a porta antes que alguém viesse me encher o saco, fiquei descalça e deitei na cama um instante. Parecia que tinha algo vivo dentro do meu pé esquerdo mas não tive coragem de olhar.

E agora? O que se faz depois do primeiro beijo? Esquece e parte pro próximo? Bem, é melhor eu me render ao sono e deixar as coisas se resolverem sozinhas.

2h42. Eu não consigo parar de pensar no Paulo. Que ódio! Talvez um banho resolva o meu problema.

3h10. Eu nunca mais quero beijar ninguém em toda a minha vida.

_

21h00. O dia depois de uma grande festa é sempre uma frustração. Você passa algumas horas fora de casa e acaba esquecendo que a vida continua do mesmo jeito de sempre. Acordei quase meio dia com a minha mãe berrando alguma coisa enquanto tentava derrubar a porta. Vai ver ela pensou que eu tivesse morrido depois de ter passado tanta vergonha numa noite só. O resto do dia foi uma negação.

Tentei ligar pra Valéria mas ela não me atendeu de novo. O que será que tá acontecendo? Eu nem sequer lembro de ter visto ela ontem na festa… É, definitivamente tinha alguma coisa errada. Deixei o celular de lado um pouco e fui procurar alguma coisa legal na internet. Trinta e dois videos-de-gatinhos-fofos-caindo-de-vários-lugares depois eu voltei a ver se tinha alguma ligação perdida no celular e acabei me deparando com uma mensagem de um número desconhecido.

"se você contar pra alguém o que aconteceu, eu acabo com você"

Oi?? Como assim? O que aquilo queria dizer? Será que foi engano? Continuei deitada mais um pouco, pensando se aquela mensagem tinha algo a ver com o Paulo, e cheguei a uma conclusão bastante óbvia. Ele só me beijou por causa do ritual estúpido que os meninos estavam comentando. E agora, provavelmente depois de ter vomitado e lavado a boca quatrocentas vezes com sabão, veio me dizer pra desencanar. Até parece que eu ia querer alguma coisa com aquele retardado. É bom mesmo que não aconteça nada entre a gente de novo. Eu tô muito bem sozinha.

22h30. Fui com a minha mãe na sorveteria e a gente comprou um pote gigante de sorvete. Dizem que é um ótimo remédio pra esquecer alguém. Espero que funcione… Antes que eu arranque os cabelos de tanta raiva.

_

Sábado, 02 de Janeiro


8 execuções de "Odeio" da Manu Gavassi (péssimo), 2 melhores amigas (muito bom), 3.556 calorias (só de sorvete), 0 garotos na minha vida (ótimo), 735.000 motivos diferentes para querer exterminar todas as pessoas do sexo masculino da face da Terra (melhor impossível)

10h45. Dúvidas, muitas dúvidas. Só de pensar em tudo o que aconteceu me dá logo uma vontade de gritar. Já sei, vou ouvir música. Bem alto. Absurdamente alto.

11h20. Ai meu deus, o celular ta tocando. Quem será?? Ah, é só a Valéria.

– Oi, Valéria. Até que em fim você apareceu. Ta tudo bem? -a ligação estava muda.

Precisei de uns quinze segundos pra perceber que o som continuava ligado. Levantei da cama, ainda com o pé esquerdo latejando, e fui até o computador. Pausei a música e fiquei olhando pra tela, sem saber o que estava fazendo ali. Demorou mais quinze segundos pra lembrar que tinha deixado a Valéria no vácuo - esse negócio de beijar um garoto mexeu mesmo comigo. Voltei pra cama e tornei a deitar. Curiosamente ela ainda estava na linha.

– Alô? Você ainda ta aí? - perguntei sem muitas esperanças.

– Claro que sim, né, sua tonta.

Se eu não estivesse morrendo de preguiça e de dor no pé, no cotovelo, na cabela e em todo o resto, talvez até tivesse pensado em alguma resposta. Mas ela tinha razão. Eu parecia uma tonta mesmo.

– Desculpa. Aconteceu alguma coisa? Não te vi na festa da Maria Joaquina ontem.

– Aconteceu sim. Eu e o Davi terminamos. E dessa vez foi pra sempre.

Era sempre assim. Eles brigavam por causa de alguma coisa estúpida, depois ela ligava pra mim e pras outras meninas, chamando todo mundo pro condomínio dela. Aí a gente passava horas falando mal dos meninos pra no dia seguinte eles ficarem juntos outra vez. Parecia até uma novela mexicana de tão previsível.

– Tudo bem, eu passo aí mais tarde - falei prestes a desligar.

– Mas pera aí… Por que você tava ouvindo Manu Gavassi? Você disse que odeia as músicas dela porque só falam de amorzinho… - droga, ela percebeu!

– É que… eu queria ouvir alguma coisa diferente… mas eu continuo odiando essas músicas melosas… xiii, minha mãe tá me chamando, preciso desligar. Mais tarde a gente se vê!

Ufa, escapei. Realmente eu não gostava nem um pouco de Manu Gavassi, mas essa música "Odeio" até que é legalzinha…

_

20h00. Na casa da Valéria foi um verdadeiro caos. Ela estava deitada na cama vendo alguma coisa no celular enquanto a Marcelina folheava uma revista Capricho sentada numa cadeira entre a cama e o guarda-roupas. Ficamos um tempo sem tocar no assunto "Davi", falando sobre coisas mais leves, como férias, séries, essas coisas.

– A Laura deve tá bem melhor que a gente. De frente pro mar, pensando nas coisas realmente boas da vida - falei como quem não quer nada.

– Ela deve ta sonhando com uma sereia saindo do mar segurando uma bandeja de peixe frito só pra ela. Hahahah.

– Nossa, Valéria, como você é malvada - concluiu Marcelina sem tirar os olhos da revista, onde estava estampada uma foto enorme do Zayn de One Direction.

Até aquele momento eu não tinha falado nada que me comprometesse. Era estranho estar ali perto da Marcelina, sem saber se o Paulo havia comentado alguma coisa com ela, ou mesmo se alguém teria me visto beijando ele em cima do muro. Pra evitar um confronto cara a cara, entrei no instagram e comecei a ver as fotos do pessoal. Todo mundo feito idiota tirando selfie com a família ou no espelho do banheiro fazendo cara de pato. Só a Laura tinha feito algo diferente, postando fotos de uma mesa cheia de comida. Nesse instante, a Valéria ficou em pé, em cima da cama, assustada com alguma coisa. Eu achei que não era nada demais e continuei vendo as fotos, até que apareceu o Davi ao lado de outra menina, desconhecida porém familiar. Foi aí que tudo começou.

– EU NÃO ACREDITO QUE ESSE IDIOTA FOI CAPAZ DE ME TRAIR!!!!

A Marcelina largou a revista no chão e correu pra cima da cama, tentando entender o que estava acontecendo. Como eu já tinha a prova do crime em mãos, fiquei observando as duas no alto, chocadas com o que acabaram de ver.

– Mas gente, é só uma foto. Isso não quer dizer nada - falei na tentativa de acalmar os ânimos.

– Você ta pensando que eu tenho cara de trouxa, Alícia? É óbvio que aconteceu alguma coisa entre os dois. Olha só pra cara dele de sonso!

– É, Alícia - agora era a Marcelina quem estava falando - ta na cara que eles ficaram. Lembra quando a gente ouviu aquela conversa dos meninos onde ele disse que tinha que beijar uma menina quando desse meia-noite?

– NÃO PODE SER! COMO VOCÊS NÃO ME CONTARAM ISSO ANTES? - os olhos da Valéria pareciam que iam saltar pra fora.

– Calma, Valéria! Ele provavelmente tava falando que queria beijar você - novamente tentei fazer com que ela se acalmasse.

– Mas a Valéria nem tava na festa - outra vez a Marcelina ajudava a colocar mais lenha na fogueira. - Além do mais, essa menina ta parecendo uma daquelas primas chatas da Maria Joaquina.

Ai não! Pior é que era verdade. Eu sabia que aquele rosto me era familiar. E agora? A Valéria ia ter um treco bem na nossa frente. E tudo culpa da linguaruda da Marcelina!

– EU NÃO TÔ ACREDITANDO NISSO! AQUELE IDIOTA VAI PAGAR CARO POR ME HUMILHAR DESSE JEITO NA FRENTE DE TODO MUNDO! - depois desse último grito, a Valéria correu pro banheiro com o rosto completamente vermelho de raiva.

Alguns instantes depois, a Marcelina foi atrás dela, me deixando sozinha no quarto. Com o canto do olho, vi que o celular dela tinha ficado na cadeira onde estava sentada. Senti vontade de ir até lá pra dar uma olhada rápida na agenda. Talvez eu conseguisse descobrir se a mensagem que eu havia recebido era mesmo do Paulo.

Antes que elas voltassem, cheguei rapidamente até a cadeira e, ainda de pé, peguei o celular e comecei a procurar desesperada a lista de contatos. Com a outra mão, segurava o meu próprio celular, exibindo na tela o número que tinha me enviado a mensagem. Não era o número do Paulo porque eu mesma tinha salvo na minha agenda, então fui passando até chegar no da mãe dele. Não era. O do pai também não. Continuei procurando, olhando de vez em quando na direção da porta do quarto, até que achei o desgraçado do número. Estava salvo como "Idiota do Paulo 2". Provavelmente era um segundo celular que ele usava pra passar trote e zoar o pessoal. Eu estava certa, ele não queria mais saber de mim.

Coloquei o celular de volta na cadeira, apanhei a revista do chão e comecei a folhear sem prestar atenção em mais nada a não ser na raiva que eu estava sentindo. Eu nunca mais ia ter coragem de olhar na cara dele de novo. Aquele ridículo!

O resto da tarde foi bem interessante. A Valéria nos forçou a fazer um juramento onde o principal objetivo era odiar os meninos para sempre. Como eu disse, bastante interessante. O juramento tinha três cláusulas principais:

– Jamais faça o bem para qualquer pessoa do sexo masculino, exceto o próprio pai e o Firmino - no meu caso, só o Firmino mesmo;

– Rasgue todas as fotos, cartas, presentes, o que quer que seja, de todos os ex-namorados - com essa parte eu nem precisava me preocupar;

– Nunca, em hipótese alguma, beije um garoto - excelente.

Para completar, arrancamos todas as páginas da revista que tivesse a foto de algum garoto. Juntamos tudo, rasgamos e jogamos no lixo. Feito isso, voltei pra casa, ainda bastante pensativa. Como pode aquele beijo não ter significado nada pra ele? E como alguém consegue ser tão frio e insensível assim?

Bem, seja como for, agora não tem mais volta. Eu odeio o Paulo. Ele também me odeia. E é assim que tem que ser.


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Notas finais do capítulo

bom, por enquanto é isso.

depois eu volto com mais um capítulo. bjs!



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