Uptale escrita por Helen


Capítulo 2
II — Contingente.


Notas iniciais do capítulo

Filosofia. Diz-se do acontecimento não planejado analisado de maneira isolada, mas de extrema importância, que não pode ser evitado quando, principalmente, se referir às circunstâncias que o produziram.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/665482/chapter/2

Pequenos flocos de neve caíam, e o céu estava cinzento. A fenda parecia maior. Começando pelas profundezas do solo, abrindo-se até a superfície, onde parecia continuar até chegar ao céu do início da tarde, em um buraco entre a floresta gelada. Havia caminhos criados pela natureza que facilitavam a subida pela fenda, que estava sendo realizada por uma criança esqueleto. Subia despreocupada, mesmo com o clima tenso que o silêncio e a neve traziam.

Então chegou no topo. Não sentiu frio quando se deitou na neve macia, já que seus ossos não sentiam calor nem gelidez. Ficou parado, observando os pinheiros verdes carregados do branco da neve. Levantou-se pouco depois e começou a andar por aquele lugar silencioso, decidido a explorá-lo. Tomou um leve susto quando quebrou um galho, mas não se acanhou depois disso. Continuou desbravando o território, sem até mesmo se preocupar em lembrar do caminho de volta para o subterrâneo.

Determinado, passava pelas árvores, sem perceber que estava sendo observado. Ele vê uma ponte, onde uma larga grade estava posta. Para alguns passos antes dela, observando a grande construção, perguntando-se porque os espaços entre as grades eram tão gigantes, a ponto de não haver coisa no mundo que não conseguisse passar.

— Monstro. — uma voz veio de trás.

Uma sombra estava parada no meio das árvores, a alguns poucos metros da criança.

— Nunca te ensinaram a cumprimentar alguém?

O pequeno monstro se aproximou com coragem e estendeu a mão, demonstrando que já sabia do que ele estava falando. O humano também estendeu a mão, e quando o aperto foi dado, o braço do humano tremeu com um choque, acompanhado de um som de pum. Quando ambos perceberam que haviam usado brincadeiras um no outro, começaram a rir. Enquanto o humano guardava a pequena almofada de pum, o monstro guardou seu aparelho minúsculo de choque.

— Clássicos. Nunca perdem a graça. — a pessoa saiu das sombras, revelando uma expressão sorridente. — Você é um monstro, né? Hilário. Eu sou um sentinela daqui. Meu trabalho é capturar monstros.

O pequeno esqueleto dá um passo pra trás quando ouve a última frase, e magia corre pelos seus ossos dos dedos como pequenos raios de energia.

— Pra falar a verdade, eu não me importo em capturar monstros. — ele deu uma risadinha. — Mas meu irmão, é um caçador de monstros fanático... Aliás, acho que é ele vindo ali.

Olhou por trás da criança esqueleto e da ponte, e lá, um pouco longe, estava alta figura do irmão. Ele guia o monstro pela ponte. Do outro lado está uma estação de sentinela com o teto coberto de neve e ao lado um abajur de tamanho conveniente, onde o pequeno esqueleto se esconde quando o irmão do humano chega.

— Tudo em cima, mano? — pergunta com naturalidade, quando o irmão chega.

— Você sabe que não está tudo 'em cima', irmão! — ele para a alguns passos do irmão. Está irritado. — Faz uma semana que você não recalibra as armadilhas. Todas vão enferrujar desse jeito!

— Relaxa, cara. Olha aquele abajur. Ele pode fazer você esquecer os seus problemas.

— Dane-se esse abajur! E se um monstro vier aqui?! Eu preciso estar pronto pra quando ele chegar! Quando eu capturar um, eu finalmente irei entrar na guarda real!

A criança esqueleto ouvia a conversa calada, sorrindo como sempre.

— Talvez esse abajur te ajude. — aponta para o objeto, que continuava lá, imóvel.

— O que diabos tem de mais nesse abajur?!? Sério, vai fazer alguma coisa.

O humano começou a fazer piadas ruins, ignorando a insatisfação do irmão, fazendo ele rir contra a vontade. Quebrando a "torta de climão" que havia criado, o irmão não deixou barato, e começou a soltar trocadilhos. A conversa mudou de rumo de repente, se tornando um duelo de piadas ruins e trocadilhos. Por fim, o irmão do humano terminou com o pior de todos, fazendo com que o monstro batesse na testa, de tão ruim que era.

— Nyehehehehe... — ele saiu andando depois do trocadilho.

Passou-se um tempo em silêncio, e ele voltou, apenas para completar a risada:

—...heh. — e foi embora de verdade.

A pessoa esperou algum tempo para se certificar e então disse para o esqueleto que ele já podia sair. O pequeno saiu de trás do abajur e foi embora do lugar, querendo explorar o restante, enquanto o humano entrou entre os pinheiros e literalmente desapareceu na floresta.

Depois daquela estação havia um longo caminho de neve decorado com pinheiros, bonecos de neve inacabados, outras pequenas sentinelas (ocupadas por gatos dormindo) e armadilhas camufladas no branco da neve. A criança esqueleto não entendia o motivo de tantas, já que ele havia feito nada.

Quando terminou o caminho, encontrou uma cidade. Havia uma faixa bem no início dela, dizendo "Bem vindo a Nidwons". As pessoas andavam pelas ruas cobertas de neve conversando com animação. Os comerciantes vendiam seus produtos com honestidade em seus preços, e davam descontos aos pacientes ouvintes que lhes perguntavam como estavam suas vidas. Um ato de maldade ali parecia inconcebível.

A criança monstro passeava pela cidade, com o mesmo sorriso maciço. Os poucos humanos que o notavam se assustavam e de forma discreta se afastavam, parecendo esperar qualquer ato em falso do visitante para denunciá-lo a polícia.

Não demorou muito até que a criança atravessasse o vilarejo inteiro. O pequeno sentou em uma pedra que estava posta ao lado de um cercado, onde dentro estava uma máquina que transformava neve em blocos de gelo. Descansou ali, enquanto observava o grande homem carregando os enormes blocos de gelo da máquina para uma correnteza que passava por ali. Curiosidade atormentou a criança esqueleto, querendo saber o porquê daqueles blocos. Porém, não teve muito tempo para pensar, porque um grito vindo de um dos becos afastados do vilarejo lhe chamou a atenção.

O monstro, dotado de um forte senso de justiça, foi correndo até o lugar de onde deduziu vir o grito. Chegando lá, viu um vendedor de sorvete sendo espancado por um grupo de bandidos, que reclamavam da falta de sabores. Tomado por um senso de justiça e heroísmo, a criança chamou a atenção dos bandidos, que estranharam o fato de um esqueleto estar de pé. Correntes de magia passaram pelos dedos do monstro, e ele desafiou todos os humanos ali. Eles correram em direção ao esqueleto, e mesmo com medo, atacaram. De repente, a magia dos dedos do monstro se materializou em um grande osso, que com destreza atravessou todos os bandidos num golpe só, matando todos instantaneamente.

O rosto do sorveteiro se converteu em pavor. Quando a criança se aproximou dele, o homem saiu correndo, gritando "Tem um monstro assassino aqui!". Confuso, o esqueleto saiu do beco, ainda com o osso nas mãos. A cidade, antes dominada por uma aura pacífica, ganhou uma atmosfera pesada. Pouco depois do humano ter declarado que o monstro era um assassino, a criança conseguia ouvir várias pessoas ligando para um mesmo número: a polícia. Fecharam as janelas, as portas e os comércios, e o vilarejo ficou vazio como se nunca tivesse tido moradores.

Sozinho, o pequeno monstro começou a caminhar pelas ruas desertas, procurando alguma maneira de se explicar. Mas o sangue humano esparramado em suas roupas e rosto afastavam até mesmo os que estavam espiando pelas janelas.

Quando a polícia chegou, eles começaram imediatamente a atacar a criança monstro, sem piedade. O monstro se desviava dos ataques como podia, enquanto tentava falar algo, porém os policiais não queriam ouvir. Sem opções, a criança precisou atacar. Seu contra-ataque era fraco mas constante. Os ataques mágicos eram algo que os policiais não haviam lidado muitas vezes, e por falta de experiência, eles foram dizimados.

Ao som abafado do último policial caindo no chão, o monstro desfez o osso de magia, olhando para o cenário que havia pintado. O branco da neve agora se mesclava ao vermelho, que estava esparramado em toda a entrada do vilarejo.

Uma porta de uma das casas se abriu. De lá, saiu um humano valente, empunhando uma arma. Ele desafiou a criança para um duelo, e a criança, sem alternativas, acenou com a cabeça. O homem saiu correndo e gritando contra a criança, que apenas levantou o braço, e mexendo os dedos, criou mais ossos mágicos, que atravessaram o homem, fazendo-o cair no chão aos seus pés. Uma criança humana gritou de ódio de dentro da casa na qual o homem havia saído. Procurando vingança, ela saiu da proteção da casa e desafiou o monstro. Ele aceitou novamente. O filho teve o mesmo final do pai.

Esse ato causou rebuliço entre as casas, e vários outros começaram a desafiar o monstro. Um por um, caíam mortos diante da criança, não importando força, tamanho ou coragem. O monstro não matava mais por auto-defesa, mas sim pela sensação de injustiça que corroía seu estômago. Por que todos o chamaram de assassino quando ele fez uma boa ação? Por que todos agora iam contra ele, mesmo ele apenas tendo agido em legítima defesa?

Por fim, uma última pessoa veio. O irmão do primeiro humano que conheceu. Seus joelhos tremiam. Sorria de forma nervosa. Ele não desafiou a criança. Apenas andou passo por passo, pedindo para que ela parasse com aquilo, mas era tarde. Sem mais pensar, o pequeno monstro criou os ossos no ar, e os lançou contra o humano, que se desviou, ainda pedindo para que a criatura parasse.

Ossos vieram do chão, e atravessaram um dos pés do humano, que caiu no chão, gemendo de dor. Mas não importava o quanto o monstro machucasse ele, a pessoa continuava implorando para que ele apenas parasse um pouco e pensasse nos seus atos. A criança monstro não lhe deu ouvidos, vendo o cenário que já havia feito e não era possível desfazer. E num golpe final, lançou ossos de todas as direções possíveis contra o humano, e cortou a cabeça dele fora.

...E o silêncio do fim da tarde veio. O som das respirações se esvaía, afundando aquele lugar em uma aura profundamente mórbida. A criança viu o que fez, e então começou a fugir, temendo que alguém ligasse ela àquele massacre.

Voltou à mesma ponte que havia passado. Lá, deitado sobre a estação de sentinela, estava o primeiro humano que havia visto, dormindo. A cena intrigou a criança. Havia acabado de acontecer um genocídio em massa no vilarejo, e o humano dormia com tranquilidade, nem ao menos estranhando o silêncio de tudo?

Para acordar o último humano dali, a criança chutou e quebrou o abajur onde havia se escondido antes. Os olhos do humano se abriram, sem se impressionar com as várias manchas de sangue no monstro.

— Você andou bem ocupado, huh? — ele sorriu.

O monstro encarou o humano, que fechou os olhos e então abriu apenas um deles. Pela memória da criança, ele deveria ser escuro, mas agora estava azul, num tom forte.

— Seu desprezível assassino de irmão. — continuava sorrindo.

A criança criou um objeto afiado com a magia, e tentou atacar o humano, mas ele desviou. Criou ossos de todas as direções, mas o humano desviou. Ele atravessou a ponte, e então o monstro o seguiu. O monstro tentou atingi-los de todas as formas, porém o humano se esquivava de todas elas. De repente, ele desapareceu e reapareceu em frente à criança, e então tocou na testa dela, enquanto o esqueleto movia o objeto afiado contra o braço dele.

< < <

Pequenos flocos de neve caíam, e o céu estava cinzento. Era início da tarde, a mesma hora em que o esqueleto havia subido. O monstro olhava para sua mão, que agora estava vazia. Não sentia mais a mão do humano na testa. Percebeu que ele ainda estava lá, sorrindo, mas sem o olho brilhante. Antes que a criança monstro pudesse dizer qualquer coisa, o humano apertou sua mão vazia, e o som de pum quebrou o silêncio entre os dois.

— Hehe, nunca perde a graça. — ele riu. — Você é um monstro, né? Isso é hilário. Meu irmão gosta de caçá-los. — olhou por trás da criança esqueleto. — Acho que é ele vindo ali. Se não quiser ser capturado, é melhor correr. — piscou.

E o humano empurrou o monstro para o caminho de volta à fenda. A criatura, confusa, foi correndo de volta para a mesma. Quando o irmão do humano chegou, ele reclamou com o mesmo, dizendo que havia perdido uma grande oportunidade de entrar na guarda real. O humano consolou o irmão, contando uma piada ruim, que fez o irmão rir contra sua própria vontade.

Voltando para a estação, o humano se virou para a fenda. O irmão perguntou se ele tinha visto o monstro voltando, e ele apenas disse que provavelmente, ele nunca voltaria.

— Mas sabe, é melhor. Quem sabe o que ele poderia ser capaz de fazer? — o humano levantou os ombros, virando-se para frente de novo.

— Tem razão. — um pouco triste, o irmão suspirou.

Enquanto os dois se afastavam, dentro da fenda, a criança esqueleto desce de forma apressada, com medo daquele humano e seu poder estranho.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Uptale" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.