Anjo das Trevas escrita por Elvish Song


Capítulo 22
Aproximação


Notas iniciais do capítulo

Capítulo novooo! O que pode acontecer, agora que Erik resolveu voltar ao lugar que foi seu santuário?



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Ela estava desesperada: não havia qualquer sinal de Erik, que já deveria ter retornado. Ele não a procurara, mas tampouco Meg, Gabrielle ou Madame Giry haviam tido qualquer notícia dele. A maior preocupação da moça era que a perda definitiva de Christine levasse o Fantasma a cometer suicídio – ela sabia que não era uma hipótese completamente infundada – e esse receio a estava levando à loucura.

Levantando-se da cama, cuidando para não chamar a atenção das outras moças que dividiam o alojamento consigo – ocupadas em alguma conversa bastante animada -, a jovem colocou uma capa por sobre seu vestido preto, simples, e saiu para o corredor. Deslizando em absoluto silêncio pelos corredores da Ópera – benditos tempos de ladra, que lhe haviam ensinado a ser quieta e esquiva como um gato! – desceu para o salão de baile e, de lá, para a porta lateral que os funcionários do teatro utilizavam para transitar. Ainda havia algumas pessoas trabalhando, a maior parte técnicos de palco e iluminação, mas não a viram ou, se viram, não deram atenção. Dois ou três visitantes – espectadores que ficavam após as apresentações, para cumprimentar atores, cantores e artistas em geral – falavam com as bailarinas, que pareciam lisonjeadas com as atenções dos finos senhores.

Revirando os olhos, a pianista abriu a porta lateral e saiu para a rua; seus instintos aguçados por uma vida de crimes, porém, a alertaram para passos que a seguiam. Fingindo nada ter ouvido, continuou em frente, até que os passos se aproximaram; neste momento, a moça se voltou, encontrando a figura de Monsieur Lefrève, um burguês alto e bonito, de longos cabelos castanhos, barba curta e bem cuidada, rosto quadrado com feições fortes. Conhecia-o bem demais... Era um dos homens que tantas vezes a haviam usado e, ela temia, certamente a reconhecera. Fingindo inocência, perguntou:

– Está perdido, Monsieur? Esta é a saída de funcionários.

– Não se finja de inocente, “pianista” – o sarcasmo com que ele disse a última palavra revelou que ele a reconhecera – Seus amiguinhos do teatro sabem quem você é? Sabem o que você é?

Alarmada, ela tocou discretamente a faca que guardava dentro do punho da manga, pronta para se defender, se preciso fosse. O que ele pretendia?

– Meu passado não importa, Lefrève. – respondeu, fria – aqueles dias estão acabados.

– Vão estar acabados, se Lucian souber onde está a favorita de suas garotas? Vão estar acabados, se toda Paris souber que a pianista que encantou a cidade é uma puta imunda? – as palavras dele fizeram ferver o sangue da mulher, mas ela se obrigou a ficar imóvel... Talvez pudesse sair dessa apenas com palavras.

– O que você quer? Por que me ameaçar, se não lhe fiz mal algum? – ela sabia muito bem o motivo, apenas estava testando o idiota. Ele deu um sorriso presunçoso, antes de responder:

– Costumávamos nos dar muito bem, se é que me entende. – ele se aproximou da moça, até estar a centímetros dela. Annika, contudo, sequer desviou o olhar, enfrentando-o. Não era difícil, uma vez que tinha quase a mesma altura do homem, e a vida lhe ensinara a não se dobrar. – Você sumiu misteriosamente, e perdi meu brinquedinho preferido. Agora, ressurge como uma pianista, muito mais linda do que já foi... E agora, não tenho de dividi-la com ninguém. A vida é cheia de surpresas, não?

– Dividir-me? – fazer-se de desentendida era sempre a melhor estratégia para baixar a guarda de um homem. Que o cretino pensasse que ela estava acuada e com medo!

– Tenho uma proposta, “senhorita”... – ele a empurrou contra a parede do teatro – você sabe muito bem o que eu quero. Colabore, volte a se “divertir” comigo, e Lucian não saberá onde está. – ele tentou beijá-la, mas a jovem o empurrou, irritando-o – resista, e você e sua irmãzinha voltam para o bordel, mas não antes de eu fazer uma visitinha à doce Gabrielle. Entende o que quero dizer? – havia tanta arrogância, tanta presunção no rosto dele, que sequer foi capaz de perceber o brilho assassino no olhar de Annika, quando usou os braços para prendê-la contra a parede.

– Perfeitamente. – rosnou a moça, por entre os dentes, contendo a náusea em ser tocada por aquele bastardo, e forçando lágrimas a caírem de seu rosto.

– E então? – a mão dele subiu despudoradamente por entre as coxas da moça, tocando-a de modo ofensivo, enquanto ele se deleitava com a “impotência” de sua presa. Mal imaginava que as lágrimas dela eram do mais puro fingimento quando, após um suspiro resignado, respondeu:

– Tudo o que quiser, Monsieur. Mas não aqui... Podem nos ver. – ela o puxou para o fundo da rua, onde esta terminava num beco escuro, nunca visitado. Com o estômago revirando de asco e ódio, puxou o homem para um beijo, sentindo as mãos dele apalparem rudemente seu corpo, como já havia feito muitas e muitas vezes antes. Fora aquele cretino quem lhe roubara sua virgindade, o primeiro de muitos que a usariam durante os anos no bordel, e aquele toque fazia a raiva aflorar, intensa e incontrolável, ante a memória da dor e da humilhação em sua primeira vez, e em todas as vezes que se haviam seguido. A morte era pouco, perto do que aquele bastardo merecia!

Tomando a relutância dela como medo, ele provocou:

– Não seja dramática; não é tão ruim, assim. – e continuou, começando a morder o pescoço da jovem. Entretido com seu novo jogo maldoso, não viu o brilho da faca antes que essa se cravasse obliquamente em seu abdômen, uma pontada fria e aguda que o fez afastar-se um passo, olhando incredulamente para a lâmina que se projetava de seu corpo.

Movida pelo ódio puro, por uma raiva que só o sofrimento prolongado podia causar, Annika segurou o ombro do homem e o esfaqueou outra vez, de baixo para cima, com expressão selvagem no rosto; ao ouvir o gemido estrangulado do homem – a segunda facada lhe perfurara o pulmão, impedindo gritos – sussurrou, num sorriso cruel e satisfeito:

– Não seja dramático. Não é tão ruim assim. – decidida a causar tanta dor quanto pudesse, torceu a faca, girando-a dentro do corpo de sua vítima, que agonizou. Puxou a lâmina, e o esfaqueou de novo, e de novo, e de novo... O frenesi do assassinato a movia, numa vontade que nunca experimentara antes. Não estava matando como um serviço (tivera alguns trabalhos como matadora de aluguel), nem para roubar... Era vingança, vingança pura e simples, e agora entendia o que Erik lhe dissera, estações atrás: havia um gosto quase insuportavelmente doce em vez o rosto de seu algoz se torcer de dor a cada vez, em saborear a impotência dele, tal como ele saboreara a dela, no passado. Foi só quando ele parou de reagir que, enfim, ela lhe cortou a garganta, vendo o sangue jorrar pelo corte e manchar as pedras no chão. Seu vestido, contudo, não tinha uma única gota a sujá-lo quando, afinal, deixou o cadáver cair no chão. Limpando a faca no casaco do morto, pisou o corpo inerte e disse, fria:

– Morto, como o porco que sempre foi. – e virou-se para ir embora, antes que alguém a visse. Aquele assassinato não lhe causara nenhum sentimento, além de alívio; era a primeira vez que gostava de matar alguém. Porém, tarde demais, viu a figura em pé à entrada da rua, encarando-a fixamente.

*

Erik tomara o caminho da ópera, cavalgando noite adentro. Estava triste, mas não a tristeza esmagadora que o torturara por cinco anos... Estava mais para um vazio que, ao mesmo tempo em que o fazia lamentar, o deixava leve. Como se algo enorme houvesse sido tirado de dentro de si, e agora, ele não sabia o que fazer, pois a dor fora sua guia, mentora e companheira por muito tempo. Como viver sem o sofrimento ao qual se apegara? Pois as palavras de Christine haviam rompido definitivamente os laços entre ambos, e isso o deixara atordoado ante a nova e desconhecida liberdade.

Confuso, guardou César nos estábulos do teatro e se dirigiu à porta lateral, que a essa hora não era utilizada. Contudo, assim que enveredou pela rua sem saída, ficou estático com a cena que se descortinou diante de seus olhos: um homem empurrava uma mulher contra a parede, beijando-lhe o pescoço e o colo quando, de repente, curvou-se sobre si mesmo. Com o recuo do homem, Erik pôde ver a faca nas mãos da mulher, que atacou de novo, e de novo, e de novo, antes de cortar a garganta do desconhecido. Com maior perplexidade ainda, ele reconheceu a mulher: Annika! Aproximando-se a passos rápidos, preocupado com a moça, chamou:

– Annika! – alcançou a jovem em segundos, vendo a palidez e o leve tremor dela; tomando-lhe a faca das mãos, certificou-se de que ela não estava ferida – O que houve? – o Fantasma olhava confuso da mulher para o cadáver no chão.

– Ele me reconheceu, de minha vida passada... – ofegou a jovem. Havia acabado de cometer um assassinato a sangue-frio, mas não era por isso que tremia: tremia de raiva, por efeito da adrenalina de matar alguém daquele modo – ameaçou machucar Gabrielle, e contar a Lucian onde estamos, a menos que eu me oferecesse a ele... Tentou me estuprar. – ela chutou o cadáver, com raiva, e explicou com voz aflita – eu não podia deixa-lo viver, depois disso...

Olhando para o corpo, momentaneamente esquecido de si mesmo, o Fantasma da Ópera tratou de pensar em como impedir Annika de ser associada ao assassinato. Não estivesse o homem morto, ele o torturaria lenta e dolorosamente, fazendo-o implorar para morrer, por ter ousado tocar na pianista! Agora, porém, precisava proteger a jovem contra as consequências de seu crime.

Ela, contudo, se antecipou a qualquer frase dele, abaixando-se e começando a revistar os bolsos do cadáver, tirando tudo o que tivesse de valor. Relógio, carteira, moedas... Teria guardado o dinheiro para si, se não estivesse manchado de sangue. Como medida de precaução, foi até um bueiro e jogou tudo ali dentro, onde os pertences não seriam encontrados; livrou-se, também, da faca usada. Quando voltou, Erik puxara o cadáver para o lado e o colocara em uma posição estranha, como se o homem houvesse sido derrubado e apunhalado até a morte. Erguendo-se, falou para a mulher:

– Pronto. Um caso clássico de roubo seguido por assassinato.

– Obrigada. – disse a moça – ia ser difícil mover alguém do tamanho dele.

Erik ia dizer algo, mas percebeu que a moça não estava bem; havia dor em seus olhos, uma dor diferente da dele, mas não menos real. Ela sofria por reviver o passado, enquanto ele sofria por tê-lo perdido... E vendo-a agora, percebia quanta falta sentira da moça, naquele mês longe dela. Talvez pudesse compensá-la por seu horrível comportamento de semanas atrás, agora...

– Annika... Terei ainda o direito de lhe pedir algo? – perguntou ele, enquanto entravam juntos no teatro agora vazio.

– Depende – respondeu a moça, cruzando os braços – O que seria?

– Vou descer à Casa do Lago. – ele estremeceu, imaginando como teria forças de fazer aquilo que, sabia, era extremamente necessário: confrontar os resquícios do passado - Gostaria de vir comigo?

O semblante da jovem se iluminou, e ela anuiu ao aceitar a mão do Fantasma, mas logo pareceu se lembrar de algo:

– Tenho de deixar um bilhete para Gabi, para ela não ficar preocupada. Espere só um pouco. – a mulher desapareceu escadaria acima, retornando pouco depois. Trazia consigo, também, uma cesta. Erik arqueou as sobrancelhas, confuso, ao que ela explicou – jantar. Lá em baixo deve estar uma bagunça... Vamos levar algum tempo para organizar tudo. Não vai querer ficar em jejum, vai?

Ele sorriu e tomou a mão livre da moça, puxando-a consigo para suas passagens secretas. Impressionava-o o modo como ela se forçava a parecer tranquila e calma, após cometer um assassinato, embora ele soubesse que o encontro – não o assassinato em si – a havia abalado muito. Era por isso, dizia a si mesmo, que queria levar a jovem. Porque ambos estavam abalados e perturbados, por mais que fingissem o contrário. Tentava mentir para si mesmo, fingir que não a levava consigo porque só com ela teria forças de rever seu antigo lar, palco de tantos anos de sua vida... Palco da Música da Escuridão, agora morta para sempre.

Ele a guiou com cuidado pelos túneis perigosos – mesmo depois de tantos anos, alguma das armadilhas podia estar funcionando. Fazendo aquele caminho, foi impossível não pensar no dia em que levara Christine consigo... Mas Annika nada tinha a ver com a soprano: caminhava com segurança e sem medo, sem o olhar hesitante da cantora. Seguia-o com felicidade, ao seu lado, e não atrás dele e, embora houvesse aquele peso sombrio de desgosto em seu olhar – reviver o passado devia ter sido muito doloroso, para ela – havia também encantamento e fascínio, uma enorme curiosidade. A mulher loura possuía uma energia, força e vitalidade que sempre haviam faltado à frágil Christine, e o Fantasma descobria, agora, que gostava muito desta força.

Chegaram ao pequeno cais onde a gôndola encontrava-se amarrada, e Erik ajudou Annika a entrar, rindo quando ela quase caiu do barco, deixando escapar uma praga. Ao perceber que praguejara como uma mulher das ruas, olhou ruborizada para o Fantasma, que não pôde conter uma gargalhada enquanto entrava no barco e o impulsionava.

– Ainda não conhecia esta parte de seu vocabulário, mademoiselle. – disse ele. Afinal, se Annika podia se obrigar a parecer feliz, também ele podia engolir a própria tristeza, ao menos um pouco. Tornava-se mais fácil fazê-lo, quando estava perto da mulher. De repente, um pouco de água espirrou em seu rosto e. quando olhou para Annika, esta tentava disfarçar o riso, embora seu braço estivesse molhado até a metade. Devolvendo a provocação, Erik usou o remo para jogar água na jovem, que deixou escapar um gritinho ao sentir o líquido gelado escorrer por suas costas. Só ela podia fazê-lo sentir-se mais leve, naquele momento! Brincar nunca fora de seu feitio...

– Foi você quem começou. – acusou o Fantasma, enquanto a gôndola se chocava devagar contra a margem. O homem desceu e amarrou o barco, mas quando foi ajudar Annika a descer, esta já se encontrava em terra firme. Olhava maravilhada para o lugar que, mesmo sem as velas, com móveis quebrados e partituras, desenhos, plantas e manuscritos espalhados pelo chão, ainda era impressionante. Contemplava com fascínio as colunas de pedra entalhadas à mão pelo próprio Fantasma, que representavam o Titã Atlas a segurar o teto abobadado da caverna, tal como o da lenda segurava o peso do céu. Seus olhos percorreram o grande órgão de foles, que parecia intacto, as escadas, o portão... Havia ferrugem e pó por todos os lados, mas sua mente podia recriar aquele espaço como devia ter sido, no passado, e a imagem era maravilhosa.

Ao voltar os olhos para Erik, ela percebeu profundamente a dor dele – ali estava, destruída, a maior parte da vida do Anjo – e compreendeu que ele precisava, mais do que nunca, de uma amiga. E ela podia representar esse papel. Aproximando-se dele, tocou-lhe levemente o braço e, quando ele não se afastou, disse em voz calma e suave:

– Vamos arrumar tudo. – um sorriso se espalhou por seu rosto, enquanto se esquecia da própria dor – começamos agora?

– Nem sei por onde começar... – disse ele, parecendo arrasado, mas firme – Tudo destruído... O trabalho de minha vida.

– Nem tudo – ela se abaixou e juntou uma partitura, intitulada Os Cisnes, da autoria do próprio Erik – Vê? Intacta! Só está meio bagunçado, mas podemos arrumar.

Ante o sorriso que ela lhe lançava, o músico não conseguiu resistir: se queria esquecer-se de Christine, precisava relembrar-se de quem era, e isso incluía recuperar a Casa do lago tal qual era, antes da soprano. Muito bem, havia muito trabalho pela frente! Juntando-se a ela, começou a recolher os papéis do chão, separando-os por seu conteúdo. Seria um longo trabalho...

*

Haviam passado bem umas seis horas recolhendo os papeis no chão e, de fato, quase todas as composições do artista haviam sobrevivido, ainda que espalhadas pelo chão. A umidade danificara algumas irreversivelmente, mas a maioria podia ser salva, e encontrava-se cuidadosamente organizada, em rolos empilhados nas mesas e bancadas.

Enquanto seu amo terminava de cuidar das obras recolhidas do chão, Annika retirara os cacos de espelho espalhados pela pedra e, com pedaços das cortinas rasgadas umedecidos, retirara o pó de castiçais, instrumentos, móveis. A moça realmente não tinha medo ou preguiça de trabalhar, e era impressionante como fazia tudo depressa e com perfeccionismo. Isso divertiu o Fantasma, que comentou:

– Parece um esquilo hiperativo, sabia?

– Melhor do que ser uma tartaruga chorona. – devolveu ela, no mesmo tom – Ande logo, ou você também vai criar bolor! – mas era apenas uma provocação, pois também ela ficara surpresa com a habilidade de Erik para organizar as coisas. Os homens que conhecera não eram capazes de achar o próprio sapato, sem a esposa. Nesse ritmo de trabalho, a Casa do Lago começava a se parecer com o que já fora, especialmente depois que Annie achara velas e as acendera, melhorando a iluminação que, antes, se devia apenas à lanterna levada por eles.

Finalmente, cansados, sentaram-se lado a lado num banco longo à margem do lago, fitando a névoa que se desprendia da água. Foi Erik quem quebrou o silêncio:

– Como você está, Annika? Eu vi que ficou abalada com as ameaças daquele homem.

Surpresa, uma vez que nunca imaginara Erik prestando atenção aos sentimentos de alguém, ela hesitou antes de responder:

– Fiquei com medo, com vergonha, com raiva... Acho que senti de tudo um pouco. Não sei se algum dia deixarei de ter medo. – com as alfinetadas que já haviam trocado, ela achava que podia confessar aquilo – tenho pesadelos todas as noites, sonhando que voltei para aquele lugar... – e então fitou-o nos olhos:

– E você? Percebi que ficou perturbado com o que quer que tenha acontecido hoje. O que houve? – melhor fingir que não sabia de nada, ou poderiam acabar tendo outra briga.

– Encontrei-me com Christine. Ela se despediu definitivamente, e me pediu para continuar minha vida sem ela.

– Deve ter sido difícil...

– Menos do que pensei... É como se... Como se eu estivesse aguardando a autorização dela para tentar esquecê-la. Como se não tivesse esse direito, a menos que a visse uma última vez. Agora restou... Não sei definir... Um vazio, mas um vazio que dói menos do que antes.

A moça ficou pensativa, por algum tempo, para então se levantar e pegar algo na cesta; voltou para o lado do Fantasma com duas taças e uma garrafa de vinho, já se explicando:

– As meninas da orquestra contrabandearam para o quarto, e me deram uma garrafa. Ainda não provei, então, não sei o que vale. Mas não tem nada melhor do que um pouco de vinho, para curar dores do passado.

– Fala como entendida no assunto. – disse o músico, aceitando uma taça e pegando a garrafa da mão da jovem – permite-me?

– à vontade, Monsieur. – e respondendo à pergunta dele, enquanto o artista servia vinho para ambos – Aprendi uma coisinha ou duas, na vida.

Ele pegou a taça nas mãos, e a fitou: ambos estavam recém-saídos de um choque causado por seus passados... Sensações diferentes e, ao mesmo tempo, iguais... Feliz por não estar sozinho naquele lugar, feliz por ter a companhia de Annika, que parecia aplacar tanto o sofrimento quanto a confusão, ele brindou:

– Então, um brinde ao que o passado nos ensinou. – ela sorriu de modo pensativo, e devolveu:

– Um brinde aos proscritos. – e beberam o conteúdo de seus cálices de um único gole. Annika bebeu bem, mas Erik engasgou e tossiu com o doce rascante do vinho:

– Argh, o que é isso?!

– O melhor tipo para fazer esquecer a vida! – respondeu ela, rindo e servindo mais do líquido nos cálices – mas vamos beber devagar, ou a ressaca será enorme, amanhã!

Taça após taça, beberam juntos o líquido rubro e doce, que parecia aquecer e esfriar ao mesmo tempo. Sob efeito do álcool, tornaram-se mais receptivos e risonhos, fazendo brincadeiras e falando como não conseguiriam fazer, se totalmente sóbrios. Já haviam bebido a quarta taça consecutiva – a garrafa estava quase no fim – quando a moça perguntou, menos sensata do que costumava ser:

– Certo, você me contou de seu relacionamento problemático com Christine... E Como foi que acabou nesta Ópera, assombrando todo mundo?

Erik bebeu de um gole o restante do conteúdo em seu copo e, subitamente sério, arremessou a taça longe. Parecia sentir uma mistura de raiva, tristeza, culpa, ao mesmo tempo em que o álcool lhe conferia uma euforia anormal. Virando-se para Annika, devolveu:

– Conte-me primeiro como uma prostituta pode ter tido a educação de uma dama, e então, conto-lhe minha história.


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Notas finais do capítulo

Entãããããoooo? Que tal? No próximo capítulo, teremos enfim a história de Annie.
Gostaram?
Obrigada por acompanharem. Kisses, minhas flores!



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