As luzes se apagam antes que eu pudesse testar a teoria das altas doses de água benta que expulsam demônios. Miya gritou tão alto que foi capaz de quebrar e queimar todas as luzes.
Austin ilumina o lugar com seu telefone e posso enxergar todos bem mais ou menos.
O corpo de Elizabeth está caído no chão e Hiroshi não segura mais a corda.
–Hiroshi? Cadê você? -Pergunto mas nenhuma resposta.
–Não sinto mais a presença dele aqui. -Ryo, o filho de Hiroshi diz enquanto examina o corpo caído de Elizabeth.
Eu abaixo perto dele e o encaro.
–Liz... É você?-Pergunto e ganho um sorriso de resposta. É ela, definitivamente. Isso significa que Miya a matou e depois entrou em seu corpo. Desprezível.
Fico em pé e sinto alguém me abraçando pelas costas. Tento me virar pra ver quem é mas essa pessoa começa a me puxar pra longe, fora do alcance da luz do telefone de Austin.
Só consigo ver os braços dessa pessoa e em um deles há um relógio de ouro que eu reconheço muito bem, é o relógio do Hiroshi.
–Porque está fazendo isso? -Sussurro pra ele que cola o rosto no meu pescoço.
–Desde aquele nosso beijo eu não consigo mais te tirar da cabeça. Meus sonhos, todas as noites, são com você.
Porque ele está dizendo isso agora? Nesse exato momento e depois de 6 anos?
–Olha, Hiroshi eu...
–Shhhhh! Você não precisa dizer nada.
Ele beija o meu pescoço e me vira pra ele. Isso é errado, muito errado. Hiroshi é casado, tem filho pequeno e a situação não é boa.
–Erin? -Escuto Mina perguntar por mim e antes que eu pudesse responder Hiroshi encosta o dedo indicador nos meus lábios.
–Você não quer que ninguém descubra, não é? -Ele sussura no meu ouvido e depois volta a me encarar. Está escuro mas posso ver que ele está sorrindo.
–Eu...
–Espera, me deixa falar... Eu aceito. Aceito ir com você, vamos embora. Daqui e agora, juntos.
–Do que você está falando? -Pergunto confusa, quando foi que propus isso pra ele?
–Você não lembra? A 6 anos atrás. Você me pediu pra vir embora com você.
–Hiroshi... nunca te pedi isso.
Ficamos quietos por um tempo até que as luzes que não quebraram voltam ao normal. Achei de terem queimado mas apenas apagaram.
Hiroshi ainda está me encarando mas do nada quebra o silêncio.
–Que pena, se tivesse pedido ele teria vindo. -Ele diz e seus olhos ficam completamente negros, iguais os de Miya, iguais os de demônios.
Dou um grito muito alto e em questão de milésimos de segundos o Anjo aparece do nada atrás de Hiroshi, o agarra e o lança pra longe de mim.
Austin segura o meu braço e me arrasta pra perto de Mina que ainda estava encolhida no cantinho.
–Você tá bem? Ele fez algo com você? -Ela pergunta enquanto procura por marcas no meu corpo.
–Não... Eu estou bem. -Respondo e me encolho ao lado dela.
Elizabeth e o Anjo que desconfio ser Ryo, o irmão do Hiroshi, ficam de frente pra ele enquanto o mesmo se levanta.
–Acham que vão me vencer tão fácil? -Ele pergunta e depois cai na gargalhada.
–Demônio maldito... SAIA JÁ DO CORPO DELE! -O Anjo se irrita.
Miya...
Ela começa a rir mais até que para do nada e encara Elizabeth no corpo de Ryo.
–Eu farei com ele a mesma coisa que fiz com você.
Depois que Miya diz o Anjo sai voando em sua direção e aponta a espada pra ela.
–Eu vou te ensinar A NUNCA MAIS MACHUCAR OS MEUS IRMÃOS.
Ele atravessa a espada em seu peitoral e Miya começa a gritar. Ouvir "Hiroshi" gritar desse jeito me dá um aperto no coração.
Quando o Anjo tira a espada não vejo ferimento nenhum, mas Miya continua a gritar de dor.
Elizabeth aproveita que ela está caída no chão, a prende com os braços e faz um símbolo estranho na testa de Hiroshi, no caso.
Miya não consegue mais se mover, apenas fica parada enquanto os outros dois a amarram.
–Erin venha aqui. -O Anjo ordena e eu me levanto rapidamente.
Só pode ser Ryo... pra saber o meu nome...
Quando chego perto dele, inesperadamente, ganho um abraço.
–Olá... Eu estou aqui, novamente.
–Ryo...
–Bem, esse não é mais meu nome mas pode continuar a me chamar assim. Eu gosto.
Ele me solta e se vira pra Miya que estava nos olhando com uma expressão debochada.
–Desde quando viraram amiguinhos? -Ela pergunta.
–Você não tem direito a perguntas.
–Hey... Er... Anjo?
Mina o chama e ele volta sua atenção pra ela.
–O Hiroshi vai ficar bem?
–Desde quando você se importa, sua falsa, mesquinha. Eu sei de tudo, sei que você não ama tanto o Ren quanto aparenta, só o "ama" porque sua irmã o amava, além de claro estar de olho na fama e na fortuna do rapaz. -Miya diz fazendo parecer que quem está falando é Hiroshi.
–Mina, ignora. Não é o Hiroshi e você sabe disso. -Tento a tranquilizar.
–E você? Sua vadiazinha! Brincando com o coração do Shinji e se metendo com homem comprometido. Muito bom- caratismo da sua parte! -Ela diz enquanto sorri.
–Chega! Chega de conversa. Erin, pecisarei de você. Eu e Elizabeth vamos segurar o corpo do Hiroshi e vamos manter sua boca aberta. Eu quero que você despeje a maior quantidade de água benta que puder dentro dela. Certo? -Ryo pergunta.
–Certo, eu farei.
Estou tremendo, mesmo sabendo que não é o Hiroshi quem está dizendo essas coisas, isso dói tanto.
Elizabeth segura os braços de Hiroshi enquanto Ryo abre sua boca. Miya protesta e grita, mas de nada adianta.
Eu viro o pote de água benta na boca do Hiroshi e Miya grita desesperadamente. Um cheiro de queimado horrível toma conta do local e só vejo as queimaduras aparencendo pela pele dele.
–Pare... Pare, Erin! -Ryo ordena e me distancio deles.
–O que foi? -Pergunto.
–Ele está lutando contra ela. -Elizabeth responde e Hiroshi começa a tremer. Um de seus olhos aos poucos vai voltando ao normal.
–Temos que esperar para ver se ele vai conseguir sozinho. -Ryo diz e nós ficamos observando a luta interna de Hiroshi.
Que infelizmente foi perdida. Após alguns segundos seu olho volta a ficar negro e o sorriso irônico volta ao seu rosto.
–Vamos, de novo. -Ryo ordena e eu me aproximo voltando a jogar água dentro da boca de Hiroshi.
As luzes começam a piscar e alguns objetos ao nosso redor a levitar. Vassouras que estavam em um canto e algumas poltronas voam furiosamente pela sala.
–SAL! AGORA! -Elizabeth grita e eu me embolo um pouco pra fazer a mudança.
Pego o pequeno punhado de sal, jogo no rosto de Hiroshi e Ryo segura o rosto dele pressionando as mãos contra o sal.
–Revertere ad locum tuum decreveram *Volte para o seu lugar* -Ele diz e o desespero de Miya aumenta.
–NÃO! NÃO! NÃO.
–Revertere ad locum tuum decreveram.
–EU NÃO QUERO!
Austin abraça Mina que está chorando, a impedindo de continuar vendo aquela cena.
Do nada a gritaria para. As luzes param de piscar, os objetos que flutuavam caem com tudo no chão e o corpo de Hiroshi fica mole, como se tivesse desmaiado.
–O-O que aconteceu? -Pergunto enquanto Ryo tirava as mãos do rosto de Hiroshi.
–Ela se foi. -Ryo responde e junto com Elizabeth se afastam do corpo de Hiroshi.
–Como tem tanta certeza? E se ela voltar? -Pergunto preocupada.
–Pode ficar tranquila, ela não voltará! Pelo visto odiava tanto o Inferno que preferiu morrer a voltar para lá.
–Então isso significa que estamos livres? Vamos ficar bem? -Austin pergunta.
–Sim, tudo foi resolvido.
Elizabeth, que está no corpo do filho de Hiroshi, abraça a Mina, o Austin e depois a mim. Depois de alguns segundos naquela posição sinto o corpinho dele desabar sobre mim, Lizie se foi.
Austin começa a chorar e Mina o abraça, tentando cosolá-lo.
Ryo, o anjo, olha pra cima por um tempo e depois se volta para nós.
–Eu tenho que ir agora, estão me chamando. Lembrem-se... Eu sempre estarei por perto. -Ele sorri, alguns segundos depois as asas vão desaparecendo e depois o corpo de Shinji cai no chão.
Tudo acabou... Até que enfim.

Continua