Coração De Seda escrita por Maria Fernanda Beorlegui


Capítulo 79
Capitulo 79


Notas iniciais do capítulo

Continuando...



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Vejo do terraço a guerra ser travada nos portões da cidade. Não posso ver Djoser ou Gab, com isso me sinto aflita. Eu apenas vejo as espadas rasgarem cada homem, voarem como pontos brilhantes no céu e o sangue jorrar no sangue. Nunca vi uma guerra, nunca sofri tanto com uma guerra como sofro agora. Não entendo até o momento porque estou passando por tal coisa, não entendo porque sou rainha, não entendo nada. A única coisa que sei é que meu filho está na guerra honrando o nome da nossa família, nada mais que isso.

—Já acabou? —Karoma pergunta ao olhar para a guerra.

—Está apenas começando. —Falo ao dar as costas para os homens. —Karoma... —Chamo-a ao sentir a mesma dor que antes senti.

—Essa criança quer nascer. —Karoma fala ao me ajudar. Eu me sento no trono e tento tranquilizar meu filho. —Chamo o sumo sacerdote?

—Não. —Falo. —Vá ver como Mhysa está. —Ordeno. —Eu posso ficar aqui sozinha.

—Tem certeza? —Karoma indaga preocupada. —A senhora vem sentindo muitas dores, essa criança pode nascer a qualquer momento.

—Eu vou ficar bem. —Falo desconfiada. —Vá fazer o que eu pedi. —Falo. Karoma antes faz sua devida reverência após olhar para o meu ventre. Ouço seus passos rápidos e em seguida sua figura sumir de minha visão. —Irei ficar bem do meu modo. —Falo ao abrir minha mão e me deparar com o veneno. —Não vai me restar outra alternativa, filho. Lutei tanto para no final perder. —Falo com lágrimas nos olhos. —Se você tivesse nascido antes teria conhecido seu irmão mais velho, teria conhecido seu pai e seu tio Ramsés. Também iria ver Nefertari andar, quase flutuar pelos corredores, assim como também poderia crescer ao lado da criança que ela esperava. —A realidade dita é dura comigo mesma. —E ainda tinha Amenhotep! —Falo plena de saudades. —Que não teve culpa em crescer em meio a tanto ódio. Ele não foi como eu que não me corrompi.

Um resumo de tudo o que aconteceu depois que Moisés voltou se passou em minha mente e então posso ver com clareza que de fato estou sendo castigada. O motivo eu não sei, e se meu Eu sabe, não quero acreditar. Eu nunca entendi porque tanto sofrimento, porque tanta dor, minha vida é um vale de lágrimas cujo verão é o pranto que escorre de meus olhos. Eu fui muito feliz antes de Moisés voltar e dar início as pragas. Eu tinha Anippe e Djoser, acima de tudo eu tinha paz e chorava apenas de felicidade. Mesmo que eu me perguntasse todos os dias por Moisés, eu sobrevivia com sua ausência.

—Não podemos evitar, não é verdade? —Pergunto para mim mesma enquanto choro no trono.

O pior momento de toda minha vida foi ver Hur morto no chão da sala do trono como se fosse um animal. Quantas loucuras eu não fiz por causa dele? Centenas? Não, com certeza milhares. Eu explodi o templo matando Oritia e Radina, usei Gab e passei por cima da palavra de Ramsés. Eu matei Yunet e assim vinguei a morte do meu pai e de todos os filhos que perdi por culpa dela, eu me tornei uma assassina sem perceber. Se agora há uma guerra, essa guerra é pelo trono onde estou sentada, é pela coroa de meu filho, é pelo poder que tenho em mãos.

—Eu sou culpada por tudo isso. —Falo para mim mesma ao lembrar de que tudo começou quando Nefertari morreu. Choro desolada ao ouvir o grito de guerra se aproximar cada vez mais.

—Minha rainha. —Paser fala ao entrar na sala do trono visivelmente assustado. —Eles já estão em frente ao palácio, senhora. O que devo fazer?

—Prendam todas as crianças no harém, Paser. —Falo. —Agora!

—E a senhora? —Paser pergunta assustado e eu olho para o veneno em minhas mãos.

—Apenas me obedeça. —Minha ordem o deixa assustado. —Faça o que estou mandando,Paser. —Falo fingindo estar enfurecida com ele. Paser então não tem outra alternativa a não ser acatar minha ordem.

—Com licença, soberana. —Paser pede antes de me olhar pela última vez. Vejo Paser ir embora rapidamente e com isso as portas da sala do trono são fechadas definitivamente.

(...)

Eu ainda posso ouvir o barulho da guerra ecoando em meus ouvidos e me fazendo sentir culpada por tanta desgraça. Tantas pessoas estão morrendo nessa maldita guerra, a primeira guerra travada em território egípcio em tantos séculos. Nunca pensei que fosse ver algo desse tipo em toda minha vida. Posso ouvir os gritos horrorizados em frente ao palácio, posso sentir o peso da espada e imaginar os cavalos sendo derrubados pela força bruta dos rebeldes.

—Calma, meu amor... —Falo ao sentir meu filho se mover com veracidade dentro de mim. —Você ainda é pequeno para estar em um guerra. —Falo ao ouvir mais gritos.

"Eles já estão em frente ao palácio, senhora."

A notícia de Paser me fez recorrer a pior morte possível. Se Djoser e Gab morrerem, não irei ter nenhuma saída, não serei poupada da morte. Por isso que o pequeno frasco azulado está em minhas mãos, o frasco que há o veneno que irá me matar. Sei que é errado cometer tamanho pecado contra a vida. Mas Amun irá me matar, fará com que essa criança nasça e em seguida me matará. E de pensar que Amun também pode fazer algo contra esse meu filho, prefiro matá-lo em meu ventre.

—Seu pai me impediria de tal coisa. —Falo com meu filho ao ver o veneno em minha mão. —Mas ele não está aqui para isso. —Falo revoltada pela morte de Hur. Meu filho se move novamente em meu ventre e então sinto algo em mim doer. —Vou lhe contar uma história para que você se acalme. —Falo tentando me esquecer da guerra que há lá fora. —Era uma vez um temido faraó e sua filha mais velha. Ele a amava apesar de ser o mais vil dos homens na face da terra, mas ela fingia não ver isso por amar tanto seu pai. —Falo ao lembrar-me de meu pai. —O rei sempre falava que os deuses haviam arrancado um pedaço do céu e colocado nos olhos da princesa. —Me recordo desse dia e então as lágrimas brotam. —A princesa então cresceu e encontrou um bebê hebreu no rio, e com isso ela e seu pai começaram a se desentender. Os anos se passaram e o rei fez com que o filho da princesa fosse embora, deixando sua filha desolada. Mas houve uma noite em que o rei foi pedir perdão para a filha. —Falo ao abrir o veneno e acariciar o meu ventre ao mesmo tempo. —E ela não deu esse perdão. Nesta mesma noite seu pai morreu, e com ela ficou o remorso e toda dor. —Lágrimas desceram em meu rosto ao saber que sofri esses anos com a revolta que tive pelo meu pai. —Mas um dia ela se tornou rainha e sentou-se no trono. E então ela conseguiu entender as atitudes de seu pai. Ele sabia que todo o sofrimento seria necessário para ela se tornar rainha. —Falo ao destampar o pequeno frasco lentamente. —O que ele não sabia era que sua filha sofreria ao perder o grande amor de sua vida. O faraó era como um leão, nunca se deixava intimidar pelos seres inferiores, nunca se rebaixava apesar de sofrer com isso. E assim ele perde tudo, até mesmo sua vida. —Falo enquanto choro ao olhar bem para o veneno. Minha garganta está se fechando ao poucos e isso me faz sentir dor. —Eu fui princesa do Egito, mãe do libertador hebreu, Rainha-Irmã, rainha regente de Djoser, tive todos os títulos que uma mulher poderia ter. Mas nesse momento eu sou a viúva grávida de Hur da tribo de Judá. —Falo aos prantos.

É então que ouço passos apressados até a sala do trono. São eles. Gab e Djoser saíram derrotados e os rebeldes conseguiram entrar no palácio. Amun deve estar entre eles e com isso estarei em suas mãos. —Rapidamente ergo o veneno até meus lábios e em meio as lágrimas bebo todo o líquido. —Respiro fundo ao beber todo o veneno de uma só vez e esperar a morte.

—Henutmire! —Ouço alguém chamar por mim ao abrir brutalmente as portas da sala do trono. Não pode ser! Não pode ser que eu tenha perdido dessa maneira! Vários soldados entram e em seguida vejo Gab retirar sua máscara facial e sorrir para mim, logo uma expressão de incredulidade estampa meu rosto.

—Mãe. —Meu filho fala ao entrar na sala do trono com um sorriso vitorioso nos lábios. —Ganhamos! —Ele fala enquanto os outros homens gritam.

—Não.—Falo ao entender que cometi o maior erro de toda minha vida.

—Mãe! —Djoser fala ao me ver contorcer no trono. Sinto meu corpo todo pesar e meu filho lutar em meu ventre como se soubesse que estamos morrendo. Djoser então me põe em seus braços tentando me manter acordada.

—Eu sabia. —Gab fala enfurecido ao ver o frasco do veneno vazio em minhas mãos. —Henutmire! —Ele chama por mim com seu sotaque núbio arrastado.

—Mãe! Olhe para mim! Olhe para mim e fique acordada! —Djoser pede ao segurar o meu rosto enquanto me entrego ao sono profundo aos poucos. —MÃE! —Seu grito é de total desespero. —ALGUÉM ME AJUDE! —Ele grita eufórico, mas Gab põe sua mão no ombro de meu filho.

—Me prometa. —Peço e faço Djoser me olhar assustado. Já estou delirando. —Me prometa ser o próximo coração de seda...


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Notas finais do capítulo

Será mesmo que Djoser é o próximo?



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