Coração De Seda escrita por Maria Fernanda Beorlegui


Capítulo 75
Capítulo 75


Notas iniciais do capítulo

Bom dia com alegria *__*



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Olhei para o meu reflexo no espelho enquanto Karoma coloca a coroa sobre minha cabeça. Ela já não pesa mais como antes, aliás, não vejo mais limites em nada. O dia está acinzentado, parece que até mesmo a própria natureza quis que o dia fosse assim graças ao funeral de Ramsés. Não sei porque insisto em ir! Não é um cortejo que esbanje felicidade, mas deve ser feito para mostrar aos súditos que de fato Ramsés está morto e assim não gerar nenhuma dúvida. Poderiam pensar que estou mantendo Ramsés preso, antes fosse assim. Nunca pensei que um dia pudesse ver meu irmão morto. Eu vi Kamés e Ramsés nascerem, carreguei ambos no colo. O primeiro nasceu quando eu ainda era uma menina, o segundo nasceu quando eu estava me tornando uma mulher, quando encontrei Moisés.

—Ponha o outro. —Falo para Karoma sobre o colar que ela mesma escolheu para que eu use. —O mais escuro. —Falo ao lembrar que Gab me deu o colar a qual falo para Karoma.

Naquela época eu não sabia que ele era meu irmão, não sabia de nada a não ser que várias pragas açoitavam o meu reino.

—Ele é diferente. —Karoma fala ao olhar para o colar novamente. —O marido da rainha parecia querer agrada-la com algo diferente.

—Não foi Hur quem me deu, foi Gab. Faz muito tempo que ele me deu esse colar, mas somente agora irei usar. —Falo. —Radina quem me entregou e por isso disse que a mesma havia me presentado. Naquela época Gab me via com outros olhos.

—E ainda vê. —As palavras de Karoma me fazem olhar para ela de forma repreensiva. —O casamento entre irmãos sempre foi permitido, senhora.

—Em outra dinastia foi muito normal ver esse tipo de coisa, mas agora não. —Falo.

—Mas seria prudente a senhora aceitar isso agora. —As palavras de Karoma me assustam. —Um casamento de aparências faria com que todos os inimigos...

—Não, Karoma. —Falo.

—O príncipe Gab é o verdadeiro rei, sendo que o príncipe Djoser é o herdeiro do faraó Ramsés. A senhora é a rainha regente e está viúva, vão olhar para esse reino com fragilidade. —Karoma fala e por um lado vejo que ela tem razão.

—Isso é sádico. —Falo.

—Ê apenas para os inimigos. Eles iriam temer a união de dois filhos de Seti mesmo que como marido e mulher. —Karoma fala e então algo em mim me faz pensar em aceitar tal idéia. —Assim o reino estaria protegido.

—Com licença. —Somos interrompidas pela chegada de Gab. —Já está tudo pronto, falta apenas a sua presença. —Ele fala pausadamente enquanto me observa por completo.

—Eu ainda não acredito que estou indo para o cortejo fúnebre do meu irmão mais novo. Deveria ser o inverso, mas tudo foi feito de maneira errada. —Minhas palavras fazem Gab pensar. Pensar certamente que tudo foi feito de maneira errada desde muito antes dele nascer. —Pode ir, Karoma. —Ordeno ao olhar fixamente para Gab.

—Você finalmente está usando-o. —Gab fala em relação ao colar.

—Eu lembro de ter dado para Anippe antes, mas acho que por algum motivo inaparente ele voltou para mim. —Falo com uma certa ironia e faço Gab rir. —Todas as noites eu peço para Deus que ele conforte Anippe quando ela souber de tudo.

—Anippe vai sofrer. É normal sofrer por alguém que se ama e já morreu. —As palavras de Gab me chocam e a prova disso são as lágrimas que se formam em meus olhos. Acabo me lembrando de cada pessoa que morreu e com isso me sento novamente para não correr o risco de cair.

—Eu não me sinto bem. —Falo ao oprimir o meu choro e sentir meu peito se fechar aos poucos me impossibilitando de respirar normalmente.

—Me desculpe pelo o que acabo de falar. —Gab lamenta. —Não foi minha intenção.

—Se fosse agora seria um homem morto. —Falo seriamente e isso faz Gab me olhar surpreso, mas logo trato de sorrir. —Estou brincando. —Falo ao segurar em seu braço. —É assim que começo a impedir eu mesma de chorar meu pranto.

—Pranto que por belos olhos é derramado. —Gab fala pensativo ao analisar o meu sofrimento. —Nunca pensei que fosse vê-la tão infeliz.

—Minha infelicidade começou quando fui coroada rainha. Agora eu tenho que conviver com o fardo da viuvez em minhas costas, o peso da coroa em minha cabeça e uma vida no ventre. —Falo deixando também claro que de certo ponto estou indignada com a minha situação. —Mas agora não temos tempo para isso. Vamos logo para o cortejo...

(...)

O silêncio é recíproco. Os súditos agora acreditam que Ramsés está morto e que Djoser é o príncipe herdeiro e eu sou a rainha regente. Noto os olhares de compaixão, noto o quanto eles me olham e olham para o meu ventre. Djoser está ao meu lado na liteira simbolizando que também se mostra presente.

—Isis! —Ouço algumas pessoas falarem e em seguida os servos param de andar com a liteira.

—O que é isso? —Pergunto incrédula para Gab que está ao lado dos servos. Minha liteira ainda está suspensa no ar.

—É com a senhora —Djoser fala assustado ao ver que todos erguem suas mãos para mim.

—Mas eles chamam por Ísis, a deusa. —Falo assustada. —Eles ainda não acreditam em Deus.

—Eles não tem mais os outros deuses e nem Deus como divindade. —Ouço Gab falar ao ver todos os egípcios se curvarem perante a minha presença. —Eles tem você como única divindade agora. —Meu irmão fala e então eu peço para a descer. —Não.—Ele fala em tom de reprovação ao me ver em solo firme.

—Isis! —Ouço novamente todos falarem ao mesmo tempo. —Mãe do futuro rei! —Eles falam e então eu olho para Gab ainda assustada.

—Isis é a figura materna. —Gab fala ao entender o que os súditos falam ao olhar para mim. —Você é a mãe do Egito por completo agora. —Ele fala risonho.

—É mais do que isso. Todos eles confiam suas vidas em suas mãos, senhora. —Paser fala ao se aproximar de mim sorridente. Todas as mãos dos súditos estão erguidas para mim.

—Não é adequado. —Gab fala ao ver que quero ir até as mãos que estão estendidas para mim. Mas eu vou mesmo assim e deslizo minha mão direita em cada mão erguida em minha direção.

Vejo Djoser fazer o mesmo do outro lado com os outros súditos e então meu filho passa a sorrir para mim. Deveria ser um cortejo fúnebre, e é. Mas agora que todos tem a certeza que Ramsés II está morto, confiam suas vidas em mim. Todos me olham como se eu fosse de outro lugar, como se não acreditassem que eu estou tocando na mão de cada um ali presente enquanto me chamam por Ísis. —Enquanto minha mão direita desliza por outras mãos enquanto ando, a minha mão esquerda está em meu ventre. Sinto meu filho se mexer como se soubesse o que está acontecendo agora.

—Rainha-Mãe! Ísis! —Posso ouvir todo o clamor do povo sobre mim. Agora posso ver que eles realmente confiam em mim, eles estão me fazendo viver por eles mesmos.

—Que o a senhora tenha um bom parto. —Uma jovem fala para mim assim que segura a minha mão com persistência. —E que essa criança possa lhe trazer toda felicidade que foi roubada da vida da senhora. —Ela fala sorridente e eu me surpreendo por suas palavras. —Se ainda achar que não deve reinar por ser uma mulher sozinha, lembre-se de seus filhos.

—Eu lembro de meus filhos todos os dias. —Falo.

—Não digo os filhos que carregou no ventre, nem falo do príncipe Moisés. —Ela fala me deixando confusa.—Falo dos filhos do Egito, minha rainha. —Ela fala e em seguida beija a minha mão. —O Deus dos hebreus tirou todos os reis malignos e cruéis do trono para pôr a senhora.

—Eu não sou uma deusa como pensam. —Minhas palavras fazem ela rir. A moça então volta a falar. Falar palavras que me fazem pensar de outra forma.

—A senhora é a Rainha-Mãe e regente, mãe do libertador e da princesa híbrida do Egito e Israel. Filha do faraó temido, aquela que derrubou um decreto que fez por onde toda uma nação de escravos crescesse. A senhora perdeu filhos, perdeu amores, perdeu o príncipe Kamés e o faraó Ramsés, mas nem por isso nos perdeu...

(...)

—Eu nunca vi coisa igual. —Gab fala ao se lembrar do que aconteceu hoje mais cedo. —Todos olhavam para você como se você fosse a mãe de todos.

—Eu vi bem. —Falo. —Pareceu até um sonho. —Falo ao me servir de uvas.

—Se sente mais segura agora? —Gab pergunta ao me ver sorrir. —Faz muito tempo que não vejo você assim, Henutmire.

—Hoje eu vi o que muito tempo não vi mais. Vi que aquelas pessoas me amam sem ao menos saberem que eu sou de verdade. —Falo. —Mas elas sabem que eu vou protegê-las.

—Custe o que custar? —Gab pergunta e eu sorrio.

—Custe o que custar. —Respondo firme. —Não vou deixar Amun sentar no trono.

—Ele iria trazer apenas o caos. Ele quer o trono sem saber o que é governar. —Gab fala ao se servir de alguma bebida que não faço a mínima ideia do que seja.

—Mas você sabe fazer isso. —Falo para sua surpresa. —Deveria estar na Núbia.

—Núbia agora pertence ao Egito. —Gab fala ao me entregar um papiro. —Seria um reino só de todo modo. —Ele acrescenta. —Como eu não tenho herdeiros, deixarei para essa criança todo o reino núbio.

—Como?

—Djoser será o rei do Egito, Anippe entrará em Canaã. Seria injusto essa criança não ter algo só para ela. —Gab fala me deixando incrédula. —Seja menino ou menina, terá a Núbia para si.

—Isso é loucura, Gab. —Falo estarrecida.
—Está feito.

—Você me deu um exército, é o maior conselheiro, mas não deve se sacrificar tanto. Quero que desfaça esse acordo. —Falo exaltada.

—É o futuro dessa criança, Henutmire. Você querendo ou não, o destino dessa criança também será governar como o irmão. Assim o Egito nunca irá depender de outro reino, assim como a Núbia. —Gab fala orgulhoso de saber que o futuro da família está garantido.

—Eu deveria ter ido embora com os hebreus. —Falo ao me recusar aceitar tal coisa.

—Se esse fosse seu destino, você teria ido. —As palavras de Gab me deixam muda. —Você não pertence aquele povo, Canaã não é seu lugar.

—Sei que nunca foi meu lugar, mas mesmo assim eu deveria estar lá. —Falo pensativa. —Conseguiram entregar a mensagem para Anippe?

—Por incrível que pareça não. —Gab fala e então eu balanço a cabeça em forma de negação. —Já fazem cinco luas que eles partiram e não conseguimos alcançar Moisés e Anippe.

—Quase seis luas sem ver minha filha. —Falo. —E eu não sei ela está viva ou morta.

—Acha que Yaffa fez algum mal para ela? —Gab pergunta assustado.

—Não duvido nada. Como também não duvido que Anippe também tenha feito algo com ela. —Falo ao me levantar. —Conhecendo minha filha, ela não deixaria nada barato.

—E isso te preocupa ainda mais. —Gab fala e eu concordo. —Moisés não permitiria que nada de mal acontecesse com ela.

—Ele precisa conduzir um povo,Gab. Moisés não pode se sobrecarregar ainda mais com Anippe. —Falo arrependida de ter deixado minha filha ir. —Todos os dias eu espero por ela. Anippe precisa voltar.

—Seria mais seguro para ela ficar onde está, Henutmire. —Gab fala e então eu volto a olhar para ele. —Quando a guerra acontecer, você sabe o que acontece com o lado perdedor.

—Mas é claro que sei! —Falo indignada ao saber onde Gab quer chegar. —Toda a cidade seria saqueada.

—Já corre risco por si mesma. Se Anippe estivesse aqui, seria muito pior. —Gab fala. —Deixe Anippe onde está. Você precisa arranjar uma maneira de se salvar caso Amun ganhe.

—Eu sei como irei me salvar. —Falo sobre o veneno que guardo. —Enquanto a isso não se preocupe.

—Você ainda não me disse como.

—Não interessa a você. —Falo ríspida enquanto Gab me olha assustado.

—Você precisa confiar em mim. Você me nomeou sua Mão para ajudar em tudo o que fosse preciso. —Gab fala calmo. —E eu sou seu irmão. Você querendo ou não, sou a única família. Você não pode contar com Djoser, ele é apenas um menino.

—Eu sei bem disso, Gab. Mas eu ainda estou ressentida com você. —Minhas palavras assustam ele. —Apesar de também ter confiança em você, eu não posso me esquecer do que você fez no passado.

—É a situação estranha, eu sei. Mas me deixe ajudar você. —Ele pede. —Você tem o reino, tem seus filhos, tem a coroa. Mas você é a única família que me resta no mundo. —As palavras de Gab me fazem pensar. Ele tem razão, sou a única coisa que ele tem agora. —Me deixe fazer algo de útil nessa vida. Me conte o que você está planejando...

—Você já está fazendo muito, Gab. —Falo tentando impedir que ele insista em saber o que farei. Aquele veneno é a única garantia que tenho de que Amun não irá me pegar com vida. —Você está cuidando de Djoser e eu já sou grata por isso.

—Não mude de assunto. —Gab pede um pouco bravo. —Me conte, Henutmire. Eu não quero acreditar que você...

—Que eu seria capaz de me matar? —Pergunto seriamente. —Sim, me jogaria do terraço mais alto do palácio para que Amun não tivesse o gosto de me matar.

—Não diga loucuras! Nem faça alguma! —Ele esbraveja ao se pôr de pé em minha frente. —Amun tem vários soldados que nos traíram, mas mesmo assim podemos ganhar.

—Prefiro não arriscar. —Falo ao suspirar fundo e voltar minhas atenções para o meu ventre. —Ele não vai tocar em mim, muito menos nessa criança.

—Você vai me enlouquecer assim. —Gab fala ainda me olhando dos pés à cabeça. —Darei um jeito de mandar você para longe daqui.

—Não quero viver para ver a vergonha dessa família. —Minhas palavras fazem Gab olhar para mim como todo súdito um dia olhou para meu pai. —Não mereço tal coisa.

—A vida é mais valiosa que qualquer outra coisa, Henutmire. A pior vida é melhor que a morte. —As palavras de Gab me fazem pensar. —Mas a sua não é uma vida ruim, esse momento é. E não é por um momento que você vai desistir. —Gab acaba me vencendo com seus argumentos. Passos algum tempo olhando para ele tentando entender porque lhe dou ouvidos, ele é meu meio irmão. Apenas isso e nada mais. Eu então respiro fundo, mas não me dou por vencida e mudo de assunto.

—Prepare os homens para a guerra...—Falo, mas sou interrompida ao sentir Gab segurar minha mão. Ele então olha para mim com um olhar doce e tranquilo, terno e ao mesmo tempo admirável.

—A quanto tempo não abraça alguém? —Gab pergunta é então permaneço sem resposta. Eu então vou de encontro aos braços de Gab e sou acolhida. —Pode chorar, chore... —Ele pede assim que começo a chorar desconfiada em seus braços. Por fim choro e sou consolada por meu irmão.

Eu não sei o que está acontecendo comigo. Parece que com as dificuldades, as barreiras que há entre mim e Gab estão desmoronando. Se havia algum ódio de minha mãe por Gab pelo fato dele ser um filho bastardo, ou até mesmo um ódio mortal meu por Gab pelo fato dele ter colocado Hur contra mim, ou qualquer outra coisa, agora eu sinto que esse ódio está indo embora. Eu sempre quis ter um irmão mais velho que me protegesse, mas ele veio de forma errada, a vida me deu Gab e com isso não tive outra alternativa a não ser rejeitar ele. —Mas algo maior que qualquer outro sentimento me fez abraçar Gab agora. Gab e eu temos o mesmo sangue, filhos do mesmo pai assim como Anippe e Uri são meio irmãos. —Em alguns momentos eu vi meu pai em Gab, quis descontar toda minha raiva, todo meu rancor em meu irmão sendo que ele sofreu mais que qualquer outra pessoa nessa família. Talvez seja por Gab que eu esteja perdoando meu pai sem saber, ou talvez eu esteja aceitando o meu irmão.

—Só temos um ao outro agora. Não é assim que funciona? —Gab pergunta como se não soubesse o que está fazendo ao certo.

—Não sei. Sempre fui a irmã mais velha, nunca a mais nova. —Falo ao me acolher nos braços de Gab novamente. Parece loucura, mas estar nos braços de Gab... É como se eu já estivesse antes. Isso é somente uma loucura minha.

—Seja lá onde Seti estiver, acho que ele ficará feliz com nós dois. —Gab fala antes que eu feche os olhos e repouse em seus braços.


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Notas finais do capítulo

Gente, Henutmire e Gab, estou até emocionada que eles estão se dando bem *__* Isso foi original deles mesmos.
Por falar em original (Como uma leitora chamou Anippe hhehe) já comecei a escrever a segunda temporada e venho aqui comunicar que estamos nos últimos capítulos narrados por Henutmire. Em breve vocês vão entender porque Henutmire deixará de narrar, quem é o homem misterioso, o que irá acontecer com Amun, vamos (depois de quase 30 capítulos) ver o baby da Henutmire nascer e o desfecho da guerra. Vão aproveitando a primeira temporada, porque temos apenas 5 capítulos restantes.



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