Coração De Seda escrita por Maria Fernanda Beorlegui


Capítulo 76
Capitulo 76




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—Amun mandou um recado. —Ouço Djoser falar para Gab enquanto me sirvo por algum tipo de suco que não sei definir bem do que é.

—O que ele disse desta vez? —Pergunto curiosamente em meu trono.

—Que em dois dias nos atacará caso a senhora não renuncie o trono. —Djoser fala pausadamente esperando minha reação.

—Haverá guerra, não irei abrir mão de nada. Esse trono é seu, vou ficar nele até você completar a maior idade. Amun não pertence a família real. —Minhas palavras são firmes. —Ele quem deve se render.

—A guerra será dentro da cidade. —Gab fala e então eu penso melhor. —Ele sabe que ferindo o povo, vai atingir você.

—Maldito. —Falo ao ver que estou sem saída. —DESGRAÇADO! —Esbravejo.

—Calma, Henutmire! Não vai ganhar nada com isso! —Gab fala ao me ver alterada.

—Já perdi a paz que me restava! —Falo para sua surpresa. —Amun está me testando!

—Ele testa todos nós. —Djoser fala pensativo e olha para Gab.

—Não vamos demonstrar que estamos abatidos. —Gab fala me surpreendendo.

—Eu preciso falar com seu tio. —Falo para Djoser e então meu filho entende que desejo ficar sozinha com Gab. Djoser então olha para mim antes de se retirar, com isso Gab passa a me olhar de forma estranha. —Você disse que reis de outros reinos iriam propôr uma aliança.

—Sim, vários até mandaram propostas, mas eu neguei todas já sabendo sua resposta. —Gab fala nervoso. —Acaso pensa em se casar em menos de dois dias?

—Se for para ganhar essa guerra, sim. —Minha resposta surpreende Gab. —Mas não será com nenhum rei. Será com você. —Falo ao lembrar da ideologia de Karoma.

—Está louca? —Gab pergunta incrédulo. —Por acaso está bebendo vinho? Ou tomando alguma fórmula forte? Henutmire, eu te desconheço!

—Karoma tinha razão. Esse é o único jeito de fortalecer o trono. —Falo. —Assim todas as pontas soltas da família se uniriam.

—Um casamento de aparências. —Gab fala ao entender.

—Não espera consumar, não é? —Pergunto incrédula.

—Em todo caso será bizarro. —Gab me surpreende com suas palavras. —Você é minha irmã e está grávida. —Ele deixa claro sua indignação. —Além de tudo, acaba de ficar viúva. E penso que agora está louca também.

—Enviuvei de Disebek em pleno dia, mas a noite eu já sabia dos sentimentos de Hur. —Minhas palavras assustam Gab de tal forma que ele fica mudo. —E eu não seria sua mulher, não na prática.

—Não vou me casar com você, Henutmire. —Gab insiste. —Isso seria asqueroso. Mesmo que tal coisa seja permitida.

—Você sempre me surpreende. —Falo estarrecida.

—Você sempre me surpreende. —Gab repete ao segurar minha mão e olhar para mim. São raras as vezes que mantenho algum contato físico com ele.

—Com sua licença, soberana. —Ikeni fala ao entrar na sala do trono e fazer uma simples reverência. —Vim informar que todo o exército está se preparando como ordenou.

—Ótimo. —Falo seriamente. —Não quero falhas, não quero erros. —Minhas palavras fazem Ikeni me contemplar. —Algo mais?

—O príncipe Djoser irá mesmo lutar? —Ikeni pergunta ansioso pela minha resposta, tal como Gab.

—Claro que irá. —Minha resposta surpreende ambos. —Ele é o príncipe herdeiro, sua presença impõe moral. —Falo ríspida. —Algo mais?

—Não, soberana. Com sua licença... —Ikeni pede antes de sair.

—Djoser vai mesmo lutar? —Gab pergunta assustado.

—Vai. —Falo demonstrando todo meu medo. —Sei que não posso impedir isso, como já disse a presença dele impõe moral nos outros.

—Sabe que corre risco de perder Djoser, Henutmire? —Gab pergunta aflito. —Seja lá como for, você é a mãe dele. —Ele fala.

—Tudo o que eu menos queria era ver meu filho em uma guerra, mas isso é inevitável agora. Djoser é o futuro rei. —Falo. —Não posso esconder meu filho.

—Isso sabemos muito bem. —Gab fala pensativo. —Suas atitudes me assustam.

—Fala isso por que não tem os mesmos pensamentos que eu. —Minhas palavras assustam Gab novamente. —Não sei porque luto tanto se com isso não terei Hur para mim de volta.

—Terá paz, Henutmire. Ter paz em tempos tortuosos é sinônimo de honra.

—Serei honrada e infeliz, tal como meu pai —Falo do alto do trono.

 

(...)

Acabo voltando ao Nilo como de costume, a solidão acaba tomando conta de mim como sempre fez. Não é possível que eu seja a pessoa mais infeliz deste mundo. No momento eu me sinto a mais pobre das rainhas, a mais magoada das mães e amargas das viúvas. Não sei onde estou errando! Não sei por que tanto sofrimento sobrecai sobre meu ser.

 

—A senhora está deixando-o crescer. —Karoma fala ao me ver com os cabelos expostos para qualquer pessoa ver. —São tão claros... —Ela fala ao ver os fios de cabelos loiros e consequentemente os brancos.

—Os de Anippe também são. —Falo ao lembrar da minha filha. —Já os de Djoser não.

—Os do príncipe Gab também são claros. —Karoma relembra. —Quem pudesse ver a rainha e o príncipe de perto poderia jurar que são irmãos gêmeos.

—Como não notei isso antes? —Pergunto para mim mesma. —Pensei que sempre fosse ver Gab como uma ameaça. —Falo ao me levantar.

—No entanto ele é o que podemos chamar de anjo. —Karoma fala e então eu volto minhas atenções para ela. —Seu anjo.

—Salvei a vida de Gab na décima praga para poder usá-lo depois... —Falo para mim mesma. —Vendo assim até parece que Gab e eu fomos feitos para algo que não tem nome.

—Que não tem nome? —Ela pergunta.

—Sim. Isso não amor fraternal, não é nada. Talvez sejamos dois irmãos que não sabem o verdadeiro significado da irmandade. —Falo ao me afastar de Karoma e ir até para perto do rio.

—O dia está quente, senhora. Não fará bem para a senhora nem para a criança. —Karoma adverte enquanto fecho os olhos e sinto o ar quente em meu corpo.

—Faz dias que não venho aqui. —Falo nostálgica. —Tanta coisa se passou e esse rio presenciou...

—Fala sobre achar o príncipe Moisés? —A pergunta de Karoma me faz rir.

—Isso também. —Falo ao acariciar o meu ventre. Novamente sinto um olhar sobre mim, mas desta vez não sei de onde vem. —Os guardas estão por perto?

—Sim. —Karoma responde nervosa.

—Vamos voltar, não me sinto à vontade. —Falo ao sentir que alguém está me observando. —Essa sensação não vai embora! —Falo angustiada. Sinto então uma dor forte em meu ventre, com isso acabo perdendo os sentidos.

—Senhora! —Karoma me chama aterrorizada. —Se sentiu mal?

—É apenas o meu filho. —Falo enquanto respiro fundo tentando oprimir minha dor, mas de nada adianta. —Já estou entrando na nona lua, Karoma.

—O tempo passou muito rápido! —Ela fala enquanto me ajuda. —Acha que vai nascer agora?

—Não, não... —Nego ao sentir a dor desaparecer. —É normal isso acontecer. Essa criança não é compatível ao meu corpo e por isso sinto tantas dores. —Falo.

—Talvez ela seja tão belo quanto a Senhora. —Karoma acaba me fazendo rir. —A princesa Anippe era a filha favorita de Hur pelo fato dela se parecer com a mulher que ele mais amou em vida.

—Poderia ser isso. —Falo ao voltar minhas atenções para o meu ventre. —Mas isso não importa agora, Hur está morto. —Com minhas palavras posso concluír que estou sendo fria comigo mesma. —E dos mortos não se falam. —Deixo claro para Karoma que não quero falar sobre Hur. Falar sobre sua morte me dói muito, não suporto tamanha lembrança. —Consegue ver alguém? —Pergunto curiosa e assustada por ainda sentir um olhar fixo em mim. Estaria eu com tanto medo ao ponto de achar que estou sendo seguida?

 

—Principe Djoser. —Karoma fala ao olhar para o horizonte e então me deparo com meu primogênito. —Me perdoe se o que vou dizer é ofensivo, senhora. Mas o vosso filho já está se tornando um homem, já não é mais o menino que sempre correu para seus braços.

—Está se tornando um homem e com isso se acha no direito de me ofender. —Falo enfurecida ao me lembrar da última briga que tivemos. Prometi nunca mais falar com meu filho e que iria lhe punir, todavia meu coração é de seda e não posso evitar tal coisa. Por mais que eu tente, não consigo. Assim como prometi para mim mesma que nunca mais seria a mesma com Hur, todavia meu amor é grande demais para isso.

—Pode se retirar. —Djoser fala para Karoma. —Ainda está furiosa comigo...

—Eu deveria estar furiosa comigo mesma. —Falo ao olhar no fundo de seus olhos. —Te criei da forma errada. Deveria ter ouvido seu pai quando ele me falava que dava atenção demais para você. Que sempre passava a mão pela sua cabeça quando fazia algo de errado. —Falo. —Mas eu não tinha como fazer diferente. Você é meu primeiro filho, e como seu pai disse uma vez, não se ama qualquer outra coisa como o primeiro filho.

—Eu não sei o que está acontecendo comigo. —Ele fala nervoso. —Estou confuso.

—Eu também estava quando carreguei você durante luas em meu ventre. Confusa por que não sabia o motivo de tantos enjôos. Mais confusa fiquei quando você nasceu, eu não tinha a mínima ideia do que era ter um filho vindo de mim mesma. —Enquanto falo Djoser olha para os lados. —No entanto, com ou sem seu pai por perto, eu sabia de uma certeza: Você era meu assim como as nuvens são filhas do céu. —Minhas palavras o deixam mudo. —Antes de Anippe nascer, você era tudo o que eu tinha. Eu passava a maior parte do tempo olhando para você e falava "Ele é uma versão minha. É meu. Ninguém vai tomar ele de mim.", Todavia você cresceu...

—Eu estava bêbado, mãe. —Djoser argumenta. —Eu estava a beira da loucura..

—Eu também estive. —Falo e rebato minha raiva contra ele. —Eu lembro que Paser te chamava de príncipe prometido pelo fato de eu desejar tanto você quanto qualquer outra coisa. —Falo um pouco nostálgica. —E agora veja só como você está. Mais alto que eu, forte como um garoto para sua idade, com os cabelos negros como os de seu pai antes da velhice chegar, e apesar de ser tão parecido comigo, com o olhar próprio.

—Continuo sendo seu filho...

—Claro que sim. —Falo com a voz embargada e então olho para o Nilo. —Aqui eu encontrei Moisés, aqui seu pai meu admirou e anos depois me pediu em casamento. —Falo nostálgica ao chorar. Por eu estar chorando, ele também passa a chorar. —Vi você e Anippe crescerem, Djoser. Mas hoje esse rio Nilo presenciou algo. —Falo ao olhar novamente para Djoser. —Você sabe que eu te amo, e sempre vou amar você, Djoser. Você, entre todos os filhos, foi a melhor parte que Hur me deixou.

—Pensei que fosse Anippe. —Ele fala.

—Anippe é a melhor parte de mim que dei ao seu pai, Djoser. Quando eu estava longe, era só ele olhar para Anippe e lembrar de mim. —Falo com saudades de minha filha. Minha Anippe. A minha princesinha que tanto amei e me retribuiu com tanta rebeldia, mas depois se redimiu. —Hoje esse rio vai levar mais uma história. Ou melhor, ver ela terminar.

—Como? —Djoser pergunta curioso.

—Estou mais do que decepcionada com você, Djoser. Nenhuma outra pessoa me decepcionou tanto como você, ninguém fez isso comigo. —Falo ao olhar fixamente para meu filho. —Por isso a partir de hoje, não iremos nos tratar como mãe e filho.

—Está me deserdando? —Djoser pergunta com lágrimas nos olhos.

—Eu disse que você perdeu seu pai e agora sua mãe, Djoser. Agora viva sabendo como é não ter ninguém que te ame de verdade. —Falo ao me aproximar de meu filho novamente. —Olhe bem para mim porquê hoje será a última vez que irei olhar para você.

—CHEGA! —Djoser grita furioso. —Eu não posso conviver com isso!

—Mas vai. —Falo dócil ao contrário dele. —Adeus, Djoser. —Falo antes de dar as costas para meu primogênito. Todavia ele se joga em meus pés e se agarra em minhas pernas. —Levante...

—NÃO! —Djoser grita enquanto chora. Tento me soltar, mas ele está agarrado em minhas pernas. —Não faça isso comigo, por favor! Faça tudo! Menos isso! —Ele pede olhando para mim. —A senhora é tudo o que eu tenho. —Suas palavras fazem meus olhos umedecerem.

—Mentira. —Falo ríspida antes de secar minhas lágrimas. —Você tem o mundo. —Falo enquanto tento soltar-me de seus braços. —Você já é um homem, agora faça o que seu pai faria nessa situação. —Falo, mas Djoser me compreende de forma errada. Eu então fecho os olhos e chamo pelos guardas. —Guardas! —Chamo.

—Não, mãe... —Djoser suplica. —Pelo amor que tem pelo seu filho...

Flash Back On

—Eu vou construir um palácio. —Djoser fala animado e eu me surpreendo pela imaginação de uma criança com tão pouca idade.

—E ele vai ser como este? —Indago.

—Vai ser maior. —Djoser responde me fazendo rir. —O papai foi pôr a Anippe para dormir? —Ele pergunta curioso.

—Sim. Quer algo com ele? —Pergunto ao olhar para as mãos de Djoser com seu brinquedo. —Você gosta muito do seu pai, não gosta? —Pergunto.

—Sim. —Djoser responde. —Mas eu gosto mais da senhora. —Ele responde ao olhar para mim. —A senhora sempre está comigo.

—Eu sou sua mãe, é meu dever estar sempre ao seu lado. —Falo ao ajustar seus fios de cabelo. —Eu sempre vou estar com você.

—Quando eu criar o meu palácio, a senhora vai estar comigo também...

—Claro que sim. Eu sempre vou estar com você. —Falo sorridente enquanto olho para meu filho.

Flash Back Off

 

—Tirem ele daqui. —Ordeno aos guardas que logo acatam minha ordem.

 

—Mãe! —Djoser se debate enquanto é levado.

 

—Levem de volta ao palácio. —Ordeno ao ver os guardas levarem Djoser a força.

—Eu sou seu filho! —Djoser exclama.

—Meu filho não se voltaria contra mim, Djoser. —Falo ríspida e duramente ao ver meu filho chorar com tamanha injustiça. —Ele não me faltaria com respeito...

 

 


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Notas finais do capítulo

Todos queriam que Djoser tivesse um corretivo, Henutmire deu esse corretivo. Até o próximo!



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