Assassin's Creed: Omnis Licitus escrita por Meurtriere


Capítulo 60
Entre os Inimigos


Notas iniciais do capítulo

Quase um mês depois e aqui estamos... Como prometido um capítulo grande para recompensar a demora.



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Nova Inglaterra​, Agosto – 1754

 

Ao contrário do que a Kenway costumava fazer quando embarcada, ela não conferiu ventos ou rota. Não se intrometeu nos assuntos quanto a navegação e em outro qualquer. A verdade é que ela mais do que nunca parecia uma viúva de luto. Sempre calada e sempre reclusa em um canto onde pudesse ficar sozinha. As noites eram a pior parte, ouvindo irlandeses a cantar e beber como se cada dia fosse uma nova festa. Há alguns anos ela se juntaria a eles, como Bonny havia lhe ensinado, mas o motivo de sua viagem lhe impedia de apreciar qualquer festividade e era impossível deixá-lo de lado.

Ainda que estivessem em pleno verão, Jenny sentia na pele os ventos frios e uivantes do Norte enquanto na paisagem picos de gelo branco adornava os mares. Mas a temperatura rígida não tornava aquelas águas inóspitas, pelo contrário, grandes baleias migravam por ali, às vezes solitárias e às vezes em bandos. Além dos animais, bandeiras francesas se mostravam muito mais populosas naquele curso, um terreno onde a Inglaterra claramente tinha desvantagem numérica. Jenny não parava de pensar que Achilles e se seus Assassinos estavam envolvidos nisso, talvez até mesmo Liam.

 A costa da Nova Inglaterra surgiu no horizonte de madrugada e quando ela acordou todos já comemoravam a chegada ao destino final daquele navio. O cais acolhia dezenas de pesqueiros e para sua surpresa nenhum grande navio de batalha, todavia, isso não era sinônimo de paz.

Desta vez, sua bagagem era mínima, uma trouxa de roupas, dinheiro e suas armas. Por isso, a Kenway fora a primeira a desembarcar após pagar metade de sua passagem ao capitão Sean. O cais local era pequeno, mas menos fedido do que esperava. Dezenas de caixotes de madeira abrigavam peixe por todo o local e nas lojas próximas o que se vendia eram itens de pescas. Não muito longe de sua vista, árvores verdes e vegetação variada crescia entre as casas e limitações daquela cidade.

Diferente de Nova York, Boston e de Londres, ainda era possível sentir o cheiro da terra molhada caminhando por aquelas ruas. Próximo as colinas de rocha, podia se ver uma e outra lebre a saltitar entre os arbustos. Não havia casacas vermelhas rondando o perímetro, mas logo ela descobriu o porquê. Mais adentro da pequena cidade encontrava-se uma espécie de forte.

Muros de madeira, torres com vigias e guardas nas entradas mantinham os civis longe, não que alguém parecesse se importar com qualquer que fossem as atividades daqueles homens. Com um pouco mais de atenção, a loira reconheceu as roupas alaranjadas, usadas pelos Assassinos de Achilles. Isso explicava a ausência dos casacas vermelhas.

Para evitar que algum deles viesse por ventura reconhecer o seu rosto, ela deu as costas ao lugar, procurando por uma estalagem local. Jenny levou a mão para dentro da bolsa a tira colo e checou as moedas que lhe restavam. Era bem pouco e não permitiria que ela ficasse em uma estalagem por muito tempo. Ainda sim, a Assassina rumou para uma com a placa intitulada como Esquilos, um nome no mínimo incomum para tal tipo de estabelecimento.  

Ela adentrou a construção não muito alta e foi até o balcão onde encontrou um homem a roer as próprias unhas, a cena lhe causou certa ojeriza e a fez forçar uma tosse para ser notada pelo homem de pouca higiene. Ele ergueu os olhou e lhe respondeu.

— Pois não?

— Bom dia, senhor. Eu gostaria de um quarto com uma cama simples.

Tão logo ele ouviu sua voz, uma careta formou-se em suas feições já envelhecidas. – Uma inglesa aqui?

Jenny arqueou a sobrancelha e reconheceu o forte sotaque francês dele. Com poucos passos, ela se aproximou e deixou duas moedas sobre o balcão dele. – Uma inglesa que pretende pagar.

— Precisa mais do que isso para pernoitar aqui. Mais quatro moedas.

— O quê?! Tem banheira nos quartos?

— São tempos difíceis, mas é claro que vocês ingleses não tem noção disso.

A loira estalou a língua em desagrado com a pequena acusação que recebeu. É claro que o quarto valia muito menos que seis moedas, mas o simples fato de nascer na Inglaterra a fazia ser vista como um pote de dinheiro por aquele homem. – Mais duas moedas e abro mão da refeição. – Novamente ela sacou mais duas moedas e depositou sobre a madeira.

O estalajadeiro recolheu o dinheiro e mordeu uma a uma como forma de conferência. – Está bem. – Seus dedos magros e enrugados foram até abaixo do tampão do balcão e pescarem uma chave dos pequenos suportes. Ele estendeu a ela o pequeno pedaço de metal que fora prontamente recolhido pela loira. – É a primeira porta subindo as escadas.

A Kenway seguiu pelas escadas que reclamaram a cada pisada com longos e dolorosos rangidos. Com um pouco de esforço, ela conseguiu destrancar a porta que já estava com a fechadura apresentando claros sinais de ferrugem. Quando enfim conseguiu abrir o quarto encontrou um par de esquilos sobre a cama, um logo correu para o galho que crescia para dentro do cômodo. O segundo esquilo encarou Jenny por um instante, o suficiente para que ela notasse a falta do olho direito do pequeno animal, mas ele se foi como o companheiro.

— Agora o nome faz sentido.

 Após fechar a porta atrás de si e relaxar um pouco, deixando a mala no chão, ela teve pouco tempo para descansar, pois logo sua sensível audição lhe chamou a atenção quando um burburinho se iniciou nas ruas. A loira seguiu os pequenos roedores e chegou até a janela do quarto, de lá ela viu por entre as folhas das árvores dois Assassinos carregarem um jovem de braços finos para dentro da base deles.

O rapaz esperneava e xingava em francês, mas tão logo ultrapassaram os portões de madeira o trio sumiu de sua vista.  Tudo aquilo era no mínimo estranho, pois garoto era jovem demais para ser um Templário, talvez algum bode expiatório, porém o mesmo não era inglês e provavelmente também não era filho de nenhum. Afinal, ele falava em francês.

Curiosa com a situação no mínimo incomum, Jenny puxou o capuz cinzento para sobre a cabeça e se projetou para fora da janela, alcançando o telhado da estalagem em instantes. Lá, do alto, nada mais incomum parecia ocorrer pelas ruas próximas. Mas as altas paredes do forte lhe impediam de ver o destino do jovem. Sendo assim, ela se adiantou para a arvore que servia de moradia para os esquilos e com cautela caminhou por sobre os galhos até a árvore seguinte, onde seus pés encontraram apoio na bifurcação natural dos galhos.

As árvores eram grandes e velhas o suficiente para lhe cederem certa segurança, as folhas lhe mantinham parcialmente escondida se ela permanecesse abaixada e além disso, eram altas a ponto de ultrapassaram os muros de madeira. O vigia da torre mais próxima não esboçou nenhuma reação ao leve farfalhar que ocorria na vegetação próxima, possivelmente julgava ser a movimentação de esquilos ou pássaros.

Jenny esperou o homem se virar de costas e subiu mais um pouco, ficando agora no mesmo nível do telhado da torre de vigia e com um pouco de impulso ela saltou. Ao aterrissar o sentinela exclamou surpreso, caminhando pelo pequeno espaço interno daquela torre enquanto a loira se manteve inerte acima do telhado, observando o interior da base.

Havia alguns armazéns, facilmente identificáveis devido a dupla de guardas que permaneciam feito estátuas na frente de suas portas. Em um canto alguns bonecos de palha descansavam solitários enquanto dois Assassinos organizavam mosquetes nos suportes de madeira. A base fora construída de maneira simples, em formato quadricular e em cada canto havia uma torre de vigia como a que ela estava naquele instante e em cada uma dessas um sentinela rondava sem maiores preocupações.

No perímetro abaixo, Assassinos rondavam quase que entediados com a calmaria local, contudo logo as atenções​ se voltaram para as portas de uma das casas que se abriram abruptamente. Era o rapaz e os dois homens que lhe carregaram para lá. Um deles lhe segurava pelo braço direito.

— Vocês são uma vergonha. Não lutam por causa nenhuma se não o próprio lucro. – Desta vez ele se pronunciou em um inglês carregado de sotaque.

— Achas que guerrear é apenas questão de patriotismo garoto? – Respondeu o Assassino que lhe puxava com pouca delicadeza. – A guerra está mais intimamente ligada ao lucro do que qualquer outra coisa.

Os outros guardas olhavam tudo, pareciam até mesmo se divertirem com a situação. Até que o trio alcançou os portões da entrada e jogaram o garoto feito um taberneiro joga um bêbado na rua.

— Agora some daqui e traga nosso pagamento.

Ambos os Assassinos deram as costas ao jovem e voltaram para o interior da base enquanto o rapaz se reerguia e tirava a poeira das vestes simples. Jenny saltou de volta para o galho da árvore e a desceu o mais rápido que pôde para evitar perder seu alvo de vista. Antes de voltar às ruas, ela abaixou o capuz e acelerou o passo ao mesmo tempo que respondia um pardon toda vez que esbarrava em um civil qualquer.

O rapaz seguiu cada vez mais para longe do centro comercial até que chegou a um casebre de madeira simplório e lá se enfiou. A Kenway observou ao redor e nada mais viu além de uma dúzia de casas. Não havia tabernas ou estalagens ali, nem lojas e mesmo vendedores de rua. Sem opções melhores, ela seguiu até a casa do jovem e bateu na porta de madeira velha.

Une fois!

Uma voz feminina lhe respondeu e de seguida a porta se abriu e revelou uma mulher de cabelos escuros e presos a um coque. As roupas assemelhavam-se aos de uma camponesa e seu rosto não era muito mais velho do que o da própria Jenny.

Pardonnez les traca. Je voudrais parler...

Antes que a Kenway pudesse terminar de falar, a anfitriã lhe interrompeu subitamente. – Não se preocupe em usar a minha língua de maneira sofrível, eu entendo seu idioma e também o uso.

A loira sentiu-se envergonhada, ainda que a mulher não estivesse errada. Desde sua viagem à França, ao lado do irmão, seu francês não fora mais praticado e na época ela ainda tinha a ajuda de Haytham para lhe corrigir ou lembrar de qualquer palavra.

— Bom, eu vi um jovem entrando em sua casa...

Novamente a franca lhe interrompeu e franziu o cenho para lhe responder. – Sim, meu filho. Se estás aqui para lhe cobrar pelos coelhos, saiba que não temos dinheiro.

— Não estou aqui para cobrar dinheiro algum, apenas gostaria de conversar com o seu filho.

— E o que quer falar comigo?

A voz dele veio do interior do imóvel, um rapaz altivo de cabelos pretos como os da mãe. O rapaz se aproximou de ambas, era alto e tinha pele clara. Seus olhos pequenos se estreitaram-se ao encarar a Kenway.

— Sobre o ocorrido mais cedo.

— Apenas tentei trazer alguns coelhos para casa, nada ilegal até onde sei.

— E por que o pegaram?

— Porque aqueles Assassinos exigem que seja pago uma taxa a eles por garantir nossa segurança. – O rapaz cuspiu ao chão com desprezo e continuou. - Alegam nos proteger dos ingleses, mas são iguais a eles.

— Eles controlam toda a cidade?

— Sim. Tudo precisa ser pago a eles, impostos sobre a pesca, sobre colheita, comércio, estalagens, comida e tudo mais que puderem tirar proveito.

— E aonde estão seus coelhos agora?

— Apreendidos, provavelmente serão o jantar deles esta noite.

Jenny torceu o lábio e desviou o olhar do jovem para o chão, ele franziu o cenho e cruzou os braços para questionar a estranha mulher que parecia refletir.

— E qual o seu interesse nisso tudo? Sei que não é das proximidades ou saberia como as coisas funcionam por aqui.

— Meu nome é Jeniffer Kenway, e eu cheguei hoje da Inglaterra.

Instantaneamente a mulher de cabelos pretos se afastou da porta e puxou seu filho para trás de si. Em seu rosto via-se perfeitamente o desgosto ao ouvir as palavras da Assassina.

— Eu sabia que não era francesa e nem filha de franceses, mas não esperava alguém como tu a bater em minha porta. Não és bem-vinda em minha casa.

— Não cruzei o Atlântico para tomar a casa de ninguém e muito menos guerrear com desconhecidos. Não irei fazer mal ao seu filho, mas posso recuperar seus coelhos com um preço.

— Já lhe disse que não temos dinheiro.

— Recordo-me bem, mas não é dinheiro que quero, e sim um teto para pernoitar.

— E como uma mulher sozinha pode recuperar meus coelhos? – O rapaz a olhou como muitos anterior a ele, sem nenhuma fé nas palavras ditas por Jenny.

— Uma mulher sozinha pode fazer mais do que imagina. Se concordarem com o trato eu estarei de volta antes do anoitecer e com os coelhos.

— Feito! – Respondeu de imediato o rapaz.

— Pierre! – A mãe dele se virou para a encará-lo de maneira repreendedora

 Jenny ignorou a reação da mulher e concluiu. – Nos vemos em poucas horas.

A Assassina meneou levemente com a cabeça e se virou de volta para o caminho de onde viera. Somente então o rapaz percebeu o capuz caído na parte de trás da veste dela, um capuz parecido com o dos Assassinos que ficavam no centro da cidade. Sua mãe falava qualquer coisa, mas seus olhos não se desviaram da forasteira.

— Pierre, está me ouvindo? – Ela balançou seu braço com força até ter a atenção do filho sobre si.

— Ela é um deles...

— O que está dizendo?

O rapaz ignorou os questionamentos confusos de sua mãe e partiu atrás de Jenny, longe o suficiente para que ela não o percebesse, ao menos na concepção dele. Em poucos minutos a base Assassina adentrou seu campo de visão e para sua total surpresa ela seguiu para a lateral da fortificação. Porém, de um instante para o outro, Pierre a perdeu de vista, ela simplesmente havia desaparecido. Completamente estupefato, ele correu para o local onde a viu uma última vez, olhou ao seu redor e nada viu além do muro de madeira que limitava a base e a colina rochosa do outro lado.

Incrédulo e desatento feito uma criança, Jenny o puxou facilmente para o chão, em meio a um arbusto volumoso o suficiente para ocultar os dois.

— Não gosto de ninguém me seguindo, garoto.

Pierre franziu o cenho e soltou-se da pegada dela. – Você é uma deles, não é? Uma Assassina?

— Não sou como eles, se é o que está pensando. Não respondo ao mentor deles.

— Como posso saber que está falando a verdade?

— Não pode. Agora fique aqui e não ouse mais me seguir.

— Não pode me dar ordens.

— Quer ou não dar algo para sua mãe jantar hoje? - O rapaz se calou e engoliu a seco, sentando-se ao lado dela como ela havia pedido. – Ótimo.

Ela o deixou e escalou o tronco da árvore a frente até chegar ao galho que cruzava por sobre a parede de madeira da base. Novamente ela saltou até o telhado da torre próxima e se manteve ali, vasculhando o interior da bolsa a tira colo que carregava por dentro do manto cinzento. Lá seus dedos esbarraram nas últimas moedas que tinha de sua herança, na munição de seu par de pistolas e nas bombas. Sua mão agarrou uma destas e a trouxe para a luz do dia, a loira mirou e jogou próximo a outra torre de vigia.

Um estouro e a fumaça começou a se espalhar, deixando os Assassinos loucos feito formigas sobre um ataque. Os sentinelas apontaram seus mosquetes para a fumaça a procura de algum alvo, enquanto os que faziam a ronda no solo puxaram suas espadas. Foi o suficiente para a loira descer o telhado para o interior da torre e silenciosamente se aproximou do guarda para lhe tapar boca e nariz. Ele caiu em instantes sobre ela, que rapidamente retirou o colete laranja dele e o vestiu por cima do próprio manto.

Jenny desceu as escadas fingindo interesse na fumaça, mas logo desviou os passos para a pequena construção a qual levaram Pierre mais cedo. Os guardas ainda estavam ali, protegendo as portas, assim que próxima o suficiente ela os cumprimentou com a cabeça, pois não sabia se todos ali falavam inglês ou não, porém a Kenway teve que arriscar.

 - Tenho notícias urgentes, preciso entrar.

Um deles arqueou a sobrancelha e trocou um olhar com o parceiro. – Que notícia urgente? – O homem lhe respondeu em inglês, para seu alívio.

— Se fosse para falar com você eu não precisaria entrar. São notícias direta do porto, possível movimentação Templária.

Novamente os guardas trocaram olhares, contudo desta vez anuíram um ao outro e abriram passagem a ela. Jenny levou à mão esquerda à maçaneta, atenta a qualquer movimento hostil, mas nada ocorreu e assim abriu a porta do local. De imediato o rosto de um Assassino se ergueu no extremo oposto da sala. Havia uma mesa entre ela e o homem, além de um par de cadeiras. Sobre a mesa alguns papéis espalhados, seus olhos ágeis notaram alguns mapas entre eles. À sua direita tinha alguns baús, um timão pendurado na parede e alguns mosquetes no canto. Na outra parede alguns coelhos mortos estavam pendurados pelas patas.

— Já encontraram o causador de toda essa algazarra? – Pergunto o homem ao rebaixar os olhos para o que quer que estivesse escrevendo.

— Não, senhor. Mas trago notícias do porto. – Jenny teve a atenção dele mais uma vez sobre si e continuou. – Há notícias de que Haytham Kenway está a caminho, um Templário de Londres.

— Sim, eu sei de quem se trata, não é a primeira vez que escuto esse nome. Achilles já havia me informado que a irmã dele poderia ter dormido com um de seus homens apenas para conseguir informações e repassar a ele.

Seu sangue ferveu, seus pulsos se apertaram e seu coração acelerou. Davenport estava agora a espelhar que ela era uma mera puta e que seu casamento com Liam nada mais era que uma farsa. Todavia, ela precisava se controlar para não permitir que o Assassino percebesse sua mentira.

— Confesso que não imaginaria que aqui seria seu destino, a maior parte dos Assassinos está concentrada em Nova York e Boston.

— Talvez ele já esteja aqui senhor e a bomba de fumaça não seja mera coincidência.

— Sim, você tem razão. – Ele se ergueu e deixou pena e tinta de lado. – Providências precisam ser tomadas.

O homem contornou a mesa e veio em sua direção, mas continuou o percurso até a porta e a abriu. Jenny o observou e os dois guardas da frente o seguirem ao mesmo tempo que ela fechou a porta. Sozinha no cômodo fechado, ela foi até os baús e com um pisão arrebentou o cadeado de um deles. Para sua plena satisfação, havia moedas e joias, não em grande quantidade, mas ainda sim o espólio seria bem-vindo.

De seguida ela se voltou para os coelhos mortos, quatro no total, o que os tornava muito volumosos para serem escondidos. A Kenway pegou um e enfiou dentro da bolsa como conseguiu para enfim deixar o local. Com cautela, abriu primeiramente uma fresta da porta, o suficiente para poder enxergar o pátio e não havia ninguém a vista. Rapidamente ela saiu e fechou a sala atrás de si, rumando para a saída da base.

Alguns Assassinos se movimentavam para distribuir armamento e munição, todos ocupados suficientemente bem, deixando assim a entrada do local pouco vigiada. Misturada em um grupo que caminhava a passos apressados para as ruas, Jenny partiu sem chamar atenção. A Kenway distanciava-se do centro da cidade, de volta pelo mesmo caminho de onde viera e logo ela estava rodeada das casas simples novamente. Contudo, a loira continuou o percurso até cruzar os limites que separavam a vida selvagem da civilizada.

Não para sua total surpresa, Pierre a seguiu até ali e surgiu por detrás de uma das árvores. A Assassina recostou-se em um tronco e desenhou um sorriso vitorioso nos lábios enquanto retirava o coelho morto de sua bolsa tira colo.

— Trouxe apenas um? – O rapaz cruzou os braços e arqueou a sobrancelha.

— É o suficiente para uma boa refeição.

— Eu pensei que você os mataria...

— Eles mataram os ingleses quando chegaram aqui? – Pierre assentiu. – Eu lhe disse que não era como eles. Muito sangue já foi derramado atoa.

— Então por que está aqui?

— Estou procurando o meu irmão. Agora preciso que faça algo para mim. Há uma mala minha na estalagem chamada Esquilos, primeira porta a direita depois de subir as escadas. Quero que pegue minha mala.

— E por que você mesma não pode ir pegar?

— Assassinos viram o meu rosto, não poderei retornar ao centro por enquanto. Pegue minha mala e eu garantirei comida para amanhã.

— Disse que não poderia voltar ao centro por enquanto.

— Não irei ao centro, mas não serei pega se caçar alguns animais, como você foi mais cedo.

O jovem mantinha seu olhar de desconfiança para com a Assassina, mas aquela era a melhor proposta que ele recebera em muito tempo e isso a tornava irrefutável. Após descruzar os braços, ele se virou e partiu.

 

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Jenny levou o coelho diretamente para a casa de Pierre e sua mãe, despelou o animal e entregou à mulher. A francesa não lhe agradeceu, mas foi diretamente preparar a refeição enquanto a Kenway ficou à espera de sua bagagem. Com o sol já se pondo, ele retornou e cedeu o próprio quarto para a forasteira guardar suas coisas e também para dormir.

O cheiro do ensopado atiçou a fome voraz dos três, visto que a loira estava comendo peixe há semanas e a situação humilde dos dois não permitia a frequência de refeições tão abundantes como aquela. Até mesmo o humor de Delphine melhorou, fazendo-a se apresentar durante a refeição para Jenny, contudo o momento fora quase de total silêncio se não fosse pelo tilintar dos talhares.

No quarto, não muito mais requintado do que o da estalagem, a loira deixou suas armas e lâminas de lado, retirou seu manto e o colete roubado mais cedo do sentinela. Soltou os cabelos e já se preparava para se deitar enfim, quando três batidas à porta ecoaram.

— Entre. - Era Pierre, evitando de olhar a ela. – Não estou indecente, fique tranquilo.

Ele ergueu a face e encarou um tanto surpreso uma mulher comum, não uma jovem ou alguém masculinizada. Uma mulher não muito diferente de sua própria mãe.

— Eu não te agradeci.

— E não precisa, fizemos um acordo.

— Eu sei. – Houve uma pausa silenciosa e, então ele voltou a falar.  - Você disse estar procurando seu irmão, se me disser como ele é, posso encontrá-lo.

Jenny sorriu ao rapaz antes de lhe responder. – Meu irmão está em Nova York ou em Boston talvez.

A face dele foi tomada pela confusão daquele conhecimento recém adquirido e a fez a pergunta óbvia que imperava em sua mente.

— Então por que está aqui?

— O porto das duas cidades é deveras movimentado e vigiado, logo descobririam minha presença se eu desembarcasse diretamente em uma delas.

— E por que seu irmão não pode saber de sua chegada?

— Porque somos inimigos e ele é só meio-irmão.

— Ele é um como um daqueles Assassinos da cidade?

— Não, ele está do outro lado dessa guerra. – Ele se silenciou, tentando entender tal situação, mas a loira estava tão curiosa quanto ele. – Posso fazer algumas perguntas também? – Pierre tornou a se concentrar em Jenny e lhe confirmou positivamente com a cabeça. – Sua família obviamente não é daqui, mas dificilmente uma mãe solteira cruza os mares com o único filho sozinha. Pelas suas roupas eu diria que vieram do interior da França.

— Chegamos há uns dez anos, eu, ela e meu pai. Havia muitas histórias de terras sem dono, prontas para serem tomadas aqui.

— Então seu pai veio em busca de terras.

— Sim, éramos tão pobres lá quanto somos aqui.

— O que houve com ele?

— Meu pai foi atrás das terras livres, mas elas não estavam inabitadas como disseram. Alguns outros franceses que partiram com ele disseram que ele foi capturado e os nativos lhe escalpelaram e espalharam partes de seu corpo como aviso para se manterem longe.

O semblante de Pierre tornou-se tristonho rapidamente, seus olhos voltaram-se para o solo mais uma vez, porém a Assassina manteve mudou o conteúdo da conversa. - O meu pai também partiu atrás de fortuna quando eu nem era nascida.

— E ele conseguiu?

— De certa forma, mas minha mãe não viveu tempo suficiente para ver.

— Bom, nossa situação piorou desde então. Eu era só uma criança e minha mãe consegue apenas uma miséria vendendo o que consegue plantar em nossa casa. Por isso eu decidi caçar há algum tempo e conseguir algo para comer.

— Ante dos Assassinos, conseguia trazer sua caça para sua casa?

— Sim, os ingleses não cobravam taxas para isso desde que ninguém se metesse nos assuntos deles. Por isso quero lhe pedir um favor.

Foi a vez da Kenway ficar curiosa. – Que favor?

— Você carrega muitas armas e se veste como eles, certamente sabe lutar e se defender. Quero que me ensine.

— Te ensinar a lutar?

— Sim.

— Não.

— O quê?! Por que não? – Ele lhe questionou boquiaberto. - Posso te ajudar.

— Caso não tenha percebido eu sei me virar muito bem sozinha.

— Eu conheço a cidade e os comerciantes. Conheço o porto e todo mundo da cidade.

— Eu não pretendo demorar aqui Pierre. Partirei em breve, mas a cavalo. Será mais fácil manter minha chegada em segredo.

— Mas você nem sabe ao certo onde seu irmão está.

— Meio-irmão.

— Não importa. – Rebateu rapidamente o mais novo.  - Do que adianta partir se nem sabe para onde vai.

— E você por acaso tem alguma sugestão melhor?

O rapaz sorriu e cruzou os braços, orgulhoso por ter a resposta certa no momento certo. – Tenho. Como eu disse eu conheço todos da cidade, inclusive os comerciantes que comumente viajam mais ao sul para conseguir certas mercadorias. Posso pedir para que perguntem por seu irmão, um sobrenome tão incomum como o seu deve ser fácil de encontrar.

A Assassina sorriu diante da ingenuidade de Pierre. – Não é difícil encontrar informações de Haytham, não porque ele tem um nome esquisito e sim porque ele é um membro importante da Ordem dos Templários, inimigos de longa data dos Assassinos. Por isso ele não pode saber de minha chegada nas colônias.

— O que irá acontecer se ele descobrir?

— Eu não sei Pierre. Não o encontro há anos, mas levando em consideração seu modo de agir, tenho certeza que não alcançarei meu objetivo se ele me encontrar antes.

— E qual seria seu objetivo?

Jenny se levantou da cama e deu as costas ao jovem para que ele não visse a súbita mudança em sua face. – Está tarde, é melhor dormirmos, partiremos antes do amanhecer para caçar e isso é tudo que posso lhe ensinar. Caçar e trazer sua caça sem problemas para casa. Tenha um bom descanso Pierre.

— Está bem. Boa noite.

Ele se foi, fechando a porta e deixando a Kenway sozinha com seus pensamentos sombrios a respeito de sua missão. O momento de seu reencontro estava se aproximando e tão logo ela descobrisse onde seu irmão estava ela iria atrás dele, fazer o que devia ter feito há tantos anos.


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Notas finais do capítulo

Esse é o jovem Pierre Bellec 8) Sim, meus caros leitores, agora é oficial teremos um pouco de Black Flag, Rogue e Unity nessa fanfic. Mas isso também significa que Jenny está ficando velha também, velha demais para encarar Haytham em seu auge como Templário...

Bom, devo alertá-los para que tudo a partir daqui acontecerá de maneira muito rápida... Pierre se provará um aliado mais valioso do que parece.

Já aviso que o próximo capítulo deve demorar tanto quanto esse e por favor não me odeiem por isso.

Obrigada por acompanharem e nos vemos no próximo.



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