Assassin's Creed: Omnis Licitus escrita por Meurtriere


Capítulo 58
Da Glória às Perdas


Notas iniciais do capítulo

Ainda é Sexta-feira e como prometido um capítulo ENORME para recompensar a longa espera e também pela atenção dada ao Iorveth hoje ♥

Trilha Sonora do Capítulo: Immigrant song - Led Zeppelin



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Atlântico Norte, Março – 1754

 

            Jenny já estava a mais de um mês embarcada na fragata St. Mary em uma viagem tranqüila, alguns ventos típicos da mudança de estação tiraram o navio do curso por alguns dias, fazendo a Kenway praguejar pelos cálculos errados feitos pelo capitão. Um homem teimoso que se negou a lhe ouvir quando lhe informou sobre o desvio da rota, pois para ele uma mulher seria incapaz de entender qualquer coisa sobre navegação.

            Ainda que ele não houvesse anunciado aos tripulantes, ela percebeu claramente quando o homenzinho orgulhoso concertou o curso tal qual ela o havia instruído. O capitão nunca mais lhe dirigiu a palavra e sempre que seus caminhos se cruzavam ela o ouvia resmungar baixinho.

            Se o tempo permanecesse estável e com ventos medianos, ela chegaria a Londres dentro de um mês. Seu plano era reencontrar Miko e descobrir tudo o que ele andava a lhe esconder a respeito de seu irmão. Além disso, ela tomaria de volta sua posição na irmandade inglesa e se prepararia para o momento em que toparia novamente com Haytham.

            Foi distraída a planejar no que faria quando chegasse a terra firme que a loira ouviu o som grave e distante de um morteiro disparando. Segundos depois e água respingou sobre sua face e vestes. O tiro não os acertou por poucos metros de distância. Os tripulantes do St. Mary se agitaram como porcos dentro de um chiqueiro. Gritando e correndo de um lado pro outro. Tão surpresa quanto eles, Jenny procurou no horizonte quem havia disparado contra sua embarcação e ao oeste, milhas atrás da proa da fragata via-se a silhueta de um navio grande. Um Man’o War.

            Ela se apressou rumo ao timão, empurrando os marujos e viajantes que entravam em sua frente e antes mesmo de finalizar sua subida pelos degraus que levavam até seu destino ela gritou para se fazer ouvir em meio a todo aquele murmurinho.

— O que foi isso? Por que estão atirando em nós?

— São os franceses. – Respondeu o contramestre Jeremy, um homem mais novo que seu capitão e que não a tratava com tanto preconceito.

— Malditos sejam! –Xingou o capitão ao fechar sua luneta com um grasnido furioso. – Jeremy, diga-me quais armamentos temos para enfrentar um Man’o War.

— Não muito, senhor. Quinze canhões a bombordo e a estibordo.

— Não há nenhum morteiro? – Questionou a Kenway antes de permitir que o capitão respondesse algo ao seu subalterno.

— E o que tu estás fazendo aqui? Vá se proteger em seu quarto, junto às outras mulheres. – Respondeu-lhe o mais velho com pouca paciência na voz, enxotando-a feito um cão sardento.

Jeremy fingiu não ouvir as ordens de seu capitão à Kenway e lhe respondeu. - Não somos comerciantes e muitos menos integrantes da marinha inglesa. Estamos apenas fazendo o transporte de pessoas que anseiam partir das colônias para a Europa e vice-versa.

— Mas os mares estão deveras perigosos nos últimos meses, há conflitos entre francos e ingleses todos os dias pelo que ouço. – Jenny continuou atenta às informações passadas pelo contramestre, deixando o capitão ainda mais furioso.

 – Jeremy! Pare de responder a essa viúva e mande nossos homens prepararem os canhões e as bolas de ferro.

— Procure por canhões de mão e mosquetes também. – Solicitou a Assassina ao contramestre.

O capitão segurou no braço de Jenny com força e a virou de frente para si. – Quem tu pensas que és?

            Todavia, antes que ela lhe pudesse lhe dar qualquer resposta, outro tiro soou. Dessa vez mais alto que o primeiro e mais certeiro também. A bala quebrou a ponta do mastro central, levando vela e cordas para o mar junto ao seu peso.

— Não há tempo a perder seu velho idiota. Eu posso lhe ajudar a viver mais um dia se parar de me mandar comportar-me feito uma mulher. – O homem já de cabelos grisalhos estreitou seus olhos ao encarar a Kenway, mas terminou por soltar-lhe.

— Capitão! Navio inimigo se aproximando com velocidade pela popa. – Jeremy informou com o tom nítido de apavoramento na voz.

— Eu já vi, agora vá tratar das ordens que eu lhe dei. – O homem anuiu já todo molhado com o suor de sua testa e se foi, bradando as ordens que recebera. – Quanto a ti, dê-me um bom motivo para eu lhe acreditar.

            No mesmo instante ela se virou para o convés onde os homens corriam para preparar balas, pólvora e canhões, tal quais foram ordenados e em tom alto lhes dirigiu a voz.

— Homens! Preparem as cordas, segurem as velas! Viremos a barlavento.

            Os marujos cessaram seus afazeres e encararam a jovem a lhes ordenar próximo ao capitão com tamanha surpresa que ficaram todos confusos ao passo que o velho homem lhe agarrara novamente pelo braço com rispidez. – O que estás fazendo? És completamente descabida? Como pode ordenar meus homens a seguirem diretamente para o inimigo.

            Ela puxou o braço com força de volta para si e já sem muita paciência esclareceu seus planos ao capitão. – Teu navio é mais leve e mais rápido que aquele navio de guerra, além disso, se continuar a fugir só servirá como alvo fácil daqueles franceses até que essa fragata esteja aos pedaços.

— A porra daquele navio de guerra tem quase o dobro de canhões que possuo, acrescente isso ao morteiro e ao fato que há pelo menos uma centena de homens ali.

— Eu já derrotei um Man'o War antes, o que provavelmente já é mais do tu um dia fizeste. Meu pai era Edward Kenway, o demônio em forma de gente como o próprio Barba Negra costumava chamar. Não importa se escolhes fugir ou lutar, eles terão a vantagem, mas eles não sabem que estou aqui não é mesmo?

— E o que isso importa afinal?

— Ora capitão, eles estão a atacar um navio de civis que estão fugindo das colônias, não esperam um contra ataque de nossa parte e muito menos uma abordagem.

— O quê? Uma abordagem? Estás completamente fora de si. És louca. – O homem riu da proposta dela, sem lhe proporcionar um menor crédito de confiança.

— A nossa melhor chance é a abordagem, eu posso fazer rapidamente e assim que conseguir matar o capitão teremos um Man'o War a nossa disposição.

— Matar? Mas o que está dizendo? Como uma mulher como tu poderias invadir com sucesso um navio de guerra e ainda matar seu capitão?

Foi a vez de Jenny sorrir com o orgulho inflado, típico de um Kenway e então ela acionou sua Hidden Blade. O homem, em total espanto, quase tombou para trás com uma exclamação contida. Por fim ela puxou seu capaz por sobre a cabeça e tomou para si a posse do timão.

— Homens, estejam preparados, pois hoje nós encontraremos a glória e a fortuna naquele Man’oWar! Iremos mostrar aos calhordas que não somos covardes e fracos! Juntos, lhes ensinaremos que não podem subestimar homens e mulheres comuns, pois nós ansiamos a nossa liberdade e nós iremos conquistá-la!

Suas palavras encheram os homens com o fulgor necessário para a batalha e lhes fizeram bravos com a adrenalina que corria por suas veias naquela instante. A excitação da batalha preencheu seus pulmões e com avidez eles puxavam cordas, ajustavam velas e distribuíam sabres e baionetas.

 

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— Senhor, eles estão virando em nossa direção. - O contramestre, outro americano com ascendência francesa, informou à Chevalier que estava a ordenar seus homens para o próximo tiro.

A brisa oceânica balançou os cabelos longos e negros de Joseph quando o mesmo se virou para encarar o horizonte que abrigava o seu alvo. Uma Fragata de viajantes, cheia de bagagem e com sorte com bons valores de dinheiro. Seu intento era pegar tudo o que possível para usar como recurso futuro. Com um sorriso debochado, o Assassino tirou a luneta da mão de seu navegador e usou-a ele próprio.

— Vejo que temos alguns tolos corajosos em nosso caminho então. Se é um confronto direto o que desejam, é isso o que terão. Preparem os canhões! Não destruam o navio, não quero prisioneiros ou mais tripulantes, apenas deixe-nos incapacitados.

Seus marujos lhe obedeciam de prontidão, sem questionamentos ou a mera dúvida no olhar, mas o contramestre se aproximou e em tom sigiloso lhe confessou. – Senhor, eles avançam em velocidade, não parecem preocupados com a nítida desvantagem. É estranho.

— Besteira. Não há o que temer, não há ninguém nesses mares capazes de nos deter., agora retorne ao seu posto homem!

 

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— Ah... Senhora, estamos com 16 nós a nosso favor. – Disse Jeremy à Jenny que mantinha o timão firme sobre suas mãos.

— Ótimo, será o suficiente. Irei nos alinhar a favor do sol, o que irá atrapalhar por alguns instantes a mira deles. Preciso que as cordas estejam prontas e firmes. – Ela lhe respondia com tamanha convicção que o rapaz mal podia acreditar estar ouvindo tais palavras de uma mulher.

— Senhora, tens certeza disso? Parece-me deveras arriscado invadir o navio inimigo sozinha.

A Kenway lhe sorriu e esclareceu. – Sabe Jeremy, se um guerreiro morre de forma honrosa e com glória ele irá para o Valhala. Um paraíso cheio de comida, bebida e mulheres. Não me interesso pelas mulheres, mas viver a eternidade com fartura me parece algo deveras vantajoso não achas?

— Essa é uma velha história, daqueles conhecidos como Vikings. O Valhala não existe.

— Caro Jeremy, logo se vê que nunca esteve na presença de um irlandês e menos ainda na festa de um. O Valhala existe onde tiver cerveja, música, comida e mulheres. Há alguns irlandeses em Nova York, devias conhecer alguns quando retornar.

— Se eu retornar. – Respondeu o contramestre antes de engolir a seco.

— Ora, não se preocupe, eu já estava um pouco entediada mesmo. – Seus dedos apertaram o timão e com notória excitação na voz ela bradou. - Segurai-vos firme! Entramos no alcance deles!

Os canhões soaram com estrondo e a loira utilizou toda a sua força para girar o navio de última hora e tal como planejado, ela os colocou entre o sol e o navio de guerra. Algumas balas de ferros atingiram a popa, mas os danos foram mínimos. De certo os franceses não esperavam tal manobra no último instante e provavelmente estavam a praguejar devido a isso.

Em contra partida, os tripulantes da fragata gritavam e comemoravam com assobios. – Não se empolguem tanto rapazes, é a nossa vez de atirar. Acendei a pólvora, ao meu comando. –Seus braços lutavam contra o mar para ajustar o navio conforme ela desejava e no momento certo ela gritou. – Fogo!

Uma saraivada e tiros fora cuspida da fragata em sincronia e um forte sacolejo se fez logo a seguir, mas lá estava o som de madeira destruída. Destroços pequenos se jogaram ao mar e foi com satisfação que a tripulação do St. Mary viu todos seus tiros alcançarem o seu destino.

— Muito bom, homens! Agora, enchei as velas! Vamos! Vamos! A estibordo, seguiremos pelo sotavento!

Se Edward Kenway estivesse vivo e a assistir sua filha, ele certamente estaria muito orgulhoso de sua primogênita. Mesmo que aquele não fosse exatamente o destino desejado por ele à sua filha, mas há de se admitir que mesmo marujos mais experientes não saberiam usar elementos naturais a seu favor como Jenny estava a fazer. O período que passou sob a meticulosa observação de Miko muito lhe agregou, estudando avidamente os muitos livros que seu pai tinha deixado em seu antigo escritório e sob os cuidados do amigo, que os guardou por anos até por fim terem uma serventia.

O Man'o War cuspia mais balas de morteiros enquanto a fragata enchia suas velas e cortava as águas a fim de evitar os tiros. A Assassina gritava aos tripulantes, enquanto o verdadeiro capitão liderava a alimentação dos canhões e Jeremy inspecionava as velas e cordas conforme ela pedia. Todavia, por mais leve que o navio fosse, seu mastro principal estava danificado e isso limitava a velocidade máxima que a embarcação podia alcançar. Logo os franceses se aperceberam disso e calcularam melhor seus tiros. O primeiro acertou a popa em cheio e mais alguns metros e teria levado a loira para o Valhala.

— Mas que filhos da puta... – Sem muito tempo para pensar em mais xingamentos, ela virou todo o timão a favor do vento, ganhando um pouco mais de velocidade e evitando o segundo tiro, mas isso lhe tirou da rota que desejava.

O vento ajudava apenas em uma direção e quando Jenny tentou a mesma escapada para o barlavento, seu resultado não fora tão bom e mais um mastro se foi juntamente a moça esculpida em madeira que rezava logo à frente da proa. O quebra-gelo afundou em instantes e o St. Mary não estava próxima o suficiente para abordar a popa do Man'o War como ela planejou. Não havia mais jeito, precisavam se aproximar pela lateral e isso significava invasão francesa.

— Homens! Escutai-me! Logo os ganchos recairão sobre essa fragata e as cordas nos levarão até eles. Não pedirei que lutem por mim, não farei isso. Vão para o convés inferior se assim preferirem. Mas aqueles que quiserem o gosto da vitória, aqueles que quiserem mostrar aos malditos franceses que eles não são dono de porra nenhuma, preparem-se, pois sangue será derramado.

Os marujos nada disseram, trocando olhares duvidosos entre si, mas o contramestre deu um passo frente e estando ele a meia nau, todos o aperceberam. Jeremy olhou para bombordo e a estibordo, limpou a garganta e disse-lhes em bom tom.

— É tarde para fugir e os franceses não demonstram piedade quando atacam. Não irei morrer para o filho de uma puta sem ao menos lutar.

Outro homem deu um passo à frente e respondeu. – Eu também não.

Para espanto de Jenny, o velho capitão também se prostrou a frente e proclamou. – Que o diabo leve os franceses. – Dito isso, ele ergueu sua espada aos céus e em seguida todos os homens urraram em uníssono.

A Kenway contou pouco mais de quatro dezenas de homens, o que provavelmente era menos que a metade dos homens disponíveis para batalha que o navio de guerra deveria possuir. Mas ainda sim era melhor do que nenhum homem, tudo o que precisava fazer era chegar ao capitão do Man'o War o mais rápido possível e mortes desnecessárias seriam evitadas.

Os ganchos se fincaram na meia murada do convés da fragata e aos poucos o St. Mary foi puxado pelos franceses. Jenny aproveitou os poucos minutos que tinha para subir pelo mastro que ainda encontrava-se inteiro, já no alto, ela conferiu se as duas pistolas estavam carregadas, dando um beijo em cada uma logo em seguida. Em cada mão segurava uma espada fina e por fim no pulso esquerdo estava sua Hidden Blade.

A fumaça das explosões e o cheiro de pólvora dificultavam a localização dos inimigos, mas a loira tinha uma visão bem treinada e os ouvidos apurados, por isso ela segurou firme em um dos cordames do alto velacho e o cortou no momento que se jogou. Tal qual um fantasma, a loira aterrissou sobre um tripulante inimigo, um homem de pouca sorte, pois de seu peito derramava-se seu sangue, profanando o convés do Man'o War.

O aparecimento aéreo lhe rendeu algum momento de vantagem, visto que aqueles próximos a si espantaram-se de tal modo que largaram cordas e armas. Um erro que lhes custaram a vida. A Kenway se ergueu e enfiou sua espada no marujo à sua esquerda. Pela direita a ponta da espada cortou a garganta de outro o suficiente para fazê-lo se engasgar no próprio sangue.

Gritos ecoaram da meia nau e mais homens corriam em sua direção, com mosquetes e sabre em mãos, mas a Assassina não estava disposta a perder tempo e largou a espada da mão direita para sacar uma das pistolas. Naquela distância um tiro no coração não fora difícil de acertar. Com a arma vazia realocada ao cinto, ela pegou a segunda e atingiu a perna de outro que tentou lhe atacar pela esquerda.

Era tempo de sua Hidden Blade gritar ao ser acionada. Mais um homem veio a óbito quando ela habilidosamente desviou a lâmina dele com a espada na mão direita e o puxou para si, enfiando a pequena arma no estômago do mesmo. O primeiro tiro rufou em meio à confusão já espalhada e a loira deixou seu posicionamento para trás, correndo para cima dos tripulantes e evitando seus ataques como podia. Sua espada rasgava um enquanto a Hidden Blade repelia outro, mas mesmo todo o seu treinamento não seria o suficiente para vencer todos.

Quando Jenny se viu cercada e indiscutivelmente acuada, uma voz masculina se sobrepôs ao borburinhocausado pelo súbito ataque dela.

Arrêt!

Os tripulantes se contiveram, mas seus olhos transbordavam de fúria, sedentos pelo sangue da Kenway. Havia ao menos vinte homens lhe cercando, todos armados e prontos para lhe trucidar se tivessem a menor oportunidade. No fundo ela não poderia culpá-los, afinal já havia ela própria derramado o sangue de meia dúzia deles.

O pesado som das respirações, que em ritmo único pareciam seguir as ondas logo abaixo do casco do navio, foi intercalado com passadas firmes e ligeiras por sobre o assoalho, que em tiras de madeira compunham o convés superior. Um corredor humano se abriu para que uma figura emblemática pudesse olhar de perto aquele fantasma.

Para o total espanto de Jenny o homem de pele clara e cabelos negros a se aproximar trajava-se sob o símbolo da Irmandade Assassina. Seu olhar era frio e soberbo e após estalar sua língua como um chicote ele tornou a falar.

— Mas quem diabos és tu que esconde o rosto por debaixo desse manto?

Mais preocupada com o misterioso homem a sua frente, falando com forte sotaque francês e de maneira autoritária, ela não percebeu a aproximação de um marujo por de trás de si que lhe puxou o capuz. E assim os olhos selvagens e cabelos loiros da Kenway foram revelados à luz do sol.

— Espere um pouco, és a tal Assassina que Liam costumava chamar de mulher. – Ele riu com notório deboche e foi acompanhado por seus subalternos.

— E tu deves ser o fracassado Chevalier a qual ele mencionou vagamente​ uma vez.

— É claro que aquele rebelde iria escolher alguém de sua estirpe para chamar de “sua”. Eu teria vergonha de me casar com uma com uma mulher que foge pelos mares em busca de aventuras e ainda carrega a mancha Templária no sangue. Mas eu não deveria me surpreender pelas escolhas dele e daquele outro Assassino insignificante.

— O nome dele é Shay e até onde sei fora esse outro Assassino insignificante que resgatou esse Man'o War não? Eles dois derrotaram os ingleses que lhe humilharam enquanto tu lamentava-se feito uma viúva.

— Pelo jeito que os defende parece-me até que era com os dois que dormia. Aposto que se aventurou em abrir as pernas para aqueles dois ignorantes.

Joseph riu da própria piada, sendo acompanhado pelos homens que os rodeavam. Para Jenny pareciam um grupo de hienas, mas a loira não estava ofendida, pois já ouvira coisas muito piores na vida.

— Preferiria mil vezes eles a um vulgo francês que se acha tão melhor porque seu pai lhe fez acreditar ser um Chevalier. Um capitão tão inútil que perdera um navio de guerra para alguns ingleses. Mas a derrota provavelmente é herança de seu sangue francês creio eu, nunca venceram a armada inglesa e nunca vencerão. - Desta vez a Kenway mexera não só na ferida do Assassino, mas os olhares de repúdio vieram de todos os lados, certamente era uma tripulação composta por franceses ou filhos destes. – Mas veja que dia fortuito para ti, pois eu lhe ofereço uma singela oportunidade para reaver sua honra de capitão perante esses pobres homens. Derrote-me em um duelo e a minha fragata é sua, além de poder me levar diretamente para Achilles como prisioneira, talvez meu irmão pague algum resgate.

— Tu já és minha prisioneira. Não vê que estás cercada e rendida?

— Mas a fragata está livre, e se engana se achas que estou rendida. Talvez Adewale nunca tenha mencionado, mas eu sou a filha do demônio em forma de homem. Além disso, irás negar a chance de seus homens de humilharam nós, ingleses?

Louis deu uma olhada nas expressões de seus homens e não havia dúvidas que a loira tinha de fato instigado a sede de vingança neles. Alguns olhavam a ela com ódio enquanto outros lhe encaravam com expectativas fervorosas. Naquele instante o som das águas a se chocarem contra o casco era todo o som audível para o franco, sua tripulação e Jenny. A madeira rangia conforme o movimento suave das ondas enquanto as velas dançavam graciosamente na presença dos dois Assassinos a se encararem e diante de tamanha oferta e o raspar do ferro fora o suficiente para servir de resposta a todos.

Chevalier ergueu a espada ao passo que a loira posicionou-se perfeitamente como um espadachim, tal qual Miko lhe ensinara. Os tripulantes se animaram e abriram espaço para os dois Assassinos e sobre os fortes incentivos daqueles, o franco avançou para o ataque. Mas lá estava a Kenway a se defender precisamente no alto e depois abaixo da cintura, um rápido, contudo previsível ataque frontal.

O homem fez uma careta de desagrado e ganhou terreno ao avançar mais e mais com sucessivos ataques que visavam as laterais do tronco dela, mas seu golpes não eram tão fortes ou tão habilidosos a ponto de colocar Jenny em perigo.

 A velocidade aplicada nos ataques não permitia a ela contra-atacar. Sendo assim, sua Hidden Blade se expôs no pulso esquerdo, chamando a atenção dele para o brilho do pequeno e fino metal afiado. Chevalier se afastou dando dois passos para trás, com um rosnado insatisfeito, trocou a espada longa da direita para a esquerda e ele próprio desembainhou sua lâmina retrátil.

Lá estavam os dois Assassinos lutando feito dois gladiadores da velha Roma. Enquanto Jenny lutava para seguir seu rumo em paz até seu algoz, seu próprio irmão e impedir que maiores tragédias acontecessem. Joseph era alimentado pelo orgulho e pela ambição, visando apenas o prazer de humilhar a inglesa perante sua Irmandade.

Foi nesse instante que a Kenway apercebeu-se que nunca poderia ser tão grata à Achilles quando ele lhe negou ajuda e um espaço em sua fazenda e suas missões. Pois nos olhos negros do Assassino à sua frente, a mulher não pôde captar uma faísca das motivações que seriam presumíveis acharem em um membro do credo. Seu pai lutou pela liberdade e pela justiça. Miko lhe ensinara a importância de se manter humilde mesmo diante da conquista. Por fim com Liam e Shay ela aprendeu a valorizar a união entre seus irmãos.

Mas não havia nada disso em Louis, nenhum principio que um dia culminou com a criação do credo dos Assassinos. Não, aquele homem estava apenas a macular a imagem da águia, porém um dia Jenny fora assim. Desejosa de vingança, agira imprudentemente e perdera a pessoa que um dia ela poderia ter chamado de mãe. A vida lhe ensinou muitas lições e cabia a ela agora colocar aquele vulgo Assassino em seu lugar.

Seus pés lhe impulsionaram para frente, lâmina em riste a frente do tronco, refletindo a luz do sol contra seu adversário. Ela estava novamente a favor do astro, mas desta vez não seria ele seu trunfo. Espada chocou-se contra outra quando o franco se defendeu com a arma na horizontal e sua Hidden Blade repelia a dela na altura do ombro. Rapidamente o Assassino se aproveitou da posição vantajosa de sua espada para deslizá-la pelo sabre de Jenny e desenhar em uma curva um corte na lateral abdominal esquerda dela.

O sangue espalhava-se rapidamente pelo manto cinzento da Kenway, seus calcanhares retrocederam alguns passos, mas Louis motivado pelo golpe bem sucedido e os gritos animados do pequeno público que os assistiam, não a permitiu ganhar espaço. Ela por sua vez deixou a espada de lado para com a mão tentar estancar o sangramento, não era uma ferida mortal, mas isso não a tornava menos dolorida.

O fio da espada dele afastou os cabelos que recaíam sobre seu ombro e com o sorriso de vitória ele se aproximou sem deixar a lâmina se afastar do pescoço dela.

— Não acho que Liam irá se contentar tanto ao rever a mulher como uma prisioneira.

Jenny abaixo a cabeça, alguns fios rebeldes esconderam sua face e aqueles que lhe assistiam riam por julgarem ver uma rendição. Todavia, ela não estava rendida e Chevalier parecia ter simplesmente esquecido da Hidden Blade presa ao pulso esquerdo dela ou a menosprezava o suficiente para não levar em consideração o risco.

O instante propício fora deveras aproveitado por ela que com a mão encharcada no próprio sangue agarrou o braço dele no centro do cotovelo, a pressão no ponto certo o fez desviar um pouco sua espada, dando espaço e a oportunidade necessária à Assassina para lhe cruzar o pulso com a lâmina oculta.

Sua face já suja de pólvora agora se manchava com o sangue viscoso que espirrava das veias que alimentava a mão e os dedos esquerdos do franco. Sem forças e com a repentina dor o Assassino deixou a espada cair junto a um grito furioso. Instintivamente, Louis levou a mão direita até o pulso ferido e tentava como podia tapar os dois buracos.

Inesperadamente, a Kenway puxou para si a mão já pálida do capitão e a firmou sobre um barril qualquer que estava à meia nau.

— Quero que se lembre o que significa ser o um Assassino toda vez que olhar a sua mão.

Com uma mira impecável ela acertou a base do dedo anelar esquerdo dele, cortando pele, fibra, músculo e por fim o osso. Não havia muito sangue ali e muito provavelmente o homem não sentira tanta dor do corte.

A inglesa o puxou pela roupa e espetou delicadamente a ponta de sua lâmina, já totalmente imunda, na jugular de seu adversário.

— Eu o deixarei viver para que possa dizer à Achilles que a próxima vez que ele enviar um de seus capachos atrás de mim, eu não serei tão piedosa.

Chevalier, surpreendente, riu e sua voz saiu quase como um rosnado para ela. – Mesmo se for seu amante?

Jenny não lhe respondeu e o empurrou para que andasse junto a si, abrindo caminho por homens que observavam tudo ainda mergulhados no espanto até a murada que limitava o convés. Ainda com fumaça pairando na altura das velas e com o cheiro forte da pólvora a lhes rodear, ela assobiou o mais alto que pode em direção às fragata St. Mary e de lá os tripulantes lhe acenaram de volta.

Em instantes os ingleses estavam a carregar suprimentos e mercadorias do Man'o War para o navio menor. Mesmo velas extras e cordas, para repor o que fora perdido. Um médico americano fez um curativo nos dois Assassinos e também ajudou os outros feridos, mas com a lua alta no céu a fragata retornava ao seu curso e deixava quase como náufragos o navio de guerra liderado por Chevalier.

 

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A compressa de água quente ardia feito fogo sobre o corte em seu abdômen, mais uma cicatriz para sua interminável coleção. Na bacia a água já cintilava rubra após os pontos que a mesma fizera em si. Duas batidas soaram na porta e ela abaixou a blusa imediatamente.

— Entre.

Jeremy abriu a porta e com cautela adentrou o singelo quarto, mobiliado com uma cama, uma mesa e um pinico.

— Como se sente?

— Cansada. Uma boa noite de sono será bem vinda.

O contramestre retirou da cabeça a boina velha e a segurou forte entre as mãos antes de respirar profundamente para prosseguir. – Eu quero lhe agradecer por nos salvar hoje e também o capitão pediu para lhe informar sobre a nossa rota.

A loira esboçou um sorriso discreto de contentamento e o questionou. – E como está a nossa rota?

— Bons ventos para o sul, seguindo em vinte graus com a nove nós.

— Nove? Apenas nove?

— Fizemos tudo o que podíamos para consertar os mastros, mas apenas quando atracarmos eles serão devidamente restaurados.

— Quanto tempo até chegarmos a Londres?

— Oito semanas, sete se os ventos forem favoráveis.

— O dobro do previsto. – Ela suspirou pesarosamente e complementou. – Obrigada Jeremy.

O contramestre anuiu brevemente e partiu.

 

Londres, Maio – 1754

 

            Mesmo em plena primavera, a capital do mundo apresentava-se cinzenta aos recém-chegados. Após alguns anos contemplando matas verdes e animais selvagens, Jenny sentiu certa estranheza ao retornar para uma de suas muitas casas. Enquanto alguns homens cuidavam de colocar suas malas e também o baú de vestidos em uma carroça ela atentava-se ao seu redor. Pouco havia mudado na cidade desde sua partida e ela esperava que assim também estivesse a loja de Amy.

            Após pagar uma boa quantia de moedas para que o cocheiro a levasse em poucos minutos pelas ruas movimentadas e barulhentas de Londres, a Kenway avistou seu destino em meio uma das principais ruas daquele distrito. Em instantes ela e sua bagagem estavam diante da porta da loja de costura. Assim que os cavalos partiram puxando a carroça para longe, Jenny abriu a porta e encontrou a loja exatamente igual como se recordava.

            Bonecos de tecido para teste estavam ao fundo, à sua direita um par de cadeiras para aqueles que aguardam uma moça a provar uma peça. Na janela à sua esquerda a cortina de renda permanecia fechada para manter a descrição. E empilhados em prateleiras tecidos de cores e texturas diferentes.

            Logo Amy surgiu a sua frente, vindo do corredor que levava aos cômodos do fundo da loja. Ela estava de preto. Seus finos e hábeis dedos deixaram agulha e linha cair ao chão quando suas mãos taparam os lábios que se entre abriram de espanto.

— Jenny!

A mais nova se apressou e venceu a pequena distância que separava ambas, com um abraço apertado a Kenway envolveu sua querida costureira.

— Senti tanto a sua falta. – Após o precioso momento de reencontro, a loira afastou-se da esposa de seu mentor. – Onde está Miko?

Os olhos cinzentos de Amy ficaram úmidos e brilhantes, logo as lágrimas vieram abaixo de forma silenciosa enquanto ela negava a verdade para aquele questionamento.

— O que aconteceu?

Amy passou o restante do dia com a loja fechada, contando tudo o que sabia para a Assassina, desde a desconfiança de Miko a respeito de Haytham estar de volta à Londres até a fatídica ida ao teatro no último mês. Jenny não disse nenhuma palavra, ouviu tudo com atenção e seriamente. Em nenhum momento permitindo-se chorar ou lamentar-se, não porque Miko não fosse merecedor, mas a loira estava deveras furiosa com seu irmão. Se antes ela estava disposta a encontrá-lo e tentar resolver suas diferenças pacificamente, agora tudo o que restou em si era raiva e revolta.

Com o cair da noite, a gentil costureira ainda tinha seus olhos ainda vermelhos de tanto chorar tentava sorrir a fim de mudar o assunto. – E onde está o rapaz que lhe ajudou nas colônias?

— Ele não veio. – A loira respondeu de maneira tão fria que Amy preferiu não insistir no assunto.

— Bom, então irei preparar um bom jantar para nós. – Levantando-se de uma das cadeiras de sua loja, a mulher tentava recompor-se aos poucos.

— Não há necessidade Amy, não posso me demorar aqui. Se Haytham pegou a chave, então ele possivelmente já partiu. - A Kenway se ergueu e ajeitou as vestes, um dos vestidos que ganhara da própria Amy antes de partir para as colônias. – Preciso visitar uma velha conhecida.

Com um olhar piedoso, a costureira tomou as mãos da mais jovem por entre as quase como uma mãe clamou. - Oh querida, Miko não queria que encontrasse seu irmão nessas circunstâncias.

— Meu irmão precisa ser detido e precisa pagar pelo quê ele fez.

— Miko não iria querer uma vingança, Jenny. O que seu pai iria pensar em ver vocês dois se caçando dessa maneira?

— Não posso permitir que Haytham fique com aquela chave. – A Assassina puxou o capuz de seu manto por cima da cabeça e se afastou rumo à porta. - Miko trabalhou duro por anos atrás de pistas que revelassem as origens daquele artefato e meu irmão não tem o direito de ficar com ela.

Dito isso, ela partiu, batendo a porta atrás de si e deixando uma temerosa Amy em sua singela loja de costura.

 

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Suas pernas cansadas agradeceram o frescor das águas ao fim daquela noite, seus longos cabelos loiros e ondulados foram soltos e Ana Bourbon se permitiu deitar sobre sua cama para descansar um pouco. Viver em um casarão como aquele sem seus dois filhos pra lhe auxiliar era deveras exaustivo. Além disso, sentia-se mais uma vez sozinha naquele quarto silencioso e amplo.

Contudo, repentinamente a janela se abriu e um vento frio ameaçou apagar as chamas da lareira. Alguns galhos das árvores mais próximas rebatiam violentamente contra o vidro da janela, parecendo longas garras afiadas. Vencida pelo barulho incômodo, Ana se ergueu para fechar as folhas de madeira que sustentavam os vidros, mas antes que o pudesse fazer, um vulto lhe encarou por entre as folhas.

Feito um gato de rua a saltar pelos telhados, Jenny saltou da árvore próxima para dentro do quarto, aterrissando poucos centímetros à frente de sua antiga amiga de escola.

A Bourbon afastou-se do local espantada, mas seus pés pouco ágeis tropeçaram na tapeçaria e a fez cair. Horrorizada demais com a imagem da pessoa misteriosa que mantinha o rosto oculto por um capuz pontudo.

Com um pequeno gesto, a Assassina acionou sua lâmina retrátil e se aproximou. – Olá Ana, há quanto tempo não?

Ana espantou-se ainda mais ao reconhecer aquela voz. Uma que não ouvia há tantos anos. – Jenny? O que fazes aqui? – O temor passou e uma nítida raiva se fez presente na voz da nobre. – Posso chamar a guarda real para lhe prender.

— Estaria morta antes que alcançasse aquela porta Ana e não estou com muito tempo para perder, por isso vamos ser breves. Seu marido era um Templário e devo presumir que chegaste a conhecer outros membros da Ordem, correto?

— Eu não sei do que está falando, não tinha envolvimento com os assuntos de meu marido.

Jenny se abaixou a fim de ficar na mesma altura de Ana e sem delicadezas segurou a gola do elegante vestido que esta trajava. – Escute aqui Ana, eu posso entender seu ódio por mim, pois imagino que a história de que matei seu marido chegou até seus ouvidos. Pois bem, aqui está a verdade: sim, eu matei mesmo o seu marido e não hesitarei em te matar se não colaborar também.

— Não tenho medo de você, Jenny.

— Espero que seus filhos, jovens Templários, também não tenham, pois eles serão os próximos.

— Veja no que se tornaste, um animal sem modos. Tenho pena de ti.

— E eu de ti Ana, agora me diga, para onde meu irmão foi?

— Seu irmão? Haytham? Eu não o vejo desde antes de sua fuga de minha casa.

— Mas certamente seus filhos devem saber de alguma coisa, sei que meu irmão estava aqui em Londres, agindo pela Ordem Templária.

Ana engoliu a seco, mas manteve a soberba na voz. - Irás atrás dele para matá-lo também?

— Temos alguns assuntos inacabados para tratar.

— Pelo que sei, ele poderia perfeitamente matá-la e espero que o faça vingando assim a morte de meu marido.

— Ou talvez eu faça o que deveria ter feito há muito tempo.

— Então é melhor se apressar, soube que ele partiu para as colônias no último mês.

A Kenway soltou a gola de sua antiga amiga, fazendo-a cair sobre o chão com pouca gentileza e enquanto a Assassina reerguia-se a nobre complementou. – Não irás conseguir embarcar sem que os Templários a descubram, agora que não há mais nenhum membro de sua Irmandade vivo, Londres é enfim completamente tomada pela Ordem do Pai.

— Eu estou enojada em ver que aquela menina se tornou em uma mulher de mente pequena como tu. Vivendo em seu lindo castelinho longe dos problemas da vida real. – Jenny cuspiu no chão e se virou rumo à janela. – E obrigada pela informação Ana.


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Notas finais do capítulo

E assim começa a caçada de Jenny pelo seu irmãozinho... Agora sim, completamente sozinha até então.

Falta pouco mais de um ano para o desastre de 55 meu caros leitores e nossa protagonista ainda irá se encontrar com alguns velhos amigos...

A propósito, teremos alguns novos nomes no próximo capítulo. Aguardem!

Quero agradecer aos novos leitores que favoritaram recentemente e certamente dar as boas vindas!



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