Três Formas de Amar escrita por Mi Freire


Capítulo 6
Conclusões precipitadas.




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Quinta-feira e eu tinha acabado de receber a pior notícia de todas: A semana de provas estava cada vez mais próxima e eu estava totalmente perdida nas aulas. Sem exceção alguma.

Eu precisava muito conversar sobre isso com alguém. Ou iria explodir. Poderia ser o Lucas, mas ele estava no trabalho. Ou com o Kevin, mas eu não queria enche-lo com os meus problemas. Então eu gravei para o Snap e conversei com as minhas leitoras que me deram muitas dicas interessantes.

Eu estava tão distraída gravando no meio da rua que nem se quer me dei conta quando esbarrei em alguém ainda no campus da faculdade.

− Me desculpe. Eu não...

Quando levantei meu olhar dei de cara com ninguém mais ninguém menos que o troglodita do meu vizinho.

− Japonesa? Quanto tempo!

Esse sorriso dele me dá nos nervos.

− Meu nome é Manuela.

Ele sorriu, divertido.

− E o meu nome é Yuri.

Legal, mas eu nem perguntei nada.

Forcei um sorriso para ele e saí dali antes que me estressasse com ele.

− Ei, espera aí? Para que a pressa, Japonesa?

− Manuela.

− Você estuda aqui também?

− Sim, porque? Você também?

Eu parei, surpresa demais para acreditar nisso.

− Sim, eu faço Educação Física.

− Ah.... Legal.

− E você faz... Direito? Acertei?

− Nem chegou perto!

Ele riu.

− Farmácia?

− Não.

− Administração?

− Não.

− Já sei! Medicina Veterinária?

− Também não.

− Então... Publicidade?

− Não.

Naquele momento percebi que ele não ia desistir tão cedo.

− Moda.

− Sério? Nem sabia que esse curso existia.

− Pois fique sabendo agora.

Ele riu de novo.

− Você é sempre assim tão mal-humorada?

− Não. Só com você.

Voltei a andar, mas ele me acompanhou.

− Qual é o problema comigo? Eu sou tão legal!

− Não, não é.

− Nossa, assim você me ofende, Japonesa.

− Manuela.

− O.K. Então Manue.... Japonesa!

Ele estava rindo. Que imbecil!

− Qual é o seu problema, hein? – Perguntei, encarando-o.

− Eu só estou tentando ser legal. Você parece tensa.

− E porquê? A gente nem se conhece!

− Mas isso poderia mudar. Você não acha?

− Acho que essa não é uma boa ideia.

Voltei a andar, mas ele não desistiu.

Para minha sorte, meu celular vidrou na minha mão e agora eu tinha algo para me distrair.

Kevin: Queria muito te ver.

Abri um sorriso.

Eu: Eu também queria te ver.

− É o seu namorado? – Yuri perguntou, me fazendo lembrar que ele ainda estava ali ao meu lado.

− Não...

− Seu namorado parece ser gente boa.

− O quê? Mas você nem o conhece.

− Não muito. Mas sempre esbarro com ele no prédio.

− Ah, você está falando do Lucas. Ele não é meu namorado. É o meu irmão. Meu melhor amigo.

− Irmão? Me desculpa, não quero parecer preconceituoso... Mas vocês dois não se parecem nadinha.

− Mas é claro que não! – Eu ri. – Somos irmãos de consideração.

− Ah, agora está explicado.

Kevin: Vamos comer algo junto?

Eu: Agora?

Kevin: Sim. Eu passo para te pegar.

Eu: Combinado.

− Preciso ir agora. – Digo para o tal de Yuri.

− Sem problemas. Eu te acompanho.

Minha nossa, ele era tão inconivente.

Mas não havia muito o que eu pudesse fazer sem ser muito grosseira.

− Você está em qual semestre? – Ele perguntou.

− Terceiro ainda. E... Você?

Não que isso me interessante, só perguntei por perguntar. Ele parecia estar se esforçando muito para puxar papo comigo e eu não saberia ignorar.

− Último ano já.

− Nossa, faz quanto tempo que você mora aqui?

− Não muito. Eu sou transferido.

− Você não estudava aqui?

− Não. Eu me mudei recentemente.

− Entendi.

Finalmente chegamos no prédio.

− Tchau. – Digo, um pouco antes de entrar.

− Tchau, Japonesa. Até a próxima.

Tudo bem. Eu desisto de tentar corrigi-lo.

Agora eu sei que ele faz de propósito.

Eu me arrumei muito rápido. Pois o Kevin já estava me esperando lá em baixo em sua moto em frente ao prédio.

Quando eu me aproximei ele me beijou.

Era como se estivéssemos namorando.

− Vou te levar a um lugar muito especial.

Não sei qual era a definição de especial para o Kevin, mas aquele lugar não era nada especial. Muito pelo contrário. Era decadente. E eu nunca fui muito fresca para esse tipo de coisa, devo acrescentar. Mas o lugar era feio, apertado, fedia a cigarro e suor.

Não tive coragem de dizer essas coisas a ele.

− Eu sempre venho aqui com a banda. É gostoso e barato.

Tentei sorrir, me sentindo desconfortável.

− E aí, já escolheu? – Ele perguntou enquanto eu percorria meus olhos pelo cardápio.

Nada ali me agradava

− Pode ser uma porção de batata frita.

− Só isso?

− Não estou com muita fome. – Tentei sorrir.

O pedido demorou, mas chegou. Além das batatas, Kevin havia pedido um X-Bacon nada bonito aos olhos. Não sei o sabor, mas não quis arriscar.

Enquanto o Kevin conversava com o garçom, um velho alto e muito magro, eu peguei meu celular na bolsa.

Eu: Socorro!

Lucas: O que foi?

Eu: Kevin me trouxe a um lugar péssimo.

Lucas: Como assim?

Eu: Fedido!

Lucas: Assim como ele? Hahahaha

Eu: Lucas! É sério.

Lucas: Eu sei. Desculpa. Ñ pude evitar :)

Lucas: Pena que eu não posso ir aí te buscar.

Eu: Muito ocupado com o trabalho?

Lucas: Hoje o dia está corrido.

Eu: Boa sorte então.

− As batatinhas estão boas? – Kevin me perguntou, me trazendo de volta a realidade. Eu guardei o celular de volta na bolsa.

Estavam um pouco murchas...

− Estão ótimas!

− Que bom.

Depois de comer nós finalmente saímos daquela espelunca e fomos dar uma volta sem rumo. Kevin era muito tagarela. Não para de falar nunca. E era sempre sobre a banda. Eu estava começando a ficar sem paciência.

Não é que eu não estivesse feliz por ele, porque sim, eu estava. Era o sonho dele! Mas ele não fazia nenhum esforcinho para perguntar sobre mim. Como estavam as coisas ou como eu estava me sentindo.

De alguma forma eu estava me sentindo de lado.

− Você fuma? – Perguntei espantada, como se não fosse obvio porque ele tinha acabado de tirar um maço de cigarro do bolso do jeans rasgado e um isqueiro de caveira.

− Desde que eu saí de casa eu fumo.

− Você saiu de casa?

Nossa, Manuela. Parabéns pela pergunta estupida. Eu já tinha dormido na nova casa do cara!

− Mas é claro! Meus pais não me aceitavam, nem me compreendia. Nem esperei os estudos acabarem e fui embora, levando pouca coisa comigo. Fui morar com uns amigos e foi quando eu conheci o pessoal da banda e eles me convidaram para tocar.

− Então você nem chegou a se formar?

− Não. Eu parei quase no finalzinho. Mas não me arrependo. – Disse ele, fumando ao mesmo tempo. Detalhe: odeio o cheiro de cigarro. – Foi a melhor coisa que eu fiz!

Nossa, por essa eu não esperava.

− Quer ir pra casa?

− Sim, por favor.

Eu estava começando a superar o medo de motos, afinal eu não tinha muitas opções. Mas eu me agarrava a ele com o máximo de forças que podia. Kevin corria muito.

− Obrigada pelo dia de hoje. – Disse eu ao descer da moto, apesar de não estar cem por cento satisfeita.

Entreguei o capacete a ele.

− Não precisa agradecer. Teremos muitos outros bons momentos como esse. – Depois ele me beijou.

Quando entrei em casa eu estava exausta. Me joguei no sofá e ali fiquei pelas próximas horas fuçando no celular.

Eu tinha alguns comentários para responder no Facebook.

− Cheguei. – Anunciou Lucas algum tempo depois. – E aí, como foi seu encontro hoje mais cedo?

− Um desastre. Comida horrorosa. Lugar estranho. Cheiro horrível de cigarro. E um papo chatíssimo.

Lucas riu e eu olhei brava para ele.

− Tem certeza que gosta desse cara?

− Claro que eu tenho! Bom, na maior parte do tempo ele é muito legal comigo.

− Mas vocês não parecem combinar nem um pouco.

− É, não combinamos. Mas fizéssemos isso dar certo uma vez.

− E ele foi embora.

− Eu sei, Lucas. Mas dessa vez pode ser diferente.

− É, talvez. – Ele deu de ombros. – Vou tomar um banho e relaxar.

− Quando começa suas provas? – Perguntei, seguindo-o pela casa.

− Semana que vem.

− Você está preparado?

− Mas é claro. Você não?

− Nem um pouco.

− Precisa de ajuda?

− Acho que sim.

Ele entrou no banheiro e fechou a porta. Mas eu fiquei ali esperando ele dizer mais alguma coisa.

− A gente conversa sobre isso mais tarde. – Disse ele, um pouco antes de ligar o chuveiro.

A campainha tocou e eu corri para ver quem era.

Era uma garota. Eu a reconheci. Era uma daquelas garotas que não saíram do pé do Lucas no sábado, no bar, depois do final do show da banda do Kevin.

− Posso ajudar?

− O Lucas está?

− Não.

− Não?

− Não.

− Mas ele disse que...

− Sinto muito. Mas ele saiu.

− Tem certeza? – Ela tentou espiar por cima de mim. E deve ter ouvido o barulho do chuveiro ligado.

− Tenho total certeza. Mas se não se importar eu tenho que ir... Tomar banho. Tchauzinho.

Fechei a porta antes dela dizer mais uma alguma coisa.

− Quem era? – Perguntou ele assim que saiu do banheiro apenas enrolado em uma toalha.

− Uma amiguinha sua.

− E o que ela queria?

− Provavelmente você.

Ele me olhou com o cenho franzido.

− E eu a mandei cair fora.

Lucas riu.

− Você está com ciúmes, Manu?

− É claro que não!

Cruzo os braços.

− Você se acha muito, sabia, Lucas?

Revirei meus olhos, entrei no meu quarto e fechei a porta.

Eu com ciúmes?

É, pode ser. Mas não é sempre.

Bom, enfim. Isso não importa. Eu tenho alguns vídeos para editar e colocar no canal antes que as leitoras comessem a cobrar.

− Ei... Precisa de ajuda com os estudos? - Lucas tinha acabado de entrar no meu quarto. Agora vestido e com o cabelo molhado.

− Estudos? Que estudos?

Ai. Minha. Nossa.

Eu me esqueci completamente!

− Ah, sim. – Fechei o notebook com pressa. Corri até a minha mochila e tirei um livro de lá de dentro. – Eu sei que você não é expert no assunto, mas você pode ajudar com isso?

Lucas não era só bom em desenhos, ele também era muito bom com textos.

Mas no que ele não era bom, afinal?

− Pega uma folha, lápis e borracha. – Ele sentou-se na minha cama, bastante à vontade. E eu me sentei ao seu lado depois de lhe entregar o que ele tinha pedido.

Ficamos estudando até muito tarde e nos esquecemos completamente do jantar. Mas antes de dormir tomamos suco e comemos algumas bolachinhas amanteigadas.

No dia seguinte eu tive um teste surpresa preparatório para semana de provas. E eu tenho certeza que apesar de todo o esforço da noite passada, eu me dei muito mal.

Isso sempre acontecia comigo.

Não adiantava estudar noventa dias seguidos, pois na hora da prova eu sempre escolheria a opção errada.

Mais tarde, recebi uma notificação no celular do site da faculdade. Dizendo que eles já tinham colocado as notas do teste de hoje. Eu achei que eles foram muito rápidos.

Com muito medo eu abri o site com o meu login e senha e fui até o boletim. E como já era de se esperar eu tirei quatro. Fui muito mal e estava decepcionada comigo mesma.

Passei o resto do dia tristinha. Não gravei vídeos, não editei vídeos, não postei vídeos, nem fiz posts para o blog. Muito menos respondi as mensagens do Kevin.

Eu precisava de um tempo sozinha longe de tudo.

Mais tarde, quando desci para levar o lixo eu acabei me encontrando com o Yuri nas escadas.

− Que cara é essa, Japonesa?

− Cansaço, apenas.

− Você se cobra demais.

− Como você sabe? Você nem conhece.

− Ah, sei lá, eu imaginei que seria isso.

− Mas porquê?

Yuri, o troglodita, estava se mostrando muito espertinho.

− Aparentemente você faz o tipo Garota Certinha. Eu não sei, é só dedução. Pode ser que eu esteja certo ou errado.

− Você está errado. Eu não sou certinha.

− Não o tempo todo você quer dizer.

Me encosto na parede fria com a tinta descascando.

− É mais ou menos isso.

− Você precisa de uma folga.

− Para quê? Eu já tenho o bastante.

− Não é o que parece. – Ele me olhava fixamente. Seus olhos eram verdes, em contraste com sua pele bronzeada. – A gente poderia sair qualquer dia desses.

− Por acaso você está me chamando pra...

− Um passeio entre amigos. Que tal?

Ele sorria, todo brincalhão.

Eu sorri também.

Parecia que mais uma vez eu estava tirando conclusões precipitadas sobre as pessoas que eu mal conhecia.

− É, pode ser. Qualquer dia desses então.

− Combinado.

Ele me analisou sorridente, como se quisesse ter certeza que eu falava sério. E eu estava mesmo falando sério. Quando ele se deu conta disso, ele desviou o olhar, balançou a cabeça, se despediu e subiu de volta para o seu apartamento.

Confusa e intrigada eu fiz o mesmo.


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Notas finais do capítulo

Yuri, o novo vizinho troglodita da Manu... O que acharam dele?