Lovebelt escrita por Nina Antunes


Capítulo 4
Capítulo 4




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As primeiras cores da noite já pintavam o céu quando Rin finalmente tomou coragem de entrar pela porta mosquiteiro da casa da fazenda. As estrelas e a lua crescente pouco apareciam, pois as densas nuvens de chuva começavam a esconder as luzes da noite. O vento constante e quente anunciava uma provável e intensa tempestade de verão. O trabalho de remoção de toda a lama e água da plantação havia finalmente acabado e, ainda no final do dia, as máquinas começaram o processo de dragagem do rio próximo aos pés de trigo. Era preciso tirar parte da terra que foi arrastada para dentro das águas, evitando assim que o rio transbordasse e outras enchentes acontecessem. Rin esperava que a tempestade daquela noite não devastasse tudo novamente. Ela suspirou fundo e fechou os olhos, não podendo enxergar nada em meio à escuridão da sala. Tudo estava em absoluto silêncio, mas ela sabia que Lissy e Sango estavam no andar de cima, provavelmente no quarto da menina. Sabia também que a filha estava arrasada pela briga que teve com o pai dela. Somente depois de ver Sesshoumaru caminhando pelo horizonte da estrada de terra escaldante Rin percebeu o estrago que havia feito. Não somente no carro novo e caríssimo do advogado, mas principalmente no coração da filha. Melissa havia presenciado aquilo, havia visto Rin fora de controle pela primeira vez na vida. Nem ela mesma se reconhecia – não sabia exatamente de onde havia vindo aquele estouro emocional. Se Kohako não estivesse lá, provavelmente teria partido para cima de Sesshoumaru e rolado com ele na terra, estapeando-o, feito uma criança mal educada. Havia, na verdade, se comportado feito uma leoa diante de uma ameaça à sua cria. E era exatamente aquilo. Sesshoumaru não poderia ter feito nada mais grave do que ameaçar tirar Lissy de Rin. Ela protegeria a filha com unhas e dentes, se necessário.

Naquele momento, em que o ódio e a fúria já haviam passado, Rin começou a sentir os primeiros traços de angústia, rancor e vergonha. Sabia que estava coberta de razão naquela situação, mas que perdeu qualquer tipo de direito quando destruiu o carro de Sesshoumaru e quando quis bater nele. Ainda que houvesse um centelho de orgulho por ter finalmente tido coragem de reagir a ele, e não somente aceitar a sua soberba, ela sabia que haveria consequências. E seu coração se retorceu ao pensar em quão decepcionado Kenichi estaria se estivesse vivo. Sinto tanta falta sua, pai— ela pensou, ao abrir os olhos e encarar o céu, permitindo que uma lágrima grossa escorresse por seu rosto. Por que não consigo ser tão boa para Lissy, como você foi para mim?

Escutou passos no andar de cima e a madeira do assoalho rangendo. Secou rapidamente o rosto e moveu-se pela escuridão, subindo as escadas. Encontrou Sango encostada ao batente da porta do quarto de Lissy, com um olhar consternado. Somente a luz do quarto da filha estava acesa e somente aquele feixe de luz iluminava o largo corredor dos cômodos do andar de cima. Aproximou-se, vendo Lissy ajoelhada ao lado da cama, pintando em seu livro de colorir. A menina estava de costas para a porta e de frente para a vidraça da janela. Rin tocou o ombro de Sango e acenou com o rosto. A amiga abriu uma linha de sorriso, depositou um beijo na têmpora dela e saiu, descendo as escadas. Escutou quando a porta da frente bateu, seguida pelo barulho da porta mosqueteiro fechando-se também. O coração em disparada e a falta de palavras em sua garganta a agoniavam. Entrou pela porta e esperou, de pé, que a filha finalmente a olhasse. Lissy tinha os olhos brilhantes e vermelhos, que denunciavam um choro recente. Rin sentiu a garganta arder.

— Eu preciso te dizer algo. – Ela pediu, vendo a menina largar o caderninho em cima da cama. Melissa levantou-se e sentou em cima do colchão, logo ao lado das páginas que antes coloria. Rin preferiu sentar-se no chão, ao lado dela, evitando que o barro que ainda impregnava sua roupa sujasse o quarto da filha. – Desculpe por ter ficado tão brava mais cedo, ok? Eu agi errado e não fui bom exemplo para você.

Lissy assentiu, encarando o chão. – Mas o que papai fez de tão errado para você ter ficado daquele jeito?

O ódio voltou a atrapalhar a mente de Rin e ela teve que respirar fundo antes de continuar.

— Escute, Lissy. Eu sou responsável por você. Eu e seus padrinhos, Sango e Kohako, cuidamos de você. Seu pai foi te buscar sem me avisar. Todos ficamos preocupados quando sua madrinha não te encontrou na escola. Achamos que algo pior havia acontecido.

— Mas depois o papai me trouxe até aqui e vocês viram que nada de ruim aconteceu. Qual é o problema em ele me buscar quando você está ocupada? – A voz da menina aumentou em um tom e tornou-se chorosa.

— Seu pai não pode sair com você sem a minha permissão, Lissy. Eu não quero que isso aconteça. – Rin retrucou, com a voz dura.

— Por que não? Ele nunca está aqui, mamãe. E quando ele vem, vocês brigam. – Ela finalmente deixou que o choro tomasse conta da voz, transbordando a mágoa do seu peito. – Eu quero que ele esteja por perto, não quero que ele vá embora por causa dessas brigas bobas!

Rin pôde ouvir os próprios dentes rangendo frente a aquela reação da filha. Estava sentindo-se tola por deixar que Sesshoumaru se aproximasse de Lissy. A menina já havia se afeiçoado a ele e estava magoada somente com a possibilidade de o pai partir. E Rin sabia que isso aconteceria, cedo ou tarde, ferindo o coração da filha. Sentia-se culpada por ter permitido que alguém magoasse Melissa.

— A vida do seu pai não é aqui em Lovebelt, Melissa. Ele pode ficar aqui por algum tempo, mas ele vai voltar para Nova York. E não há nada que possamos fazer sobre isso. – Disse, em um só fôlego.

A menina torceu as sobrancelhas em uma expressão dolorosa, permitindo que os soluços do choro escapassem pela boca. As lágrimas grossas começaram a escorrer livremente dos olhos cor de mel de Lissy e ela virou-se, deitando de costas para a mãe.

Rin estava sem fôlego, com o coração disparado. Falou com a filha sem pensar e estava novamente arrependida por agir por impulso. Aquela conversa não poderia ter acontecido daquela forma, nem naquele momento. Odiava cada vez mais Sesshoumaru por ele ter causado tanta confusão em sua mente e no coração da filha.

— Eu quero ir embora, mamãe. Por favor, vamos para casa. – Ela implorou, com a voz abafada pelo travesseiro.

— Nós estamos em casa, Lissy. Esta é a nossa casa, nosso lugar. – Rin virou-se, afagando o braço da menina.

— Essa é a casa do vovô. – A menina disse, abraçando os próprios joelhos. – E eu não gosto de ficar aqui quando sinto falta dele. Só faz doer mais.

Rin cobriu o rosto com as duas mãos, entregando-se ao choro também. Queria tanto poder dizer a Lissy que sentia o mesmo e que naquele momento queria, acima de tudo, que Kenichi estivesse ali para abraçá-la e confortá-la, como fazia em todas as situações difíceis de sua vida.

— Nós não podemos ir para a casa da cidade, meu amor. Eu tenho que trabalhar amanhã bem cedo. – Disse, em um sussurro.

— Me deixa ficar com o papai, então. Quero ficar com ele, antes de ele ir embora. – Melissa pediu, virando-se para olhar a mãe.

— Lissy, não é tão simples assim...

— Mamãe, você gostava tanto de ficar com o vovô. Por que eu não posso ficar com o papai? – Soluçou, embolando as palavras entre o choro.

— Por favor, Lissy, eu estou muito cansada hoje e preciso pensar com calma sobre esse assunto. Por favor, minha filha, vamos conversar amanhã. – Rin afagou os cabelos castanho-claros da menina, permitindo que as lágrimas quentes também rolassem pelo seu rosto. Melissa virou novamente de costas, chorando silenciosamente no travesseiro. Ela ainda ficou por longos minutos sentada ao lado da cama da filha, também chorando copiosamente, até que ouviu a respiração pesada do sono de Lissy. A menina estava tão cansada, que dormiu em meio ao choro.

Rin tirou o caderninho de cima da cama, depositou-o sobre o criado mudo e cobriu a filha. Arrastou-se para fora do quarto como uma sombra e desceu novamente as escadas. Saiu pelas duas portas da sala e sentou-se na espreguiçadeira branca de madeira da varanda, sentindo o vento úmido, turbulento e quente sobre seu rosto. Estava física e mentalmente exausta, mas sabia que não conseguiria descansar com tudo que havia acontecido naquele dia. Não sabia como agir para não magoar a filha. Poderia ceder ao desejo de Melissa e permitir que Sesshoumaru estivesse com ela até o dia em que ele se cansasse de Lovebelt, pelos exatos mesmos motivos que o fizeram partir na primeira vez. Logo, ele lembraria que seu trabalho, sua vida e seu status social eram mais importantes que o amor da filha e voltaria para Nova York. E a menina ficaria de coração partido. Ou poderia, ainda, impedir que Sesshoumaru tivesse contato com ela, causando uma confusão imediata nos sentimentos de Lissy, mas poupando-a de se magoar mais no futuro. Certamente enfrentaria Sesshoumaru em um tribunal, mas confiava que dinheiro nenhum faria um juiz dar razão a um pai que simplesmente sumiu durante os primeiros cinco anos de vida da filha. Naquele momento, nada parecia mais sensato do que aquilo. Rin enfrentaria intermináveis julgamentos para proteger a filha e assim o faria, não importava o que aconteceria.

Aqueles pensamentos perdidos foram se apagando, aos poucos, conforme o cansaço físico vencia a batalha em sua mente, deixando que o sono também tomasse conta dela.

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O estrondo de um trovão e os pingos frios da chuva forte fizeram com que Rin despertasse assustada. Olhou em volta, só então percebendo que havia cochilado na varanda, e viu somente escuridão. A chuva pesada que se anunciou mais cedo já havia começado a cair e o vento forte balançava as árvores e o trigo da plantação, soando como um zunido. Levantou-se ainda cambaleante e entrou pela sala, procurando o interruptor de luz. Sentiu a dureza da lama seca na calça jeans e só então lembrou que não havia sequer tomado banho para tirar toda a sujeira e cansaço de um dia duro de trabalho. Subiu as escadas devagar, passando pelo corredor do andar de cima. Assim que passou pela porta entreaberta do quarto de Lissy, ouviu a brisa da corrente de ar. Sentiu o corpo se arrepiar dos pés à cabeça. Voltou pelo corredor escuro e abriu a porta, encontrando a janela do quarto da filha aberta. Os olhos castanhos procuraram Lissy na cama, mas só encontraram os lençóis bagunçados e o caderno de colorir aberto, sobre o colchão.

Rin correu para o seu quarto, no fim do corredor, e encontrou o cômodo vazio. Procurou, então, no quarto que era de Kenichi e também não encontrou a menina. O ritmo frenético do coração e a pressão que a adrenalina causava em sua mente quase fizeram com que ela desmaiasse, mas Rin continuou a busca pelos outros cômodos da casa. No entanto, Melissa não estava em nenhum deles. Subiu, aos tropeços, as escadas de madeira e correu até o quarto da menina. Encontrou um recado no livro de colorir, escrito com as letras caprichosas e infantis que ela sabia muito bem que eram de Lissy.

Mamãe fui ver o papai. Desculpe por não te obedecer. Lissy.

Rin pendurou-se sobre o parapeito da janela do quarto da filha, mas não viu nada além da grossa tempestade caindo sobre a plantação. Sentiu vertigem e quase desequilibrou-se, mas recolheu o corpo da janela e correu até o telefone. Discou para a pessoa que mais odiava. Ela mal esperou que a ligação fosse transferida da recepção do hotel para o quarto daquele homem.

— Sesshoumaru, Melissa está com você? – Perguntou, em um tom urgente.

Do outro lado da linha, Sesshoumaru travou a mandíbula. Que diabos Rin pensava estar fazendo ao ligar para ele no início da madrugada para perguntar sobre a menina? Era óbvio que ele não estava com ela. Depois de tudo que aconteceu naquele dia, ele não tinha coragem para enfrentar Rin ou de encarar Melissa. Não havia dormido até agora, pensando nas coisas que Rin dissera, mas aquele telefonema o assustou. Assim que ele percebeu a urgência daquela frase, sua mente congelou. Se a menina não estava com Rin, então...

— Não, não está. O que está acontecendo? – Ele retrucou.

— Meu Deus... – Escutou Rin suplicar, em um tom choroso. Aquilo fez com que o coração de Sesshoumaru perdesse o compasso. – Você não está mentindo, está? Por tudo que é mais sagrado, Sesshoumaru, se você está com minha filha, diga logo...

— Eu jamais mentiria sobre isso. Ela não está comigo. – Reafirmou, levantando-se da cama. – Melissa não está com você?

— Você a viu, depois que a deixou comigo? Soube dela, ou recebeu algum recado? – Ela continuou a falar, atrapalhando-se entre as palavras.

— Onde está a menina, Rin? Diga, de uma vez por todas, o que aconteceu. – Ele aumentou a voz em um tom, sentindo a angústia atrapalhar seu raciocínio.

— Isso não está acontecendo... – Rin sussurrou, emendando a súplica em um sonoro soluço. – Se Melissa aparecer aí, ligue pra mim imediatamente, entendeu?

— Ela fugiu? – Perguntou, interrompendo as últimas palavras dela.

Rin desligou o telefone, deixando-o falando sozinho. Sesshoumaru bateu o aparelho contra o gancho com força, irritado e angustiado pela situação. Se Melissa havia realmente desaparecido, ele tinha que saber. Conhecia a si mesmo o suficiente para saber que não aguentaria esperar naquele quarto por notícias – que possivelmente não chegariam, já que Rin estava com ódio dele. Mas ela não podia castigá-lo daquela forma. Ele precisava saber de Melissa e estava disposto a recomeçar a guerra com Rin por isso. Trocou o pijama, colocando outra camisa e jeans escuros. Olhou pela janela antes de sair e só então percebeu que a chuva que caía lá fora tratava-se na verdade de uma tempestade, com ventos e trovões. Desceu até a recepção e encontrou o recepcionista, um dos filhos da família Clark, lendo uma revista e mascando chiclete. O rapaz, de vinte e poucos anos, endireitou a postura assim que o viu. Sesshoumaru aproximou-se em passos largos.

— Eu preciso de um carro. – Disse, no tom frio habitual.

— A essa hora da noite vai ser difícil encontrar algum táxi para ajudá-lo. – Ele torceu as sobrancelhas, confuso.

Sesshoumaru rangeu os dentes, lembrando-se que aquela cidade minúscula e detestável fechava no fim da tarde e dormia antes das galinhas.

— Onde está seu carro? – Perguntou.

— Como é?

— O seu carro, moleque. – Explicou, deixando transparecer a intransigência no tom de voz. Sacou um bolo de notas e deixou em cima do balcão. – É urgente.

— Eu não posso fazer isso...

— Acredito que essa quantia seja suficiente pelo aluguel do carro por uma noite. – Ele estreitou os olhos dourados, fazendo o rapaz engolir seco antes de encarar as notas sobre o balcão. Um instante se passou e ele finalmente sacou um molho de chaves do bolso, entregando a Sesshoumaru.

Ele saiu como um trovão da recepção do hotel, caminhando a passadas largas até o estacionamento aberto do hotel. Sentiu as gotas grossas da chuva encharcando sua camisa, mas não se importou. Ignorou, também, o fato de ter pago uma fortuna para pegar um hatch velho emprestado. Saber da menina era mais importante naquele momento. Dirigiu com pressa até a fazenda e passou maus bocados para conseguir vencer a lama da estrada de terra. Assim que chegou ao local, viu as luzes da varanda acesas e Rin caminhando de um lado ao outro, com o telefone em mãos. Desceu do carro, correndo até os primeiros degraus de madeira da casa. Percebeu que Rin estava tão aflita, que mal percebeu sua presença. Assim que ela desligou o telefone e virou-se para ele, sua expressão foi de espanto. Era como se Rin tivesse visto um fantasma – mas para ela era pior; havia visto a última pessoa que gostaria de ver naquele momento.

— O que você está fazendo aqui? – Ela perguntou, tentando engolir o choro e recompor-se diante dele.

— Preciso saber de Melissa. Não ia conseguir ficar esperando por notícias dela e sei que você não me avisaria, de qualquer forma. – O tom duro de voz quase cedeu diante da imagem aflita de Rin.

— Vá embora. – Ela ordenou, em uma voz raivosa. – Você já fez o suficiente por hoje.

— A culpa é minha, então? – Sesshoumaru arqueou as sobrancelhas.

— Você colocou minha vida de cabeça pra baixo, Sesshoumaru. Melissa fugiu por sua causa! – Rin gritou, comprimindo os olhos em raiva. – Ela saiu no meio da noite para encontrar você.

Aquilo, novamente, tirou o coração dele do compasso. A menina provavelmente havia ficado magoada com a briga dele e de Rin mais cedo e decidiu fugir. Mas ela era pequena demais para aquilo e, no meio daquela tempestade, era perigoso demais que Melissa ficasse longe de casa. A agonia desnorteou seus pensamentos outra vez.

— Como isso aconteceu? – O tom ameno da voz dele sinalizou que havia uma trégua naquele conflito.

— Eu não sei. – Rin cobriu o rosto com as duas mãos, soluçando. – Eu a coloquei na cama e acabei caindo no sono. Quando acordei, ela já havia desaparecido.

As palavras fugiram da boca e da mente de Sesshoumaru. Ele ficou calado, encarando o assoalho úmido da varanda. O único som que seus ouvidos captavam era o choro desesperado de Rin e os pingos grossos caindo na terra. Instantes depois percebeu o reflexo de um farol alto contra a varanda e viu quando aquele homem de mais cedo desceu de uma caminhonete. Kohako correu até Rin, que também encurtou a distância entre os dois, e a abraçou com força, afagando os cabelos castanhos dela. Sesshoumaru desviou o olhar daquela cena e tentou respirar fundo para recuperar o fôlego. Sua mente não conseguia pensar direito no quê fazer, nublada pela angústia que sentia. Não sabia dizer se alguma vez na vida havia se sentido daquela forma, mas seu peito ardia e sua mente parecia pesar toneladas.

— Eu quero minha filha de volta... – Rin suplicou, com a voz abafada pelo abraço que a envolvia. Ele fechou os olhos e a envolveu com mais força, passando a mão pelos cabelos dela. Só então Kohako levantou os olhos e percebeu que Sesshoumaru estava na varanda.

— Eu já liguei para os xerifes dos condados vizinhos. Eles vão mandar todas as patrulhas disponíveis para ajudar na busca. – Ele afirmou, ainda olhando Sesshoumaru. – O que ele faz aqui?

Rin acenou negativamente, soltando-se do abraço dele. Sango finalmente alcançou a varanda da casa, correndo também para abraçar a amiga. Enquanto as duas choravam juntas, Kohako aproximou-se de Sesshoumaru.

— A polícia já vai começar a procurar por Lissy. Não há mais nada que nenhum de nós possa fazer. Acho que é melhor você voltar para a cidade e esperar por notícias lá. – Recomendou, encarando-o firmemente.

— Eu não vou a lugar algum até que minha filha seja encontrada. – Ele retrucou, no mesmo tom frio de sempre.

— Acho que você não entendeu que sua presença aqui só piora as coisas. – Pela primeira vez, Kohako tomou uma posição desafiadora. E aquilo estava começando a tirar Sesshoumaru do sério.

— Sou pai da menina e vou ficar aqui até que haja notícias dela. – Reafirmou, olhando-o de perto.

— Não esperava nada mais de um homem egoísta, que conseguiu ignorar a existência de um filho, sangue do próprio sangue, por cinco anos. – Kohako murmurou entre os dentes, encarando Sesshoumaru de perto.

Aquilo deveria tê-lo deixado furioso, mas as palavras de Kohako só aumentaram a angústia de Sesshoumaru. A distância dos últimos cinco anos fazia com que ele se sentisse um completo estranho naquela situação. No entanto, o contato que tivera com a menina nos últimos dias também não permitia que ele não se envolvesse naquilo. Não podia somente cruzar os braços e esperar que o melhor acontecesse. Nunca se perdoaria se não fizesse algo naquele momento. Começou a pensar, tentando usar seu habilidoso raciocínio lógico, mas não conseguia ter frieza suficiente para se acalmar. Estava, afinal, com medo que algo acontecesse a Melissa. Uma menina de cinco anos perdida em uma noite escura e chuvosa era preocupante e ele não conseguia não pensar em cada risco que ela corria. Era preciso encontrá-la, e rápido. Mais alguns poucos minutos se passaram até que as primeiras viaturas chegassem. Os policiais pediram fotos de Melissa e conversaram com Rin sobre o ocorrido.

— Ela estava usando uma blusa listrada de cinza e laranja e uma jardineira branca. – Disse, procurando entre os álbuns de família uma foto recente de Lissy. Sesshoumaru via, de longe e de relance, fotos dos inúmeros momentos da vida da menina que ele havia perdido. O primeiro dente, o primeiro ano, o primeiro passo, o primeiro sorriso. Era doloroso e sufocante pensar que talvez ele não tivesse mais tempo de tentar reconstruir parte daquilo. – Acho que ela também está usando um casaco vermelho de chuva. Ele estava pendurado na porta da sala e não está mais.

— Você sabe para onde ela pode ter ido? – Kohako perguntou, parando de ajudá-la a vasculhar as fotos.

— Ela deixou um bilhete dizendo que iria para Lovebelt. Mas ela não chegou lá e nem conseguiria. É longe demais, ela não conhece bem o caminho. – Rin separou uma foto de Lissy ao lado de um homem que Sesshoumaru reconhecia como o velho Kenichi Ozawa. A foto não era tão recente, mas os traços de Lissy haviam mudado pouco. Ela usava um casaco vermelho vivo, que contrastava com a cor da pele e dos cabelos claros dela. Possivelmente era o mesmo casaco que a menina usava hoje, já que na foto ele estava largo, com as mangas cobrindo as pequenas mãos de Lissy.

— É provável que ela esteja nas plantações ou na floresta. Ela não deve ter ido muito longe. – O policial afirmou, pegando a foto da menina entre os dedos. Ele deu as costas, voltando pela porta até a viatura.

— Eu conheço os corredores do campo como a palma das minhas mãos. Vou começar a procurá-la lá e você pode ir pela floresta. – Rin indicou para Kohako, tomando forças para secar as lágrimas do rosto.

— Você precisa esperar aqui. – Kohako pediu, segurando as mãos dela. – Está escuro e tem muita lama lá fora, não é seguro.

— Não é seguro para ela. Não posso esperar aqui, minha filha está sozinha lá fora – Ela retrucou, buscando uma lanterna em um dos armários. Saiu pela porta da frente, tendo Kohako logo atrás de si.

— A polícia vai encontrá-la, Rin. É melhor que você fique. Se Melissa voltar, ela vai precisar de você. – Ele pediu outra vez, segurando o braço dela gentilmente.

— Você fica aqui e ajuda a polícia. Eu vou atrás de Lissy. – Ela virou-se para trás uma última vez antes de soltar-se da mão de Kohako e continuar andando pela varanda até alcançar os degraus de madeira.

Assim que Rin desceu as escadas, Sesshoumaru foi atrás dela, com passadas largas. Ela sentiu o peso das primeiras gotas de chuva e só depois de uma dezena de metros percebeu que tinha companhia. Virou-se, achando se tratar de Kohako, mas logo enxergou os olhos dourados de Sesshoumaru fixos nela. Sentiu o rosto arder de raiva.

— O que você pensa que está fazendo?

— Quero ajudar a achá-la. – Ele respondeu. A voz trêmula fez Rin pensar, por um instante, que ele pudesse estar realmente aflito pelo sumiço de Lissy. Mas então ela lembrou-se dos anos em que ele esteve longe e sequer preocupou-se com o bem estar da menina. Lembrou-se também que a culpa de tudo aquilo era dele.

— Vá embora, Sesshoumaru. – Ela gritou, empurrando-o. – Eu não quero a sua ajuda.

— Já chega, Rin – As mãos firmes dele envolveram os pulsos dela, trazendo-a para perto. – Você pode me desprezar, pode me odiar para o resto da vida pelo que aconteceu nos últimos anos, mas você não vai conseguir me impedir de procurar Melissa. Eu me preocupo com ela.

— Mentiroso! – Retrucou, tentando soltar os pulsos entre os dedos dele. – Você ignorou a existência de Lissy por cinco anos. Cinco anos, Sesshoumaru! E agora quer que eu acredite nisso...

— Eu não posso mudar o passado. – Sesshoumaru fixou os olhos nos dela, sem desviar por um único instante. Sentiu vertigem ao perceber que se lembrava exatamente dos contornos e das cores dos olhos castanhos de Rin. – E também não posso me arrepender dos caminhos que eu mesmo escolhi.

— Nunca esperei arrependimento de alguém como você. – Ela desdenhou, desviando o olhar do dele.

Alguém como você, ele repetiu mentalmente. Rin falou dele com o mesmo tom que Kohako usou, instantes atrás. A cada instante que passava, Sesshoumaru percebia que o desprezo que Rin tinha por ele havia matado qualquer tipo de sentimento que restava no coração dela. Ela via-o com os mesmos olhos de Kohako; como um homem egoísta, que não foi capaz de preocupar-se com a própria filha durante anos. Queria lutar contra aquilo, mas naquela noite Sesshoumaru começou a enxergar a si próprio sob aquela mesma ótica. Toda a angústia que sentia agora o fazia questionar-se como fora capaz de manter-se afastado da doçura de Lissy por tanto tempo. Sangue do seu sangue, como havia enfatizado Kohako. Era perturbador imaginar quantas vezes em que ela poderia ter precisado dele, sem que ele estivesse lá.

— Nada disso importa agora. A vida de Melissa é mais importante. – Soltou gentilmente os pulsos dela, dando um passo para trás. A chuva pesada impedia que ele enxergasse qualquer coisa, além de Rin, ao redor. Ela pareceu engolir seco, respirando fundo para tentar se acalmar. Melissa é mais importante, Rin repetiu mentalmente. Ligou a lanterna e entrou por um dos corredores da plantação. Sesshoumaru a seguiu, sentindo os pés afundarem na lama e os pés de trigo passando por seus joelhos.

De tempos em tempos, relâmpagos longos e sinuosos cortavam o céu, iluminando o horizonte. Não era possível ainda ver nada em volta, apenas uma infinidade de campos de colheita. Rin gritava por Melissa e em algum momento, que Sesshoumaru não sabia dizer qual, ele também começou a gritar. Imaginou ter se passado uma hora desde que eles haviam se embrenhado nos corredores da plantação, mas não havia nem sinal de Lissy. Rin sabia que seria impossível vasculhar cada centímetro de terra, mas sabia também que já havia feito a melhor busca naquelas condições. As chances de Lissy estar perdida entre a plantação eram pequenas, principalmente porque o trigo, mesmo quando pronto para ser colhido, não era alto suficiente para esconder uma menina de cinco anos. Ela já teria avistado Lissy, se ela estivesse no campo. E se a menina não estava lá, ela havia ido para a floresta. Somente de pensar naquilo, o coração de Rin se retorceu.

Embora a enorme extensão de terras fosse tomada por planícies gramadas – algo típico na região central dos Estados Unidos – havia uma floresta ao leste da plantação. Era para aquela direção que corria o rio que irrigava o campo e cortava toda a propriedade. Árvores longas e de troncos médios cercavam o leito do rio em uma extensão de dez quilômetros. Rin sabia que entrar pela floresta era difícil, principalmente por causa densidade das árvores e da proximidade entre os troncos. Sabia também era difícil seguir pela borda do rio porque, quanto mais ao leste, o leito tornava-se mais rochoso e as águas ficavam mais agitadas.

— Meu Deus. – Rin sussurrou, sentindo a garganta sufocar. Um borrão obstruiu sua vista e ela sentou-se no chão encharcado, acreditando que fosse desmaiar. As lágrimas quentes cortavam seu rosto e misturavam-se às gotas frias da chuva. Queria que aquilo fosse somente um pesadelo, que Lissy estivesse a salvo, ainda enrolada entre os lençóis da sua cama por causa do medo da tempestade.

Sesshoumaru passou a mão pelos cabelos curtos encharcados, sentindo a água escorrer pela nuca. Percebeu que aquela busca não fazia mais sentido – a menina não estava escondida naquela maldita plantação de trigo. Ouvia, entre o uivo do vento e as gotas de chuva, os soluços entrecortados do choro de Rin. O sangue ferveu em suas veias e, embora ele já estivesse exausto por mover-se pesadamente no meio daquele lamaçal, a adrenalina voltou a percorrer seu corpo.

— Para aonde mais ela pode ter ido? – Ele perguntou.

Levou alguns instantes até que Rin pudesse ter coragem para levantar-se. Precisava seguir em frente, ela sabia, e não podia desistir. Cada segundo em que ela ficava parada era um a mais em que Lissy estaria sozinha, perdida naquela tempestade. Sua mente não conseguiu processar uma resposta para a pergunta dele e, naquele momento, ela só podia pensar em seguir o caminho contrário, até a floresta. Sesshoumaru preferiu somente segui-la, sabendo que Rin havia se recuperado daquele momento de fraqueza e estava, novamente, determinada a encontrar a filha.

Assim que percorreram de volta o caminho do campo, encontraram Kohako discutindo com o que parecia ser o xerife do condado.

— Melissa tem apenas cinco anos, ela não sabe tomar conta de si mesma. – Ele argumentava, com as duas mãos na cintura.

— Ela não está no campo. – Rin anunciou, aproximando-se dos dois a passos largos. – Lissy provavelmente foi na direção da floresta. Ela deve ter lembrado que o rio leva até a cidade.

— Não podemos mais continuar as buscas hoje. – O xerife respondeu, coçando a nuca. – Eu sinto muito, Rin, mas a visibilidade está quase zero. Se colocarmos mais pessoas dentro da mata, teremos mais gente para encontrar.

— Como é? – Rin balançou a cabeça negativamente, com os olhos arregalados.

— O dia está amanhecendo cedo. Nos primeiros sinais de claridade, vamos voltar a procurar a menina. – Ele reafirmou, tirando o chapéu de xerife molhado da cabeça.

— Não! – Ela suplicou, reunindo os dedos entrelaçados frente ao rosto. – Escute, por favor. Lissy é uma criança, ela não pode passar uma noite sozinha na floresta.

— Acredite em mim, tudo que eu quero agora é encontrar a menina sã e salva. Mas eu não posso mandar meus homens entrarem em uma floresta no meio desta tempestade, sem nenhum tipo de orientação. – As sobrancelhas grossas do homem, já de meia idade, se retorceram. Imaginar o desespero de uma mãe com um filho perdido fazia com que o seu sentimento de impotência somente aumentasse, mas ele sabia que não podia ignorar a prudência naquela situação.

— Rin, olha pra mim. – Kohako pediu, segurando os dois ombros dela e encarando-a firmemente. – É pouco provável que alguém consiga encontrar Lissy hoje. Não é possível enxergar nada entre as árvores, a terra está encharcada e o leito do rio escorregadio. É perigoso, entende? – Ele fez um aceno com a cabeça, tentando soar compreensível. – Se esperarmos até o amanhecer, será mais seguro e mais rápido procurá-la.

— Eu não vou ficar de braços cruzados esperando que um milagre salve minha filha. – Rin travou os dentes, tentando conter o choro na garganta. – Você sabe melhor do que eu que Lissy é pequena demais para passar uma noite sozinha na mata. Até o amanhecer, pode ser tarde demais.

Sesshoumaru havia ouvido o suficiente. Ele tomou a lanterna das mãos de Rin e seguiu, a passos largos, na direção da densa floresta. Podia já enxergar as primeiras árvores no horizonte e tinha que admitir que não era possível ver um palmo sequer entre os troncos aglomerados. Mas ele não conseguia se importar com aquilo, nem mesmo com a possibilidade de se perder no meio daquela tempestade. Só havia uma forma de encontrar Melissa e ele correria o risco que fosse para trazer a menina de volta. Assim que ele caminhou pelos primeiros metros, ouviu passos apressados na lama logo atrás de si. Olhou para trás e percebeu tratar-se de Rin. Só então entendeu: a única pessoa que se sentia como ele naquele momento era ela. Somente ela conseguia ignorar o receio de embrenhar-se na floresta, sem nenhuma pista ou orientação para encontrar a filha.

Kohako e o xerife seguiram os dois, repetindo quão perigoso era se arriscar naquela busca. As vozes dos dois se misturavam ao som da chuva e logo Sesshoumaru não conseguia mais processar aquela discussão. Tudo havia virado um zunido difuso. Parou de caminhar assim que viu dois policiais correndo na direção deles. Tanto ele quanto Rin sentiram uma centelha de esperança iluminar o coração. Encontraram minha menina, ela pensou. Mas por que ela não está com eles?, ele questionou.

— Encontramos algo. – Eles gritaram, para que o xerife ouvisse. Assim que um dos policiais apontou para a direção da floresta e do rio, Rin começou a correr. Sesshoumaru foi logo atrás e depois vieram Kohako, o xerife e os policiais.

Ela correu por alguns metros pelo leito do rio até encontrar um policial parado na margem. A lanterna iluminava algumas pedras no centro do rio. Assim que os olhos de Rin viram o tecido leve do casaco vermelho boiando, cobrindo um volume que parecia ser o torso de uma criança, as pernas dela congelaram. Sua mente pareceu ter se desligado parcialmente, fazendo com que ela fosse a única a não conseguir escutar o grito cortante e desesperador que fugiu de sua garganta.

 

 


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Notas finais do capítulo

Oi gente!

Antes de mais nada, queria desejar um feliz ano novo pra todos vocês. Eu sei que demorei mais que o usual para postar, mas eu fiquei fora nestes primeiros dias do ano e só consegui um tempo para escrever na semana passada.

E então, o que acharam do capítulo? Quero saber dos palpites de vocês e o que estão achando do desenrolar dos personagens e da história. Se puderem, comentem aqui.

Muito obrigada a todos que leram e, especialmente, aos que comentaram.

Beijos e até a próxima :P



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