Lovebelt escrita por Nina Antunes


Capítulo 11
Capítulo 11




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Capítulo 11

A falta do calor ao seu lado fez com que Rin acordasse. Olhou pela janela, que estava entreaberta, e percebeu que a noite já havia caído. A tempestade forte de mais cedo já havia se acalmado, mas as gotas ritmadas da chuva ainda batiam contra o vidro, quebrando o silêncio do quarto. Tateou a cama, constatando que Sesshoumaru não estava mais ali. A brisa fria que entrava pela janela fez com que sua pele se arrepiasse. Rin rolou pela cama, envolvendo o fino lençol no seu corpo, e esfregou os olhos. Ela levantou o rosto, percebendo que Sesshoumaru estava sentado à escrivaninha que ficava no canto do quarto, perto da porta. O abajur de luz amarelada estava aceso, deixando o cômodo a meia luz, e ele folheava algo que ela não conseguiu ver, por ele estar de costas.

Ela passou o lençol sobre os ombros nus e segurou as duas pontas do tecido entre os dedos, na altura do meio dos seios. Caminhou silenciosamente até o canto do quarto, só então enxergando, finalmente, o que ele folheava. Era o álbum de Lissy. O coração dela sentiu um aperto.

— Está tudo bem? - Rin perguntou. O corpo dele deu um salto, e ela percebeu que Sesshoumaru estava tão imerso na tarefa que sequer havia percebido sua aproximação. Ele vestia somente a cueca boxer preta.

— Sim. - Ele acenou, olhando-a por cima dos ombros. A visão de Rin enrolada no lençol, com os volumosos cabelos castanhos soltos fez com que ele achasse que estava sonhando, por um instante. - Espero que não se importe por eu ter pego o álbum.

— Não. Na verdade, eu esqueci de guardá-lo depois daquela noite em que ela se perdeu na floresta. - Rin se aproximou para ver em qual parte Sesshoumaru estava.

Eram, ainda, as primeiras fotos. Nelas, Rin aparecia com uma barriga redonda, mas ainda pouco volumosa. Na outra página estavam fotos do chá de bebê que Sango organizou, no sexto mês de gestação. Ela usava um vestido estilo camisa na altura das coxas, de cor verde petróleo. Havia fotos de Rin com o pai, depois dela com Sango e Kohako - cada um beijando a barriga saliente de um lado e Rin sorrindo. Sesshoumaru imaginou-se ali por um instante.

Rin colocou a mão no ombro dele e não evitou um sorriso. Passou os dedos da mão esquerda gentilmente sobre a foto com o pai, sentindo o coração apertar mais uma vez. Antes que aquele aperto de saudade se transformasse em tristeza, ela mesmo virou a página do álbum. Do lado esquerdo estavam fotos de ela grávida de sete meses e ajudando o pai na fazenda. Os cabelos estavam presos dentro de um boné, que escondia o rosto dela do sol, e a barriga já bem mais evidente estava coberta por uma camisa xadrez preta e azul.

— Meu pai me proibiu de aparecer na fazenda. - Um riso travesso escapou dos lábios dela. Sesshoumaru colocou a mão sobre a mão que estava em seu ombro. - Mas era época de colheita, não podia deixá-lo sozinho.

Os olhos dourados passaram para a outra página e encontrou uma foto de um bebê, que ele sabia ser Melissa, em uma incubadora e Rin e Takao a observando por trás de um vidro. A foto seguinte era de Rin amamentando Lissy no hospital. A pequena mãozinha que repousava no seio da mãe tinha um acesso venoso preso por uma fita. A mão dele que acariciava Rin parou o movimento, e só então ela percebeu que ele já olhava a outra página.

— Eu tive pré-eclâmpsia. - Suspirou fundo, entrelaçando os dedos pelas costas da mão dele. - Descobri tarde demais, achava que a dor de cabeça era estresse por... tudo que estava acontecendo. Melissa nasceu seis semanas antes do previsto e precisou ficar internada.

Sesshoumaru sentiu a garganta e o rosto arderem. Ele puxou Rin para o colo, posicionando o corpo dela na perpendicular. Encaixou o rosto no pescoço esguio, não conseguindo segurar o suspiro entrecortado. Abraçou Rin contra si com força, sentindo o perfume dela invadir suas narinas.

— Por que não me contou? - Ele murmurou, sentindo os olhos ficarem úmidos.

— Quando ela nasceu e seu advogado apareceu com a procuração para registrar Melissa eu fiquei tão magoada que não consegui contar. - Rin passou o braço direito por trás do pescoço dele. A mão esquerda ainda prendia o lençol no seu corpo.

Sesshoumaru fechou os olhos, não conseguindo segurar uma lágrima solitária que escorreu pelo rosto. Ele envolveu a cintura de Rin com os dois braços, mantendo o rosto na curva do pescoço dela. – Eu te deixei passar por isso sozinha. Me perdoa. - Sussurrou.

Ela suspirou fundo, passando a acariciar o cabelo curto da nuca dele. Encostou o rosto na testa dele, sentindo o coração apertar mais uma vez. - Tudo ficou no passado. - Ela murmurou.

A mão esquerda prendeu a ponta do lençol por dentro do tecido que envolvia o seu corpo, mantendo o arranjo firme. Com a mão agora livre Rin mudou a página do álbum, passando para uma folha cheia de fotos de Lissy bebê.

— Eu achava que ela teria os seus olhos. - Rin sorriu, passando o indicador por uma foto que mostrava a filha aos três meses de idade, enrolada em uma toalha de banho. O sol da manhã batia no rosto delicado, ela tinha uma das mãos na boca e os olhos bem abertos. Os olhos, que agora tinham um tom de mel, eram bem mais claros, e os raios solares faziam com que eles parecessem mais dourados até que os do próprio pai. - Depois eles escureceram um pouco, mas ainda parecem os seus.

Sesshoumaru tirou o rosto da curva do pescoço de Rin para olhar a foto. Apesar da cor dos orbes parecerem com os dele, o formato arredondado dos olhos era igual ao da mãe. - Eu a acho muito parecida com você. - Ele comentou, secando as lágrimas o rosto com o tecido do ombro da blusa.

— As pessoas dizem isso, mas eu olho pra ela e vejo você. Na postura, nos pequenos gestos... – Rin disse. Sesshoumaru bocejou, evidenciando um sinal de cansaço. - Até o bocejo é igual ao seu.

Ela riu e ele não conseguiu evitar uma linha de sorriso no rosto. Rin beijou o traço que divide a testa dos cabelos prateados desalinhados, voltando a encostar o rosto no dele. A mão esquerda de Sesshoumaru continuou firme na cintura dela, e a outra voltou a folhear o álbum. Todas as imagens que ele tinha visto de relance quando Rin vasculhava o álbum procurando uma foto para entregar ao policial na noite em que Lissy sumiu estavam ali. O primeiro dente, a primeira palminha, os primeiros passos. Depois ela aparecia de chupeta, abraçada ao urso que ainda a acompanhava todas as noites.

As últimas fotos eram de Lissy no colo do avô. Em uma delas a menina estava sentada sobre o joelho de Takao, dentro de uma colheitadeira. As pequenas mãozinhas seguravam o volante e ela sorria. Embora Lissy fosse menor, dava para perceber que aquela era uma foto relativamente recente -- até porque estava na última página do álbum. Takao tinha os cabelos raspados e as sobrancelhas estavam mais claras do que antes. A pele marcada nos ossos indicava que ele já estava bastante doente. Mas Takao sorria. Rin passou a mão pela foto, sentindo a garganta arder.

— Foi muito doloroso para ela. - Rin sussurrou. A voz entrecortada indicou que havia lágrimas nos olhos dela. - E além da dor de perdê-lo, ainda doía vê-la sofrendo.

O peito de Sesshoumaru doeu e ele sentiu vontade de apertar de novo o corpo de Rin contra si. Assim ele fez, beijando o ombro exposto dela. Fez uma trilha de beijos até a base do pescoço dela, beijando os ossos da clavícula bem definida. Rin fechou os olhos, envolvendo a mão no forte braço dele. Sesshoumaru mergulhou os dedos entre o arranjo que ela havia feito no lençol, desfazendo o embrulho. O tecido caiu sobre as coxas dele, revelando o corpo nu dela. Um arrepio de frio passou pela pele de Rin e Sesshoumaru passou um dos braços por baixo das dobras dos joelhos dela, pegando-a no colo. Depositou-a na cama e recuou, fazendo com que Rin soltasse um suspiro de desapontamento pela separação dos dois corpos. Ele aproximou-se da janela de madeira e fechou a pequena fresta que permitia que o vento entrasse. Voltou para a cama, deitando-se sobre o corpo de Rin.

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O céu claro daquela manhã mostrava que a tempestade do dia anterior já havia sido varrida pelos ventos. A única pista do mau tempo era um vento frio que soprava no início da manhã. Sesshoumaru abriu os olhos, percebendo que Rin já havia acordado. Olhou em volta, percebendo que a única fonte de luz do quarto eram os raios solares que passavam pelas frestas da janela amadeirada. Revirou-se na cama, sentindo o cheiro dela nos travesseiros e na roupa de cama. Aspirou profundamente o agradável perfume e fechou os olhos, sentindo o coração acelerar. Mal podia acreditar no que havia acontecido na noite anterior, mal podia acreditar que tudo estava finalmente se encaixando.

Depois que Rin dormira nos seus braços, na noite anterior, Sesshoumaru ainda havia ficado acordado, refletindo sobre os últimos anos da sua vida. Ver as fotos de Melissa o fazia imaginar o que teria acontecido se tivesse desistido de entrar naquele avião seis anos atrás, se tivesse ouvido seu coração e ficado ao lado da mulher que amava. Certamente teria poupado uma dose enorme de sofrimento a todos, principalmente a Rin. Mas não sabia se o orgulho que sentia permitiria que ele fosse verdadeiramente feliz. O velho Sesshoumaru provavelmente teria se consumido no arrependimento de ter desistido de tudo quando estava prestes a ter a carreira e a riqueza que almejava desde criança.

Hoje, anos após o sofrimento, letargia e indiferença que a vida com Rebeca havia causado, ele tinha certeza que escolhera o caminho da infelicidade seis anos antes. Mas talvez se não tivesse provado o gosto amargo da escolha errada que fez, Sesshoumaru também teria que conviver com a frustração de ter desistido. Era duro e de certa forma insensível pensar naquilo, mas era como se a vida tivesse preparado uma lição para ele; para que ele aprendesse que o dinheiro jamais seria capaz de trazer sequer uma fração do que sentia quando estava com Melissa e Rin.

Aquilo, aliás, o fez tomar conta de algo novo. Quanto tempo levaria até que Melissa percebesse que Rin não estava mais com Kohako? E mais: quanto tempo até ela perceber que o pai e a mãe estavam se relacionando? Embora o pedido de Rin para que eles dessem tempo a aquela reconciliação fizesse com que Sesshoumaru não soubesse quando exatamente poderia dizer que estavam tendo um relacionamento – um namoro, um noivado, um casamento. Se dependesse dele, pediria a mulher que amava em casamento naquela manhã, mesmo. Mas Rin pediu tempo, e ele prometeu dar isso a ela.

Levantou-se da cama e vestiu a calça jeans, que estava estendida sobre uma cadeira. O tecido ainda estava levemente úmido, o que fez com que Sesshoumaru sentisse frio. Ajeitou o lençol sobre a cama, deixando-o arrumado, e desceu as escadas vagarosamente, ouvindo o rangido da madeira. Não demorou até que o cheiro do café recém coado alcançasse suas narinas. Ele entrou pela cozinha, encontrando Rin sentada à mesa, diante do enorme livro de contabilidade.

— Bom dia. – Falou, recostando-se ao batente da entrada do cômodo.

Rin já havia ouvido os passos dele na escada, e já havia deixado de lado os óculos de grau que usava para ler. Ela apoiou o queixo na mão cerrada e sorriu, sentindo o coração acelerar. – Bom dia.

Sesshoumaru sentiu vontade de tomá-la em mais e mais beijos, mas conteve aquele sentimento. Aproximou-se em passos leves e depositou um beijo no topo dos cabelos dela, passando o polegar suavemente pela bochecha quente de Rin. Ela fechou os olhos, aproveitando aquele carinho.

— Espero que eu não tenha te acordado. – Ela ergueu o rosto e eles finalmente se olharam. – Sente-se. – Rin convidou, puxando a cadeira de madeira da mesa de madeira rústica que ocupava o centro da cozinha.

— Não, não vi você se levantar. Pelo jeito, você madrugou. – Ele comentou, sentando-se ao lado dela. Serviu uma xícara de café pra si mesmo e deu um longo gole, sentindo o líquido esquentar o peito e aplacar o frio que sentia.

— É, eu aproveitei para resolver algumas coisas que estavam paradas. – Rin tomou os óculos nas mãos e posicionou-os no rosto, voltando a encarar as folhas do livro envelhecido.

— Você já teve notícias de Melissa? - Ele perguntou. Na noite anterior Rin havia mandado uma mensagem para Sango, avisando que não voltariam. Disseram que a tempestade havia os pego e que a estrada de terra tinha se tornado um lamaçal – o que provavelmente não era mentira.

— Sim, falei com Sango há pouco. Lissy ainda está dormindo. – Rin manteve a linha de sorriso no rosto.

Sesshoumaru ficou em silêncio, pensando nas perguntas que fazia a si mesmo poucos minutos atrás. Como deveria se comportar na frente da filha? Deveria manter distância de Rin e fingir que nada havia acontecido? Aquela situação fazia com que ele sentisse ansioso. Tentou reprimir aquilo, reforçando para si mesmo que esse era um sentimento tolo e egoísta.

— Será que meu carro vai conseguir passar pela estrada? - Perguntou, tomando outro gole de café.

— Duvido bastante. – Ela torceu os lábios, parecendo pensar por um instante. – Pelo quanto choveu, existe uma chance de nem mesmo a caminhonete passar por toda a lama, e de estarmos ilhados aqui. – Rin levantou-se e se sentou no colo dele, gesto que o surpreendeu.

Ele passou um dos braços pela cintura dela e o outro pelas costas de Rin. Uma linha de sorriso se abriu no rosto de Sesshoumaru. – Seria tão ruim assim se estivéssemos presos aqui? - Acomodou o nariz na curva do pescoço dela, aspirando o mesmo cheiro agradável que sentira nos lençóis da cama.

— Não. – Ela sussurrou, acariciando os cabelos dele. – Exceto pela falta que Lissy sentiria do pai e da mãe. – Rin sorriu.

— E nós dela. – Ele tirou o rosto da curva do pescoço de Rin, passando a acariciar toda a extensão das costas femininas, chegando à nuca, por baixo dos cabelos volumosos castanhos. – Prometi que a levaria para ver as estrelas hoje de novo.

— Bem, se o céu permanecer aberto assim, será uma ótima ideia. – Ela esticou-se na direção da janela para ver o céu limpo e azul, sem nuvens, daquela manhã fria. – Lissy estava ansiosa.

— Ela ficou bem no tempo em que estive fora? - Sesshoumaru perguntou. Percebeu só então que havia contado para Rin tudo que havia acontecido nos cinco dias em que viajou para Nova York, mas que ela não havia dito como o mesmo tempo havia passado em Lovebelt.

Ela suspirou, inclinando o rosto. – Ficou ansiosa. Conforme o tempo passava, foi ficando aflita. E obviamente não largou o seu relógio. – Rin passou os dedos pelo pulso de Sesshoumaru, percebendo que o relógio metálico não estava ali. – Você o guardou?

— Sim. Agora ele tem um significado diferente. – Sesshoumaru colocou a mão sobre a dela, entrelaçando os dedos. – Assim como as estrelas.

— Por quê? - Rin torceu as sobrancelhas, mantendo a linha de sorriso nos lábios.

— Quando eu estava vindo para cá, na estrada, eu olhava para o céu repleto de estrelas e só conseguia ver a mais brilhante de todas. – Ele virou-se, fazendo com que os olhos castanhos e dourados se encontrassem.

— Marte?

— Isso. Bem ao lado da lua. – Ele levou a mão livre até o rosto dela, esfregando o polegar suavemente pelo queixo simétrico.

— Bem, até onde eu me lembro, Marte agora tem um novo nome. – Rin sorriu, lembrando do dia em que a filha havia renomeado o enorme e brilhante planeta vermelho com o nome da mãe.

Sesshoumaru desistiu de segurar os próprios impulsos e finalmente beijou-a, encostando os lábios suavemente na boca rosada e quente de Rin. Ela retribuiu prontamente, envolvendo o pescoço dele com a mão que não tinha os dedos entrelaçados aos de Sesshoumaru.

— Será que não estamos mesmo ilhados aqui? - Rin sussurrou, em meio aos beijos. Ele sorriu, inclinando-a para retomar os beijos.

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No meio da manhã, depois de Rin ter resolvido as questões que precisava resolver, e depois de assegurar que as bombas de irrigação haviam realmente voltado a funcionar corretamente, os dois voltaram para Lovebelt. Sesshoumaru deixou o carro na fazenda, voltando de carona com Rin. O caminho de terra estava, mesmo, completamente enlameado, o que não teria permitido que o sedã passasse por ali. Ao contrário dos últimos encontros entre os dois, o silêncio denso e profundo não estava mais presente. O caminho de volta foi preenchido por conversas amenas, principalmente sobre Melissa.

Rin parou em frente ao hotel de fachada amarela – o único disponível em Lovebelt. Sesshoumaru tirou o cinto do passageiro, sentindo o nervosismo voltar. Separar-se dela era frustrante.

— Então, você pretende continuar morando no hotel? - Perguntou, surpreendendo-o.

— Bem, eu ainda preciso de um emprego antes de conseguir alugar ou comprar uma casa. – Ele balançou os ombros, explicando suavemente.

— Alguma novidade? - Ela abriu uma linha de sorriso. Era real, Sesshoumaru estava de volta, e não iria embora.

— Descobri que um amigo de Yale tem um escritório em uma cidade próxima. Escrevi para ele ontem. Como fiquei sem bateria, não consegui checar se já houve uma resposta. – A voz suave dele ocupou a cabine da caminhonete, se sobrepondo ao assovio do vento frio do lado de fora.

— Então você tem amigos nesse fim de mundo? - Rin ampliou o sorriso, não resistindo à oportunidade de provocá-lo. Sesshoumaru retribuiu com outra linha de sorriso e estreitou os olhos.

— Parece que tenho muito mais que amigos aqui. – Ele avançou em direção a ela, roubando um longo e urgente beijo. Ela retribuiu o toque dos lábios dele e encolheu-se contra a porta do carro, segurando o tecido da camiseta que ele usava. Se separaram após alguns instantes, mas os olhos ainda estavam fixos uns nos outros.

— Digo para Melissa te esperar à noite? - Rin perguntou, passando a acariciar o largo peitoral.

— Estive pensando... – Ele puxou ar pelas narinas, refletindo por um instante antes de continuar. – Por que você não vai conosco?

Ela engoliu seco, pensando em como seria a convivência com Sesshoumaru na frente da filha. Afinal, Lissy já havia percebido que algo estava errado entre a mãe e Kohako, principalmente depois do clima tenso da manhã anterior. Mas na cabeça da menina nada havia mudado, pelo menos ainda. Como contar que não estava mais se relacionando com o padrinho dela? E mais: como contar que ela e Sesshoumaru, que brigaram em frente à menina apenas meses atrás, estavam agora juntos? Aquilo certamente daria um nó na cabeça de Lissy, mais do que dava na cabeça da própria Rin.

— Precisamos ter cautela agora. – Ela pediu, torcendo os lábios em uma clara expressão de dúvida. – Lissy ainda não sabe sobre Kohako. Nem sobre nós.

— Bem, não vai demorar para que ela perceba. E você sabe que ela vai perceber. – A linha de sorriso progressivamente sumiu do rosto dele. Aquilo era um sinal de hesitação em relação aos dois? - A menos que você tenha mudado de ideia... – Sesshoumaru resolveu colocar a dúvida à mesa, antes que aquele sentimento o consumisse.

— Não, as coisas com Kohako já estão resolvidas. – Rin o interrompeu. – Tenho medo da reação de Lissy. É só isso.

Ele respirou fundo, desviando o olhar. Sabia que era justa a vontade de Rin de proteger os sentimentos da filha, principalmente porque ela era pequena demais, e porque a própria presença de Sesshoumaru no papel de pai ainda era recente – imagine no papel de namorado da mãe. Papel que, aliás, até pouco tempo atrás pertencia a Kohako.

— Você tem razão. – Ele admitiu. Precisava lembrar-se da promessa de dar tempo ao tempo. Aquela era uma promessa que valia não só para Rin, mas também para a filha. Para que o recomeço fosse feito da forma certa, seria necessário tomar decisões de forma ordenada. Sesshoumaru sempre havia tido cautela e frieza ao decidir quais caminhos tomaria na vida -- exceto quando as decisões envolviam Rin. Na única vez em que colocou a frieza antes do sentimento em relação a ela arrependeu-se amargamente.

— Sesshoumaru. – Rin chamou, fazendo com que ele a olhasse outra vez. – Melissa tem o direito de saber o que está acontecendo... ela vai saber. Só quero que ela tenha tempo de... assimilar tudo isso. – Os tropeços nas palavras demonstravam o nervosismo dela. O medo de ferir a relação com a filha era maior do que qualquer coisa naquele momento, e Sesshoumaru compreendeu, embora a frustração fosse inevitável.

Ele depositou um beijo na testa dela e um rápido beijo nos lábios, sentindo as mãos delicadas envolvendo sua nuca. Despediram-se e Rin saiu, dirigindo até a confeitaria. Tinha que resolver uma série de encomendas de pães que estavam pendentes, além de contatar os fornecedores dos grãos de trigo para preparar o próximo plantio. Todas as confusões das últimas semanas acabaram adiando aquela tarefa, e Rin precisava apressar-se, antes que o frio chegasse, impedindo que o trigo brotasse na terra. O outono já havia começado, o que a lembrava de mais uma coisa: o aniversário de Melissa também estava próximo.

A menina adorava comemorar o próprio aniversário, mas no último ano aquela animação havia desaparecido. A morte do avô tinha sido apenas semanas antes, e o luto ainda não havia passado na época da festa de aniversário – e para ser honesta, nem mesmo o luto de Rin. As duas ainda estavam em frangalhos, tentando reunir os pedaços da vida sem a presença do velho Takao Kenichi. Coube a Takao, aliás, organizar as comemorações do aniversário da neta em todos os últimos 4 anos de vida da pequena. Era ele quem encomendava a comida, os balões, e que decorava tudo com o maior capricho possível. Seria doloroso passar mais um aniversário sem ele, mas desta vez Lissy teria Sesshoumaru ao seu lado. Rin sabia que aquilo aplacaria a falta que a menina sentia do avô, e sentia-se feliz por isso.

Assim que Sesshoumaru saiu do carro, o gosto amargo do remorso preencheu a boca de Rin. A forma com que a conversa havia sido conduzida talvez tivesse dado a impressão de que ela queria esconder aquele relacionamento – qualquer fosse ele – da filha, e não era bem assim. Sesshoumaru havia voltado e as coisas estavam andando mais rápido do que imaginava, mas isso não era bem culpa dele. Na verdade, a noite anterior havia começado por iniciativa dela.

Só então Rin percebeu que estava empenhada em despejar um balde de água fria atrás do outro em cada iniciativa de mudança tomada por dele. Quando Sesshoumaru disse que iria terminar o casamento, ela tentou dissuadi-lo. Quando ele voltou e disse que havia deixado tudo para trás, ela o afastou e pediu tempo. Quando o pai da sua filha quis saber como deveriam agir em relação a Melissa, Rin disse que era melhor não contar.

Além de tudo isso, ela sabia que Sesshoumaru estava coberto de razão em um ponto: Melissa perceberia o que está acontecendo, e não levaria muito tempo. A menina tinha a mesma perspicácia do avô para captar coisas no ar. E diante dos acontecimentos recentes, e de tudo que sentia por Sesshoumaru, sabia que não conseguiria simplesmente fingir que nada havia acontecido, mesmo que se esforçasse para tanto. Concluiu, então, que precisaria preparar o terreno com Melissa, sem esquecer dos próprios sentimentos em relação a Sesshoumaru.

Passou em frente à casa de Sango e viu que o carro dela não estava mais lá. Provavelmente ela já havia levado Lissy para a escola. Rin fez uma nota mental para agradecer a amiga, que tanto vinha fazendo não só pela filha, mas também por ela. Dirigiu até a confeitaria, encontrando o espaço ainda fechado. Em outras ocasiões, quando Sango precisou levar Lissy para a aula, era Kohako quem abria a loja – mas isso definitivamente não aconteceu hoje, e Rin duvidava que aconteceria novamente.

Apesar da tentativa de pedir desculpas, Rin sabia que Kohako ficaria magoado por mais um tempo, e conhecendo-o bem, como ela o conhecia, existia uma chance real de ele jamais perdoá-la. Aquele pensamento doía no peito de Rin, já que ela se importava com ele, e que a presença dele em sua vida era importante. No entanto, em pensar agora que manter Kohako por perto poderia magoá-lo, por causa de Sesshoumaru, fazia com que ela considerasse que o mais correto era dar tempo ao tempo e esperar até que ele se curasse da decepção que teve.

Ela destrancou a porta da frente – um sistema de segurança tão simples e frágil quanto uma cidade pequena como Lovebelt exigia – e entrou pelo salão, acendendo as luzes perto do caixa. Pegou os contatos dos fornecedores dos melhores grãos de trigo da região e começou a fazer os contatos por telefone para a compra da próxima safra. Sequer viu as primeiras horas da manhã voando, dividindo sua atenção entre aquela tarefa e o atendimento aos clientes da confeitaria.

Perto do meio-dia, Sango entrou pela porta como um furacão, fazendo com que a sineta da porta vibrasse repetidamente. Rin levantou os olhos, sorrindo para a amiga.

— Caramba, demorei mais do que eu esperava na consulta. – Ela deu a volta no balcão e lavou as mãos na pia ao lado da porta-bar que dividia o caixa da cozinha industrial. Sango pegou o avental e vestiu, atabalhoada, seguindo em passos apressados para a cozinha. Rin apoiou a mão no queixo, não evitando uma linha divertida no rosto.

Antes que pudesse passar pela porta que dividia os dois ambientes, Sango congelou no mesmo lugar, parecendo finalmente lembrar-se de algo. Virou imediatamente para Rin, que levantou as mãos no ar.

— Só porque você tem sido uma amiga maravilhosa não quer dizer que eu vá responder suas perguntas. – Ela disparou, antes mesmo que Sango tomasse ar para começar o interrogatório.

Nós duas sabemos que você não tem escapatória. – Ela estreitou os olhos escuros, sorrindo de forma travessa. Aproximou-se de Rin e encostou de costas para o balcão, cruzando os braços na altura do peito – Então... conseguiu resolver o problema na fazenda?

Rin não conseguiu esconder o rubor do rosto e desviou o olhar, mantendo o sorriso no rosto. – Digamos que o ajudante que você mandou fez um ótimo trabalho.

Sango riu, levando as duas mãos à boca. Não se lembrava da última vez em que havia visto Rin com aquele brilho no olhar. – E como você se sente?

— Feliz, com medo, ansiosa... – Rin começou a enumerar, respirando fundo. – Acho que entramos em um caminho sem volta.

— Vocês estão nesse caminho desde o dia que Sesshoumaru voltou, querida. – Sango arqueou a sobrancelha volumosa, fazendo com que a amiga risse, dessa vez. – Estou tão contente por você. – Ela reuniu as mãos frente ao rosto, escondendo o largo sorriso que tinha.

— Não sei ainda o que fazer em relação a Lissy. É muita informação de uma vez só. – Ela suspirou outra vez, apoiando as costas no balcão, logo ao lado da outra morena.

— Ela não vai deixar isso passar. – Sango atestou o que Sesshoumaru já havia dito e o que a própria Rin também havia pensado. – Melissa já notou algo diferente. Ela me fez perguntas hoje de manhã.

— Perguntas?! – Ela desapoiou-se do balcão em um pulo, sentindo o coração acelerar. – Quais perguntas?

— Ela queria saber por que você não voltou para casa...

Rin a interrompeu, antes mesmo que Sango pudesse terminar a frase. – E aí você disse que foi por causa da chuva, certo?

— Claro que sim. – Ela rolou os olhos, mudando a expressão para entediada. – Só que então Lissy quis saber por que Sesshoumaru também não voltou para o hotel.

— Como assim? Como ela soube disso? - Rin passou as mãos pelos cabelos, exasperada. Começou a andar de um lado para o outro, escancarando a preocupação que nublava sua mente.

— Lissy não viu o carro de Sesshoumaru no estacionamento do hotel, quando estávamos a caminho da escola. – Sango balançou os ombros. Se a amiga não estivesse tão aterrorizada com aquelas informações, ela até se permitiria rir da situação.

Rin parecia petrificada no mesmo lugar, com a mão presa aos lábios cerrados da boca. O olhar perdido, fixo em algum ponto do piso de madeira, denunciava a enorme tela azul que havia preenchido sua cabeça. E agora? O que diria para Lissy?

— Meu Deus do céu, o que eu vou fazer? - A voz um décimo mais fina soou desesperada. – Ela vai me fazer perguntas, tenho certeza.

— Você sabe que Lissy não faz ideia do significado real de dois adultos dormindo no mesmo ambiente, certo? - Ela perguntou, não conseguindo esconder a diversão na voz.

— Sango! – Rin protestou, mergulhando os dedos pela raiz do cabelo escuro.

— Certo, certo. – Ela rolou os olhos outra vez, aproximando-se da amiga. – Você não precisa mentir para ela. Diga que ficaram presos lá. Essa é a verdade, no final das contas.

— Isso vai soar estranho, mesmo para uma criança de quase 6 anos de idade. – A morena escondeu o rosto nas mãos, choramingando. – Até pouco tempo atrás, eu namorava Kohako e detestava Sesshoumaru. Lissy ainda pensa assim.

— Há controvérsias sobre essa parte... – Sango ponderou, parecendo pensativa.

— Mas é claro que Lissy ainda pensa assim!

— Oh, eu me referia à parte em que você disse que detestava Sesshoumaru. Isso não é bem verdade...

— Sango! – Rin protestou outra vez.

— Olha, mentir para Lissy não é uma opção. Primeiro porque você é péssima em mentir e segundo porque ela não é fácil de se enganar. Então, comece a contar a verdade para ela, mesmo que seja aos poucos. – Ela aconselhou, segurando os ombros da amiga.

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Durante o resto da manhã e início da tarde, Rin tentou ensaiar respostas para todas as perguntas que Lissy pudesse fazer. Pensou tanto, que acabou ficando com dor de cabeça. Por volta das três da tarde ela saiu da confeitaria e tomou o caminho para Ellsworth, onde ficava a escola da filha. As mãos frias e suadas sobre o volante denunciavam todo o nervosismo que sentia só de imaginar-se em uma saia justa com Melissa. Encostou a caminhonete vermelha na porta da escola e esperou que uma das inspetoras liberassem a filha, que veio em direção ao carro com saltinhos empolgados.

Assim que entrou pela porta, Lissy atirou-se nos braços de Rin, abraçando a mãe com força. Aquele gesto fez com que o peito da morena aquecesse, contrastando com o frio que sentia no topo da barriga.

— Senti tanta saudade, mamãe. – A menina disse, fechando os olhos e aspirando o perfume de Rin. Mais um hábito exatamente igual ao do pai, a morena pensou.

— Eu também, meu anjo. – Ela sorriu, separando-se do abraço alguns longos instantes depois. Ficou olhando a filha por um tempo, ponderando se deveria perguntar como havia sido a festa do pijama, na noite anterior, com medo que Lissy retrucasse perguntando como havia sido a noite dela.

— Eu e tia Sango assistimos ao filme da Mulan. – Melissa começou a contar animadamente, sem que a mãe precisasse perguntar. – Você sabia que o pai da Mulan parece o vovô? - Ela sorriu, virando-se para a mãe.

Rin olhou imediatamente para o rosto da filha, buscando algum sinal de desapontamento causado pela menção ao avô. No entanto, não havia nada ali que indicasse que Melissa estava triste. A menina sorria, com um dos olhos fechados, escondido da claridade do sol que refletia pelo para-brisas da caminhonete.

— É mesmo? Será que são os olhos puxados? - Rin sorriu, puxando a borda dos próprios olhos, para torná-los ainda mais alongados. A risada de Lissy preencheu a cabine do carro.

— Não, mamãe. Acho que é porque ele era muuuiito corajoso. – Lissy prolongou as vogais da palavra, dando ênfase ao que dizia. – E a Mulan também. Igualzinho a você e ao vovô.

O coração de Rin se aqueceu outra vez, e ela sentiu os olhos ficando úmidos. Segurou a pequena mão da filha entre os próprios dedos finos e longos, levando o verso da pequena mãozinha aos lábios, onde depositou um beijo. – Você é mais corajosa do que eu, bem mais.

A menina sorriu, apertando os dedos da mãe de volta. Após alguns instantes, Lissy levou a mão ao dial do rádio, tirando da estação de notícias e colocando em uma que tocava música.

— Mamãe? - Lissy chamou, após um breve silêncio. A espinha de Rin congelou. Então essa era a hora em que ela teria que enfrentar as perguntas perspicazes da filha. Começou a repassar na mente as respostas que havia ensaiado, ampliando a dor de cabeça que sentia. – Será que o papai vai me levar para ver o céu no telescópico? -- Perguntou.

A morena liberou o ar pela boca, sentindo o alívio relaxar todos os músculos do próprio corpo. – Ele tinha prometido que te levaria hoje, não? O céu está bem aberto e a lua já diminuiu, parece um dia ótimo para isso.

— Oba! – A menina exclamou, batendo seguidas palminhas. – Não vejo a hora.

Rin sorriu, voltando a olhar fixamente a estrada à frente. A presença de Sesshoumaru ajudou a aplacar o sofrimento que a filha havia passado nos últimos meses, com a ausência do avô. Era visível como essa era uma ferida que se cicatrizava um pouco mais a cada dia.

— Mamãe? -- Ela chamou. De novo, não, Rin pensou, voltando a sentir-se aflita diante de uma possível nova pergunta. – Eu estive pensando... – O frio na espinha subia e descia, fazendo com que gotas finas de suor começassem a surgir na testa da morena. – Por que é que você não vai conosco hoje?

Um alívio inicial passou pelo corpo dela, mas aquilo durou bem pouco. Rin não havia se preparado para aquela pergunta, e não fazia a menor ideia do que dizer. Sabia que não conseguiria disfarçar o que estava acontecendo, tampouco naquela situação: ela, Sesshoumaru e Lissy sozinhos, sob as estrelas, como uma família feliz. Mas dizer "não" também seria difícil. Primeiro porque não queria arruinar o ânimo de Lissy, que finalmente parecia estar contente com algo. E segundo porque, por mais que não quisesse admitir, Rin queria ir.

— Bem, não sei se seu pai planejou o passeio contando com a minha presen...

— Ah, não se preocupe, mamãe. Tenho certeza que papai vai adorar a ideia. – Melissa sorriu. Não só Sesshoumaru adoraria a ideia, como ele havia feito o mesmo convite a Rin ali naquele mesmo banco da caminhonete, horas mais cedo. Pensar como Lissy era perspicaz e como ela era parecida com o pai teria feito Rin sorrir, se a situação não fosse tão desesperadora. – Você precisa ver a estrela que eu escolhi para dar o seu nome. Ela é muuiito brilhante. – A menina repetiu o mesmo hábito de prolongar as vogais para dar ênfase.

— Tudo bem.- Rin finalmente concordou, sem ter certeza de que estava agindo corretamente. – Eu vou.

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Às 19h em ponto, Lissy pulava pela extensa sala da casa de dois andares, perto do centro de Lovebelt. A menina sabia que o pai era pontual e que não demoraria a aparecer para buscá-las. Estava tão animada e ansiosa pela noite que viria, que não conseguia manter-se quieta em um lugar. Rin passava um hidratante labial em frente ao espelho, embora estivesse com dificuldade para fazer aquela tarefa corretamente, diante do tremor das mãos. O coração batia na boca, fazendo com que um incômodo redemoinho habitasse o alto do estômago, causando um leve enjoo. Estava até mais nervosa que a filha, mas por motivos distintos.

Menos de um minuto passou e a campainha finalmente tocou. Lissy correu para abrir a porta, girando a maçaneta com tanta força que ela recuou, fazendo um estralo. Rin virou-se para repreender a menina, mas perdeu o fôlego assim que viu Sesshoumaru. Ele estava charmoso, como sempre, mas havia algo de diferente: aquela foi a primeira vez que Rin o viu usando algo que não calças. Essa constatação banal a teria feito rir em alguma outra situação, mas não naquele momento. Sesshoumaru vestia uma bermuda cinza chumbo e uma camiseta impecavelmente branca. A mão esquerda, cujo pulso carregava o relógio que Lissy havia guardado, dias atrás, estava dentro de um dos bolsos.

— Papai! – A menina exclamou e jogou-se sobre ele, que a ergueu nos braços com um movimento firme e rápido. Os dois sorriam, e Rin só admirava aquele momento. – Vamos, vamos? Já estamos prontas. Vem, mamãe. – Ela chamou a mãe, balançando a mão em um gesto de convite.

A morena sorriu, pegando uma pequena mochila com algumas coisas de Lissy – um casaco, uma garrafa de água e o livro de estrelas que ela havia ganhado do pai – que estava em cima da mesa. Aproximou-se dos dois, sentindo o coração acelerar. Seu corpo desejava o toque dele, mas Rin apenas manteve-se a uma segura distância, acenando com o rosto.

Lissy pulou do colo do pai e correu até o carro, abrindo a porta do banco de trás. Acomodou-se no assento infantil de segurança do banco, que a deixava mais alta, e prendeu o cinto de segurança. Antes mesmo que terminasse, virou em direção dos pais, repetindo o pedido de que eles fossem mais rápidos.

Os dois se aproximaram do carro, e assim que Rin começou a dar a volta pela traseira do sedã, Sesshoumaru a surpreendeu com um beijo rápido nos lábios, encostando o corpo dela contra a lataria do carro por um pequeno instante e segurando o rosto dela pelo mesmo período de tempo. Ela fechou os olhos, contente pelo carinho, mas logo o afastou.

— Sesshoumaru! – Sussurrou, em protesto.

— Eu não resisti. – Ele sorriu, voltando para a distância segura entre os dois. – Lissy não viu nada. – Ele espiou pelo vidro de trás do carro, percebendo que a menina estava ocupada demais se certificando de que o céu estava aberto o suficiente e se os pontinhos brilhantes que ela tanto gostava ainda estavam ali.

Rin sorriu, passando a mão pela pele exposta do braço, um gesto típico de quando estava nervosa. Ela terminou de dar a volta pelo carro e sentou-se no banco do passageiro, colocando o cinto. Sesshoumaru fez o mesmo. Seguiram pelo caminho até Ellsworth ouvindo a menina tagarelar sobre todas as constelações que havia visto no livro que Sesshoumaru havia dado a ela, e sobre a história do Pequeno Príncipe, segundo livro que ganhou do pai. Lissy ainda não havia conseguido terminar o livro, faltando algumas páginas para o fim da história.

— Papai, você pode ler o final pra mim hoje, quando voltarmos? - Ela pediu, olhando-o pelo reflexo do retrovisor central.

— Da última vez você dormiu no caminho de volta, lembra? - Sesshoumaru abriu uma linha de sorriso, olhando-a também pelo mesmo espelho.

— Mas hoje eu não vou, eu vou vencer o meu sono. – Ela esticou as mãos no ar, fazendo um gesto de vitória. Rin não evitou o sorriso, diante da cena.

— Está bem. – Ele concordou. – Podemos ler quando chegarmos em casa.

Sesshoumaru sequer percebeu, mas aquela frase acendeu um calor no peito de Rin. Olhá-los naquela situação, ver a alegria da filha com o pai e ouvi-lo chamando o lar delas de casa trazia um sentimento inédito. Não sabia dizer se era felicidade, amor, segurança – ou se era uma mistura de tudo aquilo. O fato era que nunca, nem nos seus melhores sonhos, havia imaginado que Sesshoumaru voltaria, que seria um bom pai e que tomaria a decisão de ficar com ela e a filha. Sentia-se tão contente naquele momento, que até mesmo o medo de perder aquilo, ou de o tempo passar rápido demais, a preenchiam.

Chegaram a um descampado, localizado dentro do pequeno parque de Ellsworth. Sesshoumaru tirou a maleta com o telescópio do carro e mais uma bolsa com o que Rin presumia ser comida e bebida. Ela pegou a mochila de Lissy e segurou a filha pela mão, enquanto caminhavam até um ponto um pouco mais alto. Ali eles montaram o tripé com a enorme lente do equipamento, e Sesshoumaru estendeu uma toalha na grama.

Lissy mal esperou que tudo estivesse pronto e logo tomou o livrinho das estrelas em mãos, olhando pela pequena luneta que mostrava as imagens das estrelas. Rin sentou-se na toalha, enquanto via a menina instruindo Sesshoumaru sobre o que, exatamente, queria ver no céu. Depois de um passeio pelas constelações de Pégaso, de Aquário e de Peixes, a menina finalmente pediu para ver o que tanto queria: Marte.

— Vem, mãe, vem ver. – Ela chamou, fazendo com que Rin se levantasse. – Olha como ela é bonita.

Rin olhou pelo cilindro e lá estava o enorme planeta laranja e brilhante. – É muito bonita.

— Papai me explicou que Marte é um planeta... – A menina rolou os olhos e fez uma careta contrariada, o que arrancou um sorriso de Rin. -- ... mas ele parece uma estrela. A mais bonita de todas.

— Como a sua mãe. – Sesshoumaru murmurou, fazendo com que Rin tirasse os olhos do planetinha avermelhado e o encarasse, sentindo as bochechas esquentarem. O olhar penetrante dos orbes dourados fez com que Rin sentisse o coração acelerar, e seu corpo voltou a implorar que ela se aproximasse dele.

— ‘Tô com fome. – Lissy falou, quebrando aquela corrente por um instante. Sesshoumaru lembrou-se que a filha fez o mesmo, algum tempo atrás, numa certa ocasião em que Rin estava furiosa por ele tê-la beijado na noite anterior.

A pequena buscou a bolsa térmica do chão, tirando dali sanduíches feitos com o pão artesanal da confeitaria. Antes que levasse um deles à boca, Lissy correu até o sedã prata, estacionado na grama, a apenas alguns metros dali, e ligou o rádio, um hábito comum da menina, que gostava tanto de música quanto das estrelas.

(Trilha sonora: Sparks – Coldplay)

Os primeiros acordes do violão preencheram os ouvidos deles, e a menina sentou-se na toalha, voltando a dedicar-se ao lanche apetitoso, embrulhado cuidadosamente em um papel. Sango havia preparado os sanduíches durante a tarde e entregue tudo a Sesshoumaru, o que fez com que ele a agradecesse mais uma vez pela ajuda. Tendo certeza de que a filha estava focada na tarefa de acabar com a própria fome, Sesshoumaru aproximou-se de Rin, atendendo aos anseios dos corpos dos dois.

Did I drive you away? I know what you'll say. You'll say: “oh, sing one we know”

As borboletas do estômago dela revoaram e o coração saiu do controle. Sesshoumaru estendeu a mão para ela, sentindo os dedos gelados tocando a pele da sua mão suada. Ambos estavam nervosos, no final das contas. Ele levou a outra mão até as costas dela, sentindo Rin apoiar a mão livre no ombro dele. O rosto encostou no topo dos cabelos dela e Sesshoumaru fechou os olhos.

But I promise you this: I'll always look out for you, that's what I'll do

 Os corpos começaram a balançar ao som dos gentis acordes da música, e Sesshoumaru aspirou profundamente, sentindo o perfume dos cabelos dela invadirem suas narinas. Rin inclinou-se, encostando a bochecha contra o peito dele, ouvindo o coração batendo com força.

I say oh, I say oh…

Ele estendeu os dedos pelas costas dela, aproximando os dois corpos. A certeza de sentir-se completo o invadiu, assim como aconteceu meses atrás, quando ele teve Rin e Melissa em seus braços, e como foi todas as vezes em que ele esteve com elas. Mas ter Rin ali, depois de tudo que aconteceu nos últimos anos, fazia com que ele se sentisse em um sonho. Depois de anos anestesiado, acreditando que amar era estar em uma eterna zona de conforto e frieza, sentir o turbilhão de sensações só o fazia perceber que cada segundo que passou longe dela foi perdido. Mas Sesshoumaru estava disposto a recuperar cada momento, cada instante, até o final da vida.

My heart is yours, it's you that I hold on to. That's what I do

Os dois foram despertados daquela sensação quando sentiram dois bracinhos envolvendo suas pernas. Lissy havia deixado o sanduíche de lado e abraçava as pernas do pai e da mãe, acompanhando o gentil balançar da dança com o corpo. As mãozinhas se prenderam no tecido da bermuda dele da saia jeans dela, e Lissy fechou os olhos. Rin sorriu, sentindo os olhos ficando úmidos. Ela soltou o ombo de Sesshoumaru e afagou os cabelos lisos da filha, puxando-a mais para perto.

I know I was wrong, and I won't let you down (oh, yeah, yeah, yeah I will, yes I will)

Sesshoumaru pegou Lissy no colo, sentindo a menina envolver o pescoço com os bracinhos. Rin passou os braços em volta dos dois, colando o rosto no rosto da filha. Lissy esticou uma das mãos para trás, passando os dedos pelo cabelo volumoso da mãe. Sesshoumaru envolveu a cintura de Rin, fazendo com que o tempo parecesse ter congelado naquele momento. Era como se todas as peças da vida deles tivessem chegado ao encaixe perfeito, tão perfeito quanto aquele abraço.


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Notas finais do capítulo

Oi, gente. Como vocês estão?

Mais um capítulo, e esse cheio de cenas do nosso casal e família preferidos. O que acharam da hesitação de Rin? E como acham que a Melissa vai receber a notícia sobre os pais estarem juntos?

Ah! Quem aí percebeu a referência sobre Rin/Marte e Sesshoumaru/Lua? Embora essa ligação dele com a Lua seja bem mais presente no anime, eu achei que faria sentido trazer isso aqui, assim como a conexão que a Lissy tem com as estrelas.

Estou com o final da história adiantado, mas fui escrevendo fora de ordem, então o objetivo agora é juntar tudo. O próximo capítulo vai ser cheio de novidades, e mais movimentado que esse. Por isso, meu pedido é que vocês continuem acompanhando a história e que, pooor favor, digam o que estão achando. Os comentários me deixam muito feliz!

Então é isso. Cuidem-se, e até a próxima. Beijos :*



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