Lovebelt escrita por Nina Antunes


Capítulo 12
Capítulo 12




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Capítulo 12

(Três semanas depois)

Não era muito comum, mas algumas manhãs de outono no Kansas tinham um tempo chuvoso. Naquele sábado, uma fina chuva caía pela cidade, deixando as ruas envoltas em uma fina neblina. Sango passava um pano pelo balcão da confeitaria, que àquela hora já estava vazia. Seus pensamentos estavam absortos na música que tocava ao fundo e servia como som ambiente. Embora ainda fosse manhã, as luzes amareladas do salão estavam acesas, fazendo o papel do sol, que havia decidido não aparecer naquele dia. Ela suspirou, lembrando o quanto desgostava de dias assim. Virou-se para o caixa, passando o pano úmido pelas teclas de metal da caixa registradora. Lembrou quantas vezes o irmão recomendou que Rin trocasse aquela velharia por um computador e um sistema de vendas decente. Mas ela registrava tudo naquele livro enorme contábil, assim como o velho Takao sempre fez.

Ela foi arrancada dos seus pensamentos com o som da sineta, anunciando a chegada de alguém. Olhou por cima do ombro e virou-se, encontrando um rapaz que ela não conhecia. Ele estava tirando a jaqueta parka azul marinho, que estava repleta de gotículas de chuva. Revelou uma camisa azul-claro, com os punhos dobrados. Ele levantou os olhos azuis, encontrando os orbes chocolates dela. O rapaz sorriu, ajeitando os óculos de armação redonda na altura da haste entre os olhos.

— Bom dia. - Aproximou-se do balcão, ainda expondo o sorriso de dentes perfeitamente alinhados. - Procuro por Sesshoumaru Taisho.

— Ele não está aqui. - Ela apoiou as duas mãos no balcão, afastando os punhos para que conseguisse ficar com os braços abertos. - Mas deve estar para chegar a qualquer momento. - Ela resistiu a fazer isso, mas desviou os olhos daquela imensidão azul escuro dos orbes dele para encarar o próprio relógio de pulso.

— Acho que cheguei cedo demais. A chuva não me atrasou, como eu imaginei. - O sorriso dele ainda estava presente, e o rapaz encostou-se no balcão. - É um lugar muito adorável, sra. Ozawa.

Sango torceu as sobrancelhas, tombando o rosto para o lado. - Ozawa? - Só então ela entendeu que ele estava confundindo-a com Rin. - Oh, não. - Ela levou a mão à boca, escondendo um riso tímido. - Você está me confundindo com Rin, a dona daqui.

— Minha nossa. - Ele coçou a nuca, encabulado. - Me desculpe senhora... - Os olhos azuis dele procuraram os dedos dela, em busca de alguma aliança. Não encontrou nada. - Senhorita...?

— Sango. Sango Taijiya. - A morena sorriu, achando engraçado a forma com que ele a examinava.

— Perdoe pela confusão. - Ele sorriu também. - Meu nome é Miroku. Miroku Houshi. - Estendeu a palma da mão pra ela, que ficou encarando os dedos dele.

Sango deu a mão para Miroku, esperando que ele fosse cumprimentá-la com um aperto de mão. Ele virou as costas da mão dela e levou delicadamente os lábios até ali, depositando um beijo galante. Sango teve vontade de rir do gesto esquisito e... gentil.

Ele separou os lábios da pele dela, mas não soltou a mão da morena. Os olhos azuis escuros continuaram a olhá-la atrás dos óculos, como se estivessem em um transe.

— Então, senhor Miroku. - Sango pigarreou, fazendo-o perceber que segurava a mão dela há tempo demais. - Posso te ajudar? Vai querer alguma coisa? - Ela levantou uma sobrancelha, fazendo-o perceber que também a olhava por tempo demais.

— Quero... - Ele respondeu, ainda sem conseguir deixar de fitá-la. Sango corou, puxando a mão de volta pra si. - Não, quer dizer... eu vou sentar e olhar o cardápio enquanto Sesshoumaru não chega. - Miroku deu as costas, sentindo o rosto arder. Sentou-se em uma das mesas escuras com bancos estofados e escondeu o rosto atrás do cardápio retangular. Seu rosto suava a ponto de embaçar as lentes dos óculos. Não sabia exatamente o que tinha dado nele para agir daquela forma.

Após instantes que pareceram uma eternidade, ele espiou por cima do cardápio, percebendo que a morena vinha em sua direção com uma cafeteira em mãos. O líquido estava quente e suava o vidro do recipiente, tal qual seus óculos. Ele largou o cardápio de lado e tirou os óculos rapidamente, passando o tecido da camisa na lente em movimentos ovais.

— Aceita café? - Ela perguntou, ainda com uma linha de sorriso no rosto.

— C-Claro... - Ele gaguejou, sentindo-se... bobo.

Sango depositou uma caneca bege na mesa e o serviu, fazendo com que o líquido fumegante escorregasse até o fundo do recipiente.

— Então... - Sango pigarreou, começando de novo. - Você não é daqui, é? - Ela parou ao lado dele, ainda com a cafeteira em mãos.

— De Lovebelt? - Ele sentia as mãos suando e trêmulas, então evitou pegar a caneca da mesa. - Oh, não, não. Eu vim de Salina.

— Sério? - Sango torceu as sobrancelhas, ainda com o sorriso em rosto. - Minha mãe era de lá, mas ela veio pra cá quando meus pais se casaram. Às vezes visitávamos alguns familiares em Salina, mas não lembro de você.

— Eu passei muito tempo longe de casa. - Ele encaixou os óculos no rosto novamente, voltando a olhá-la. Como era doce seu sorriso. - Estudei com Sesshoumaru em Nova York, e depois trabalhei por anos em Washignton. Voltei no ano passado, para assumir o escritório do meu pai.

— Oh, deve ser por isso. Bem, seja bem-vindo de volta, então. - Ela acenou uma última vez e fez menção de voltar para o balcão.

Pensa em alguma coisa pra dizer, seu idiota.

— Você está aqui há muito tempo? - A voz dele saiu um tom mais alta do que deveria, e a pergunta soou mais tola que deveria.

— Em Lovebelt? - Ela franziu a testa outra vez, divertindo-se com a falta de jeito do rapaz. - Sim, eu nasci e cresci aqui.

— E não gostaria de... - Ser a mulher dos meus filhos? A mente dele formulou a frase e ele quase a pronunciou acidentalmente, mas conseguiu frear a língua a tempo. - Se mudar? - Minha nossa, Miroku. Você é péssimo nisso.

— Oh, não. Minha família e amigos estão aqui - Ela estava ainda tentando entender o rumo daquela conversa, embora ainda estivesse se divertindo.

Família. A palavra funcionou como um balde de água fria em Miroku. Era óbvio que uma mulher tão encantadora como ela não podia ser livre e desimpedida. Ela deveria ter marido e...

— Filhos? - A palavra saiu da boca dele acidentalmente, e ele só percebeu quando o sorriso sumiu do rosto de Sango. As bochechas dela coraram. - Quero dizer... - Ele levantou as mãos no ar, balançando-as. Não tinha a menor ideia de como consertar aquela situação.

— Não... - Ela tentava controlar a sensação quente que ocupava seu rosto ao mesmo tempo em que pensava no que dizer. - Quando falei em família, quis dizer meu irmão e Rin, que foi criada como se fosse minha irmã também.

Embora Miroku ainda estivesse desejando abrir um buraco no chão e enfiar a cabeça ali dentro, sentiu um alívio ao notar que ela não mencionara nenhum marido, noivo, namorado... e também não tinha aliança, então além de interessante provavelmente era solteira.

A sineta da porta soou e ele viu Sesshoumaru e uma menina à porta. Ele fechava um guarda-chuva escuro largo, chacoalhando-o antes de entrar pela porta. A menina, no entanto, já havia entrado como um furacão, abraçando a cintura de Sango, que sorriu.

— Tia Sango! - Ela exclamou, alheia à presença do outro rapaz. A morena afagou os cabelos da menina, percebendo que Sesshoumaru se aproximava.

— Vejo que já conheceu Miroku. - Ele comentou, em uma voz suave. - E vejo que você não mudou nada. - Sesshoumaru abriu uma linha de sorriso e Miroku jurou, embora não acreditasse, que havia um brilho de diversão nos olhos dourados. Diversão e Sesshoumaru eram coisas que não se combinavam, pelo que ele lembrava.

— Como vai, Sesshoumaru? - Ele colocou-se de pé em um pulo, entendendo a mão para o outro.

— Vou bem. - Sesshoumaru acenou uma única vez, apertando a mão do rapaz. - Essa é Melissa, minha filha.

Os olhos azuis pousaram sobre a menina, que seguia abraçada à cintura de Sango.

— Oi, Melissa. - Ele sorriu e inclinou-se para cumprimentá-la.

— Oi. - Ela sorriu de forma tímida, balançando-se nas pontas dos pés.

— Caramba, ela tem seus olhos. - Miroku comentou, olhando Sesshoumaru.

— Você diz isso porque ainda não viu a mãe dela. - Ele soltou uma risada baixa do fundo da garganta.

— Bom, vamos deixá-los à vontade. - Sango segurou a mão de Lissy, tomando a mochila dela com a mão livre. - Foi um prazer. - Ela virou-se para Miroku mais uma vez e sorriu, fazendo-o ficar com uma expressão embasbacada.

Sango entrou pela cozinha com Lissy e Sesshoumaru sentou-se à mesa, cruzando os braços.

— Você costumava ter mais jeito para cortejar as mulheres. - Comentou, tirando Miroku do transe. De novo, o rapaz não reconhecia Sesshoumaru. Embora ainda tivesse um semblante sério, ele parecia mais... leve.

— Eu não estava... - Ele ficou com os lábios entreabertos por um instante, parecendo confuso. - Deixa pra lá. - Balançou a mão no ar, conseguindo colocar as ideias em ordem. - Fiquei surpreso quando você me ligou. Não esperava te ver aqui.

— Longa história. - Sesshoumaru balançou a cabeça negativamente, ainda com a expressão serena. - Mas vou ficar aqui, em definitivo. E preciso voltar a advogar.

— E o escritório em Nova York? Soube que você assumiu a sociedade. - Miroku torceu as sobrancelhas, ajeitando os óculos de armação grossa.

— Não tenho mais participação no escritório. - Sesshoumaru quase interrompeu o rapaz. Miroku percebeu que agora havia desconforto na voz dele. - Te liguei porque soube que você havia voltado da capital.

Miroku havia trabalhado em Washignton, e no mais literal sentido da coisa. Havia começado como advogado de deputados democratas e foi avançando até alcançar o cargo de consultor jurídico do Senado, ajudando a elaborar uma série de projetos importantes que foram posteriormente votados pelo parlamento. Estava construindo uma carreira de sucesso, que provavelmente culminaria em algum cargo político, mas precisou interromper esse plano quando soube que o pai havia adoecido. Voltou para o Kansas para assumir o escritório da família.

— Meu pai está doente e não consegue mais tocar o escritório sozinho. Além da doença dele, os negócios estão crescendo. - Comentou. - Temos prestado consultoria para produtores de grãos da região que desejam exportar para outros países.

— Acabei me especializando em contencioso e arbitragem. Mas atendi a diversos clientes do agronegócio em Nova York. - Sesshoumaru apoiou os punhos sobre a mesa, entrelaçando os dedos.

— Meu pai cuida das consultorias contábeis e eu fico com as representações jurídicas. Mas não tenho conseguido dar conta de tudo. - Miroku deu um suspiro cansado, lembrando-se finalmente do café que esfriava na caneca. Levou o líquido aos lábios, percebendo quão bom era. - Acho que seu trabalho pode ser de grande valor. Se você quiser, claro.

Sesshoumaru havia sido uma das pessoas mais próximas de Miroku, durante a faculdade. Apesar disso, não podia dizer que haviam sido melhores amigos. Muito focado nos estudos e pouco disposto a falar da vida pessoal, Sesshoumaru era o oposto de Miroku. Embora fosse bom aluno, seu desempenho estava muito aquém do brilhantismo de Sesshoumaru. E Miroku podia dizer que aproveitou muito mais a faculdade do que o outro rapaz.

— Fico grato pela ajuda. - Sesshoumaru abriu uma linha de sorriso. Miroku parou com a xícara na boca, percebendo que havia algo de muito diferente ali. Grato e ajuda não eram palavras que costumavam sair da boca de Sesshoumaru.

— Eu estou curioso... - Miroku deixou a caneca na mesa de novo, envolvendo-a com as mãos. - Como foi que veio parar aqui?

— Eu já te contei sobre Melissa e o que aconteceu. - Sesshoumaru arqueou as sobrancelhas, com a expressão ainda suave. - Decidi voltar de Nova York por ela.

— Sim, disso eu já sabia. Mas e seu casamento? – Perguntou, com a indiscrição típica de um advogado.

Sesshoumaru engoliu seco, mantendo apenas uma sobrancelha arqueada. Miroku sentiu um frio na espinha. Aquele olhar não era nada bom, e lembrava o velho Sesshoumaru que ele conheceu em Yale.

— Eu me divorciei, para ficar mais perto de... - Engoliu seco, lembrando-se dela e dos olhos castanhos sorridentes de dias antes. - Melissa.

— Compreendo. - Miroku sabia que havia algo a mais naquela história, e tinha quase certeza que o algo a mais era na verdade alguém. Preferiu não fazer novas perguntas, para não receber um novo olhar congelante. - Fico contente por trabalharmos juntos. Posso te passar alguns processos que estão em andamento, e você vê como pode começar.

Sesshoumaru acenou, suavizando a expressão de antes.

— Não posso pagar os honorários que você recebia no escritório dos Mc Hale, mas podemos acertar um percentual dos contratos. - Miroku sorriu, dando um último gole na caneca de café. Sesshoumaru acenou outra vez.

Ouviram a sineta tocar e viram Rin entrando com pressa para abrigar-se da chuva, que havia engrossado. Sesshoumaru olhou-a por cima do ombro, sentindo o coração acelerar.

Rin parou à porta ao ver os dois, ficando desconcertada. Passou as mãos pela blusa de malha vinho que vestia, afastando algumas gotas que ficaram sobre o tecido. O cabelo longo e volumoso tinha somente a franja presa, arrumado da mesma forma que as mechas de Melissa estavam, de vez em quando. Sesshoumaru abriu um meio sorriso e ela acenou suavemente com os dedos. Cumprimentou o outro rapaz - que ela não conhecia - com um aceno de rosto.

— Mamãe! - Ouviu Melissa chamando da cozinha e sorriu, caminhando até lá.

Assim que ela passou pela porta que dividia o salão da cozinha, Sesshoumaru voltou os olhos para Miroku, encontrando um sorriso divertido no rosto dele.

— Agora consigo entender por que você voltou.

Sesshoumaru estreitou os olhos, lançando um olhar assassino para o outro, que engoliu seco.

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Miroku havia decidido ficar hospedado em Lovebelt naquela semana, enquanto ele e Sesshoumaru estavam revisando os processos em andamento. O escritório da família Houshi ficava na cidade de Salina, que ficava a menos de 60 quilômetros dali. Sesshoumaru ficou intrigado com a decisão do seu novo sócio em ficar no hotel, justamente por a distância ser tão curta e por ele ter se oferecido para ir até a cidade vizinha. Miroku tentou despistar, dizendo que tinha que visitar alguns clientes que ficavam na região. Mas Sesshoumaru sabia muito bem que o motivo daquela estadia estava em uma certa confeitaria da região, e não nas fazendas de grãos.

Estavam reunidos em uma das pequenas salas de convenção do hotel em que Sesshoumaru já estava morando, provisoriamente, e onde Miroku também se hospedou -- afinal, aquele hotel era o único da cidade. Pilhas e pilhas de papéis estavam espalhadas pela mesa, e Sesshoumaru já sentia o cansaço pesar a vista. Estavam trabalhando desde cedo e a noite já havia chegado. Percebeu que era, realmente, muito trabalho para uma pessoa só.

Miroku encarou a tela do celular, percebendo que já eram sete da noite. Levantou-se em um pulo, juntando os papéis de parte da mesa. - Ai, caramba. ‘Tô atrasado.

Sesshoumaru arqueou as sobrancelhas. - Atrasado? - Repetiu.

— É, combinei de levar Sango pra jantar. - Ele vestiu a jaqueta preta de moletom com pressa, atrapalhando-se para ajeitar as mangas.

Sesshoumaru elevou ainda mais as linhas acima dos olhos, não evitando um sorriso divertido no rosto. - Não sabia que você estava enrolando a tia da minha filha.

— Eu não estou enrolando ninguém. - Miroku fez uma careta, voltando a organizar os papeis da mesa. Começou a colocar os processos nas pastas. - Hoje será o nosso primeiro encontro.

Aquilo seria interessante, Sesshoumaru pensou.

— Nunca imaginei que você, mulherengo como era, ficaria solteiro. Imaginei que alguma delas eventualmente te amarraria. - Sesshoumaru inclinou-se na cadeira, relaxando as pernas.

— Eu não era mulherengo. É que eu, ao contrário de você, não estava focado só em ganhar dinheiro e pude aproveitar a faculdade. - Ele cruzou os braços na altura do peito, em uma posição de defesa.

— Se bem me lembro, você deu em cima de todas as madrinhas de Rebeca no meu casamento. E não estávamos mais na faculdade.

— Ei! - Miroku protestou. - Eu estava só fazendo network em Nova York.

— Sei... - Sesshoumaru jogou os papéis que lia em cima da mesa, apoiando o queixo sobre a mão direita. - Acho apropriado te avisar que Sango não é como as mulheres com quem você costuma fazer network.

— Eu sei, ela é especial. - Os olhos azuis tornaram-se sonhadores, conforme Miroku lembrava-se da jovem. Havia visto-a todos os últimos dias, já que fazia questão de tomar café na confeitaria. Café da manhã e da tarde, sempre que possível. Aproveitava o tempo que tinha ali para puxar assunto com Sango, conhecendo um pouco mais da sua vida. Na última manhã, havia proposto um encontro. Ela hesitou por um instante, mas acabou aceitando.

— Boa sorte, Houshi. - Sesshoumaru recomendou. Voltando a aproximar-se da mesa. Pegou os papéis de volta.

— Ah, qual é? - Miroku deu a volta pela madeira retangular, parando atrás de Sesshoumaru. - Não acredito que você vai ficar aqui. Por que não vai encontrar Rin, com a desculpa de ver Melissa? - Agora era ele que tinha um tom divertido na voz.

— Miroku. - A voz dele não saiu meio tom da altura normal, mas soou muito assustadora. - Você não estava atrasado?

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Depois de guardar toda a papelada e separar os processos que eram prioritários, Sesshoumaru decidiu subir para o quarto e tomar um banho. Havia trocado mensagens com Rin durante o dia, embora ela estivesse muito atarefada na fazenda, acompanhando o trabalho do plantio da próxima safra de trigo. Ele havia finalmente a convencido a trocar o velho celular por um smartphone, embora ainda não fosse possível dizer que Rin era uma grande entusiasta da tecnologia. Nas últimas mensagens, ela o avisara que estava com Lissy em casa, e que a menina havia perguntado por ele. Sesshoumaru não sabia disso, mas a filha não era a única que tinha saudades.

Decidiu que visitaria a filha, embora alguns protocolos ainda estivessem sido seguidos. Lissy havia percebido que havia algo diferente entre os pais, desde a noite em que foram observar as estrelas juntos. No entanto, Rin ainda não havia contado a verdade para a filha, muito porque a própria menina não havia perguntado. Sesshoumaru desconfiava que Lissy não queria saber a verdade, por enquanto, e que por isso não estava fazendo perguntas. E aquilo o preocupava. Sabia que a filha gostava muito de Kohako, e que estava chateada pela distância que ele tomou nas últimas semanas. Por mais que ela fosse muito jovem para entender a complexidade da situação, Lissy já sabia que a presença do pai afastava Kohako, e aquilo estava a deixando confusa. Para não piorar tudo, ele e Rin não estavam demonstrando nada na frente da filha.

Sesshoumaru tomou banho e trocou de roupa, colocando um agasalho quente. O vento e a garoa fria daquela noite de outono o faziam imaginar quão gelado seria o inverno -- possivelmente tão rigoroso quanto o calor do verão, naquela cidade. Saiu com o sedã, chegando à casa delas em poucos minutos. Desceu e tocou a campainha, esperando alguns instantes até que Rin abrisse a porta. As olheiras e a expressão cansada denunciavam o quanto ela andava trabalhando nos últimos dias.

— Está tudo bem? - Ele olhou em volta, certificando-se que Melissa não estava por perto, e depositou um rápido beijo nos lábios dela. Rin sorriu, sem conseguir esconder o cansaço.

— Estou tão péssima assim? - Ela perguntou, abrindo espaço para que ele entrasse. – Foi só um dia cansativo, a ponto de me causar uma dor de cabeça e de deixar meu estômago de mau-humor. – Suspirou, ajeitando o casaco de lã cinza que vestia, por cima de uma blusa de manga longa branca. – Lissy está terminando de se trocar.

— Vou fazer um chá para você. – Ele tirou e pendurou o casaco, revelando um suéter preto por baixo da camada grossa. Depositou um beijo no topo da cabeça dela e seguiu para a cozinha, sendo seguido por Rin. – Posso te ajudar com o trabalho, na fazenda. – Comentou, enquanto pegava a chaleira de metal em um armário que ele já conhecia. Estava começando a sentir-se em casa, e não era só pela presença de Rin e Melissa.

— Obrigada por se oferecer, mas você também está atolado com o trabalho do escritório. – Ela sentou-se na cadeira da ponta da mesa da cozinha, escondendo os olhos com a mão direita. – São só mais alguns dias de trabalho exaustivo, até colocar o plantio em ordem.

Sesshoumaru ficou em silêncio por alguns instantes, enquanto enchia a chaleira de água e buscava o pote que guardava as flores secas de camomila. – Ele te ajudava com essas coisas, não é? -- A voz fria e suave não deixava transparecer o incômodo que aquele pensamento causava, mas a pergunta era genuína. Imaginava que Kohako ajudava Rin em boa parte dessas tarefas, e que deixar de poder contar com ele era difícil.

— Kohako? -- Ela teve que perguntar, diante da confusão que aquilo causava em sua mente. A dor de cabeça a deixava mais devagar, por isso achou melhor confirmar. Diante do silêncio de Sesshoumaru, soube que a pergunta era mesmo sobre o padrinho da filha. – Sim, ele ajudava. Mas ainda está tentando digerir o que está acontecendo.

— Entendo. – Ele murmurou, encostando-se na pia da cozinha. – Melissa também parece chateada por isso. – Comentou, ouvindo o apito fino da chaleira começar a preencher o ambiente.

Rin suspirou. – Ela está triste por ele ter se afastado. Mas não há muito o que ser feito. Nem mesmo Sango tem conseguido falar com ele. – Ela disse. Não sabia bem se deveria continuar colocando o dedo naquela ferida, principalmente porque era um assunto delicado também para Sesshoumaru. Mas sentia que precisava dividir com ele algo que estava magoando a filha.

— Posso tentar falar com ele. – Sesshoumaru jogou a água fervente da chaleira em uma xícara com as folhas secas, sentindo o cheiro da camomila subir para as narinas.

— Não sei se ajudaria. Acho que ele precisa de tempo. – Ela levantou-se e se aproximou dele, colocando as duas mãos nos ombros largos. – Obrigada, de qualquer forma.

Sesshoumaru virou-se, puxando Rin pra si. Depositou um outro beijo nos lábios dela – dessa vez mais demorado e caloroso. Ela envolveu o pescoço dele e perdeu-se naquele carinho por longos instantes, até que pequenos passos na escada de madeira fizeram com que eles se separassem. Ele voltou para a tarefa do chá, e Rin sentou-se na cadeira da mesa outra vez. Logo Lissy apareceu na cozinha, vestindo seu pijama de flanela e pantufas quentinhas. Ela andou até Sesshoumaru, abraçando-o com força. A menina parecia mais apática.

— Fiquei contente por você ter me convidado para vir. – Ele disse, afagando os cabelos dela.

— Você disse que iria ler o livro pra mim, lembra? - Ela murmurou, espiando por cima do ombro dele, para ver o que havia na xícara fumegante.

— Naquele dia você dormiu, no caminho de volta. – Sesshoumaru abriu uma linha de sorriso, separando o abraço apenas para olhá-la. – Mas promessa é dívida. Vamos terminar o livro juntos.

Rin coou as flores do chá e levou o líquido quente à boca, sentindo um alívio na sensação de queimação do estômago, embora ele estivesse completamente vazio, já que ela não conseguiu jantar. – Você quer um pouco de chá, Lissy? -- Ela ofereceu, recebendo um aceno positivo da menina. O gosto pelo chá era um hábito que ambas herdaram do velho Takao. Preparou, então, uma xícara para a filha.

Seguiram de volta para a sala, onde Lissy aconchegou-se no sofá com Sesshoumaru, cobrindo ambos com uma manta. Rin sentou-se na poltrona ao lado do sofá, ainda com a caneca de chá nas mãos. Recolheu os pés sobre o estofado e acomodou-se, sentindo o corpo finalmente relaxar. Logo começou a ouvir a voz suave de Sesshoumaru lendo a parte final da história do Pequeno Príncipe, e ficou absorta na garoa que caía lá fora, como uma fina cortina.

Acabou caindo no sono antes mesmo de Lissy, e só acordou quando percebeu que Sesshoumaru levava a menina para o andar de cima. Por causa do cansaço, no entanto, sequer conseguiu se mexer, permanecendo presa ao sono profundo. Ao descer as escadas e encontrar Rin dormindo encolhida na poltrona, Sesshoumaru sentiu vontade de acomodá-la em seus braços. Sentou-se na borda da poltrona e tirou a xícara que estava presa entre os dedos finos, sentindo então as mãos dela procurando por ele. Diante do contato das mãos gentis com o peito dele, Sesshoumaru colocou as pernas dela sobre o colo e a aconchegou contra o próprio peito, afagando os cabelos castanhos. Respirou fundo, querendo que o tempo parasse naquele abraço. Os últimos dias haviam sido cansativos para todos, mas sabia que especialmente para Rin. Ter que lidar com a fazenda, a confeitaria, com os cuidados com Lissy e com todo turbilhão de emoções era exaustivo.

Por mais que ele estivesse tentando ser sensato naquela situação, ver o sofrimento da filha por Kohako era doloroso. Sabia que ele havia sido a figura paterna para Lissy nos últimos anos e que perder isso do dia para a noite era difícil, especialmente para uma criança de 5 anos. Para ela, era como se para ganhar Sesshoumaru fosse necessário perder Kohako, e aquela era uma equação ilógica até mesmo para adultos. No fundo, não conseguia reprimir um sentimento de raiva pelo rapaz. Ele entendia o fato de ele querer se afastar de Rin, mas não de Lissy. A menina não tinha culpa de nada que estava acontecendo, mas, no final das contas, era a que estava sendo mais punida.

Rin se mexeu, e só então Sesshoumaru percebeu que seus pensamentos, apesar de turbulentos, estavam guiando-o também para o sono. Estava exausto, no final das contas. Levantou-se do sofá, ainda atordoado pelo sono, e pegou Rin nos braços, levando-a para o andar de cima. Colocou-a no meio da cama king do quarto no final do corredor, afastando os lençóis perfeitamente brancos para acomodar o corpo feminino. Puxou o edredom que estava dobrado no pé da cama e a cobriu, vendo-a se aconchegar. Ele apoiou o joelho na cama e se esgueirou, beijando os cabelos dela repetidas vezes – e de novo, o cheiro agradável preencheu suas narinas.

Tudo que queria naquele momento era colocar-se embaixo daquelas cobertas e dormir abraçado a ela, mas sabia que aquela não era uma possibilidade com Lissy presente. Rin segurou o tecido macio do suéter dele, murmurando um pedido para que ele ficasse. Sesshoumaru abriu um meio sorriso, percebendo que ela queria o mesmo. Ele afagou os cabelos dela, e ajeitou o cobertor uma última vez. Passou pelo quarto de Lissy, certificando-se que a filha estava em um sono profundo – como realmente estava – e que estava abrigada do frio, naquela noite. Desceu pelas escadas silenciosamente e pegou o casaco, pendurado atrás da porta. Vestiu-o e saiu pela porta, sentindo o vento úmido e frio batendo contra o rosto.

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No dia seguinte, Rin entrou pela porta da confeitaria, tendo Lissy em seu encalço. Encontrou Sango no caixa e Miroku sentado em uma das banquetas do balcão, conversando de forma amena. Assim que viu a madrinha, Lissy correu para abraçá-la, sendo recebida de braços abertos. Ainda era cedo, mas Rin precisava tomar café e deixar a filha na escola, antes de ir para a fazenda. Cumprimentou o casal, percebendo que os dois estavam em uma órbita diferente. Ela olhou para Sango, esforçando-se para fazer a mesma expressão perspicaz que a amiga fazia quando queria saber de algo.

— Você viu meu padrinho? - Lissy perguntou a Sango, fazendo com que todos a olhassem. O coração de Rin encolheu.

— Ele anda muito ocupado com um trabalho novo, então até eu quase não tenho visto seu padrinho. – Sango sorriu, tentando deixar a atmosfera mais leve.

— Estou com saudades dele, você pode pedir para meu padrinho me buscar na escola? -- A voz chorosa e os olhos desapontados transpareciam o quanto Lissy estava aborrecida com a ausência de Kohako. Rin fez menção de intervir, mas Sango a interrompeu com um rápido olhar, voltando-se em seguida para a menina.

— O que você acha de fazermos o seguinte: eu mando uma mensagem para seu padrinho, sugerindo que a gente vá comer sua pizza preferida hoje à noite? Nós três. - Sango abaixou-se, ficando na altura de Lissy. Ela ajeitou o cachecol azul marinho que a menina usava por cima do casaco estilo puffer rosa claro.

— Eu acho uma ótima ideia. – Rin deu a volta pelo balcão, juntando-se às duas. – Eu tenho coisas pra resolver na fazenda, então seu pai vai te buscar na aula hoje e você vai passar a tarde com ele e com Miroku. Depois eles podem te deixar na casa da sua madrinha. Que tal?

Lissy olhou para o mais novo “amigo” da sua madrinha, que abriu um gentil sorriso para ela. Miroku havia passado bastante tempo na confeitaria nos últimos tempos, o que havia dado oportunidade para que ele também conhecesse melhor a doce menina. Mais brincalhão do que Sesshoumaru, ele havia se provado capaz de arrancar gargalhadas de Lissy, e a menina já estava começando a gostar dele.

— Eu tenho uma pilha desse tamanho de trabalho pra você. – Ele fez uma voz grossa, simulando estar bravo, e ergueu a mão espalmada para o alto. – E você acha que vai conseguir fugir? -- Miroku soltou uma risada fingidamente má, fazendo Lissy rir também. A menina deu a volta pelo balcão e abraçou o rapaz, recebendo um afago nos cabelos, o que desajeitou a touca branca que ela usava.

Não demorou até que Sango saísse da cozinha com um prato com as panquecas favoritas de Lissy, cobertas por mel e frutas vermelhas cortadinhas. A menina sentou-se no balcão, ao lado de Miroku, e começou a conversar animadamente com o rapaz sobre as tarefas da escola que faria naquela tarde. Um projeto de ciências havia sido atribuído à sua classe naquela semana, e a primeira tarefa consistia em observar as fases da lua durante um mês inteiro. A fina garoa do dia anterior não havia permitido que a menina cumprisse a tarefa, mas ela e Miroku estavam traçando estratégias para conseguir observar o pequeno astro orbitante em dias de céu fechado.

Rin entrou na cozinha, sendo acompanhada por Sango. Esperou até ter certeza de que Lissy estava absorta na conversa com Miroku e virou-se para a amiga. – Você acha mesmo que vai conseguir convencer Kohako a ir? -- Perguntou.

— Vou procurá-lo e explicar que Lissy está magoada por ele ter se afastado. Sei que ele vai querer vê-la melhor. – Sango apertou entre os dedos o pano usado para tirar a fornada de pães do forno. – Ele está trabalhando para o senhor Lewis durante o plantio. Não o vejo há alguns dias... parece que está dormindo na fazenda.

— Que bagunça. – Rin levou as mãos ao rosto, apertando os olhos. – Eu não achei que as coisas fossem piorar desse jeito. Se eu soubesse...

— O quê? -- Sango interrompeu, levando as duas mãos até a cintura. – Você deixaria de ser feliz? Não fale bobagem.

Rin ficou em silêncio, escorregando as mãos até os lábios. Desviou o olhar para o chão, sentindo a dor de cabeça voltar. Aquela situação só piorava seu mal-estar, que já não estava dos melhores ontem à noite.

— Você está bem? -- Sango quis saber, aproximando-se da amiga.

— Estou, é só cansaço. – Ela suspirou, sentando-se na banqueta perto da bancada de pedra coberta de farinha. – Estou com uma dor de cabeça horrível.

— Eu fiz alguns rolinhos de canela que você gosta, precisa só de mais alguns minutos no forno e...

— Não. obrigada. – Rin levou uma das mãos ao estômago, sentindo a mesma queimação do dia anterior voltar, só em ouvir o nome da comida. – Não estou conseguindo ver comida na minha frente.

Sango parou no mesmo lugar, olhando a amiga por cima do ombro. A confusão nos olhos dela sequer foi captada por Rin, que logo lembrou-se de um assunto.

— E então? Como foi o seu jantar? -- Ela perguntou, finalmente demonstrando algum ânimo no rosto. – Você parece diferente.

A outra morena sorriu, sentindo as bochechas ficando quentes. Ela sentou-se ao lado de Rin, ainda segurando o pano de algodão entre os dedos – e continuava a apertá-lo de forma nervosa. – Foi ma-ra-vi-lho-sa. – As sílabas ditas pausadamente arrancaram uma risada de Rin.

— Ele parece muito gentil... – Comentou, levando uma das mãos ao queixo.

— Gentil, divertido, doce, educado... – Sango continuou enumerando, enquanto levantou-se em um pulinho, zanzando pela cozinha. – Nunca achei que fosse encontrar um homem como ele.

— Uau. – Rin levantou as duas sobrancelhas. – Nunca achei que fosse te ver assim por um cara.

— Miroku é diferente. Sei que é bizarro dizer isso depois de um único encontro, mas... – Ela respirou fundo, parando nas pontas dos pés, de forma nervosa.

— Nós sabemos quando é especial, não é? -- A outra morena abriu um sorriso de lado. Mal podia dizer quão feliz estava por ver Sango contente daquela forma.

A amiga era uma pessoa tão preocupada com os outros, que havia se dedicado pouco à própria felicidade. Primeiro eram os problemas de alcoolismo do pai, depois a responsabilidade de cuidar de Kohako, depois os problemas de alcoolismo do irmão, os anos de um comportamento conturbado de Kohako, a morte da mãe, e depois, quando tudo parecia mais calmo, ela dedicou-se a ajudar Rin – ajudá-la com a confeitaria, ajudá-la com Lissy, ajudá-la com a doença de Takao. O comportamento empático com todos escondiam uma série de barreiras que Sango criou para evitar ser magoada. O fato de ter visto o pai destruir a si mesmo com a bebida havia criado cicatrizes profundas em seu coração, principalmente na capacidade de confiar em alguém – especialmente em um companheiro. Tinha medo de viver a mesma sina da mãe, que havia sofrido tanto pelos problemas do marido. No fim das contas, Sango acabou sofrendo tudo de novo com o irmão. A diferença era que Kohako conseguiu sair do buraco que consumiu o pai.

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Depois de passar a manhã percorrendo infinitas plantações de soja e milho nos arredores de Lovebelt e Ellsworth, Sesshoumaru encarou o relógio de pulso metálico, percebendo que a hora de buscar Melissa já se aproximava. Ele e Miroku fizeram a última reunião com um fazendeiro da região – ele precisava de ajuda para um contrato com uma exportadora chinesa de grãos que havia passado a atuar recentemente na região. Por não entender bem a legislação de exportação, o homem de meia idade havia contratado Miroku, que pediu ajuda a Sesshoumaru. Apesar de ter se especializado em outra área de Direito, Sesshoumaru havia se dedicado a estudar todas as normas e leis que regiam o setor de grãos, especialmente as que tratavam de remessas para outros países. Havia descoberto que o assunto era bem mais complexo que parecia, mas tinha que admitir que estava gostando de voltar a atuar na profissão que havia escolhido para si e, principalmente, estava gostando de colocar a mão na massa. Quando assumiu a sociedade no escritório do seu ­ex-sogro, Sesshoumaru assumiu uma postura mais política, de negociar contratos, angariar clientes e organizar o lobby feito estrategicamente com autoridades da cidade. Aquilo, apesar de exigir habilidades que ele tinha, não o dava tanto prazer quanto advogar.

Saíram da fazenda, agora sob um sol tímido, que aparecia vez ou outra entre as densas nuvens do céu, pegando o caminho de volta para Ellsworth.

— E então... – Sesshoumaru começou, sem tirar os olhos da estrada à frente. – Como foi seu network?

A pergunta teria feito Miroku rir, se ele não estivesse tão perplexo pelo interesse de Sesshoumaru por seu encontro da noite anterior com Sango. – Foi excelente. Ela é tão... tão... incrível.

O jeito embasbacado do outro rapaz arrancou um meio sorriso de Sesshoumaru. – Vai encontrá-la hoje novamente?

— Não. Parece que ela e o irmão vão levar Lissy para jantar. – Miroku comentou, desviando o olhar para os campos verdes passando no horizonte.

Aquela informação era novidade para Sesshoumaru. Rin não havia dito, na noite anterior, que Kohako havia combinado algo com Melissa. O incômodo fez com que Sesshoumaru travasse os dentes, marcando o fim da mandíbula perto das orelhas. Não havia razão para Rin deixar de dizer aquilo, então imaginava que aquele era um compromisso que havia surgido ainda naquela manhã. Mas ela poderia tê-lo avisado por mensagem, não? Não havia falado com Rin ainda, e não havia mandado mensagem ainda porque sabia que ela estava na fazenda desde bem cedo. Percorreram o resto do caminho em silêncio, o que fez Miroku perceber que o comentário havia sido inoportuno.

Chegaram à porta da escola, que a essa altura estava repleta de pais em busca de crianças, e carros parados em ambos os lados da rua.

— Você pode pegá-la na porta, enquanto tento encontrar um lugar para estacionar? -- Pediu Sesshoumaru. A voz fria era diferente da suavidade de mais cedo.

— Claro. – Miroku concordou, abrindo a porta do sedan prata. Apressou-se até a porta e encontrou Melissa acompanhada de uma inspetora, que confirmou, ao procurar entre os carros, que o rapaz estava com Sesshoumaru. Assim que teve certeza, a mulher despediu-se de Lissy e soltou a mão de menina, entregando-a ao outro rapaz. Miroku cumprimentou a menina com um toque de mão e um breve abraço, entrelaçando os dedos compridos dele à pequena mãozinha de Melissa. Assim que começaram a caminhar em direção ao carro prata, ele sentiu um puxão pelo agasalho que vestia.

— Ei, tira as mãos dela. – Kohako gritou, segurando a mão livre da menina.

— Qual é a sua, cara? -- Miroku puxou Lissy de volta, que foi puxada de volta pelo outro rapaz.

— Tio Kohako! – A menina gritou, em um misto de espanto e de protesto.

— Você conhece ele? -- Miroku prendeu as mãos em volta dos dedos de Lissy com mais firmeza, puxando-a para mais perto de si.

— Sai de perto dela. – Outro empurrão foi dado e Miroku recuou dois passos, puxando a menina no caminho. Lissy tropeçou e soltou a mão do rapaz, apoiando-se nas pernas longas do padrinho.

— Pára, padrinho, você vai machucar o tio Miroku. – A menina gritou, fazendo com que o Kohako, que era claramente mais alto, parasse por um instante.

— O que está acontecendo aqui? -- A voz fria de Sesshoumaru soou como um trovão entre os três, que imediatamente o olharam. Lissy soltou o tecido da calça jeans preta que o tio vestia e correu até o pai, abraçando-o.

Kohako mudou completamente o semblante assim que o viu. Os pulsos cerrados expunham as veias grossas expostas sob a pele morena, e os olhos castanho-claro abrigavam um ódio que parecia arder. Sesshoumaru travou os dentes, sentindo a raiva do dia anterior voltar.

— Você permitiu que um estranho viesse buscá-la? -- Kohako inquiriu.

— O que você está fazendo aqui? -- Ao contrário do outro, Sesshoumaru não elevou a voz em nenhum décimo, embora o tom que usasse fosse assustador.

— Eu vim buscar Melissa na escola. – O moreno travou os dentes, fazendo um tintilar que precedeu a frase quase cuspida entre os lábios.

— Você planejava buscar a minha filha, sem avisar a ninguém? -- Ele estreitou os olhos dourados, segurando a mão de Melissa com força. A menina escondeu-se entre as pernas do pai, sentindo o rosto ficar úmido pelas lágrimas que já escorriam.

— Sua filha? -- Kohako repetiu, passando a mão pelos cabelos castanhos, desalinhando-os. Ele fez menção de dar meia volta, mas voltou-se para Sesshoumaru. – Você nunca deu a mínima para ela. Ignorou completamente a existência de Melissa por cinco anos, nunca nem sequer telefonou para saber se ela estava bem.

A passividade desapareceu do rosto de Sesshoumaru, que logo tomou linhas mais duras – e assustadoras. – Quem você pensa que é?

— PAI! – Melissa gritou, fazendo com que tanto Kohako quanto Sesshoumaru a olhassem imediatamente. A essa altura, a menina chorava em soluços, agarrada à roupa do rapaz de cabelos prateados. – Pára, por favor. Vamos embora. – Ela suplicou, escondendo o rosto na calça jeans.

Sesshoumaru sentiu a raiva ser lavada pelo remorso. Seu peito doeu ao ver a filha sofrendo daquela forma, principalmente depois do que ela havia acabado de ouvir. Pegou Melissa no colo, percebendo só então que a cena havia chamado atenção dos outros pais, principalmente pelos gritos de Kohako. Afagou os cabelos dela, apoiando o rosto no ombro largo. Deu meia volta, dirigindo-se ao sedã prata.

— Espera. – Kohako falou. Em um primeiro momento, Sesshoumaru achava que o pedido era para ele, mas assim que se virou viu o rapaz segurando novamente o agasalho de Miroku. – Você deve ser o babaca que está saindo com a minha irmã. Eu vou falar isso só uma vez: se magoá-la, eu vou acabar com você. – Ele empurrou Miroku outra vez, que recuou alguns passos até parar de pé, no meio-fio.

O rapaz ajeitou os óculos, observando Kohako dar as costas e caminhar vacilante até a caminhonete preta, que cantou pneus antes de partir.

— Suponho que esse é o meu futuro cunhado. Uma pessoa adorável, não? – Miroku comentou, tentando manter o bom-humor diante daquela situação indigesta. Melissa suspirou, encaixando o rosto na curva do pescoço do pai, que afagou as costas estreitas da menina.

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Já era noite quando Rin parou a caminhonete em frente à confeitaria, vendo a placa de “fechado” pendurada na porta. No entanto, as luzes do salão estavam acesas e o carro de Sango estava ali, assim como o de Sesshoumaru. Esfregou o rosto, tentando aliviar a dor de cabeça que continuava a sentir. Estava tão exausta, que as luzes amareladas da confeitaria doíam em seus olhos, passavam como vultos contínuos em seu campo de visão. Mal podia acreditar que Melissa sairia para jantar com os padrinhos e que ela poderia descansar, assim como havia tanto desejado durante aquele dia longo. Olhou para a tela do celular, apertando os olhos para lidar com o desconforto da luminosidade, percebendo que Sesshoumaru não havia respondido a mensagem de mais cedo, que perguntava se eles estavam bem. Algo não estava certo, mas ela descobriria logo o que era.

Entrou pela porta de vidro, ouvindo a sineta tocar. Outro pulso na cabeça, o que a deixou zonza. Assim que Melissa a viu, a menina deixou a apostila escolar e o lápis de lado, correndo até a mãe. Abraçou Rin com força, como se não a visse há muito tempo. Ela retribuiu o carinho, em um misto de surpresa e aflição, e logo buscou alguma pista do que estava acontecendo. Olhou para a primeira mesa do salão, encontrando ali Sango, Miroku e Sesshoumaru. O semblante dos três também não era o melhor, especialmente o do último.

— Ei, Lissy. Por que você não me ajuda a achar aquelas rosquinhas de canela que estão na cozinha? -- Miroku chamou, levantando-se da mesa. – Queria tanto comer mais uma.

— Mas você já comeu cinco, tio Miroku! – A menina protestou, segurando um sorriso tímido entre os lábios.

— Só mais uma. – Ele reuniu as mãos em uma súplica, fazendo a menina rir. – Não conte para a sua mãe, mas se você me ajudar, a gente pode achar mais um pedaço do seu bolo preferido.

A menina buscou os olhos da mãe, como se pedisse uma permissão travessa. Rin fez o melhor possível para sorrir e acenou positivamente, soltando as pequenas mãozinhas. – Quem chegar por último é a mulher do sapo! – Melissa gritou, correndo até a porta estilo bar.

Miroku foi atrás, segurando a estrutura de madeira, para que ela não recuasse contra a menina. Assim que ela passou, ele seguiu Melissa, e ambos desapareceram de vista.

Rin caminhou em passos rápidos até a mesa. Algo pedia que ela se sentasse – não sabia se era a exaustão que sentia ou se era uma preparação para ouvir o que quer que fosse. – O que aconteceu? Por que Lissy está assim?

— O idiota do meu irmão... – Sango murmurou, passando os dedos pelas têmporas, como se estivesse tentando aliviar uma dor de cabeça. – Ele foi buscá-la na escola, sem avisar ninguém, e a encontrou com Miroku. Não sei se aquele bobão achou que Lissy estava sendo sequestrada – como se isso fosse possível aqui em Lovebelt – mas ele fez uma cena.

Rin levou uma das mãos ao rosto, sentindo um gosto amargo na boca. De novo, não sabia se era a decepção por ouvir aquilo, ou se era o seu estômago reclamando por ela não ter se alimentado. – Que cena?

— Ele está com raiva. – Sesshoumaru disse, fazendo com que ela o olhasse, finalmente. – E essa raiva o está cegando. Ele ia buscar Melissa na escola sem avisar a ninguém. Ou ele te avisou? -- A voz suave era tão fria, que Rin achou, por um instante, estar vendo o velho Sesshoumaru à sua frente.

— Não, ele não me disse nada. – Ela balbuciou, sentindo a nuca latejar. – Você e ele discutiram?

Ele somente acenou com o rosto, levando as duas mãos entrelaçadas frente ao rosto. – Foi algo bem breve, mas Melissa ficou chateada.

Ela passou a mão na nuca, tentando organizar os pensamentos. Não lembrava qual havia sido a última vez em que teve uma crise de enxaqueca como aquela. – Ela parece aborrecida. – Comentou, vendo-o acenar outra vez. – Teve notícias de Kohako? -- Rin desviou os olhos para Sango, mas pôde ver, claramente, pela visão periférica Sesshoumaru travar a mandíbula.

— Não, ele não me atende e nem lê minhas mensagens. Duvido que vá aparecer. – Sango parecia, agora, menos irritada e mais angustiada com aquela situação. A mão no peito e o olhar perdido em um ponto fora da confeitaria denunciavam a ansiedade que ela sentia.

—  Lissy estava contente por ir jantar com vocês. – Rin apoiou a parte alta dos pulsos na curva dos olhos, tentando aliviar o desconforto que a luz trazia.

— Eu prometi que a levaria, vou fazer isso sozinha. – A outra morena suspirou, voltando a olhar a amiga. – Rin. – Chamou, fazendo com que ela tirasse os pulsos de perto do rosto. – Você está bem?

Sesshoumaru amenizou a expressão descontente, embora ainda estivesse calado. Percebeu que Rin não estava bem assim que ela apareceu na porta da loja, mas sabia que ela já estava com um mal estar desde ontem – aparentemente as coisas só pioraram desde então. – Você ainda está se sentindo mal? -- Ele perguntou, com a habitual voz suave e fria.

— Acho que voltei a ter enxaqueca. – A voz saiu como um choro, ainda que de forma involuntária. – Já tentei tomar um remédio, mas a dor não melhora.

— Vou fazer um chá para você. – Sango levantou-se da mesa, pegando a caneca de café que ela mesmo bebia. – E vou checar aqueles dois na cozinha, antes que Miroku encha Lissy de doces. – Sorriu, dando as costas.

Sesshoumaru continuava a olhar fixamente para Rin, percebendo o quão difícil para ela era olhá-lo – não sabia se era porque ele estava contra a luz, e a claridade causava um óbvio desconforto a ela, ou se era por causa da situação incômoda envolvendo Kohako. Ao mesmo tempo em que se sentia frustrado por Rin dar tanta importância para a cena envolvendo o rapaz, e por ela querer saber dele, Sesshoumaru queria abraçá-la para confortar o mal estar que ela sentia. Era um sentimento dúbio, que o confundia.

— Você precisa ir a um médico. – Ele disse, quebrando um breve período de silêncio.

— Por causa da dor de cabeça? -- As sobrancelhas torcidas e o olhar caído provavam que, além de dor, ela sentia cansaço. – Já estou acostumada com as enxaquecas. Elas vêm e vão. – Rin suspirou.

Ele ficou calado por um tempo, até que finalmente cedeu aos anseios do seu corpo e levou a mão ao rosto dela, fazendo um delicado carinho na bochecha gelada. Rin fechou os olhos, sentindo acalento pelo gesto.

— Eu estava pensando... você pode me fazer companhia hoje? -- O pedido dela o surpreendeu a ponto de ele levantar as sobrancelhas. Assim que a expressão de espanto surgiu no rosto de Sesshoumaru, Rin mordeu o lábio inferior, em uma clara hesitação. – É que... – Ela gaguejou, sentindo-se desconsertada. – Como Lissy vai jantar com Sango...

— Tudo bem. – Ele a interrompeu. – Vou deixar Miroku no hotel, tomar um banho e volto para te encontrar. – A voz continuava fria, o que fazia com que o coração de Rin se apertasse. Apesar disso, a concordância dele em passar um tempo a sós com ela fez com que a morena abrisse um leve sorriso.

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O breve caminho da confeitaria até o hotel estava sendo percorrido em absoluto silêncio. Miroku ponderava se valia a pena arriscar uma conversa com Sesshoumaru sobre o seu possível futuro cunhado, mas sabia que provavelmente receberia um olhar gelado ao perguntar qualquer coisa sobre aquele assunto. Já Sesshoumaru estava completamente imerso em pensamentos raivosos contra Kohako, diante do que havia acontecido naquela manhã e diante de como o rapaz estava tratando Melissa, nos últimos tempos. A indiferença que sentia em relação a Kohako só se transformava em raiva, o que o frustrava – ele nunca foi passional daquele jeito.

O silêncio do carro foi interrompido por um longo “plim”, e Sesshoumaru olhou o painel, percebendo que o tanque do carro havia entrado na reserva. Assim que o sinal sonoro do aviso de pouco combustível soou no carro, Miroku deu um salto no banco, parecendo ter um estalo.

— Preciso comprar água para deixar no quarto do hotel. Se importa de eu comprar na conveniência, enquanto você abastece? - Perguntou.

— Não tem na recepção? - Sesshoumaru torceu as sobrancelhas.

— O moleque da recepção disse que tinham esquecido de repor, de manhã. - Miroku rolou os olhos azuis.

Ele apenas acenou, tomando um retorno que os levaria de volta para a estrada entre Lovebelt e Elsworth, rumo ao posto de combustível mais próximo. Em Lovebelt não havia nenhum ponto para abastecimento, apenas fora da cidade. Assim que pararam, Sesshoumaru desceu, depositando uma nota na bomba de gasolina, encaixando o bocal da máquina no acesso ao tanque. O vento frio da noite bateu contra ele, balançando os cabelos prateados e o casaco cinza que ele vestia. Estava preocupado com a situação de Rin -- aquele mal estar estava durando tempo demais. Não podia deixá-la sozinha naquela noite, embora ele não estivesse em seu melhor humor. Toda a perturbação causada pela presença e pela ausência de Kohako o tirava do sério, e não somente pela raiva. O sentimento raivoso por Kohako estar punindo Lissy, e por ele ter feito a cena de mais cedo, estava dando espaço para a dúvida na mente de Sesshoumaru -- e aquilo era uma grande novidade. Ele, que sempre foi tão seguro e calculista em suas decisões, estava agora experimentando uma boa dose de insegurança.

Duas perguntas martelavam na cabeça dele. A primeira era: e se Lissy amasse mais a Kohako? Seria certo privá-la da presença dele? Por mais que sentisse raiva daquele homem, foi ele quem esteve com a filha nos últimos anos. Foi ele quem deu força a Rin durante a gravidez, quando Lissy ficou internada, nos primeiros momentos importantes da vida da menina, na difícil fase quando o pai de Rin morreu... Aqueles eram momentos que não seriam apagados da memória das duas, por mais que ele quisesse muito. A segunda pergunta, tão dolorosa quanto a primeira, era: Sesshoumaru havia dado a Rin a chance de ela escolher? Quando ele voltou para Lovebelt, Rin parecia estar gostando daquele rapaz. Tudo mudou quando Sesshoumaru impôs a presença na vida dela, quando Kohako descobriu que ele e Rin haviam passado a noite juntos. No fim das contas, ela se afastou do rapaz por uma situação que Sesshoumaru criou.

Rin teria escolhido ficar com ele, se Kohako não tivesse se afastado? O sentimento amargo daquela dúvida deixava o humor dele ainda pior. A máquina avisou que a trava do tanque havia sido acionada, e que o combustível depositado era suficiente. Miroku veio caminhando da loja de conveniência com uma garrafa de água grande e um pacote de biscoitos. Ele caminhava em direção ao carro, embora seu olhar estivesse em outro ponto.

— Ei. - Miroku falou, ainda olhando para o mesmo ponto de antes. - Aquele não é o irmão de Sango?

Sesshoumaru olhou imediatamente na direção em que o outro rapaz olhava, e a surpresa de ver o que estava vendo era evidente em seu rosto. Achou que teria a desagradável visão de Kohako enraivecido, assim como aconteceu mais cedo, mas o rapaz estava desacordado, apoiado na parede escura do bar que ficava ao lado do posto de combustíveis -- o mesmo bar em que Sesshoumaru se embriagou antes de declarar-se para Rin, na noite em que passaram juntos. Embora estivesse em um ponto escuro, e embora a roupa escura o camuflasse na parede cinza do bar, era possível ver que Kohako estava caído de lado, com as pernas esticadas e as costas contra a parede. Miroku se aproximou e Sesshoumaru o seguiu, quase de forma inconsciente. Perceberam que ele segurava uma garrafa de vodka quase completamente vazia em uma das mãos, e que tinha hematomas no rosto. Era visível que Kohako havia se metido em alguma briga. Miroku abaixou-se, colocando a mão na base do pescoço largo do rapaz, percebendo que havia sinais vitais.

— Ele parece estar somente bêbado. - Sesshoumaru falou. De repente, um estalo em sua mente o lembrou de algo.

"Takao e meu pai foram colegas de escola e sempre foram muito amigos. Mas eles se afastaram quando meu pai começou a beber demais. No fim, o alcoolismo o levou de nós, e Takao passou a ser quase como um pai. ".

Sango havia contado, meses antes, que o pai havia sido alcoólatra, e pequenos sinais em conversas com Rin davam pistas de que Kohako também havia tido uma relação conturbada com a bebida. Merda, ele pensou.

— Não podemos deixá-lo aqui. - Miroku falou, parecendo nervoso. Era incrível como ele conseguia ter compaixão pelo homem que o ameaçou de morte mais cedo. - Devemos levá-lo para o hospital?

— Ele parece ter apagado por causa da bebida. Acredito que a surra não tenha sido séria. - A voz suave não transparecia toda a confusão que passava pela mente de Sesshoumaru naquele momento. Embora odiasse Kohako e odiasse sentir a insegurança que a situação causava, ele estava com pena.

Abaixou-se, colocando o braço do rapaz desacordado por cima do ombro, gesto que Miroku prontamente repetiu, largando a garrafa d'água e o pacote de biscoitos no chão. Colocaram-o no sedã prata, saindo dali.

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Rin penteava os cabelos molhados e mantinha os olhos fechados, para aliviar a dor que não a deixava em paz. Assim que o pente de madeira passou pelos largos fios pela última vez, a campanha tocou. Sesshoumaru havia chegado antes do esperado, o que era estranho. Os minutos que passaram não tinham sido suficientes para ele ir ao hotel, tomar banho e voltar. Ela desceu as escadas na melhor velocidade que podia, diante da tontura que sentia, e foi em direção a porta. E se fosse Sango trazendo Lissy? E se a filha tivesse desistido do passeio pela falta de...

— Kohako. - Ela falou automaticamente, assim que abriu a porta. O coração de Rin acelerou quando ela viu o rapaz desacordado, com os braços estirados sobre os ombros de Sesshoumaru e Miroku. O rosto inchado, com um edema abaixo dos olhos e um corte no lábio superior, indicava claramente que ele havia brigado. Meu Deus, ela pensou. E se ele tivesse brigado com Sesshoumaru? E se...

Aquela dúvida desapareceu assim que Rin sentiu o cheiro forte de álcool que exalava da roupa e da pele dele. Aquilo, ao invés de aliviá-la, só fez com que a angústia em seu peito aumentasse.

— Coloquem ele pra dentro, rápido. - Ela pediu, levando uma das mãos ao rosto.

Sesshoumaru e Miroku entraram pela porta, colocando Kohako sentado no sofá. A cabeça dele imediatamente pendeu para trás, evidenciando que ele estava desacordado.

— O que aconteceu? - Rin inquiriu.

— Encontramos ele assim, no bar da beira da estrada. - Miroku explicou. - Ele não parece precisar de um médico. Só de um banho frio e um café para a ressaca de amanhã.

Rin olhava para o rapaz abismada. A mão frente ao rosto e as sobrancelhas torcidas revelavam o quanto era sofrido ver Kohako naquela situação, e aquilo só aumentava a insegurança e a dor de Sesshoumaru.

— Sango não pode vê-lo assim. - Rin murmurou, sentindo os olhos marejarem. - Ela não merece, ela vai... - As palavras atrapalhavam-se umas nas outras. - Sofrer.

— Eles são irmãos. Não podemos esconder isso dela. - Sesshoumaru a olhava fixamente, embora Rin estivesse observando somente Kohako.

— Não hoje. - Ela inquiriu, tirando a mão do rosto. - Melissa também não pode vê-lo assim.

Os três ficaram em silêncio, sentindo a atmosfera ficar cada vez mais pesada. Rin, a essa altura, já chorava silenciosamente, sentindo a culpa pesar sobre os ombros. Fazia muitos anos que não via Kohako naquela situação. Quando ele começou a beber muito, ainda no fim da adolescência, a mãe de Sango já estava doente. Ver o filho trilhando o mesmo caminho do marido só piorou a condição de saúde da mulher, que morreu pouco tempo depois. A morte da mãe só piorou a condição de alcoolismo de Kohako, o que por sua vez só piorou a situação para Sango, que tentava tirar o irmão no buraco em que ele se meteu. Foram muitas conversas, brigas e noites em que Sango saía para procurá-lo, não sabendo se encontraria o irmão caído bêbado em algum canto, ou se o acharia morto. Nesse ponto, ele já havia se tornado policial, mas a carreira estava a um fio, justamente por causa do problema com o álcool. A coisa ficou tão ruim, a ponto de Kohako ter a arma confiscada, o que foi um alívio, no final das contas.

— Preciso que você vá encontrar Sango e Lissy e não deixe, em hipótese alguma, que elas venham para cá. - Rin pediu, finalmente olhando Miroku.

— Sango vai acabar descobrindo... - Ele ponderou.

— Não hoje, não desse jeito. - Ela o interrompeu. - Por favor. - Rin suplicou, fazendo com que o amargor na boca de Sesshoumaru só aumentasse.

O rapaz dos olhos azuis acenou. Sesshoumaru mergulhou as mãos no bolso e ofereceu as chaves do sedã prateado para Miroku, que as tomou e saiu pela porta, deixando os três em um completo silêncio.

Rin aproximou-se de Kohako, o que fez um choque passar pela pele de Sesshoumaru. Ele recuou, virando-se de costas. Não queria ver aquilo, especialmente depois de tudo que pensou nas últimas horas. Ela examinou os hematomas do rosto dele e aproveitou para certificar-se de que Kohako estava vivo. A respiração compassada bateu contra o rosto de Rin, acompanhada do odor típico do álcool, o que a fez ter certeza de que ele só dormia. Ela virou-se, encontrando Sesshoumaru de costas.

— Você pode me ajudar a colocá-lo lá em cima? - Pediu.

Ele ficou em silêncio por um curto tempo, pensando. Seu lado frio e orgulhoso pedia que ele saísse dali, que não ficasse para ver e sentir aquilo que o feria. Mas não podia fazer aquilo. Rin continuava se sentindo mal, e aquela situação só estava piorando tudo -- assim ele imaginava. Além disso, ela precisava de ajuda. E Kohako também.

Sesshoumaru virou-se, ainda em silêncio. Repetiu o gesto de antes, colocando o braço de Kohako acima dos seus ombros, segurando-o com firmeza. Como tinham mais ou menos a mesma altura, o corpo dele esgueirou-se sobre o de Sesshoumaru. Rin tomou a mesma posição do outro lado, tentando ajudar, embora fosse mais baixa que os dois. Subiram as escadas com dificuldade, com os pés de Kohako arrastando-se nos degraus longos. Assim que chegaram ao topo, Rin se viu consumida por uma dúvida simples: para onde levá-lo? De forma quase instintiva, ela caminhou para a direita, em direção ao antigo quarto do pai. A porta estava fechada, e abri-la fez com que uma série de memórias dolorosas preenchessem sua mente.

Quando Sesshoumaru preparava-se para colocar Kohako na cama de casal, o rapaz pareceu recobrar alguma consciência. Os olhos avermelhados e cerrados pousaram sobre Sesshoumaru, e o mesmo ódio de mais cedo repetiu-se no olhar.

— Seu desgraçado. - Ele murmurou, começando a agitar-se. - Tira as mãos de mim. - Kohako gritou.

Rin, que colocava um edredom ao pé da cama, congelou por um instante.

— Você acabou com a minha vida. Tirou tudo que eu amava. - Kohako continuou a acusar, com a fala enrolada e os olhos transbordando ódio. - Eu odeio você. - Ele finalmente vocalizou aquilo que o coração sentia e o que o rosto revelava.

Rin aproximou-se, e estendeu as duas mãos na direção de Kohako. Os gritos dele faziam com que sua cabeça latejasse e a mente ficasse nublada. Pontos escuros surgiam na vista dela, e Rin só se esforçava para se manter de pé.

— Shh, está tudo bem. - Ela inclinou as mãos nos ombros de Kohako, tentando incentivá-lo a se deitar na cama.

— A culpa é sua! - Kohako apontou o dedo em direção a Rin, afastando as mãos dela dos seus ombros. - Eu fiz tudo por você, eu te amei do fundo do meu coração. Por que você fez isso, Rin? - A voz enrolada cedeu em um tom choroso, e as lágrimas grossas formaram-se acima dos cílios dele. Ela sentiu como se uma estaca passasse em seu coração. Mas havia mais uma pessoa naquele quarto que sentia o mesmo.

— Eu te amo, por favor, Rin... - Kohako suplicou, deixando a raiva de lado. - Por que você está fazendo isso?

Rin recuou um passo, sentindo a vista escurecer completamente. Antes que suas pernas vacilassem, as mãos fortes de Sesshoumaru apararam a parte de baixo dos cotovelos dela, firmando-a de pé.

— Espere lá fora. - A voz fria e suave recomendou, e Rin instintivamente obedeceu. Ela, no entanto, parou no batente da porta, observando Sesshoumaru levantar Kohako da cama, sob uma série de protestos e xingamentos. O rapaz, no entanto, estava bêbado demais para resistir. Sesshoumaru levou-o até o banheiro, cuja porta ficava no canto direito do quarto, ao lado da enorme janela. Colocou-o na banheira de tubo, vestido e tudo, ligando a água gelada sobre o corpo dele. Kohako protestou por mais alguns instantes, mas depois entregou-se a um choro constante, interrompido somente por súplicas por Rin. Ela sentou-se no chão do corredor, levando as duas mãos ao rosto. Se aquilo doía em si, imaginava quão difícil estava sendo para Sesshoumaru.

Após minutos de gritos e súplicas, Sesshoumaru e Kohako saíram do banheiro. Os respingos do chuveiro tinham umedecido a camisa social branca e a calça jeans escura que Sesshoumaru vestia, mas tinham feito mais a Kohako. O rapaz, enxarcado, havia finalmente ficado calado. Ele sentou-se na beirada da cama e tirou a calça jeans preta e a camisa da mesma cor, jogando as peças molhadas em um ponto do quarto. Deitou-se e caiu logo no sono, espalhado na diagonal da cama. As mãos confusas buscaram o edredom que estava ao pé da cama, e cobriu o corpo parcialmente nu, vestido somente com a cueca.

Sesshoumaru saiu do quarto, não encontrando Rin no corredor. Procurou-a rapidamente nos quartos do andar de cima, mas também não achou. Desceu as escadas, vendo-a finalmente sentada no sofá, com os olhos fechados e o braço cobrindo o rosto. Assim que ouviu os passos dele no fim da escada, Rin o olhou. Ficaram encarando-se por um longo instante, até que ele se virou, indo em direção à porta.

— Espera, Sesshoumaru. - Ela pediu, levantando-se do estofado.

Ele congelou no mesmo lugar.

— Fica. -- Rin murmurou, suspirando fundo. -- Fica comigo. - Ela avançou em passos rápidos até abraçá-lo pelas costas. As mãos envolveram o peito dele, e os dedos prenderam-se no tecido úmido da camisa que ele vestia.

O calor do corpo de Rin pareceu aplacar a aflição e ressentimento que ele sentia, mas a insegurança ainda estava ali. Ele levantou o pescoço, segurando uma das mãos dela.

As pernas dela começaram a recuar de volta para o sofá, puxando-o consigo. Deitaram-se na parte mais larga do estofado, afundando contra as almofadas claras. Rin entrelaçou os dedos com os dele, respirando fundo.

— Obrigada. - Ela sussurrou ao pé do ouvido dele. - Obrigada pelo que fez por ele, mas acima de tudo, por estar aqui.

Sesshoumaru continuou em silêncio por alguns instantes. - Eu fiz por você. - Ele murmurou. A voz fria era dolorosa aos ouvidos de Rin. - Sei que você gosta dele.

Ela ficou em silêncio. A anuência de Rin em relação à última frase fez com que o peito dele se apertasse mais uma vez, mergulhado em dúvidas e ressentimento. Sesshoumaru livrou-se dos braços dela e se sentou no sofá, passando a mão pelo cabelo curto prateado.

— Você teria o escolhido? - A voz suave era quase inaudível, mas os ouvidos dela captaram. Rin sentou-se no sofá, apoiando o peso sobre as pernas dobradas.

— Do que você está falando?

— Se Kohako não tivesse me visto em sua casa depois daquela noite, se ele não tivesse se afastado, você teria feito a escolha que fez? - Ele a olhou por cima dos ombros. O rosto frio não conseguia mais ser uma máscara para toda a aflição que Sesshoumaru sentia.

Rin piscou repetidas vezes. A dor de cabeça a impedia de raciocinar, e o fato de aquela pergunta ser tão inusitada não ajudava no raciocínio. Do que ele falava, afinal? Sesshoumaru estava com medo que ela se arrependesse?

— Depois daquela noite, se Kohako não tivese descoberto sobre nós como descobriu, eu contaria a ele. Não seria justo enganá-lo. No fim, o resultado seria o mesmo. - A voz rouca e cansada saiu quase inaudível também.

— Meu ponto não é esse. - Ele mexeu-se, sentando na ponta do estofado. - Se eu não tivesse criado essa situação, você teria me afastado?

— Do que você está falando, Sesshoumaru? - Rin suplicou, passando a mão pela testa. Apertou os olhos, tentando conter a dor nas têmporas.

— Eu sinto que não te dei a chance de escolher. Eu avancei etapas, impus a minha presença e o afastei da sua vida. - Ele engoliu seco, fazendo com que o proeminente pomo de Adão subisse e descesse. - Não posso dizer que tenho certeza de que você teria me escolhido, de qualquer forma.

— Eu não sei. - Ela admitiu. Não sabia se aquele era um rompante de sinceridade ou se a dor de cabeça era tão incapacitante a ponto de eliminar todas as barreiras racionais de Rin. - Eu sentia raiva de você. Talvez essa raiva tivesse me impedido de ceder, de alguma forma.

O gosto amargo no céu da boca só piorou. Sesshoumaru reuniu as mãos uma sobre a outra e as fechou, formando uma única bola.

— Mas isso me faria mais feliz do que estou agora? - Rin perguntou. Embora aquilo fosse uma retórica, ela mesma respondeu. - Não, não faria. Nunca pensei que pudesse me sentir assim. Ou melhor: nunca pensei que fosse voltar a me sentir assim.

Ele a olhou por cima do ombro esquerdo, percebendo que ela sorria, apesar da óbvia dor que ela sentia -- não só dor física, como a dor causada pela situação ocorrida há pouco.

— Eu te amo, Sesshoumaru. - Ela admitiu, fazendo com que o coração dele acelerasse. - Não há nenhuma dúvida quanto a isso.

Ele virou-se, envolvendo a cintura dela com os braços. Puxou-a para perto, acomodando as pernas longas sobre as próprias coxas, sentindo o calor do corpo de Rin contrastando com a umidade da camisa e a calça jeans que vestia.

Ela inclinou-se para beijá-lo, mas ele parou, olhando-a fixamente nos olhos. - Eu quero me casar com você. - Sesshoumaru disse, sem titubear. Dessa vez foi o coração dela que perdeu o ritmo. - Você aceita, Rin?

Sesshoumaru vinha planejando aquele pedido há um tempo, embora estivesse postergando-o, atendendo ao pedido dela de ir devagar. Também por isso não havia ainda comprado uma aliança, como a situação pedia. Mas decidiu, naquele instante, que nada daquilo era necessário, e que o tempo era a única coisa que tinham -- e era tudo que precisavam. Tempo juntos, para serem felizes, e não tempo para postergar o futuro que os aguardava.

Rin sorriu, comprimindo os olhos, o que fez com que as lágrimas escorressem. Ela balançou a cabeça afirmativamente diversas vezes seguidas, dando a resposta que Sesshoumaru tanto esperava. Sim, ela queria casar-se com ele, queria passar o resto dos dias ao lado do homem que amava, o mesmo homem que tanto odiou justamente por não conseguir deixar de amá-lo.

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Na manhã seguinte, Kohako abriu os olhos, sentindo a cabeça rodar, ainda que o quarto estivesse completamente escuro. Levantou a cabeça na cama, sentindo a tontura piorar ainda mais. Levou uma das mãos aos cabelos castanhos, comprimindo os olhos. Não conseguia lembrar qual havia sido a última vez em que tinha sofrido com uma ressaca tão ruim -- provavelmente anos antes, mas agora a idade piorava a sensação de mal estar.

Olhou em volta, tentando lembrar onde estava. Aquele lugar lhe era conhecido, mas não conseguia lembrar exatamente o porquê. De repente um flash de ele, Sango e Rin correndo por aquele quarto, e por todos os outros cômodos daquela casa, o invadiu. Ele sentou-se na cama rapidamente, percebendo só então que estava na casa dela. Olhou em volta outra vez, e as primeiras memórias da noite anterior ocorreram. Primeiro ele subindo as escadas, depois Rin colocando-o na cama, depois... só então Kohako lembrou-se de Sesshoumaru. Os olhos dourados ora frios, ora raivosos, ora penosos, o encaravam, enquanto a água fria caía pelo corpo dele. Kohako travou os dentes, ignorando toda a dor de cabeça que sentia e a tontura que nublou sua mente assim que ele levantou para apanhar as próprias roupas, que ainda estavam emboladas e úmidas no chão. Vestiu-se rapidamente e saiu pela porta, sentindo o choque da claridade do corredor ferindo seus olhos. Colocou a mão na frente do rosto, descendo as escadas em pequenos tropeços.

Assim que chegou ao fim dos degraus, teve a desagradável visão de Rin e Sesshoumaru dormindo tranquilamente e abraçados no sofá. Ela repousava o rosto e a mão esquerda sobre o peito dele, enquanto ele a envolvia com um dos braços. A garganta de Kohako ardeu e ele sentiu enjoo -- não sabia se pela ressaca ou pela repulsa de ver o que estava vendo. Ele foi até a porta, abrindo-a com mais força que o necessário. Rin ouviu a movimentação e abriu os olhos, acordando em um salto. Mexeu-se com cuidado para não acordar Sesshoumaru, mas saltou por cima do corpo dele, segurando a porta antes que Kohako a fechasse com força. Ele olhou para trás, surpresa por vê-la ali.

— Eu quero falar com você. - Ela demandou, com a voz firme

— Eu não tenho nada para falar com você. - Kohako deu as costas, indo em direção às escadas da varanda.

Rin segurou-o pela camisa úmida, fazendo com que ele recuasse um passo. - Você vai me ouvir.

Ele virou-se, encarando os olhos castanhos raivosos. Era um olhar diferente do complacente visto dias antes.

— Por que você está fazendo tudo de novo? - Ela inquiriu, cruzando os braços. - Você quer magoar sua irmã outra vez?

— O que eu faço ou deixo de fazer não é da sua conta. - Kohako falou pausadamente, avançando um passo para encará-la frente a frente. - Você não tem direito algum de me cobrar algo.

— Você pode me odiar, pode ter raiva de mim, mas você não vai punir a sua irmã e a minha filha por causa disso. Está me entendendo? - Rin firmou-se nos pés, encarando-o de igual para igual, embora fosse mais baixa que ele.

— Você acha que isso é sobre você? - Ele riu entre os dentes. - Pra mim, você morreu no dia em que voltou correndo pra esse desgraçado.

— Se não fosse por ele, você ainda estaria jogado na sarjeta, bêbado e machucado após apanhar em um bar de beira de estrada. Ou sabe-se lá o que poderia ter acontecido com você. - Rin também trancou os dentes, apontando o dedo indicador para o peito de Kohako.

— Quer que eu o agradeça e que viremos melhores amigos? Ou melhor, que sejamos uma grande família feliz para Melissa? - Ele ironizou, encarando-a por baixo dos cílios volumosos. - Até mesmo um novo tio ela tem, aquele babaca que está saindo com minha irmã.

— Eu achava que você seria capaz de separar a raiva que sentia por mim do amor que Melissa sente por você, mas vejo que isso não vai ser possível. - Rin sentiu o gosto amargo no céu da boca, sentindo a dor de cabeça voltar com toda força. - Lissy está sofrendo. E Sango vai sofrer muito mais quando souber a verdade sobre seu "novo trabalho". - Ela balançou o dedo indicador e médio no ar para enfatizar as palavras entre aspas.

— Você não se atreva em contar pra ela. - Kohako enroscou as sobrancelhas e respirou fundo, fazendo com que o peito estufado quase tocasse o tórax de Rin, mas ela não recuou.

— Eu gostaria, do fundo do meu coração, que ela não tivesse que saber. Mas você precisa de ajuda. E já que não vai aceitar a minha mão, vai precisar da de Sango. - Embora estivessem em um clima pesado, ela pareceu ceder pela primeira vez, com os olhos castanhos tremulando.

— Você não me conhece. Eu posso parar de beber quando eu quiser. - Ele disse, orgulhoso.

— Parar como seu pai parou? Só quando morreu? - A voz dela tremulou, e o peito de Kohako ardeu. Ele trancou as duas mãos, fazendo com que as veias ficassem marcadas no antebraço.

— Era diferente. - Ele murmurou, tentando controlar o tremor raivoso dos lábios.

— É? Pois pra mim parece igual. As noites procurando por ele, as brigas, os pequenos apagões alcoólicos que ficavam cada vez mais longos, os banhos frios. - Ela enumerou, fazendo com que lembranças dolorosas invadissem a mente de Kohako. Ele balançou o rosto, tentando fazer tudo aquilo desaparecer.

— Me faz um favor? Nunca mais me procure. E se por acaso me encontrar em uma sarjeta, me deixe por lá. - Ele falou entre os dentes, aproximando-se dela até que existisse um espaço menor que o de uma folha de papel entre os rostos dos dois. Rin engoliu seco, sem conseguir dizer nada. Após alguns instantes, ele saiu pela varanda, caminhando pela rua em direção de casa. Ela ficou por mais uns minutos na varanda, ouvindo apenas o som dos pássaros, que cantavam em alvoroço.

Entrou pela porta de novo, sentindo a cabeça latejar. Surpreendentemente, Sesshoumaru ainda dormia calmamente no sofá, alheio à discussão que aconteceu apenas instantes antes. Rin acomodou-se nos braços dele outra vez, sentindo o rosto ficar úmido pelas lágrimas silenciosas que rolavam por ali. Ela fechou os olhos, tentando voltar a dormir.

 


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Notas finais do capítulo

Oi, gente. Como vcs estão?
Mais um capítulo, e dos bem longos. O que acharam da introdução do novo personagem? Sempre quis ver a Sango feliz, e achei que seria um bom momento pra que ela tenha a chance dela de encontrar alguém. Por outro lado, Kohako ficou bem conturbado com tudo isso. Eu prometi várias emoções, e cumpri hehe
No próximo capítulo teremos mais emoções e uma novidade. Quem aí adivinha?

Queria pedir algo pra você que lê e gosta da história, mas acaba não comrentando, por favor: reserve um minutinho só pra deixar seu comentário. Eu sei que demoro muito pra postar, e que isso pode ser chato, mas eu fico tããão feliz quando vcs compartilham suas impressões comigo.

Enfim, é isso. Espero que gostem! Beijo a todos :*



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