Ambrya escrita por Hina


Capítulo 4
Capítulo 3


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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Foi um problema decidir como voltariam. Julian não sabia dirigir e não confiava em seu guarda-costas para conduzi-los, não naquele momento. Acabaram por pegar um táxi, deixando o carro onde haviam estacionado e torcendo para nada acontecer com ele até o dia seguinte.

Dante dormiu logo depois de entrarem no veículo, a cabeça apoiada no vidro da janela. Após dar o destino ao motorista, Julian observou-o. Parecia mais novo quando estava dormindo, sem as expressões fortes que marcavam seu rosto e já deixavam algumas linhas. Julian não tinha dúvida de que o garoto podia cuidar de si mesmo, ao menos fisicamente, mas naquele momento sentiu uma vontade de forte de protege-lo.

A ironia da situação trouxe-lhe um sorriso aos lábios, ao mesmo tempo em que Elliot abria os olhos. Seu rosto avermelhou quando ele viu que o outro o observava. Deu um olhar raivoso ao maior e virou-se para a janela, evitando encara-lo. O sorrisinho de Julian se manteve frente às atitudes do garoto e ele passou a conversar com o motorista, trocando amenidades até chegarem à unidade de tecnologia do leste.

Quando desceu do carro, o tenente deu um leve tropeção antes de recuperar o equilíbrio. A maior parte dos efeitos da bebida já estava passando, mas ele ainda estava um pouco alterado. Julian pagou ao simpático motorista e acompanhou o mais novo para dentro dos portões metálicos.

Como era de se esperar pelo horário, os corredores estavam praticamente vazios. Cruzaram apenas com um ou outro sentinela sonolento, que pareciam receber injeções de adrenalina e rapidamente ajeitar a postura quando avistavam Dante. Ele, porém, não lhes dispensava muita atenção e Julian reparou em como o garoto estava se esforçando para que os soldados não notassem seu estado. Não seria nada bom para a imagem de militar perfeito, imaginou.

À porta do alojamento masculino, no entanto, não havia nenhum guarda. Julian viu quando a expressão no rosto pálido do menor se fechou com irritação e sentiu-se um pouquinho culpado. Seja lá quem fosse o responsável pela guarda naquela noite, escolhera o dia e a hora errada para fugir do serviço. Era óbvio que Dante iria descontar suas frustrações naquele pobre ser.

Então, sem aviso, o loiro estancou subitamente os passos. Julian quase colidiu com ele e cambaleou para trás.

– Ei, o que foi?- Perguntou chateado.

– Tem alguma coisa errada.- Sua voz estava séria, sem traços da raiva anterior.

O garoto correu os poucos metros que os separavam da porta do quarto e puxou-a com força. Não estava trancada. Ele petrificou na entrada por um instante muito breve, no qual o moreno viu seu rosto empalidecer, e depois disparou para dentro.

Imediatamente Julian o seguiu. Viu do batente da porta o que assustara o outro.

No chão da sala uma enorme poça de sangue. O que quer que houvesse acontecido, não fazia muito tempo, o líquido ainda estava fresco. Ajoelhado no meio da poça estava Dante, o sangue manchando a calça jeans. E em seus braços uma jovem ruiva, com um longo jaleco vermelho sobre o uniforme militar. Catherine.

Julian não conseguiu entrar. Ao invés disso seus pés se moveram para trás até que estivesse com as costas apoiadas na parede do corredor, suas mãos se enterraram com força nos fios castanhos.

– Temos que tirá-la daqui.- Dante se erguia com a sargento nos braços. Ainda estava pálido, mas a voz era calma e eficiente.

Após um instante o doutor assentiu. Virou-se para o corredor que levava a saída e mais uma vez seu sangue congelou, ao ver o homem parado na sua frente.

– Olá, Julian.

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Julian engoliu em seco e respirou fundo.

– Kamil.

– É você.- A voz de Dante veio de trás dele, com mais ira do que já escutara o garoto usar antes.- Julian, cuide dela.- Entregou Catherine ao mais alto.

– Eu não faria isso se fosse você.- Kamil sorriu, mas Elliot já corria em sua direção.

Antes que chegasse a ele, várias figuras vestidas de negro, como os dois que haviam atacado anteriormente surgiram no corredor. Dante levou a mão ao coldre da arma. Aquele homem ferira seriamente uma militar de Breazinder, não haveria perdão para ele.

Porém sua mão não encontrou a arma. Isso o fez parar por um segundo, até entender que provavelmente a teria perdido em algum ponto da noite. Foi suficiente para que dois dos homens de negro se jogassem sobre ele, o prendendo no chão.

– Elliot!- Ouviu a voz de Julian chama-lo.

Ergueu-se com força, empurrando um daqueles que o seguravam e socando o outro logo em seguida. Tirou uma adaga do cinto, que por sorte ainda estava lá, e começou a lutar.

Tanto Kamil quanto Julian não se mexeram, o primeiro parecendo apreciar o espetáculo e o segundo congelado com Catherine nos braços e olhos arregalados. Dante era um combatente feroz e preciso e deixou cinco ou seis homens no chão antes que outros três voltassem a prende-lo, tirando a lâmina de suas mãos e batendo sua cabeça com força no chão.

– Já chega, Kamil.- Julian enfim falou, as mãos cerradas em punho.- Deixe-o em paz, é trás de mim que você veio.

– Tem razão.- O de cabelos negros assentiu, satisfeito.- Mas tenho que admitir que isso foi bem divertido, ver o filhotinho de Breazinder no chão.

Com o insulto Dante tentou se levantar e os homens se apressaram para contê-lo. Um deles perdeu a paciência e golpeou o garoto com um pedaço de ferro que trazia. O loiro enfim caiu, os olhos semicerrados.

– Já chega, Kamil.- Julian repetiu, mais alto e mais firme.- Eu vou com você, vamos sair logo daqui.

– Julian...- Elliot sussurrou, mas o moreno não se virou para ele. Deixou Catherine gentilmente no chão e caminhou até Kamil.

– Vamos.

Kamil era pouco mais baixo que Julian e muito mais pálido. Ele sorriu como uma criança com a proposta do outro e segurou sua mão.

Dante olhava para os dois, a visão ligeiramente borrada. Era estranho, a forma como aquele maníaco olhava para Suez, como se realmente o amasse. E o próprio Julian também tinha uma expressão confusa, de dor, e quase como se houvesse sido traído.

Então alguma coisa bateu novamente em sua cabeça e sua visão ficou escura.

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O salão era amplo e majestoso. Com pé direito alto e pilastras esculpidas sustentando um teto abobadado. O piso de mármore negro polido refletia os rostos dos presentes. Em frente a grandes janelas fechadas por cortinas de veludo havia um palanque, onde homens fardados com muitas medalhas no peito posicionavam-se respeitosamente. E, em frente ao palanque, um bloco de cerca de vinte pessoas, perfeitamente posicionadas em linhas e colunas, imóveis com as mãos para trás do corpo e rostos sérios. Usavam pela primeira vez o uniforme de gala negro, sendo observados pelas famílias e amigos atrás deles, do lado oposto ao palanque.

– O general comandante Ventura fará uso da palavra.- Anunciou o mestre da cerimônia e afastou-se respeitosamente quando o loiro passou. Ele vestia uma farda negra, com mais insígnias e brasões do que qualquer outro dos presentes.

– É com grande prazer que recebemos hoje 24 novos oficiais formados pela unidade de forças especiais.- Apesar das palavras gentis, seu rosto estava serenamente inexpressivo.- Os jovens hoje presentes enfrentaram duras privações para chegarem até aqui, e compreendem muito bem a importância e o valor de dedicar a vida ao dever e à pátria. Eu lhes digo: a batalha acaba de começar.

Dante estava na primeira fileira, no canto esquerdo, olhando fixamente para o rosto do pai. Por um momento pode jurar que os olhos azuis escuros estavam voltados para si, mas então o momento passou e ele se sentiu tolo. Era claro que achava que o general olhara, todos deviam ter achado isso. Era uma das coisas que fazia do pai tão bom orador.

Elliot sentiu quando o rapaz moreno de pé a seu lado lhe encarou quase imperceptivelmente, com o canto dos olhos. Sabia que Cordélio não gostava daquele tipo de cerimônia, por maior que fosse a honra de estar naquela posição ou a felicidade por finalmente deixarem a academia. Ele devia estar torcendo para acabar logo. Mas Dante não deu atenção ao colega de equipe naquele momento, concentrar no discurso do pai.

–Ainda enfrentarão muitos perigos e desafios, mas lembrem-se sempre, como representantes de uma das mais antigas entidades do exército de Breazinder, de manterem sólida a promessa que farão hoje ao povo de sua nação.- Dito isto se afastou, e o mestre da cerimônia reassumiu o microfone.

– O mais jovem dos formandos conduzirá o juramento. Tenente Elliot Dante Ventura, assuma seu lugar.

Sem hesitar, Dante tomou a posição de sentido e saiu da formação, subindo os degraus até o palanque. Passou em frente ao pai e parou para prestar-lhe continência, forçando-se a manter o rosto tão inexpressivo quanto o do mais velho. Quando seu gesto foi retribuído, dirigiu-se ao microfone e olhou o salão que se abria a sua frente. Seus colegas imóveis na formação, um único espaço onde ele próprio estava momentos antes, vestindo suas fardas escuras com detalhes em branco e dourado e uma espada fina na cintura. Mais ao fundo, os entes queridos, familiares e amigos dos novos tenentes, observando com a emoção e orgulho que os próprios evitavam demonstrar.

– General comandante Ventura, demais oficiais generais e outros oficiais presentes, senhores familiares e amigos. Caros colegas.- Fez uma pausa e estendeu a mão direita à frente do corpo.- Incorporando-me hoje à unidade de ação especial do exército de Breazinder.- Parou de falar e suas palavras ecoaram, à medida que todos os outros 23 formandos repetiam.

“Elliot”. O garoto travou. Uma voz o chamava, sem que ele conseguisse identificar de onde ela vinha. Passou rapidamente os olhos negros pelas pessoas à sua frente e depois pelas autoridades no palanque, levando um momento maior no rosto do pai. Nenhum deles o olhava, como se sequer houvessem reparado que ele se movera ou que se calara.

“Hey, Elliot. Sou eu.”

“Cordélio?”- Virou-se para o companheiro, mas ele continuava na mesma posição, sem encará-lo ou mover os lábios. Então o loiro percebeu. A voz vinha de sua mente.

Dante abriu os olhos. Ao seu redor tudo era branco, embaçado pela sonolência. Estava deitado em uma cama de lençóis brancos, olhando para paredes tão brancas quanto o teto. Uma imagem se focou a sua frente.

Cordélio estava sentado em uma cadeira ao lado da cama, usando o uniforme da unidade, mas sem a jaqueta. Apenas calças, blusa e coturno. Seu cabelo castanho claro continuava como da última vez que o vira, alguns centímetros mais compridos do que permitia o regulamento, e seus olhos azul-gelo pareciam felizes ao vê-lo.

– Olá, líder.- Cumprimentou. Faziam parte da mesma equipe e o moreno era o segundo em comando de Dante.

– O que está fazendo aqui?- Perguntou em voz baixa, sua garganta estava seca.

– Também estou feliz em vê-lo, depois de tanto tempo.- Sorriu e pegou um copo de água sobre a mesa ao lado da cama, estendendo-o para o outro. Dante olhou com suspeita para o objeto.

– Tem certeza que isto é água?

Cordélio ergueu as sobrancelhas, como se julgasse se a pancada na cabeça teria prejudicado a sanidade do menor. Por via das dúvidas, cheirou o líquido e provou-o. Depois revirou os olhos.

– Tenho.

– Sabe o que aconteceu?- Perguntou loiro, aceitando o copo. Cordélio assentiu.

– O primeiro a notar que havia algo errado foi um membro da seção de saúde que estava de plantão. Quando a sargento Catherine não apareceu para cobri-lo, ele chamou o oficial-de-dia da unidade. Então eles revistaram o lugar e encontraram vocês dois inconscientes no corredor do alojamento. Agora estão procurando por Gernot e Suez, mas você foi afastado da operação.

Elliot notou como a voz do outro soou desconfortável ao pronunciar o nome da moça e aquilo preocupou-o.

– Como ela está?

Por um segundo os olhos muito claros o encararam intensamente, em silêncio.

– Ela morreu.- Disse depois.

Dante soltou o ar com força e apoiou a cabeça nas mãos. Sentiu-se muito tonto e sabia que não era devido ao ferimento. Lembrou-se do rosto suave e jovem de Catherine, das mãos cuidadosas enquanto fazia um curativo em seu braço. E de como ela estava fria quando a encontrou, o jaleco coberto de sangue até parecer vermelho.

Cordélio não disse nada. Deu um momento para o outro e, como esperava, pouco depois os olhos negros viraram para ele, duros e determinados.

– Vou atrás dele.

– Eu sei. Estava esperando que dissesse.

– Você não pode vir comigo. Fui afastado, ir atrás de Julian agora contraria os regulamentos.

O moreno franziu a testa, confuso.

– Julian?

– O doutor Suez.

– Sim, eu sei. Só achei estranho você chama-lo assim.- Deu um riso divertido e a expressão do loiro se fechou.

– Não temos tempo para isso agora. Você não pode ir.

Cordélio suspirou.

– Olha, Elliot, teoricamente eu nem mesmo estou aqui.

– Você fugiu de Rydef?- Perguntou, estreitando os olhos. Rydef era a província de Breazinder onde se localizava a unidade de ação especial.

– Não, tirei folga esse fim de semana.- Deu de ombros.- Em teoria fui ver minha família, mas achei que não faria mal visitar um amigo primeiro. Principalmente depois de saber o que aconteceu.

Os ombros de Dante enrijeceram. Sabia que seria inevitável, mas a ideia de que todos na unidade já sabiam de seu fracasso era humilhante. Por outro lado, sabia o quanto a família de Cordélio era importante para o rapaz. Se ele abrira mão de uma chance de encontra-los para ir lá era porque falava sério.

– Tudo bem.- Disse por fim. Não podia negar que o moreno seria uma grande ajuda.- Trouxe sua arma?

Um dos lados dos lábios do maior subiu, em uma expressão desdenhosa que dizia: “o que você acha?”

– Trouxe duas armas?- Ignorou o riso do outro. E frente a face questionadora continuou.- Eu perdi a minha.

Após um instante de assombro, Cordélio gargalhou.

– Sério mesmo, você perdeu a arma?- E riu novamente.

Dante ficou em silêncio. Sabia que merecia ouvir aquilo por tudo que acontecera, mesmo que a culpa fosse do imbecil do Suez, mas não gostou de ser motivo de piada.

– Sim, Elliot.- O moreno disse por fim, o riso cessando.- Eu trouxe duas armas.

–-//--

Cordélio teve de usar todo seu charme para convencer o pessoal do setor médico que o tenente Dante já estava bem e que seria bom para ele dar um passeio ao ar livre acompanhado de seu amigo.

Então os dois seguiram evitando serem vistos até uma das áreas menores de estacionamento de naves. Entre os veículos que lá estavam, havia uma nave bastante enxuta, mas funcional, projetada para o transporte de três ou quatro pessoas. Tinha um aspecto simpático, as janelas e asas na dianteira parecendo formar um rosto sorridente no metal prateado. Elliot a reconheceu como uma das naves de Rydef, a favorita de Cordélio. Ele costumava chama-la de Timmy, que, segundo o rapaz, era o nome de seu gato.

O moreno foi para a traseira do veículo e abriu o porta malas. Dante seguiu-o e não pode evitar um sorriso com o que encontrou lá dentro.

– Você supostamente vai visitar sua família, mas leva um arsenal consigo?- O tom sério do loiro não combinou muito com o sarcasmo da pergunta. O outro deu de ombros, olhando com ar avaliativo para a fileira muito bem ordenadas de armas e munições.

– Não chega a ser um arsenal, você sabe. Além disso, eu tenho acesso irrestrito à sala de armas, assim como você, líder. Se bem que agora talvez você não tenha mais, depois de perder a pistola.- Falou naturalmente, sem intenção de provoca-lo.

Dante estreitou os olhos e ignorou-o, se aproximando dos armamentos dentro da nave e escolhendo um deles, testando seu tamanho e peso. Pareceu acha-lo adequado e colocou-o pendurado no cinto.

– Sabe para onde vamos?- Cordélio perguntou.

O outro assentiu, pegando o carregador da nova pistola e municiando-o com os cartuchos, antes de também guarda-lo no cinto.

– Suez deixou uma pista.- Tirou um papel amassado do bolso da jaqueta, entregando-o ao maior. Cordélio desdobrou-o rapidamente e um pequeno aparelho, com uma tela semelhante a um radar, caiu em suas mãos.

– “Mudei de ideia. Talvez seja bom que você sempre saiba onde estou.”- Leu a mensagem escrita em uma letra redonda e elegante no papel amassado.- O que quer dizer?

Elliot suspirou.

– No início, quando fui designado para proteger Julian, eu coloquei diversos localizadores próximos a ele para poder encontra-lo se fosse preciso. Mas de alguma forma, ele os encontrou e desligou todos. E continuava fazendo isso sempre que eu o grampeava de novo. No final, ele apenas pediu para pararmos com isso e eu não tive muita escolha.

– Então ele simplesmente mudou de ideia e colocou um localizador em si mesmo?

– É o mais provável.

– Isso não parece um tanto estranho?- Perguntou erguendo as sobrancelhas castanhas.- Ele ter feito isso logo antes de ser raptado?

Inesperadamente a expressão do loiro ficou sombria, os olhos negros com um brilho profundo.

Tudo isso é muito estranho. Seja como for, Suez terá muito a explicar depois que o salvarmos.

Cordélio não respondeu. O tom que o outro usara não era do tipo que poderia ser retrucado por uma piada ou comentário leviano. Devolveu a Dante o aparelho metálico que piscava como um radar e indicou para que ele o seguisse enquanto embarcava na nave.

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A viagem levou-os a uma ilha de tamanho médio que não aparecia nos mapas, erguendo-se solitária no oceano ao sul de Ambryader. Era uma paisagem bucólica demais para a situação, a cadeia montanhosa coberta de vegetação no centro e as praias de ondas baixas por toda a costa.

– É aqui.- Dante indicou, olhando para o radar que piscava rubro em sua mão.

Cordélio então fez uma guinada brusca com a nave, que poderia ter derrubado seus passageiros se o loiro já não estivesse acostumado à forma insana como o outro pilotava. Era realmente surpreendente que o moreno nunca houvesse causado ou sofrido nenhum acidente enquanto dirigia, com suas manobras bruscas e exageradas. Após algum tempo Dante havia desistido de censurá-lo por aquilo e simplesmente aceitava que o companheiro talvez soubesse o que estava fazendo.

– Tem pessoas na ilha.- Cordélio virou-se para Dante, sem soltar as mãos do controle da nave ou cessar seu movimento.- Vou aterrissar na floresta para que não nos vejam.

Elliot assentiu, ajeitando-se na cadeira e se segurando bem para a aterrissagem violenta. Logo depois, Cordélio apertou os aceleradores e eles desceram rapidamente para a areia, antes de fazer uma curva acentuada em direção às árvores. Ele então virou o controle o máximo que podia para a direita e Timmy seguiu seu comando, até estar quase na vertical.

Passaram entre os troncos finos de árvores altas, se aproximando cada vez mais do chão. A asa da nave raspou a terra fofa, causando fortes tremores na nave e espalhando folhas pelo ar. Uma, duas, três vezes. Então chegaram a uma clareira e Cordélio colocou-os novamente em posição horizontal. As rodinhas sob o metal desceram, amortecendo um novo choque com o chão e deslizando até que finalmente parassem.

Dante tirou o cinto e se levantou, já abrindo a porta da nave. Cordélio seguiu-o, um pouco apreensivo.

– Elliot, espere. Aonde está indo?

– O radar aponta para lá.- O loiro respondeu, observando o aparelho em suas mãos e apontando para a maior das montanhas.- Há uma fortaleza perto do cume, eu vi quando estávamos descendo.

– Não podemos simplesmente deixar Timmy aqui.- Cordélio finalmente havia alcançado o outro e o virava para si, segurando-o pelo ombro. Dante olhou-o com expressão de desagrado.- Há pessoas perto da praia e a nave tem armas. Para não falar no valor da nave em si.

– Tem razão.- Falou após um momento e olhou para a nave e depois para o companheiro.- Leve-a para um lugar seguro, eu vou atrás de Gernot e Suez.

Mas o moreno balançou a cabeça amplamente, em negativa.

– O que está acontecendo, Elliot, nem parece você. Sabe que não vou deixa-lo sozinho. Precisa se acalmar.

Dante estreitou os olhos e não disse nada. Ficaram se encarando por um instante, conscientes do perigo que corriam de ser vistos caso alguém entrasse na floresta.

– Sim.- Uma pausa.- Sim, você está certo.- O loiro confessou e suspirou, fechando rapidamente os olhos. Cordélio soltou o ar, satisfeito.- Precisamos de um plano. Quantas pessoas você viu aqui?

– Talvez dez, espalhadas pela praia. Mais algumas nas árvores próximas às montanhas, não mais que uma dezena também. Se houver mais soldados devem estar na fortaleza.

– Vamos apagar os que estão na praia, vou pegar apenas um para interrogarmos. Depois disso nosso tempo estará contado até que Kamil perceba que estamos aqui.- Disse seriamente e o outro assentiu, sorrindo.

Se aproximaram da borda do cerco de árvores, o máximo que podiam sem dispensar a cobertura oferecida pelos troncos e folhas. Podiam vê-los agora. Homens de pele bronzeada, vestindo roupas leves, muitos com apenas uma calça folgada. Ao contrário dos soldados que vira acompanhando Kamil até então, aqueles pareciam camponeses comuns, se não fossem pelas armas que carregavam: facões, clavas, bestas e até mesmo uma ou outra arma de fogo. Essas últimas preocuparam Dante, não tanto pelo perigo imediato, mas por mostrar que Kamil Gernot de alguma forma tinha acesso àquele tipo de armamento.

Os homens pareciam estar em meio a algum treinamento. Formavam duplas para combate corporal ou praticavam com alvos de madeira sob o sol forte da manhã. Cordélio ajoelhou atrás de um dos troncos mais próximos, sua arma em mãos apontada na direção dos homens. Ele estava completamente imóvel, mal parecia respirar.

– Quando estiver pronto.- Sussurrou.

Dante assentiu e respirou fundo.

– Breazin.– Disse baixinho, a palavra que era o lema de sua nação. Que significava coragem no antigo idioma.

E correu.

–-//--

Os homens na praia mal pareceram notar que estavam sendo atacados até os primeiros deles caírem, com uma perna ou braço sangrando. Tiros. Olharam ao redor, procurando a fonte daquilo, quando um vulto negro surgiu dentre as árvores, derrubando os dois homens mais próximos sem que estes tivessem tempo de saber o que os atingira.

Então a batalha começou.

Os dois adversários que possuíam armas de fogo haviam sido os primeiros alvos de Cordélio e agora estavam no chão, segurando os ferimentos. Um deles engatinhou em direção à arma que havia caído – um fuzil de grosso calibre. Mas Dante foi mais rápido e levantou a própria pistola, atirando na mão do homem, que soltou um gritou e se afastou.

Uma sombra atrás de si cobriu a luz do sol e o loiro se virou a tempo de ver um homem enorme com uma clava posicionada para acertá-lo. Antes que pudesse realizar o golpe, no entanto, o homem urrou de dor e caiu de joelhos, a clave provocando um ruído e levantando nuvens de areia ao cair de suas mãos. Quando o homem veio ao chão, Dante viu o sangue que manchava seu ombro, ao redor de um ferimento de bala.

Se moveu rapidamente para se desviar de uma flecha, porém essa o atingiu de raspão, cortando o uniforme e superficialmente sua pele na altura das costelas. Virou-se e com um tiro outro adversário sucumbia, gemendo. Olhou ao redor. Restavam quatro inimigos na praia, com expressões de medo e raiva. Dois seguravam facões, o terceiro outra clava e o último estava desarmado.

Quando perceberam que o loiro os observava, os homens correram, se dispersando. Dois deles não conseguiram se afastar muito, antes de também serem atingidos por tiros que pareciam não vir de lugar nenhum. O terceiro correu em direção a Elliot, segurando o facão a sua frente. O loiro desviou do golpe e agarrou a mão livre do homem. Com um movimento perfeito girou-o, levando-o ao chão com os braços presos nas costas, e sentou-se sobre ele. O homem tentou se soltar, mas Dante segurava-o com firmeza e torceu seu braço até que ele largasse a arma.

O tenente olhou ao redor, procurando o último dos adversários, mas ele havia sumido entre as árvores, no sentido oposto ao que estava Cordélio. Xingou-se mentalmente por ter deixado um deles escapar e olhou para trás ao ouvir o som de passos.

Cordélio se aproximava correndo, a pistola nas mãos.

– Espere um instante.- Falou quando passou ao seu lado e então entrou na floresta atrás do homem que fugira.

Dante observou-o sumir entre as folhas. O homem abaixo de si já desistira de se soltar e agora o encarava com ira. O loiro o ignorou, prestando atenção nos inimigos abatidos pela praia, atento caso algum deles tentasse voltar ao combate. Mas os poucos que permaneciam acordados pareciam mais preocupados com seus próprios ferimentos do que em lutar.

Cordélio voltou, arrastando pelo pé o homem que fugira, e que agora tinha as mãos e pernas amarradas por cipós. O garoto sorria enquanto se aproximava do amigo, um corte em seu rosto sujando a bochecha de sangue. Na mão que não arrastava o homem desacordado, trazia mais cipós.

– Pronto.- Disse ao soltar sua carga ao lado do companheiro.- Vamos prender os outros?

Dante pegou uma das cordas e habilmente amarrou o adversário sob si, passando então aos demais. Logo todos estavam firmemente presos, deitados na areia da praia. Muitos tinham machucados, mas todos estavam vivos, os tiros de Cordélio eram absolutamente precisos.

Levaram o primeiro homem que Elliot havia capturado para dentro da cabana e o amarraram a uma cadeira, no centro da sala. Era um espaço amplo e pouco mobiliado, com travesseiros e cobertores próximos às paredes. Os olhos escuros queimavam com fúria no rosto de pele morena do homem, enquanto encarava-os em silêncio.

Dante parou na frente dele. Os íris sérias e muito negras.

– Precisamos que você responda a algumas perguntas.

O homem continuou em silêncio.

– Não quero ter que machucá-lo. Mas se for preciso, eu vou.

Dessa vez o homem respondeu, mas o que disse não foi no idioma dos países a noroeste, falado em Ambryader e Breazinder.

– Ótimo.- Cordélio ironizou, embora não houvesse riso em sua expressão.- Ele não fala nossa língua.

– Precisamos que responda a algumas perguntas.- Dante repetiu, dessa vez no mesmo idioma do homem. Cordélio levantou uma sobrancelha, mas não disse nada.

Talvez eu não queira responder suas perguntas, garoto.

– Não estou lhe dando essa opção.

– E como pretende me obrigar?

Dante não respondeu. Em vez disso deu um passo à frente e acertou com força o rosto do homem. Após o som do golpe a sala ficou em completo silêncio. O estrangeiro continuava olhando para o lado enquanto a lateral de seu rosto assumiu um tom arroxeado. Por fim ele cuspiu algo vermelho e voltou-se novamente ao loiro.

– Só isso? Não vai atirar em mim, como fez com meus companheiros?

Aquela palavra - companheiros - trouxe uma percepção ao garoto e ele ficou em silêncio, o rosto pensativo.

– Elliot...- Cordélio falou baixinho, em tom de aviso. Podia não entender o que o homem estava falando, mas era nítido o deboche em seu rosto e em seu tom. O amigo virou-se para ele.

– Traga mais um deles.

O moreno não compreendeu, mas atendeu ao pedido e voltou com outro homem amarrado, um pedaço de pano atado no ferimento do braço e um olhar de ódio. Dante aproximou-se dele. Então tirou a arma do cinto e apontou-lhe. Sentiu Cordélio enrijecer ao seu lado, mas não olhou para o amigo.

Ah sim, agora mostra sua verdadeira face. Assassino.

– Você escolheu isso, ao se aliar a um criminoso procurado. Agora, não sei qual foi a oferta que Kamil Gernot fez a vocês, mas escute o que eu ofereço.- Abaixou a arma e encarou fixamente os olhos escuros do outro.- Não iremos mais ferir você ou seus companheiros. Quando tudo isto acabar, serão levados para o hospital do exército e devidamente tratados. Então sua jurisdição pertencerá a Ambryader para que sejam julgados pelos crimes que cometeram.- Fez uma pausa.- A segurança de seus companheiros está em suas mãos. Então, qual sua escolha?


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Notas finais do capítulo

Olá, pessoas! Espero que tenham gostado. Já sabem: comentários, elogios, críticas, dúvidas e sugestões serão muito bem-vindos!



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