A Prayer For The Heartless escrita por Izzy Aguecheek


Capítulo 9
Clary


Notas iniciais do capítulo

EU NÃO MORRI O/ ~ngm liga~
É sério, eu realmente tive problemas com esse capítulo. Não só porque pegou o final do ano e eu fiquei ocupada, mas porque eu tive muita dificuldade em capturar a relação deles direitinho. Mas eu me esforcei muuuuito, ouvi muito The Neighbourhood, chorei, sofri, passei noite em claro, enfim. Eu sofri um bocado pra escrever esse capítulo, então espero que vocês gostem!



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And I look you in the eye

You know this is the last time I am gonna put you back together

I’m gonna put you back together

E eu te olhos nos olhos

Você sabe que essa é a última vez em que eu vou te consertar

Eu vou te consertar

X Ambassadors – Love Song Drugs Song

O primeiro passo do plano era pegar de volta a chave do Porsche. Sebastian sabia em qual gaveta o pai a guardava, e sabia que a gaveta não tinha tranca; esse não era o problema. O problema era que ela ficava no quarto de Valentim, e, se Sebastian fosse apanhado tentando recuperar a chave, só Deus (ou, como Sebastian gostava de pensar, o Demônio) sabia o tamanho da surra que ele poderia levar.

A solução para isso: àquela altura, Sebastian não estava nem aí.

Mesmo correndo, ele demorou para chegar à casa dos Morgenstern. Teria sido tempo o suficiente para bolar um plano de ação, se ele quisesse um, mas ele não queria; simplesmente abriu a porta, subiu as escadas e seguiu para o quarto do pai. O carro de Valentim não estava na garagem, o que facilitava um pouco as coisas; porém, Sebastian sabia que ele voltaria logo. Seu pai não tinha muito o que fazer durante o fim de semana.

Sebastian fez uma pausa para analisar o quarto perfeitamente arrumado e quase sem decoração. Algo na cama bem-feita, nas cortinas escuras e nos sapatos cuidadosamente enfileirados junto à parede faziam com que ele se lembrasse de quando era pequeno e o pai o deixava dormir ali às vezes, se tivesse um pesadelo particularmente ruim. Então, no dia seguinte, Valentim o colocava para fora de novo, como se estivesse arrependido. Ele não vai mais precisar se preocupar com isso, pensou.

A gaveta era a primeira da escrivaninha, e estava vazia, exceto pela chave do Porsche e um porta-retratos virado para baixo. Sebastian guardou a chave no bolso e pegou o porta-retratos. Arrependeu-se instantaneamente; era uma foto de Clary e Jocelyn. Clary ainda parecia bem nova, mas a foto devia ter sido tirada já depois da separação. Ele se perguntou como Valentim a conseguira.

Estranhamente, a imagem lhe deu vontade de chorar. Era tão injusto. Ele deveria estar naquela foto. Porque ele deveria ter crescido com Clary. Porque Jocelyn deveria tê-lo levado com ela. Porque fora ele, e não Clary ou Jocelyn, que ficara com Valentim durante todos aqueles anos. Fora ele, Sebastian, que o amara durante todos aqueles anos.

Sem hesitar, Sebastian estendeu o braço e deixou o porta-retratos cair. O som do vidro se estilhaçando contra o piso de madeira teria alertado Valentim, caso ele já tivesse chegado, mas o resto da casa permaneceu silenciosa. Fechando rapidamente a gaveta, Sebastian saiu e foi para o próprio quarto.

Mesmo antes de abrir a porta, ele sabia que não levaria nada consigo. Havia alguns livros dos quais gostava, alguns CDs que escutava às vezes, mas isso não importava. Só precisava trocar de roupa, pegar uns comprimidos para dor de cabeça e ir embora. A ideia inicial era passar o dia fora, talvez o fim de semana inteiro, mas o pensamento de não voltar parecia cada vez mais atraente.

Após colocar roupas limpas e engolir a seco dois comprimidos, Sebastian deu uma (última?) olhada no quarto. Ao contrário do quarto de Clary, a decoração ali era surpreendentemente pouca, e não revelava os dezessete, quase dezoito, anos em que vivera ali, mas um detalhe chamou sua atenção: era um anel largado sobre a escrivaninha. Seu anel Morgenstern. Sebastian se lembrava de tê-lo deixado ali na segunda-feira de manhã, depois que o anel do pai abrira um corte em seu rosto.

Hesitante, ele o pegou, como se fosse uma coisa perigosa, e o colocou no dedo. Deixar o anel parecia trair seu pai. Levá-lo parecia trair a si mesmo. Sebastian não gostava de ter que escolher. Nesse aspecto, brigar com Valentim era mais fácil: ele não tinha outra opção.

Enquanto tentava decidir, ouviu o ruído de um carro no andar térreo. Ainda com o anel no dedo, Sebastian disparou escada abaixo e conseguiu entrar no Porsche e dar a partida a tempo de ver a porta da garagem se abrir para revelar o Volvo de Valentim. Valentim, ao ver que o filho havia recuperado as chaves, buzinou e gritou alguma coisa pela janela aberta. Sebastian o ignorou e começou a dirigir.

Eles se encontraram lado a lado no meio do caminho, duas versões de uma mesma realidade. O rosto de Valentim estava contorcido de raiva. Aquela era uma infração grave, nunca cometida antes, mas Sebastian sentiu a mesma satisfação feroz ao ver que ainda tinha o poder de irritá-lo.

– Você não vai a lugar nenhum – rosnou Valentim, por cima do ruído dos dois motores.

Sebastian riu. Algo dentro dele se quebrou com o ato, deixando-o leve o suficiente para que ele se sentisse como se pudesse voar. Voar e cair. Como um pássaro que levou um tiro. Como a porra de um míssil. Como Lúcifer.

– Vá para o inferno – respondeu, com o resto do riso ainda nos lábios.

Você não vai a lugar nenhum – repetiu Valentim. Seu rosto estava lívido, e seus dentes, cerrados. – Ou eu juro por Deus, Sebastian, vou fazer você entender o significado de inferno.

Sebastian ainda estava rindo, e rindo, e rindo. Estava apavorado, e isso o fazia rir ainda mais. Com um floreio, ele tirou o anel do dedo e atirou-o na cara de Valentim.

– Experimenta – retrucou. E mostrou o dedo do meio, onde o tão precioso anel Morgenstern estivera, para o pai.

O rugido irado de Valentim se perdeu quando Sebastian acelerou o carro e saiu com tudo, quase quebrando o portão da garagem. Ele sabia que Valentim não o seguiria; a raiva era o suficiente para fazê-lo dar-lhe uma surra, mas o pai não se importava o suficiente para persegui-lo por isso. À medida que se afastava de casa, a leveza no interior de Sebastian começou a devorá-lo. Ele se perguntou se era por isso que as aves tinham ossos ocos; se era preciso estar vazio para voar.

Foi só quando deixou Valentim e a casa de sua infância para trás que ele percebeu que não tinha a menor ideia do que fazer em seguida e que suas mãos estavam tremendo. Ele queria sair da cidade, mas não queria descobrir quem seria longe dali. Se fosse sincero consigo mesmo, admitira que não queria ficar sozinho. Que estava cansado de estar sempre sozinho.

Mas Sebastian Morgenstern era um mentiroso, exatamente como seu pai. Ele se convenceu de que não havia nada para fazer em outro lugar, e que seria ainda melhor ver a cara de Valentim ao saber que ele tivera a audácia de permanecer ali, e deu meia volta. Não voltou para casa, mas não dirigiu para a interestadual; começou a dar voltas no mesmo quarteirão, até clarear a mente o suficiente para tomar uma decisão e parar junto à calçada.

Com os dedos mais firmes, ele tirou o celular do bolso e ligou para um dos poucos contatos que tinha salvo. Era um número antigo, e Sebastian rezou fervorosamente para que ela não tivesse mudado de celular, e que se desse ao menos ao trabalho de atender. Ou que não olhasse o identificador de chamadas.

Não precisava ter se preocupado; como a boa menina que era, Clary atendeu no segundo toque:

– Alô?

Ela parecia hesitante, mas não soava irritada. Sebastian fechou os olhos, agradecendo às forças superiores - o que era uma ironia, considerando que ele não acreditava nelas.

– Oi. Sou eu.

Algo em sua voz devia tê-lo denunciado, pois Clary assumiu um estranho tom de preocupação relutante.

– Sebastian? Aconteceu alguma coisa?

– A gente pode se encontrar em algum lugar?

Ela hesitou.

– Sebastian, eu não sei se é uma boa ideia.

Ele apertou o telefone com mais força, baixando a guarda só por um instante. Só o suficiente para fazê-la entender.

– Por favor.

Houve um instante de silêncio, então a voz do outro lado da linha suspirou.

– Onde?

Sebastian considerou a questão por um instante. Ele não queria ir à casa de Jocelyn. A primeira coisa que surgiu em sua mente foi a lanchonete em frente à escola, mas também não queria correr o risco de encontrar algum conhecido, não agora. Todo o resto parecia perto demais da casa dos Fray, ou da casa dos Morgenstern, ou da dos Lightwood, ou da dos Fairfolk, ou impregnada demais com algum tipo de memória.

Por fim, ele sacudiu a cabeça, frustrado.

– Não quero ir para lugar nenhum – disse, e era verdade. Sebastian hesitou. – E se eu fosse te buscar e a gente... não sei. A gente podia dar uma volta.

Outra pausa, preenchida por ansiedade. Então, a resposta, tão hesitante quanto a pergunta:

– Tudo bem – E ela desligou.

Sebastian levou apenas alguns minutos para chegar à casa dos Fray, porque estava dirigindo a uma velocidade absurda. Clary estava esperando do lado de fora, parecendo resplandecente e familiar em uma camiseta verde e calça jeans. Sebastian abriu um sorriso inseguro quando ela entrou no carro, tensa como se ele fosse uma bomba-relógio. O que talvez ele fosse mesmo.

– Oi – disse Sebastian, tentando soar despreocupado.

– Oi – Clary analisou o interior do veículo. – Carro legal.

– Valeu.

Eles ficaram em silêncio por alguns minutos, enquanto Sebastian escolhia ruas aleatórias para percorrer. Por fim, Clary disse:

– Então, o que aconteceu?

Ela estava obviamente se esforçando para manter o tom leve, o que fazia com que ela soasse como se estivesse perguntando a hora para uma ave carniceira. Sebastian precisou de um momento para organizar uma resposta plausível. Ele não estava certo de que sabia, e tinha receio de contar o que acontecera na noite anterior.

– Eu briguei com Valentim – respondeu, decidindo simplificar as coisas. – E, bem, com o Jace. Mais ou menos. E com todo mundo, na verdade. – Menos com você. Ele sabia o que Clary estava pensando: mas isso não acontece o tempo todo?. Por isso, acrescentou, defensivo: - Eu tive uma semana péssima. Só... Só isso.

Para sua surpresa, Clary pareceu entender.

– Bem, o que você quer fazer, então?

Sebastian piscou, um tanto surpreso.

– O que você faz quando tem uma semana ruim? – perguntou. Clary deu de ombros.

– Procuro revistas em quadrinhos. Vou tomar um café com o Simon – Ela hesitou, provavelmente ponderando se mencionar Simon era uma boa ideia. – Converso com alguém sobre isso.

– Não tem ninguém – disse Sebastian, baixinho, surpreendendo a si mesmo com o toque de abandono na própria voz. – Foi por isso que eu liguei para você.

Mais silêncio. Eles estavam quase na interestadual agora; Sebastian estacionou bruscamente junto ao acostamento, com medo do que faria se realmente chegasse lá. O gesto pareceu alarmar Clary; ela segurou firme na maçaneta da porta e se virou para fitar o irmão, tensa.

– Sebastian?

Ele ergueu os olhos, e sua voz soou mais rude do que pretendia:

– O que foi?

Era por isso que Sebastian gostava mais de Clary do que todos os outros: ela era teimosa. Ela o encarou, parecendo irritada agora.

– Se você quiser que eu te ajude, precisa me contar o que está acontecendo. Eu não vou ficar brincando de adivinha o dia inteiro.

Havia algo de Jocelyn na forma como o rosto dela se franziu, como se estivesse diante de um problema de matemática complexo demais para resolver. Sebastian conhecia aquele olhar. Era o mesmo olhar que Luke costumava lhe lançar quando achava que ele não está olhando, o mesmo olhar que diversos orientadores educacionais exibiam enquanto Sebastian se sentava na cadeira em frente à mesa deles, altivo, arrogante e pronto para começar uma briga. E era o olhar de Valentim, também. Sem o desprezo e a condescendência, mas a essência era a mesma.

Exceto que, no olhar de Clary, havia preocupação genuína. E provavelmente era porque ela tinha medo do que ele poderia fazer com os outros, ou porque era da natureza de Clary não gostar de ver outras pessoas angustiadas, ou porque Clary, ao contrário dele, gostava de ser útil a uma causa que não levasse a benefício próprio. Não por ele. Algo pontudo cutucou o coração de Sebastian, mas ele se recusou a reconhecer a pontada.

Ao invés de aceitar a ajuda, Sebastian disse, em tom afiado:

– Por que você se importa, afinal?

– Por que você me chamou aqui, então?

Eles se encararam, Clary parecendo determinada e Sebastian desafiador. Naquele momento, era inegável que eles eram irmãos; embora não tivessem sido criados juntos, a ligação estava ali, esticada e desgastada, como um fio de telefone que tivesse sido puxado demais: pouco utilizada, mas ainda utilizável.

Sebastian esperou que Clary desviasse o olhar, como todos sempre faziam. Ela não o fez. Sebastian teria gostado de pensar que era o sangue Morgenstern lhe dando um pouco de presunção; porém, era mais provável que fosse a criação e a semelhança com Jocelyn e – por que não? – Luke fazendo com que ela tivesse a coragem e a teimosia necessárias. Por fim, ele disse, também sem virar o rosto:

– Porque eu ainda não briguei com você. Foi por isso.

Clary se recostou contra a porta, de modo a ficar de frente para o irmão. Parecia surpresa e estranhamente satisfeita com a resposta.

– Bem, acho que posso responder o mesmo – disse ela, e Sebastian finalmente desviou o olhar. Não queria vê-la estudando-o como se ele fosse um experimento científico cujo resultado ela ainda não sabia; também estava familiarizado com esse tipo de olhar, e a conclusão normalmente era a de que o experimento dera errado.

– Jocelyn ainda está com raiva? – perguntou Sebastian, em voz baixa. Clary demorou alguns instantes para responder.

– Ela definitivamente ainda está perturbada. Foi você quem quebrou aquele copo?

Sebastian ergueu as sobrancelhas, desarmado por enquanto.

– Ela não te contou o que aconteceu? – Clary sacudiu a cabeça. Ele deixou o ar sair em um suspiro longo e deu uma risada baixa. Parte dele torcia para que Jocelyn estivesse tentando evitar que Clary tivesse uma imagem ainda pior dele. O resto não queria ter que ficar grato por isso. – Que... Tocante.

– Você vai me contar?

A pergunta soou errada aos ouvidos dele, algo que Luke teria dito. Clary conversava com ele como alguém conversaria com uma víbora que decidira ser amigável por um instante: com cuidado, à distância, mantendo a voz baixa para evitar o bote. Eles eram irmãos, mas, ao passo que Sebastian queria se aproximar dela, Clary agia como se ele fosse um estranho.

– Não, acho que não – respondeu Sebastian, após ponderar por um momento. – Acho que você pode imaginar o suficiente.

Ele não precisou dizer que, sim, fora ele quem quebrara o copo. Os dois ficaram em silêncio por alguns minutos, então Sebastian disse:

– Ela não fala sobre mim, não é? A Jocelyn.

O rancor em sua voz não surpreendeu a nenhum dos dois. Clary apenas sacudiu a cabeça. A complacência dela estava fazendo algo no interior de Sebastian se revirar violentamente, uma vontade quase irrefreável de despertar alguma reação mais forte nela. Ele continuou, o rancor se transformando em maldade e transformando sua voz em veneno:

– Não sei o que é pior, se é quando ela fala mal de mim ou quando age como se eu não existisse. Mães não deveriam ser assim, não é?

– Ela não fala mal de você – A resposta foi imediata, e Sebastian pensou ter visto uma faísca de raiva no fundo dos olhos da irmã.

– Que ótimo. Então ela nunca se incomodou em explicar por que não me quer na casa dela, hein?

– Não é tão difícil assim de imaginar, não é?

Sebastian não respondeu; já estava se arrependendo de tê-la irritado, porque Clary se parecia muito com a mãe quando estava irritada, e Sebastian parecia muito com o pai quando estava tentando irritá-la. Clary pareceu perceber isso, pois sua voz estava mais suave quando ela acrescentou:

– Então, o que você pretende fazer?

– Eu não sei – Sebastian tentou suavizar a voz também, o que o fez soar como se tivesse alguma coisa entalada na garganta. – Eu não quero... Não sei. – Ele olhou de esguelha para ela. – Eu esperava que você tivesse alguma sugestão.

– Sinceramente?

– O que foi?

– O primeiro passo é você parar de tentar arrumar briga comigo também.

Pela primeira vez em muito tempo, Sebastian não teve coragem de retrucar. Subitamente, ele se perguntou o que estava fazendo ali. Naquele carro. Naquela cidade. Naquela vida de merda onde ninguém o queria por perto.

– Você ainda quer falar? – perguntou Clary. A resposta foi automática, e o tom, afiado:

– Por que? Você quer ir embora?

Clary apenas encarou-o. Sebastian deixou o ar sair em um suspiro, esperando que uma parte da confusão em sua cabeça saísse junto com o fôlego. Não funcionou. Por fim, ele se virou completamente para Clary, apoiando as costas na porta do motorista e esticando uma das pernas por cima da marca, invadindo o espaço do banco do carona.

– Eu quero que você me diga qual é o meu problema – disse, quase com agressividade.

Clary pestanejou.

– O seu...

– O meu problema, Clary. Eu quero que você me diga qual é – Não era um pedido; a rigidez em sua postura deixava isso bem claro. Os Morgenstern sempre foram bons em dar ordens; Sebastian só não havia encontrado alguém para obedecê-las. – E não me diga que eu não tenho um.

Clary parecia irritada e confusa ao mesmo tempo.

– E o que te faz pensar que eu sei?

– E não sabe? – Ela permaneceu em silêncio. Sebastian arreganhou um sorriso. – Caralho, Clary. Você é mesmo a filhinha perfeita.

Ele se deu conta de que talvez tivesse sido por isso que chamara Clary até ali: porque ela era tudo que ele nunca conseguiria ser, e talvez ele quisesse fazê-la pagar por isso, porque Sebastian Morgenstern era um mentiroso e não admitira para si mesmo que queria que a irmã o ensinasse a ser como ela. Sebastian continuou, sentindo suas entranhas ferverem cada vez mais:

– Vamos lá. Não vai fazer essa maldadezinha nem por mim? Eu sei que você quer dizer – Ele torceu o nariz, e, pela primeira vez, não pensou nisso como um gesto da arrogância Morgenstern. Era um gesto de asco, cru de uma forma que Valentim, com seu desprezo cuidadosamente polido, nunca conseguiria imitar. – Todos vocês morrem de vontade de me dizer o que tem de errado comigo.

Clary permaneceu muda, mas algo na forma como ela olhava para o irmão havia mudado; embora a confusão ainda estivesse lá, a cautela e a irritação haviam dado lugar a temor e um brilho que dizia claramente que ela achava que o irmão havia enlouquecido. Sebastian gostou dessa mudança, porque era a única à qual ele sabia reagir.

– Você pode falar o que quiser do meu pai, mas pelo menos ele teve coragem de falar na minha cara – disse ele. As palavras de Valentim giravam em sua cabeça em uma velocidade absurda, jogando a expressão de Clary e a voz de Jocelyn em um turbilhão rodopiante impossível de separar. Em algum lugar em sua mente, ele pensou ter ouvido o barulho de vidro quebrando. – Mas acho que você puxou à sua mãe nisso, não é? Ela. O namorado dela. Seu amiguinho. Aquele seu namoradinho de merda. E você. Um bando de covardes.

O rosto de Clary endureceu, e ela abriu a porta do carro.

– Isso foi uma péssima ideia – disse, e saiu do veículo, batendo a porta atrás de si.

Sebastian não hesitou em saltar do carro e correr atrás dela. Ele conseguiu alcançá-la e segurá-la pelo pulso.

– Espere – pediu, sem fôlego. Clary sacudiu o braço com ferocidade, tentando se desvencilhar, e se virou para encará-lo. Agora, parecia furiosa.

Não me toque – vociferou. – O que você quer?

Eu não quis dizer isso. Eu quero que você fique. Eu quero conversar com você. Com a minha irmã. Sebastian ergueu o queixo, arrumando sua melhor fachada.

– Você ainda não respondeu à minha pergunta.

Clary conseguiu livrar o pulso do aperto de Sebastian e o encarou, o rosto corado, os olhos verdes em chamas e os punhos cerrados.

– Sabe qual é o seu problema, Sebastian? É que você escolheu ter um problema. Você simplesmente decidiu que ia... Que ia ser errado – Ela também levantou a cabeça, desafiando-o apesar da diferença de altura. – Você não tinha que ser assim. Você escolheu isso.

– É muito fácil para você falar – retrucou Sebastian. Sua voz estava baixa, mas ele era um caldeirão prestes a transbordar. – Tudo é muito fácil para você, Clary. Você não teve que viver como eu vivi.

– Você também não tinha – disse Clary. Ela havia abaixado o tom também. – Não completamente.

Eles pairaram imóveis por um instante, duas estátuas vivas na calçada de uma estrada deserta. Se alguém resolvesse passar por ali, veria a semelhança sutil entre eles. A forma como ambos pareciam grandes demais para suas próprias peles.

Por fim, Clary rompeu o silêncio, com um murmúrio melancólico:

– Nós poderíamos ter sido amigos, Seb.

As costas da mão de Sebastian encontraram o rosto dela antes que ele conseguisse impedir, e, verdade seja dita, ele não teria impedido se pudesse. O estalo reverberou pela rua deserta, e Sebastian sentiu o impacto vibrar por cada centímetro de seu corpo. Sem conseguir pensar em mais nada, ele disse, suavemente:

– Não amigos. Nós somos irmãos.

Clary o fitou por alguns segundos, tempo o suficiente para que ele notasse as lágrimas em seus olhos, antes de se virar e começar a correr pela calçada.

– Diz pra sua mamãezinha que eu mandei um beijo – gritou Sebastian, esfregando o dorso da mão que usara para desferir o golpe.

A meio caminho do fim da rua, Clary se virou para olhar para o irmão uma última vez.

– Você não é meu irmão – berrou ela em resposta. Estava realmente chorando agora. – Você nunca foi.

Então ela foi embora, e Sebastian ficou sozinho de novo. Esse não era o principal problema; ele estava acostumado com a solidão. Mas nada o havia preparado para se sentir tão insignificante. Pequeno, sim. Deslocado. Mas os Morgenstern não foram feitos para ser insignificantes.

Sem saber mais o que poderia fazer, Sebastian voltou para o carro. Olhou para o banco do carona vazio, para os papéis de bala no chão, para a lata vazia de Redbull debaixo do banco. Por fora, o Porsche estava impecável. Por dentro, era uma bagunça total. Por fim, Sebastian olhou para o próprio reflexo no retrovisor. Ele não era como o Porsche. Seu rosto se assemelhava ao reflexo de alguém em um espelho estilhaçado.

Naquele momento, ele não se sentia como um Sebastian Morgenstern. Sozinho ali, naquele carro ridiculamente caro, ele não era ninguém.


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Notas finais do capítulo

Se tiver algum erro, me avisem. São três da manhã e eu terminei o capítulo às duas e meia, então não revisei nem nada. ATENÇÃO: Tem uma coisa que eu queria saber. Eu quis MUITO escrever esse capítulo pelo ponto de vista da Clary e o anterior pelo ponto de vista do Jace, mas não o fiz para manter a proposta da fic, so... Alguém teria interesse em ler? Eu posso postar como bônus, ou fazer tipo um spin-off.
É isso. O próximo é o último - a relação do Sebastian consigo mesmo - e provavelmente vai ser bem menor, mas prometo caprichar ashaush até lá!



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