A Prayer For The Heartless escrita por Izzy Aguecheek


Capítulo 7
Jace


Notas iniciais do capítulo

Sim, eu demorei mais do que o normal, mas a situação ficou bem complicada, tanto porque eu estava sem tempo quanto porque essa relação não foi fácil de desenvolver. Eu demorei um tempinho para descobrir como a dinâmica deles funcionava, e mais um tempinho para conseguir chegar lá, mas, no total, gostei do resultado - que, aliás, ficou bem grandinho... Espero que gostem!



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How could you tell me that I'm great

When they chew me up, spit me out, pissed on me?

Why would you tell me that it's fate

When they laughed at me, every day, in my face?

Como você pode me dizer que eu sou incrível

Quando eles me mastigaram, cuspiram, pisaram em mim?

Por que você me diria que é o destino

Quando eles riram de mim, todo dia, na minha cara?

The Neighbourhood - How

Felizmente, Sebastian sempre sabia onde as festas estavam acontecendo, e sempre havia uma em pleno ápice às duas da manhã. Ele poderia ter pego o metrô ou mesmo chamado um táxi para ir ao lugar de costume, mas preferiu ir andando. Algo no silêncio incompleto das ruas, quebrado pelo barulho ocasional de carros passando, fazia com que seu peito parecesse um pouco menos oco.

Por outro lado, o sentimento que estava preenchendo o vazio o deixava ansioso, incomodamente desperto. Ele se sentia como se pudesse destruir a cidade inteira, o mundo inteiro, atear fogo a si mesmo – naquele momento, Sebastian gostaria disso mais do que de qualquer outra coisa. Ele imaginou que podia sentir o poder correndo em suas veias. O veneno. Talvez conseguisse um pouco de veneno naquela noite, pensou. O tipo mundano, comum e que o faria sentir como se estivesse em chamas.

A ideia o entreteve até ele chegar ao lugar de costume. A boate ficava espremida em uma ruela estreita e suja, e a entrada se resumia a uma porta de ferro cinzenta quase imperceptível no meio de uma parede de tijolos expostos. Uma placa branca se projetava da parede como um osso partido. Nela, havia uma única palavra, escrita em néon laranja: Edom.

Sebastian entrou sem problemas; ninguém lhe pediu carteira de identidade nem perguntou quantos anos ele tinha. Na verdade, ninguém pareceu notar sua presença, o que, para ele, estava ótimo.

Com a música alta forçando seu coração a seguir o ritmo e fazendo o chão vibrar, ele foi até o bar e pediu uma bebida mais forte do que de costume. O barman o conhecia, e lhe ofereceu um sorriso cúmplice.

– A fim de uma adrenalina extra?

Sebastian sorriu de volta.

– Sempre.

O barman preparou a bebida e a empurrou por cima do balcão de madeira polida.

– Você está brincando com fogo, garoto.

Sebastian virou o copo, engolindo todo o conteúdo de uma vez. O líquido corroeu suas veias como ácido, apagando todos os vestígios de qualquer outra sensação.

– Vamos torcer para que eu não me queime, então.

Ele deixou o barman rindo sozinho e se lançou na pista de dança com uma ferocidade que normalmente reservava para discussões com Valentim e noites particularmente competitivas na cama de Seelie. Sebastian não era um bom dançarino, mas havia algo na forma como ele se movia que fazia as pessoas se virarem para olhar - e se afastarem dele.

Não todo mundo, porém. Uma garota esbarrou nele de forma obviamente proposital. Ela não era diferente de todas as outras que frequentavam aquele lugar: cabelo escorrido tingido de preto, a despeito das sobrancelhas claras, batom cor de sangue, saia curta e mil e uma pulseiras. Os garotos ao redor seguiam mais ou menos a mesma linha, talvez com menos batom e calças justas no lugar de saias.

Sebastian não era como os outros frequentadores da Edom. Não havia ninguém com cabelo tão claro, tão arrumado, com roupas tão caras quanto as dele. Ninguém com tanta classe. Mas, iguais ou não, todos estavam à procura da mesma coisa. Sebastian sorriu para a menina, que disse algo que ele não conseguiu entender. Segundos depois, estavam se beijando.

Ele mal percebeu quando a garota se afastou, ou quando um garoto de cabelo verde assumiu o lugar dela, ou quando o garoto desapareceu na multidão e o deixou dançando sozinho. Alguém lhe ofereceu outro drinque, e mais outro, e mais outro; Sebastian aceitou todos. Alguém lhe ofereceu uma pílula, e, em outras circunstâncias, Sebastian teria recusado; naquela noite, porém, ele queria mais, precisava de mais, e aceitou sem pestanejar. O álcool fazia o mundo girar ao seu redor, mas ele precisava de algo que o fizesse girar junto.

Suor cobria a pele de Sebastian, e seus pés estavam ficando cansados. Outra garota se aproximou dele, os lábios parecendo engordurados na luz insuficiente.

– Você não vem muito aqui, não é? – Ele gritou no ouvido dele, lutando para ser ouvida por cima da música.

O cheiro insuportável de álcool no hálito dela fez o estômago de Sebastian revirar. Não que o dele estivesse melhor. Ele se inclinou para gritar de volta:

– Na verdade, venho, sim.

A música atingiu o ápice enquanto ele falava, soando alta demais até para ele, e Sebastian não conseguiu ouvir o que a menina disse em seguida; mas ele presumiu que a intenção dela era a mesma que a de todos os outros, e puxou-a para perto pela cintura. A menina sorriu, satisfeita. Quando Sebastian se inclinou para beijá-la, alguém o puxou para trás, fazendo com que ele atingisse a parede.

Sebastian se virou. Um cara franzino com um piercing no septo estava apontando um dedo em sua direção, berrando algo. Sebastian só conseguiu distinguir frases soltas; algo sobre roubar namoradas e contestações sobre sua heterossexualidade. Atrás dele, a menina parecia horrorizada, mas Sebastian sorriu. Ele sentia a energia da noite pulsando em suas veias, o poder preferido dos bêbados, dos insanos e dos demônios, e, naquele momento, ele era todos os três. Sebastian contornou rapidamente o magrelo de piercing, puxou a menina para perto e beijou-a com voracidade.

Toda a energia em seu interior desapareceu quando a força surpreendente forte do soco lançou-o contra a parede de novo. Antes que tivesse tempo de reagir, o Magrelo de Piercing o acertou de novo, e de novo, e de novo.

Em circunstâncias normais, Sebastian teria revidado. Poderia até ter rido, dependendo de seu humor. Mas seus reflexos estavam adormecidos pelo álcool e pelo que quer que fosse aquela pílula, sua cabeça estava latejando e as luzes estavam piscando rápido demais. Ele se contorceu, usando os joelhos mais do que as mãos para se desvencilhar do outro garoto e sair correndo.

Do lado de fora, Sebastian se encostou à parede ao lado da porta com uma das mãos, sob a placa fluorescente, pressionando a palma contra os tijolos ásperos, respirando fundo o ar frio com cheiro de fumaça e sujeira. O que era aquela pílula, afinal? Ele sabia que tomá-la tinha sido uma decisão estúpida desde o começo, mas não esperava que fosse o tipo de estupidez que faria seu estômago se rebelar contra ele.

Ele aguardou até que seu corpo se acalmasse um pouco, embora não houvesse muito a ser feito contra os efeitos do álcool, e avaliou os danos. Os socos o haviam atingido na barriga, o que talvez explicasse o enjoo súbito, e no rosto; cuidadosamente, ele apalpou o nariz, receoso, aliviado em constatar que não estava quebrado. Talvez ficasse com um olho roxo, porém. Tudo bem; já levara surras piores.

Sebastian grunhiu, em parte de dor, em parte de frustração. Estava com raiva. Mais do que isso – Sebastian estava furioso. Furioso com quem lhe dera a pílula, furioso com seu corpo por traí-lo assim, furioso com o cara magrelo de piercings e sua namoradinha vagabunda, furioso consigo mesmo por não ter conseguido o que queria. Furioso porque ainda aquela inquietação de antes, a sensação de poder, o abandonara, e aquilo era a última coisa que havia dentro dele além da raiva.

Sebastian ouviu passos a alguns metros de onde estava, mas não se virou. Torceu para que o recém-chegado estivesse indo para outro lugar, ou estivesse chapado demais para notar sua presença; porém, claro que não teve essa sorte.

– Ei, você está bem? – A voz era masculina, familiar.

O estômago de Sebastian teve uma contração violenta, e ele vomitou no concreto rachado e nos tênis de marca. A pessoa atrás dele hesitou, mas mesmo assim se aproximou e colocou a mão sobre seu ombro.

– Sério, você precisa de ajuda? Eu posso...

Ele parou no meio da frase quando Sebastian virou a cabeça para lançar um olhar feroz, um pouco amenizado pela bebida.

– Estou muito bem sozinho, obrigado – rosnou ele.

Jace – Herondale? Lightwood? Honestamente, Sebastian não dava a mínima – recuou um passo e ergueu as mãos, seu semblante se fechando imediatamente. Sob a luz laranja da placa, ele parecia ainda mais dourado do que de costume.

– Ei, não me olhe assim. Acredite, eu também não teria oferecido se soubesse que era você.

Sebastian fechou os olhos. Merda, merda, merda. Jace Lightwood não deveria vê-lo assim. Não de novo.

– Porra – murmurou, mais para si mesmo do que para o outro garoto. – Você tem um péssimo timing.

– E você tem uma péssima personalidade, mas eu não estou reclamando – Jace cruzou os braços, observando Sebastian da mesma forma que observaria um animal exótico, ferido, perigoso e vagamente interessante. – Álcool demais de novo?

– Vá. Embora.

Sebastian relembrou a cena: ele, caído em uma rua não muito longe dali, com sangue e vômito manchando a camiseta, Jace em pé à sua frente, as juntas dos dedos sangrando, mas não por causa dele. Não exatamente. Jace perguntando o que acontecera. Sua resposta automática: “Álcool demais, idiota.”

Ele não inventaria uma desculpa agora. Se desse sorte, Jace daria de ombros e iria embora, como na outra vez, e eles nunca precisariam falar sobre isso de novo.

Jace, entretanto, não parecia ter a menor intenção de se mover.

– Um conselho para você, Morgenstern: não misture briga e bebida. Na maior parte das vezes, seria mais seguro misturar álcool e direção.

Sebastian disse a ele onde ele podia enfiar esse conselho. Jace torceu o nariz, mas não sua expressão não adquiriu o ar arrogante e enojado que os Morgenstern adquiriam quando faziam o mesmo. Deus, como Sebastian o odiava.

– Tá, fica aí, então – Ele fez uma pausa, e acrescentou, meio hesitante, meio maldoso: - Quer que eu ligue para o seu pai vir te buscar?

A resposta de Sebastian foi imediata, afiada e carregada de raiva:

– Se você fizer isso, eu te mato – Ele ergueu a cabeça. Foi só um pouco, só o suficiente para olhar Jace nos olhos; porém, ficou perceptível que sua postura irredutível de sempre estava retornando aos poucos. – Juro pelo Diabo, eu te mato.

Jace não se moveu, mas seu maxilar ficou mais rígido.

– Jeito interessante de jurar.

Sebastian riu. Havia algo de agourento no som.

– O que, você queria que eu jurasse um assassinato pelo seu Deus? – Ele sacudiu a cabeça. – Saia daqui.

Não havia nenhum motivo real para Jace ficar ali, exceto zombar dele, e Jace, o Sr. Herói e Defensor dos Fracos e Oprimidos, não faria isso. Uma pena; se fosse o contrário, Sebastian nem pensaria duas vezes. O Lightwood/Herondale deu de ombros.

– Só não deixe que quem quer que te deu essa surra te encontre aqui – aconselhou, antes de começar a se afastar.

Quando ele já havia dobrado a esquina, Sebastian conseguiu se recompor o suficiente para pensar em voltar para casa – e para concluir que seria uma péssima ideia. Valentim não o estaria esperando, não em uma sexta-feira à noite, mas, caso ele estivesse acordado, ver o filho com o rosto machucado, hálito cheirando a álcool e substâncias entorpecentes na corrente sanguínea não o deixaria nem um pouco feliz, e Sebastian realmente não queria irritá-lo; tinha esperanças de manter o nariz inteiro e, com um pouco de sorte, receber as chaves do Porsche de volta na semana seguinte.

Porém, seus pensamentos embaralhados não lhe permitiam pensar em outra alternativa. Então, como um bom bêbado, Sebastian cambaleou na direção que Jace tomara, sem intenção real de falar com o outro garoto. Se ia perambular por aí, não importava por qual caminho iria, e a outra alternativa levava perto demais do apartamento de Seelie.

Suas pernas não estavam obedecendo completamente, o que era um dos motivos pelos quais Sebastian não gostava de beber, mas ele se sentia inexplicavelmente flutuante, o que era um dos motivos pelos quais ele gostava de beber. Felizmente, a calçada não era irregular. Infelizmente, isso não ajudou em muita coisa; Sebastian tropeçou nos próprios pés e caiu de cara no asfalto.

Enraivecido e embaraçado, ele se sentou o mais rápido que seu corpo permitiu e olhou em volta, preparado para fuzilar com o olhar qualquer pessoa que pudesse estar observando sua desgraça. Não viu ninguém, mas virou a cabeça a tempo de ver dois faróis brilhantes vindo exatamente em sua direção.

Sebastian jogou o corpo para o lado, a adrenalina dividindo espaço com o álcool em suas veias e ajudando-o a rolar para longe do caminho do carro. O motorista buzinou ao passar e gritou palavras nada delicadas pela janela aberta; Sebastian respondeu mostrando o dedo do meio e gritando palavras ainda menos delicadas.

Enquanto ele tentava se recompor do susto, ouviu passos vindo em sua direção e ergueu a cabeça.

– Mas que merda, cara – resmungou. – Você não tem algum lugar para ir?

Jace se agachou ao lado dele, fazendo uma careta.

– Bem que eu queria – Ele hesitou. – Você conhecia o cara?

Sebastian resmungou.

– Nem todo mundo da cidade está tentando deliberadamente me matar, Herondale.

Ele sabia que Jace estava pensando naquela outra noite, quando encontrara Sebastian no meio de uma briga com dois caras do colégio, mas ambos haviam concordado em não mencionar o ocorrido de novo.

– Herondale – repetiu Jace lentamente. Seu rosto assumiu um ar sombrio e resignado, e ele estendeu a mão para Sebastian. – Vem. Eu vou te levar para casa.

Sebastian se levantou desajeitadamente, ignorando completamente a tontura que o movimento causou e a mão estendida de Jace, e olhou para ele, desconfiado, irritado e se sentindo cada vez mais humilhado. Suas próprias mãos sangravam, arranhadas durante a queda, e ele sentia que seu orgulho estava ferido por Jace – logo Jace – vê-lo daquela forma.

– Eu não vou voltar para casa – vociferou, pensando em Valentim. No que ele diria se visse aquela cena patética. No que ele diria quando visse o estado do filho. – Não assim.

– Vai ficar aí no meio da rua, então? – rebateu Jace.

– Vou – respondeu Sebastian, cruzando os braços. Sua cabeça estava girando; talvez ele a tivesse batido quando rolara para fora do caminho do carro. Talvez tenha sido por isso que ele decidiu acrescentar, encarando Jace com o queixo erguido: - Para onde mais você sugere que eu vá?

Jace não respondeu, mas se adiantou para segurar Sebastian pelo braço antes que ele caísse no chão. Aparentemente, a bebida decidira cobrar seu preço. Jace suspirou, parecendo vagamente irritado.

– Meu carro está ali na frente.

– Não quero ir pra merda do seu carro.

– Mas que inferno, Sebastian. Não estou perguntando o que você quer.

– Então agora você abusa de garotos bêbados e indefesos?

Jace sacudiu a cabeça, em parte carregando, em parte arrastando Sebastian pela calçada.

– Você é impossível.

O Range Rover de Jace estava estacionado a alguns metros dali, mas eles demoraram mais do que o que seria normal para chegar até ele, considerando que Sebastian continuava tentando se afastar de Jace e caindo no processo. Sebastian se arrastou para o banco do carona, e Jace ocupou o do motorista.

– Você não está bêbado? – perguntou Sebastian, genuinamente curioso. Jace olhou rapidamente para ele com o canto do olho.

– Não.

– Então que raios você tá fazendo acordado a uma hora dessas?

Jace deu de ombros.

– Andando por aí.

Eles ficaram em silêncio depois disso.

Quando Jace estacionou o carro, Sebastian olhou pela janela e se virou para o garoto ao seu lado, incrédulo.

– Você está brincando.

– Você disse que não queria ir para casa. Clary me mataria se eu deixasse você lá para ser atropelado – Jace sacudiu os ombros. – Então, aqui estamos.

Ele desceu do carro. Furioso, bêbado e desajeitado, Sebastian não teve escolha a não ser segui-lo pela calçada, até a porta da frente da casa dos Lightwood.

Todas as luzes estavam apagadas. Jace destrancou a porta cuidadosamente e enxotou Sebastian para dentro antes de fechá-la atrás de si. Sebastian imaginou que fosse ficar no sofá, mas Jace fez sinal para que ele o seguisse até o segundo andar. Ele abriu uma das portas do corredor e fez um gesto na direção da cama.

– Você pode ficar aí – disse, em voz baixa. – Só não vomite nas minhas coisas, pelo amor de Deus.

Sebastian não tinha a menor ideia de como reagir, o que era estranho, mas não surpreendente. Ele sabia o que fazer quando as pessoas eram más com ele, e nem hesitava quando as pessoas o temiam. Mas, quando alguém era legal com ele, o cérebro de Sebastian simplesmente não tinha uma resposta. Então, ele repetiu:

– Então agora você abusa de garotos bêbados e indefesos?

Jace se virou para sair do quarto escuro, sem responder.

Sebastian não se lembrava de ter chegado à cama; quando se deu conta, já estava deitado sobre os lençóis, completamente vestido, ainda com gosto de vômito e vodca na boca. Ele não adormeceu, embora não estivesse completamente acordado. Após alguns minutos, ouviu vozes no corredor:

– Deixa eu dormir no seu quarto hoje – Esse era Jace.

– O que ele está fazendo aqui? – Era a voz de Alec Lightwood, um sussurro furioso alto demais na quietude da casa.

– Eu não podia deixá-lo lá, ok? – Jace parecia irritado, e estranhamente culpado. – Ele teria sido atropelado ou coisa pior.

– Que fosse, então! Desde quando você se importa com o que acontece a Sebastian Morgenstern?

– Meu Deus, Alec. Eu só... Meu pai era amigo do pai dele, certo? Meu pai biológico. Eu brincava com o Sebastian quando a gente era criança.

– Até eu brinquei com o Sebastian quando era criança. Isso não quer dizer que vou trazê-lo para a minha casa no meio da noite!

– Dá pra dar um tempo? – O volume da voz de Jace diminuiu tanto que Sebastian mal conseguiu ouvir o que ele disse a seguir: - Se você tivesse visto o estado dele, Alec. Ele parecia tão vulnerável. Você sabe o que ele passa com o Valentim. Não foi por isso que seus pais cortaram laços com os Morgenstern?

Sebastian não entendeu a resposta de Alec, o que não o incomodou nem um pouco. Se tivesse energia para isso, ele poderia ter considerado odiar Jace um pouco mais por ter pena dele. Ele não era digno de pena. Seu orgulho Morgenstern não lhe permitia isso; era uma facada em seu ego.

Mas ele não tinha energia para isso. Ao invés de pensar no assunto, Sebastian adormeceu.

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Sebastian acordou no dia seguinte com alguém cutucando suas costas. Resmungando, abriu os olhos e se virou. Jace estava parado ao lado da cama.

– Levanta – disse ele.

Sebastian se sentou devagar. Sua cabeça latejava, e a luz que entrava pelas cortinas parecia forte demais.

– Quanta educação – murmurou. Jace apenas revirou os olhos. Sebastian lembrou-se da discussão que ouvira na noite anterior, entre ele e Alec, mas decidiu não tocar no assunto. Ao invés disso, disse: - O que você estava fazendo ontem?

– Não é da sua conta.

– Você também não consegue dormir, não é?

O maxilar de Jace enrijeceu, mas ele não o contradisse. Sebastian continuou, com um pouco da maldade habitual retornando à sua voz:

– Eu achava que anjinhos como você não tinha demônios, Herondale.

– Lightwood – Jace o corrigiu. Sebastian se perguntou por que ele não havia feito o mesmo na noite anterior; talvez só agora estivesse preocupado em escapar da amizade entre Stephen Herondale e Valentim Morgenstern. Jace lhe lançou um olhar duro, estranhamente severo para um garoto de dezessete anos. – Não há anjos nesse mundo, Sebastian.

Com um tom que pingava rancor, Sebastian disse:

– Tem a minha irmã, não é? – Como Jace não respondeu, ele acrescentou: - E, segundo o meu pai, tem você.

Jace permaneceu em silêncio. Sebastian repassou mentalmente todas as vezes em que Valentim o comparara ao “filho de Stephen”; acontecia com frequência quando ele era criança, antes de Jace Herondale passar a ser Jace Lightwood. Ele é um menino comportado, dizia Valentim. Um bom menino. Você deveria ser como ele.

Valentim tentara obter a guarda de Jace quando Stephen morrera. Sebastian lembrava bem disso, porque ficara apavorado com a ideia. Todos já gostavam mais de Clary, exceto seu pai, e, se Valentim tivesse sucesso, ele perderia o pouco amor que tinha sobrado. Quando o juiz decidira a favor de Robert e Maryse Lightwood, Sebastian comemorara, e Valentim lhe dera um tapa. Sebastian dissera que era por isso que ele não podia ter outro filho. Valentim respondera o deixando sem jantar.

Em geral, Sebastian não gostava de lembrar dessas coisas, mas, agora, era bom que tivesse alguma coisa a que se agarrar. Ele passar a vida inteira se agarrando a coisas como aquela. Agarrar-se ao ódio que tinha das outras pessoas o fazia esquecer do ódio que tinha de si mesmo.

Sebastian disse:

– Mas você é igual a mim, não é? Você também é podre por dentro.

Instantaneamente, todo o corpo de Jace se retesou. Era um dos motivos pelos quais Sebastian gostava tanto de provocar Jace: não era nada difícil afetá-lo.

– Eu não sou nem um pouco como você – rebateu ele.

– Não? O que te mantém acordado à noite, então?

– Consciência – Jace praticamente rosnou. Sebastian sorriu, gostando da sensação de ter despertado o lado mais feroz dele. – Sabe o que tem de errado com você, Sebastian? Você nem sequer tenta estar certo. Você gosta que tenha algo errado com você.

O sorriso de Sebastian desapareceu tão rápido quanto surgira, substituído por um esgar de ódio. Quem aquele cara pensava que era? O que ele, com seus pais que fariam tudo por ele, seus irmãos que o apoiavam em cada decisão e sua namorada que o amava mais do que tudo – tudo, incluindo o próprio irmão – entendia sobre coisas erradas? Ele não tinha como saber que, às vezes, o interior de uma pessoa pode apodrecer se ficar muito tempo no escuro. Apodrecer o suficiente para que qualquer outra coisa não seja sequer uma opção. O suficiente para ela passar a gostar da sensação.

Se ele não entendia, não ia ser Sebastian quem o faria entender. Ele podia perguntar a Clary, ou a Alec, ou ao maldito Simon. Sebastian não tentaria se explicar, porque não devia qualquer satisfação a Jace. Não precisava da compreensão dele. Devagar, arrastando cada sílaba, Sebastian disse:

– Vá se foder.

Jace sacudiu a cabeça, fazendo Sebastian querer arrancá-la do pescoço.

– Robert e Maryse saíram, mas acho que você vai querer ir embora antes deles chegarem – Jace deu-lhe as costas e seguiu até a porta. – Não mexa nas minhas coisas. Você sabe o caminho da saída, não sabe?

Sebastian sabia.

Ele saiu do quarto, deixando Sebastian sozinho para descobrir o que acontecera com o Jace da noite anterior. Em parte, era mais fácil lidar com essa nova versão. Mais normal. Por outro lado, Sebastian gostara da sensação de que alguém se importava com ele. Depois daquela semana, entretanto, ele já devia ter imaginado que não poderia durar por muito tempo.

Ele se levantou cuidadosamente. Sua cabeça doía como se alguém a tivesse atingido com um martelo. Os hematomas da briga latejavam, e os arranhões nas mãos coçavam.

Em contrapartida, o resto dele parecia bem. No fundo da sua mente, havia apenas raiva. O vazio havia retornado ao seu peito.


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Notas finais do capítulo

Alguma opinião ou correção? Foi preciso algum esforço para não escrever esse capítulo do ponto de vista do Jace, tanto que eu estou pensando em fazer um bônus ou extra com a perspectiva de alguns outros personagens sobre o Sebastian. O que achariam disso?
A fic está chegando ao final - temos uns três capítulos pela frente!
Até o próximo!



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