A Prayer For The Heartless escrita por Izzy Aguecheek


Capítulo 12
[Bônus] Another Penny For The Selfish - Jace


Notas iniciais do capítulo

("Another penny for the selfish" significa "outro centavo para os egoístas". A frase foi retirada da mesma música que eu retirei o nome da fic - Caraphernelia, do Pierce The Veil: "nobody prays for the heartless, nobody gives another penny for the selfish" - e eu a escolhi porque o Jace e a Clary foram os que tentaram ajudar o Sebastian)
Eu SEI que faz quase um mês, e peço desculpas por isso, mas tá bem complicada a situação xD o importante é que eu finalmente terminei! Então, eis aqui o ponto de vista do Jace sobre os acontecimentos do capítulo que retrata a relação do Sebastian com o Jace. Espero que gostem!



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 Ao sair de casa naquela noite, Jace não esperava encontrar Sebastian Morgenstern, e certamente não esperava encontrar Sebastian Morgenstern bêbado, irritadiço e com o rosto todo arrebentado.

   Ele saíra de casa procurando por paz, sem a menor intenção de ir a uma festa, e teria passado direto pelo rapaz encostado à parede de uma boate, mas a iluminação da placa laranja neon não era suficiente para que ele distinguisse os traços da pessoa apoiada na parede. O que ele conseguia distinguir, entretanto, era o suficiente para deduzir que a pessoa, quem quer que fosse, não estava passando bem. Jace se aproximou.

   - Ei, você está bem?

  O vulto se contraiu violentamente, e, pelos sons que fazia, Jace percebeu que ele estava vomitando. Incrível. Hesitante, Jace se aproximou e pousou a mão no ombro da pessoa

  - Sério, você precisa de ajuda?

 A pessoa virou o rosto, e Jace demorou para reconhecer suas feições. Talvez fosse a luz, ou talvez as marcas óbvias de uma briga no rosto do garoto, ou talvez o simples fato de que ele nunca vira Sebastian Morgenstern tão mal. E furioso, por sinal.

— Estou muito bem sozinho, obrigado.

Havia algo estranho na forma como ele pronunciou as palavras: ele estava, sem dúvida alguma, bêbado. Jace recuou um passo, erguendo as mãos como que para se defender. Não que ele tivesse medo de Sebastian; ele só sabia que a bebida deixava as pessoas inconsequentes. Um Sebastian Morgenstern bêbado era literalmente como uma chama em que alguém havia jogado álcool com a intenção de atiçar o fogo.

 - Ei, não me olhe assim. Acredite, eu também não teria oferecido se soubesse que era você.

  - Porra – murmurou Sebastian, os olhos fechados, a mão apertando o estômago. – Você tem um péssimo timing.

  Jace precisava admitir que sim, ele tinha mesmo.

 - E você tem uma péssima personalidade, mas eu não estou reclamando. Álcool demais de novo?

Dava para ver a lembrança correndo as veias de Sebastian, fazendo-o ficar vermelho de raiva, ou talvez de vergonha. Ele nem se deu ao trabalho de retrucar.

A verdade era que sim, Jace já vira Sebastian tão mal, e não fazia muito tempo. Certa noite, ele brigara com Clary e decidira ir a uma festa de verdade, como diria Isabelle. Por acaso, seu caminho cruzara com o de seu cunhado, e, falando em cruzamentos, o soco cruzado do rapaz que estava batendo no estômago de Sebastian não era uma beleza?

Fora automático; Jace já estava trocando socos com o garoto antes mesmo de pensar sobre o assunto. Mais tarde, chegaria à conclusão de que fizera aquilo porque dois contra um – um segurando, outro batendo – era covardia, e porque aquele era o irmão de Clary, afinal. Um irmão de merda, mas mesmo assim. Além disso, era bem verdade que Jace saíra procurando confusão. Coisa de família.

Depois de sujar as juntas dos dedos e botar os dois rapazes, que estavam bêbados, para correr, Jace se virara para Sebastian e perguntara o que havia acontecido. Sua resposta fora uma risada e três palavras: “Álcool demais, idiota”.

 Eles haviam concordado em nunca falar sobre o ocorrido novamente, mas Jace não conseguiu resistir à piadinha. Como Sebastian não respondeu e não parecia em condições de agredi-lo, ele decidiu ser condescendente.

— Um conselho para você, Morgenstern: não misture briga e bebida. Na maior parte das vezes, seria mais seguro misturar álcool e direção.

A resposta foi um grunhido irritado e uma sugestão de onde Jace podia enfiar aquele conselho. Tudo bem, então. Jace iria embora, dizendo a si mesmo que ao menos tinha tentado. Sebastian podia ficar ali, sozinho, vomitando na calçada e com o rosto todo detonado.

— Tá, fica aí, então – Jace hesitou, mas não pensou antes de dizer: - Quer que eu ligue para o seu pai vir te buscar?

Foi uma péssima ideia. Sebastian ergueu a cabeça, e, instantaneamente, Jace se sentiu culpado. Ele se lembrou de todas as vezes em que o outro aparecia na escola com hematomas quase iguais aos que estavam em seu rosto agora, causados por uma pessoa completamente diferente. Por alguém que deveria protegê-lo, e alguém que poderia muito bem ter se encarregado da criação de Jace, se as coisas tivessem sido um pouco mais diferentes.

— Se você fizer isso, eu te mato – disse Sebastian. Ainda soava embriagado, mas havia um ódio cego nas palavras que quase fez Jace dar mais um passo atrás. – Juro pelo Diabo, eu te mato.

Trincando os dentes, Jace resistiu ao impulso de perguntar de quem ele estava com raiva, se era de si mesmo, de Jace ou do mundo. Provavelmente os três.

— Jeito interessante de jurar.

Sebastian riu. Havia algo de agourento no som.

— O que, você queria que eu jurasse um assassinato pelo seu Deus? – Ele sacudiu a cabeça. – Saia daqui.

Não havia nenhum motivo real para Jace ficar ali, e, entretanto, ele hesitou. Já vira Sebastian mal antes, verdade, mas havia algo diferente agora. Na noite em que Jace o encontrara lutando com os dois garotos, havia algo ofensivo em sua postura, um animal ferido que fica mais feroz com a dor. Agora, ele era como um animal enlouquecido pelos ferimentos: ele poderia matar uma pessoa, sim, mas também parecia, de certa forma, miserável.

Por fim, Jace deu de ombros.

— Só não deixe que quem quer que te deu essa surra te encontre aqui – aconselhou, antes de começar a se afastar.

Ele ainda não tinha nenhum destino em mente, e, agora que a conversa com Sebastian drenara o que restava de sua energia, considerou voltar para casa antes de se lembrar da briga que Robert e Maryse haviam tido, e da forma como tanto Alec quanto Isabelle haviam escapado, possivelmente para os braços dos respectivos namorados.

Ele pensou em ligar para Clary, mas acabou descartando a ideia. Não havia nada que ela pudesse fazer, a menos que quisesse socorrer o irmão bêbado, e ela provavelmente não queria. Mas iria, se Jace ligasse. Ele tinha certeza de que sim. Era Clary, afinal. Jocelyn e Luke a haviam educado bem, e ela tinha um coração de ouro.

 Jace, por outro lado, fora educado para ajudar aos seus e os que mereciam e tinha um coração que o mandava procurar confusão com estranhos. Ele pensou na expressão de Sebastian, desvairada e furiosa, e em seguida na imagem que tinha de Valentim, asseado e completamente no controle de si mesmo. De certa forma, fazia sentido que uma coisa estivesse relacionada a outra; aqueles hematomas sempre presentes no corpo de Sebastian deviam estar ali por um motivo.

Será que eu seria do mesmo jeito?

Jace lembrava vagamente de como os Morgenstern eram na época em que seu pai estava vivo. Stephen costumava levá-lo para a casa de Valentim quase todo fim de semana, e Sebastian estava sempre pronto para brincar. Ele fora uma criança esquisita, sempre dizendo que Jace podia pegar seus brinquedos só para poder tomá-los de volta a qualquer momento. Às vezes, havia hematomas nos braços dele, mas nunca no rosto. Jace fora uma criança ingênua; se Sebastian pegasse seus brinquedos sem permissão, ele não os pediria de volta. Ele nunca perguntava sobre os hematomas.

 Stephen os fazia apertar as mãos e parar de brigar, enquanto Valentim permanecia calado, inexpressivo. Então, os dois adultos voltavam a conversar, e logo os menininhos estavam correndo um atrás do outro como se nada tivesse acontecido. Alec aparecia em algumas das memórias mais desbotadas - aquelas de antes de Robert romper laços com Valentim -, geralmente como um menino adorável que queria mandar nos outros dois por ser um ano mais velho, mas, estranhamente, Jace não se lembrava de ter visto Jocelyn ou Clary em nenhuma dessas tardes; se havia alguma lembrança assim, ele já a havia esquecido.

Jace estava tão imerso em pensamentos que só processou o som da buzina quando o carro já havia passado por ele, em uma velocidade tão alta que o motorista só podia estar bêbado. Atrás dele, havia alguém xingando, e Jace também xingou mentalmente ao se virar e se dirigir para onde Sebastian estava caído na calçada.

Ao ouvi-lo se aproximar, Sebastian ergueu a cabeça e fez uma careta, distorcendo os hematomas.

— Mas que merda, cara – resmungou. – Você não tem algum lugar para ir?

Jace se agachou ao lado dele, sem conseguir evitar também torcer o nariz.

— Bem que eu queria – Ele hesitou. – Você conhecia o cara?

Sebastian bufou.

— Nem todo mundo da cidade está tentando deliberadamente me matar, Herondale

— Herondale – repetiu Jace lentamente. Era como se não conhecesse a palavra.

Absurdamente, ele lembrou-se de uma das duas memórias mais nítidas que tinha de sua infância com Stephen. Acontecera num dia chuvoso, um domingo, se ele se lembrava bem: Valentim escorregara em uma poça d’água a caminho da garagem, e Stephen o apoiara antes que ele pudesse cair, gargalhando. Mais tarde, Sebastian e Jace brincaram de derrubar um ao outro na grama molhada. Quando Sebastian caía, Jace o ajudava a levantar. Quando Jace caía, Valentim dizia para Sebastian estender-lhe a mão.

Resignado, Jace ofereceu uma mão a Sebastian.

— Vem – disse, sabendo que era um idiota. – Eu vou te levar para casa.

Ignorando a mão estendida, Sebastian se levantou sozinho, desajeitado. Jace resistiu ao impulso de desviar os olhos; sentia-se como se estivesse vendo algo que não deveria, algo embaraçoso, como uma aranha presa na própria teia.

— Eu não vou voltar para casa – rosnou Sebastian. – Não assim.

— Vai ficar aí no meio da rua, então? – rebateu Jace.

— Vou – respondeu Sebastian. Ele cruzou os braços e ergueu o queixo, tentando parecer desafiador, mas parecendo apenas patético. - Para onde mais você sugere que eu vá?

Jace não respondeu, mas se adiantou para segurar Sebastian pelo braço antes que ele caísse no chão. Aparentemente, a bebida decidira cobrar seu preço. Foi impossível não pensar em Stephen e Valentim, e ele fechou a cara.

— Meu carro está ali na frente – disse, relutante.

— Não quero ir pra merda do seu carro – balbuciou Sebastian.

— Mas que inferno, Sebastian. Não estou perguntando o que você quer.

— Então agora você abusa de garotos bêbados e indefesos?

Jace sacudiu a cabeça, em parte carregando, em parte arrastando Sebastian pela calçada.

 - Você é impossível.

 Jace demorou duas vezes mais para levar Sebastian até o Range Rover do que teria demorado se estivesse sozinho, mas isso não o irritou tanto quanto deveria. Enquanto Sebastian se arrastava até a porta do passageiro, Jace se assentava no lugar do motorista. Ele fingiu não notar o olhar do outro sobre si quando deu a partida.

— Você não está bêbado? – perguntou Sebastian. Jace olhou rapidamente para ele.

— Não.

— Então que raios você tá fazendo acordado a uma hora dessas?

 Jace deu de ombros.

 - Andando por aí.

 Eles ficaram em silêncio depois disso.

Quando Jace estacionou na entrada da casa dos Lightwood, achou que Sebastian fosse lhe dar um soco. Ele olhou pela janela antes de se virar para o outro, incrédulo, confuso e possivelmente intimidado.

 - Você está brincando.

 Jace desviou o olhar.

 - Você disse que não queria ir para casa. Clary me mataria se eu deixasse você lá para ser atropelado – Ele sacudiu os ombros, em uma tentativa falha de parecer displicente. – Então, aqui estamos.

 Sem esperar resposta e sem parar para verificar se Sebastian o estava seguindo, ele desceu do carro e abriu a porta da frente o mais silenciosamente que pôde. Só quando adentrou o próprio quarto, Jace se virou. Sebastian ainda estava emburrado, machucado e cambaleante, mas ao menos estava ali.

 - Você pode ficar aí – disse Jace, em voz baixa. – Só não vomite nas minhas coisas, pelo amor de Deus.

 Sebastian apenas ficou olhando para ele por alguns instantes, a expressão vazia e distante, então disse:

  - Então agora você abusa de garotos bêbados e indefesos?

 Jace não achou que valesse a pena responder; só se virou e saiu do quarto, fechando a porta atrás de si. Demorou um segundo para perceber no que acabara de se meter, e outros três se tocar que não tinha onde dormir. Ele apoiou as costas contra a parede, imaginando a noite desconfortável dormindo no sofá e a manhã ainda mais desconfortável se algum dos Lightwood visse Sebastian ali.

   A segunda parte não precisou esperar muito: logo depois, Alec apareceu no final do corredor, o cabelo bagunçado como se ele tivesse acabado de se levantar e a expressão tão irritada quanto quando Isabelle decidira, aos doze anos, que seria uma boa ideia tentar fazê-lo calçar botas de salto alto. Jace se afastou da porta do quarto, se aproximando do irmão de consideração.

  - Deixa eu dormir no seu quarto hoje – pediu. Alec não deu sinais de tê-lo ouvido.

  - O que ele está fazendo aqui? – sibilou ele. Merda. Jace achava que eles tinham sido silenciosos; aliás, achava que nenhum dos irmãos estava em casa, exceto Max. Alec devia tê-los visto da janela. Cansado demais para tentar explicar a confusão em sua mente e culpado demais para tentar arranjar outra desculpa, ele disse:

 - Eu não podia deixá-lo lá – Jace deu de ombros. – Ele teria sido atropelado ou coisa pior.

 Alec bufou, revirando os olhos. A impaciência tornava-o ainda mais parecido com Isabelle.

  — Que fosse, então! Desde quando você se importa com o que acontece a Sebastian Morgenstern?

 Jace fechou os olhos, apertando a ponte do nariz entre o polegar e o indicador. Céus, ele deveria ter ficado em casa. Antes uma zona de guerra entre Robert e Maryse do que uma entre ele e Alec. Por causa de Sebastian Morgenstern, ainda por cima. Pela primeira vez em muitos anos, Jace desejou que Stephen Herondale estivesse ali com ele. Stephen estava acostumado a justificar suas ações para seus amigos. Jace estava acostumado a fazer tudo às escondidas e aguentar os olhares de reprovação de Alec como se nada tivesse acontecido.

— Meu Deus, Alec – Ele sacudiu a cabeça. – Eu só... Meu pai era amigo do pai dele, certo? Meu pai biológico. Eu brincava com o Sebastian quando a gente era criança.

— Até eu brinquei com o Sebastian quando era criança. Isso não quer dizer que vou trazê-lo para a minha casa no meio da noite!

Jace sentiu vontade de gritar, porque não havia outro jeito de explicar a situação. Ao invés disso, ele abaixou o tom de voz, cuidando para que Sebastian não pudesse ouvi-lo do quarto:

— Dá pra dar um tempo?

A expressão incrédula de Alec fez com que Jace se arrependesse de ter dito aquilo, e, principalmente, de ter falado com Sebastian Morgenstern alguma vez em sua vida. Alec não entenderia, e ele não conseguiria explicar, porque sua infância representava apenas um período longínquo e insignificante para os Lightwood.

Jace tinha apenas duas lembranças perfeitamente nítidas das brincadeiras na casa dos Morgenstern. A primeira era o dia em que Stephen impedira que Valentim caísse ao escorregar em uma poça d’água. A segunda era de um dia completamente diferente: ensolarado, quente e ironicamente desagradável.

Naquele dia, Sebastian o convencera a brincar na sala de jantar, ao invés de no jardim. Estou cansado dos mesmos esconderijos, dissera ele, solenemente. Jace achava que os esconderijos do jardim eram melhores, e logo provara-se que ele estava certo: os dois haviam se cansado rapidamente de esconde-esconde e partido para pega-pega, dando voltas ao redor da mesa até que um dos dois se cansasse o bastante para deixar o outro se aproximar. Como era de se esperar de garotinhos como Sebastian e Jace, a brincadeira não terminara bem: Sebastian derrubara um vaso decorativo, que se espatifara em mil pedacinhos, e Jace pisara em um dos cacos e cortara o pé.

O barulho chamara a atenção dos adultos, e logo Stephen estava pegando Jace no colo, enquanto Valentim se aproximava de Sebastian. Porque a memória era nítida demais e porque ficara tão assustado, Jace ainda se lembrava muito bem da expressão dele: fria, dura, a máscara de um desconhecido. Não houvera ali nada da preocupação que os pais de Jace tinham com ele ao dar-lhe uma bronca. Ele nem mesmo perguntara se o filho estava bem.

Sebastian tampouco havia chorado, como era de se esperar, embora um de seus pés estivesse sangrando por causa de vários pequenos cortes. Ele apenas erguera o queixo – ele desafiara Valentim com o olhar – e estendera a mão com a palma voltada para cima. O estalo da tapa desferida por Valentim fora uma promessa de que aquilo não seria tudo. Então, Valentim dissera:

— Sem jantar hoje, Seb – E se virara para ver se Jace estava machucado.

Anos mais tarde, Stephen Herondale morrera e Jace fora morar com os Lightwood. Antes do dia do vaso decorativo, ele não teria reclamado de ir morar com Valentim. Quando se mudara de sua antiga casa, porém, Jace agradecera repetidas vezes por não ter que dividir o pai de Sebastian. Quando completara idade o suficiente, começara a se perguntar o que teria acontecido se as coisas tivessem sido um pouco diferentes.

Não, não fazia sentido tentar explicar aquilo a Alec. Um dia, Jace tentara. Ele dissera: “Poderia ter sido eu, sabe. Eu poderia muito bem ser ele”. E Alec respondera, inabalável: “Não, você não poderia”. Simples assim.

Portanto, tudo o que Jace disse foi:

— Se você tivesse visto o estado dele, Alec. Ele parecia tão vulnerável – Ele hesitou. - Você sabe o que ele passa com o Valentim. Não foi por isso que seus pais cortaram laços com os Morgenstern?

Alec não respondeu de imediato. Com os olhos fixos no irmão, os braços firmemente cruzados sobre o peito, ele ponderou por um momento e disse, em voz baixa:

— Você ainda pensa muito nisso, não é?

Jace não respondeu. Alec suspirou e fez um gesto indicando a porta do próprio quarto, no fim do corredor.

— Vem. Acho que você precisa dormir.

Enquanto acompanhava Alec até o quarto, ocorreu a Jace uma coisa que, estranhamente, não havia lhe ocorrido durante todos aqueles anos: talvez Sebastian fosse diferente, se tivesse um irmão.

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Na manhã seguinte, Alec já havia se levantado quando Jace acordou, embora o relógio sobre a cabeceira da cama indicasse que ainda era cedo. Um tanto relutante, ele se levantou do colchão onde passara a noite e se arrastou até o próprio quarto, onde cutucou as costas de um Sebastian Morgenstern ainda adormecido.

— Levanta – disse. Sebastian resmungou.

— Quanta educação. O que você estava fazendo ontem?

Bom dia para você também, pensou Jace.

— Não é da sua conta.

— Você também não consegue dormir, não é?

Jace cerrou os punhos ao lado do corpo. Ele simplesmente não tinha paciência para aquele tipo de joguinho, não durante a madrugada, e certamente não àquela hora da manhã. Quase sentiu saudades da versão bêbada e vulnerável de Sebastian. Vendo-o ali, com aquele sorriso abominável no rosto, ficava difícil lembrar por que havia decidido ajudá-lo.

Sebastian continuou, maldoso:

— Eu achava que anjinhos como você não tinha demônios, Herondale.

— Lightwood – corrigiu Jace automaticamente. E se deu conta de que o filho do homem que fora amigo do pai de Sebastian não existia; ele morrera vários anos atrás, junto com Stephen Herondale e os últimos traços de amizade entre dois meninos. Quando tornou a falar, sua voz soou estranha e adulta aos próprios ouvidos: – Não há anjos nesse mundo, Sebastian.

O sorriso de Sebastian esmaeceu.

— Tem a minha irmã, não é? – Como Jace não respondeu, ele acrescentou: - E, segundo o meu pai, tem você.

Jace engoliu a culpa que a frase o fez sentir. Ele sabia que Valentim sempre gostara muito dele, e sempre fingira não perceber que Sebastian era sempre preterido em favor de Jace. Não conseguia imaginar crescer sob um peso assim; os Lightwood sempre faziam questão de tratar todos os seus filhos da mesma forma.

Sebastian disse:

— Mas você é igual a mim, não é? Você também é podre por dentro.

— Eu não sou nem um pouco como você – rebateu Jace imediatamente, porque era o que sua família lhe dizia e o que ele passara anos ensinando a si mesmo. Mas eu poderia ter sido. Ah, Deus, eu poderia.

— Não? O que te mantém acordado à noite, então?

Jace queria explicar que o fato de ele não tratar o mundo com desprezo não impedia que o mundo o desprezasse, às vezes. Havia coisas que ele não conseguia esquecer: a sensação de não pertencer a lugar nenhum, a zona de guerra em que seus pais adotivos viviam, o fato de que beijara Aline Penhallow no início do namoro com Clary, a consciência de que precisava escolher uma universidade até o próximo outono, a falta que sentia do pai biológico e sua antiga vida.

Mas a pergunta de Sebastian não era séria, então Jace decidiu morder a isca e jogar o jogo dele.

— Consciência – A palavra saiu quase como um rosnado. - Sabe o que tem de errado com você, Sebastian? Você nem sequer tenta estar certo. Você gosta que tenha algo errado com você.

Fora um golpe baixo – e muito bem aplicado, ele sabia disso. O sorriso debochado de Sebastian desmoronou imediatamente, como se Jace tivesse lhe dado um soco. Ele disse:

— Vá se foder.

Jace se recusou a se arrepender do que dissera. Tentara ser legal com Sebastian, fazer o que achava que deixaria Stephen orgulhoso, mas agora via que fora um engano. Aquele não era o garotinho que Stephen conhecera e com quem Jace costumava brincar quando era criança. Aquele era um rapaz com a guarda sempre alta – como você, sussurrou uma vozinha na cabeça de Jace – e uma vontade incontrolável de atirar a si mesmo de um abismo.

Mas, a despeito de tudo, Sebastian não escolhera o pai que tinha. Por isso, tudo o que Jace disse foi:

— Robert e Maryse saíram, mas acho que você vai querer ir embora antes deles chegarem – Ele deu as costas a Sebastian e seguiu até a porta. – Não mexa nas minhas coisas. Você sabe o caminho da saída, não sabe?

Não era a primeira vez que Alec estava certo quanto a alguma coisa e Jace se recusava a ouvir. Ao sair do quarto, ele pensou em ligar para Clary, mas lembrou que se tratava do irmão dela e desistiu. Outra vez, desejou que Stephen Herondale estivesse vivo. Talvez ele soubesse o que fazer.


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Notas finais do capítulo

Sem música, dessa vez, porque não consegui pensar em uma :P
Não revisei, então, por favor, me avise se houver algum erro. Vou começar a trabalhar no capítulo da Clary assim que possível, e, por fim, encerraremos tudo por aqui.
Até lá!



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