A Prayer For The Heartless escrita por Izzy Aguecheek


Capítulo 11
Epílogo


Notas iniciais do capítulo

Perdoem-me pela demora (apesar de que, pra quem demorou dois meses com o último capítulo, duas semanas nem é tão ruim né), eu só tenho finais de semana para ficar em casa agora :P
Vou confessar que: não fiquei triste escrevendo o décimo capítulo. Eu sei, eu sou uma pessoa horrível.
Esse epílogo, por outro lado... Bateu uma bad que só vendo, viu. Acho que é porque tá terminando, e eu gosto muito dessa fic, tipo, muito mesmo... Mas é a vida, né.
Capítulo dedicado a Gabby, Luna MM e Lightwoods pelas recomendações maravilhosas que me fizeram literalmente sair correndo e pulando pela casa ♥



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Now come one, come all to this tragic affair

Wipe off that makeup - what's in is despair

So throw on the black dress

Mix in with the lot

You  might wake up and notice

You're someone you're not

 

If you look in the mirror

And don't like what you see

You can find out firsthand what it's like to be me

So gather 'round piggies and kiss this goodbye

I'd encourage your smiles

I'll expect you won't cry

 

Agora venha um, venham todos para esse caso trágico

Lave essa maquiagem – o que está na moda é desespero

Então ponha o vestido preto

Se misture com a multidão

Você pode acordar e perceber que você é alguém que você não é

 

Se você se olha no espelho e não gosta do que vê

Você pode descobrir em primeira mão como é ser eu

Então se reúnam, porquinhos, deem um beijo de adeus

Eu encorajaria seus sorrisos

Eu espero que vocês não chorem

            My Chemical Romance – The End.

Jocelyn Fray nunca fora uma mulher religiosa, embora tivesse sido batizada e criada em uma família católica e se casado em uma igreja. Ela falava “meu Deus” e “Jesus” levianamente e não ia à missa nos feriados. Ela não agradecia antes de cada refeição nem usava um crucifixo pendurado no pescoço. Ela pecava. Não, Jocelyn não era uma mulher religiosa.

 De fato, houveram apenas três ocasiões na vida de Jocelyn em que ela realmente sentira a presença de algo divino. A primeira fora após o nascimento de seu primeiro filho. Ele era tão pequeno, tão frágil e tão adorável, tão parecido com o pai quando era mais novo. Parecido com o pai, Jocelyn se lembrava de ter pensado, mas ele é meu, ele é perfeito para mim. A forma como o corpinho do bebê se encaixara ao seu próprio deixara isso bem claro; Jocelyn acreditara que só podia ser um milagre.

O primeiro milagre de Jocelyn crescera, e, algum tempo depois, Deus a abandonara com um marido cruel, um garotinho que a perturbava inexplicavelmente e uma promessa de esperança crescendo em seu interior. Aquele fora o segundo milagre: a menininha de cabelos ruivos que não só pertencia a ela, mas também era como ela, doce, gentil, valente. Jocelyn encarava o divórcio de Valentim e o início de sua nova vida como uma consequência do segundo milagre, um presente de sua pequena guardiã recém-nascida; por um longo tempo, ela não precisara de mais nada.

E, agora, parada na entrada do cemitério local, Jocelyn conseguia sentir a presença divina pela terceira vez em sua vida, e era a de um deus cruel.

— Estamos adiantados – disse Clary, ao seu lado. Um pouco atrás, Jace Lightwood parecia não saber o que fazer consigo mesmo. Jocelyn insistira para Clary levá-lo, e agora se perguntava se o garoto estava arrependido. – Acho que fomos os primeiros a... – Clary se interrompeu no meio da frase e abaixou a cabeça. – Desculpe. Eu não quis falar assim.

Jocelyn se forçou a sorrir, tranquilizadora.     

— Não tem problema.

Eles se encaminharam para o local onde o corpo seria velado, e Jocelyn terminou alguns passos atrás do jovem casal, pois era ela a mãe, e, portanto, quem carregava o peso do mundo inteiro. Não estava chovendo, e isso parecia uma espécie de piada cósmica.

 Quando recebera a notícia, Jocelyn imaginara que Valentim fosse querer realizar o velório na mansão Morgenstern, mas ele apenas dissera que não seria apropriado. Como era de se esperar, Clary estava errada: o pai do falecido já se encontrava ao lado do caixão. Ele estava de costas para a porta, mas se virou ao ouvir o som de passos.

Ao vê-lo, os olhos de Jocelyn se encheram de lágrimas. Valentim estava impecável como sempre em um terno branco perfeitamente engomado. Jocelyn não precisou perguntar por que branco; ela se lembrava de Sebastian, quando ainda era pequeno demais para entender a morte como algo real, subindo em seu colo após o velório de Stephen Herondale e perguntando: “Por que as pessoas usam preto quando alguém morre?”.

Naquela época, Jocelyn já havia fugido com Clary, mas Stephen havia sido seu amigo, e Sebastian tendia a esquecer que não era bem-vindo. “Eu não sei”, respondera Jocelyn. Sebastian pensara no assunto. “Preto não é uma cor ruim”, dissera ele. “Quando eu morrer, quero que me enterrem vestido de preto e usem roupas brancas. Preto é uma cor especial.”

Era uma conversa mórbida demais para um menino tão novo, e, na hora, ela não percebera que aquilo implicava que Sebastian considerava morrer uma coisa especial. Jocelyn olhou para o caixão no centro do cômodo – será que Sebastian estava de preto, afinal? – e depois para o próprio vestido, negro como a noite. A culpa ameaçou sufocá-la; será que ela não era capaz de atender aos apelos do filho nem quando ele estava morto?

— Boa tarde – disse Valentim. Seu tom não era o tom friamente educado que ele usara com ela nos últimos dez anos; era apenas sério e vazio. Horrorizada, Jocelyn notou que havia olheiras sob os olhos dele. Em todos os mais de vinte anos em que o conhecia, ela nunca havia visto Valentim Morgenstern perder uma noite de sono sequer. – O padre ainda não chegou.

Valentim também não era religioso e Jocelyn sabia disso, mas o fato de ele ter chamado um padre não a surpreendeu. Talvez ele também sentisse a presença do deus cruel ao redor deles. Talvez ele só fosse muito pragmático. Ou talvez ele se sentisse culpado por nunca ter chamado nenhum tipo de ajuda para o filho durante a vida. Secretamente, Jocelyn torcia para que fosse a terceira opção. Fazia tempo demais desde a última vez em que ela conseguira se identificar com o ex-marido de alguma forma.

Ela se virou para Clary, que parecia completamente perdida, e tirou uma quantia em dinheiro da bolsa. Jace não adentrara a sala, pelo que Jocelyn ficou estranhamente grata. Ele era um bom garoto; ela estava feliz por Clary ter encontrado alguém assim.

— Clary, querida – Jocelyn procurou manter o tom suave, mas sua voz tremia. – Quero que compre... – Ela precisou parar para limpar a garganta. – Flores. – Ah, era um absurdo que houvessem floriculturas em cemitérios. Era um absurdo que Jocelyn estivesse pensando em flores agora, e era um absurdo que não as quisesse mais para Sebastian do que para tirar Clary de perto do pai.

Clary pegou o dinheiro, mas hesitou.

— Que tipo de flores?

— Você vai saber – disse Jocelyn, e acreditava nas palavras.

Quando Clary saiu, ela se virou para Valentim, porque dos males, o pior; não aguentaria olhar para o caixão fechado de Sebastian, não agora. Valentim havia se retirada para perto de uma janela do outro lado do cômodo, e olhava pensativamente para o lado de fora. Em voz baixa, quase sussurrando, Jocelyn disse:

— Meus pêsames.

Valentim olhou para ela, inexpressivo.

— Ele era seu filho também. Não creio que precise me dar os pêsames.

Jocelyn mordeu o lábio. Naquele momento, sentiu uma saudade absurda da época em que Valentim era o rapaz gentil e carismático com quem se casara. Ela desejou poder voltar no tempo.

— Mas eu quis dá-los mesmo assim – respondeu, incapaz de pensar em algo melhor.

— Então eu agradeço, suponho – Valentim sorriu, mas o sorriso não lhe chegou aos olhos e desapareceu logo. – Onde está Luke?

— Eu não... Ele achou melhor não vir.

Jocelyn decidiu omitir o fato de que quase implorara para que Luke fosse com ela. No fundo, ela sabia que ele estava certo – aquela era uma coisa que deveria fazer sozinha, e era melhor que ele e Valentim não se encontrassem –, mas teria sido tão mais fácil com o marido ao seu lado.

— Mas Jace está aqui, suponho? – perguntou Valentim. Jocelyn confirmou com um gesto de cabeça. – Ele é um bom rapaz.

Em nenhum momento a voz de Valentim tinha entonação diferente, apenas cansaço. Ele estava olhando para o caixão quando disse:

— Eu tinha acabado de falar com ele quando aconteceu. O acidente, quero dizer.

Jocelyn não sabia o que a deixava mais assustada: o olhar intenso do ex-marido ou o vazio de sua voz. De qualquer forma, ela assentiu, em silêncio.

Quando Valentim tornou a falar, após uma longa pausa, as palavras eram dolorosas de ouvir. Elas pareciam rasgar seu caminho para fora da boca do homem como facas e voar pelo ar como os cacos do copo que Sebastian quebrara na cozinha da mãe, poucos dias atrás.

— Isso foi minha culpa.

Por um instante, Jocelyn não soube como reagir. Então, vieram as lágrimas, e, com a voz embargada, ela disse:

— Minha também.

— Eu o provoquei – disse Valentim. Ele olhou para a ex-mulher, e, por um instante, Jocelyn viu nele o Sebastian perdido que estivera em sua cozinha. Faltava alguma coisa a esse Sebastian, o ar de rebeldia e o veneno em sua língua, mas ela pensou que provavelmente fora assim que ele ficara logo antes de morrer. – Nós tínhamos brigado e eu sabia que ele estava irritado, e mesmo assim o provoquei.

Com certo horror, Jocelyn percebeu que os olhos de Valentim estavam marejados. Uma parte dela, uma parcela pequena e odiosa de seu cérebro, ficou satisfeita em vê-lo assim, pelo inferno que ele a fizera passar – e a Sebastian, também. A parte racional, porém, disse:

— Ele sempre provocava todo mundo.

— Eu pedi a ele para voltar para casa – disse Valentim, como se não tivesse ouvido. – Eu pedi a ele.

O nome Morgenstern significava “estrela da manhã”, e era um nome apropriado. Os Morgenstern caíam como estrelas cadentes: em silêncio, dramaticamente, e, se tivessem sorte, em uma explosão de luz e faíscas. Apesar disso – ou por causa disso –, levou cerca de trinta segundos para Jocelyn finalmente compreender o que estava acontecendo: Valentim Morgenstern estava chorando. Seu filho mais velho havia morrido, e o pai dele estava sentindo a perda.

Jocelyn não se aproximou. Não tentou confortá-lo. Ela abraçou a si mesma, e, em silêncio, também se permitiu sentir falta do filho que nunca tivera, e do filho que poderia ter tido, se o tivesse aceitado. Sebastian não fora um anjo, mas fora seu. Tremendo, Jocelyn se permitiu chorar.

***

Clary Fray não se preocupava com a presença ou não de um deus em sua vida. Na verdade, a única coisa que importava naquele momento era que sua mãe estava sofrendo, e ela não fazia a menor ideia do que fazer para ajudar.

Enquanto Jace cumprimentava a vendedora, Clary olhou ao redor. A floricultura parece ultrajantemente colorida em comparação com as pessoas vestidas de preto que transitavam pelos corredores, e, distraída, ela pensou que esse era o tipo de coisa que teria gostado de desenhar. E que Sebastian teria odiado, provavelmente.

Voltando-se para a vendedora, ela perguntou:

— Você sabe o significado de cada uma?

A moça, uma jovem na casa dos vinte anos com cabelos tingidos de verde e óculos de armação vermelha, assentiu enfaticamente.

— Você está procurando por alguma específica?

Clary se esforçou para não perder a paciência. Ela queria algo adequado a um velório, algo que a fizesse se sentir melhor sobre tudo aquilo, como todo mundo naquele prédio; a vendedora já deveria ter se acostumado.

— Me mostre as mais vendidas – respondeu, ácida.

A mulher começou a falar sobre babosas e alecrins, e, com o canto do olho, Clary viu Jace lhe lançar um olhar surpreso; ela normalmente não tratava estranhos tão mal. Ela entrelaçou os dedos nos dele, e ele apertou a mão dela como que para lembrá-la de que estava ali.

Os dois ainda estavam ouvindo o discurso sobre como a maioria das famílias escolhia flores brancas quando Simon Lewis irrompeu pela porta e o interrompeu para abraçar Clary e cumprimentar Jace com um aperto de mãos.

— Desculpe pelo atraso – disse ele. Clary fingiu não perceber que ele a estava analisando com mais atenção do que de costume. – Onde está sua mãe?

Clary engoliu em seco.

— Ela está com meu pai.

— Ah.

— É – Clary indicou as flores atrás de si e a vendedora, que esperava pacientemente, com um gesto. – Ela me pediu para comprar flores.

Simon assentiu, e a vendedora recomeçou a explicação. Discretamente, Simon pegou a outra mão de Clary. Ela sabia que Jace havia notado, mas, uma vez na vida, ele não reclamou, pelo que ela ficou bastante grata; definitivamente precisava do apoio do melhor amigo agora. Já era ruim o suficiente que Luke não estivesse lá.

Quando a vendedora parou de falar, Clary se virou para os dois garotos, aguardando uma opinião. Simon deu de ombros, sem jeito. Jace disse:

— Você deveria fugir dos clichês.

Clary assentiu, pesarosa. Embora ela não conseguisse dormir direito desde a morte de Sebastian e continuasse repassando mentalmente cada lembrança que tinha dele, desde sua infância, sabia que ele teria odiado que eles fingissem que tudo havia ido às mil maravilhas. E Sebastian passara muito tempo em vida odiando coisas; ele merecia ao menos aquele consolo. Clary se virou para a vendedora.

— Posso montar um buquê com várias flores?

A resposta foi afirmativa, e ela deu início ao trabalho.

Mais tarde, Clary se sentiria culpada ao perceber que escolheu os dois primeiros tipos de flores pensando principalmente em si mesma, em Jocelyn e, em algum nível quase inconsciente, em Valentim: flor de framboesa, que significava remorso, e jacinto roxo, que significava “por favor, me perdoe”. Simplesmente pareceu certo.

O último tipo foi uma sugestão de Jace: uma florzinha tão pequena que ela não conseguiu discerni-la de outras até ele lhe explicar que era verbena, uma erva que significava “reze por mim”.

— Eu não sei por que – disse Jace, erguendo as mãos com a palma voltada para fora como que para se defender. – Mas...

— Eu sei – interveio Simon, e Jace não contestou. Simon prosseguiu, parecendo arrependido de ter falado: - Quer dizer, acho que você sabe.

Clary sabia. Em toda sua vida, Sebastian Morgenstern não só não havia recebido nenhuma oração por ele como também tivera escassez de qualquer tipo de ajuda. Clary achava que nunca se esqueceria de quão perdido ele soara quando a chamara para dar uma volta, nem do estalo do tapa que ele dera em seu rosto. Ela pensou que Sebastian provavelmente não acreditara em Deus e que talvez odiasse a escolha se soubesse dela, mas decidiu arriscar. Se ele odiasse, problema dele. Embora Clary tivesse sentido o baque da morte do irmão, sabia que não era porque ele estava morto que suas ações em vida haviam mudado. Ele gostava de reclamar, de todo jeito.

Quando os três adolescentes retornaram à sala onde o corpo de Sebastian estava sendo velado, o padre já havia chegado, bem como alguns familiares de Valentim que Clary não conhecia. Jocelyn estava sozinha junto ao caixão, e a garota achou que talvez fosse melhor deixá-la se acalmar antes de aproximar; a mãe não gostava que a filha a visse chorando.

A missa teve início, mas Clary não ouviu uma palavra. Ela se manteve junto à parede na maior parte do tempo, flanqueada por Jace e Simon. Simon havia pego sua mão esquerda novamente, e Jace segurava seu pulso direito, e, embora isso impedisse que ela secasse as lágrimas que surgiram quando o padre começou a falar sobre como Sebastian fora um filho amado, ela ficou grata pelo apoio. A mão direita ainda segurava o pequeno buquê escolhido à mão.

Valentim e Jocelyn não estavam próximos, mas não pareciam tão distantes um do outro quanto estiveram por anos a fio; apenas o caixão de madeira escura os separava. Quase no fim da missa, Clary se soltou delicadamente de Jace e Simon e se adiantou para pegar a mão da mãe. Jocelyn olhou para ela com o canto do olho, e Clary apertou-lhe os dedos com mais força, apenas para dizer que estava ali. A mãe secou as lágrimas nas bochechas da filha suavemente. Elas não precisaram falar; nunca precisavam. Tinham um vínculo com o qual Sebastian sequer poderia sonhar.

Assim que a missa acabou, familiares e amigos de Valentim começaram a se aproximar dele e de Jocelyn para oferecer condolências. Por mais que Clary quisesse ficar ao lado da mãe – ela sabia que não seria fácil lidar com a família do ex-marido –, ela a deixou sozinha e se aproximou mais do caixão do irmão. Respirou fundo, enxugou o que restava das lágrimas e espiou.

O acidente que causara a morte de Sebastian não fora grave o suficiente para desfigurá-lo, e, por isso, o caixão ainda não estava lacrado. Clary já ouvira falar que as pessoas pareciam em paz quando morriam, mas seu irmão era uma exceção a muitas regras. Sebastian usava um terno preto que todos que o conheceram sabiam que ele detestaria, e seu cabelo fora penteado para trás de uma maneira que ele não o penteava desde o sétimo ano. Embora seus olhos estivessem fechados, o canto de seus lábios parecia curvado para cima, em uma imitação pálida de seu melhor sorriso desdenhoso.

Um anel prateado reluzia em sua mão direita, e, mesmo que não conseguisse ver bem, Clary sabia que era o anel de família dos Morgenstern. Ela nunca tivera um, mas, de certa forma, sabia que o fato de Sebastian estar sendo enterrado com o seu tinha algum significado. Tinha de haver um significado. Ela se recusava a pensar que Valentim nunca sentira nenhum apreço pelo próprio filho. Ele nunca amara Jocelyn, isso era certo – o que ele fizera com ela definitivamente não fora um ato de amor –, mas devia sentir alguma coisa por Sebastian, nem que fosse só apego.

Com cuidado, Clary deixou o buquê aos pés do caixão e voltou para perto da mãe. Dessa vez, foi Jocelyn quem entrelaçou os dedos ao dela e tentou sorrir.

— Que flores você escolheu?

Clary sentiu-se tomada por uma onda súbita de amor pela mãe.

— Flor de framboesa, jacinto roxo e verbena.

Fosse porque não importava ou porque ela já sabia, Jocelyn não perguntou o significado das flores. Seus olhos, entretanto, ficaram marejados, e ela abraçou Clary de repente, apertando-a junto ao peito como não fazia desde que ela era uma criança e fazia algo preocupante. Seu corpo tremia.

— Obrigada – sussurrou Jocelyn.

— Foi só um buquê – murmurou Clary, desconfortável. Jocelyn sempre fora mais que uma figura materna, uma espécie de heroína pessoal e guerreira da vida real. Era chocante vê-la naquele estado.

— Obrigada por tudo – Embora a voz de Jocelyn tremesse, sua filha não teve dificuldade em entender. – Por estar sempre aqui. Por tudo.

Clary não soube o que responder. Portanto, apenas assentiu, e disse:

— Estou aqui. Vai ficar tudo bem.

Jocelyn começou a soluçar.

***

Simon observou enquanto Clary depositava as flores junto ao corpo de Sebastian. Ele estava preparado para ficar em silêncio até ela voltar, e foi pego de surpresa quando Jace disse:

— Não parece real.

Simon olhou para ele rapidamente. Jace não estava chorando, mas havia algo rígido em seu rosto que dizia que ele não se conformara com a situação. Talvez fosse porque ele não aguentava ver Clary tão perturbada. Talvez simplesmente porque ele gostava de salvar pessoas. De uma forma ou de outra, Simon tinha que concordar.

— É. Eu nem consigo imaginar como a Clary deve estar se sentindo.

— Eu tentei – admitiu Jace em voz baixa. – Não é a mesma coisa que se eu perdesse Alec ou Isabelle. Seria assim se fosse você.

Fez-se um minuto de silêncio, durante o qual Jace pareceu se arrepender do que dissera.

— Acho que isso torna as coisas piores – disse Simon, por fim. Jace assentiu.

— É – Ele hesitou, parecendo medir as palavras. – Você acha que ela vai sentir falta dele?

— Vai ser... Estranho.

Durante a pausa que se seguiu, Simon realmente considerou a questão. Para ele, Sebastian Morgenstern fora apenas uma figura distante, uma sombra que aparecia vez ou outra para escurecer suas conversas com Clary, um menino arrogante que surgia com comentários sarcásticos quando Simon só queria ficar em paz.

Ele se lembrou das palavras de Sebastian quando conversara com ele no quarto de Clary: Você é que é irmão dela de verdade, sabe. Simon nunca conseguira pensar em uma resposta, porque era verdade, e isso era cruel. Era cruel que Sebastian tivesse razão, e era cruel que tivesse morrido sabendo disso. Sabendo que fora rejeitado. Simon achava que essa era a pior parte: o fato de que, agora que ele se fora, todos pareciam estar querendo consertar os erros. Os de Sebastian e os próprios.

Simon olhou para Jace e percebeu que ele estava encarando Valentim. Sem desviar o olhar, Jace disse:

— Nós poderíamos ter crescido como irmãos, Sebastian e eu.

Simon apenas fitou-o, surpreso demais para responder. Quase como se não percebesse que estava falando em voz alta, Jace disse:

— Meu pai era o melhor amigo do pai dele. Valentim lutou pela minha guarda quando ele morreu – Ele se virou, e havia algo em seus olhos dourados que fez com que Simon quisesse dar um passo atrás. Não era algo exatamente assustador, mas uma espécie de vulnerabilidade rasgada, como se alguém tivesse aberto à força um buraco na fachada habitual de durão. – Você acha que teria feito alguma diferença?

Suspirando, Simon sacudiu a cabeça.

— Não sei. Não adiantaria saber, eu acho.

— Acho que não – Jace voltou a atenção para Clary, que estava abraçada a Jocelyn. – Mas eu gostaria de saber. Por ela. Acho que ela está se perguntando a mesma coisa.

Simon assentiu, lembrando-se de algo que sua irmã lhe dissera anos atrás, após a morte de seu pai. Ele havia se trancado no quarto assim que chegara do enterro, e, quando finalmente deixara Rebecca entrar, perguntara-lhe se poderia ter feito alguma coisa para salvá-lo. Não adianta chorar pelos mortos, dissera-lhe ela. Mas você ainda pode cuidar dos vivos.

Aquilo não o fizera parar de chorar, mas ele conseguira dormir melhor naquela noite. Simon cutucou o braço de Jace e indicou Clary e Jocelyn.

— Mas nós podemos ajudar – disse. – Acho que ela gostaria da nossa companhia.

Jace estivera estranhamente calado durante todo o velório, e não foi dessa vez que ele se dispôs a argumentar. Juntos, os dois se uniram à mãe e à irmã do falecido para acompanhar o caixão até o túmulo.

***

Valentim Morgenstern não praticava os ensinamentos de nenhuma religião, muito embora de dissesse católico, e todos que o conheciam sabiam disso. Ele não batizara seu primeiro filho, e o motivo pelo qual não pudera sequer pensar em batizar a filha certamente não era aprovado pela Bíblia. Ele sabia que fizera coisas ruins, e que sua entrada no Céu estava longe de ser garantida.

Mesmo assim, Valentim Morgenstern ainda tinha esperanças de ser poupado do fogo do inferno, pelo menos até o caixão contendo o corpo de seu primogênito ser baixado em um buraco na terra.

Valentim observou, impassível, enquanto a madeira polida desaparecia dentro do solo. Sua postura estava impecável; ele já tivera seu momento de fraqueza antes do velório, durante a conversa com Jocelyn. E antes disso, logo antes de contatar o padre. E ainda antes, quando estava decidindo onde realizar o velório.

Ele sabia que Sebastian odiaria a ideia de ter o corpo velado na mansão Morgenstern, porque Sebastian odiara a mansão Morgenstern durante grande parte da vida. Ele sempre fora mais feliz na casa pequena e bagunçada dos Fray, nas boates sujas e com cheiro de suor e maconha e em becos com paredes de tijolos pichadas. Se não fosse pela ligação, Valentim poderia ter ignorado isso. Mas, se não fosse pela ligação, Sebastian talvez ainda estivesse ali.

Valentim não conseguira resistir ao anel, porém. Sebastian o tirara e o jogara em sua cara, rejeitando sua família e desrespeitando-o como nunca fizera antes, mas Valentim não conseguira evitar enterrá-lo com o brasão dos Morgenstern no dedo. Era sentimentalismo barato e incomum de sua parte, mas o fato era que, por mais que Sebastian não fosse um filho exemplar, era o único que ele tinha. Sem o filho, Valentim estava completamente sozinho. Manter o anel em casa apenas o faria lembrar disso.

O caixão terminou de ser baixado, e o coveiro perguntou se Valentim gostaria de jogar um punhado de terra no buraco. Ele não queria, mas era o que se esperava que fizesse, então ele o fez. Jocelyn fez o mesmo, pelo que Valentim ficou estranhamente grato. Fazia com que sua falta de afeto pelo filho e sua culpa ficassem menos evidentes; afinal, Jocelyn compartilhava de ambos os sentimentos.

O padre, que acompanhara o pequeno cortejo fúnebre, pediu para dizer umas últimas palavras sagradas. Valentim disse-lhe para ficar à vontade, mas não ouviu uma sequer. Sebastian não acreditava em Deus, e ele já estava condenado mesmo; de que adiantava? Ele abaixou a cabeça e fingiu prestar atenção.

Enquanto o padre falava – em latim, pois Valentim assim o pedira, já que Sebastian gostava da cadência da língua quando era pequeno –, Valentim ergueu apenas o olhar, examinando as pessoas ao redor. Jocelyn tinha os olhos fechados, mas era impossível saber se ela estava rezando ou se estava apenas cansada. Jace Lightwood tinha o olhar fixo à frente e estranhamente resignado. Ao seu lado, Simon Lewis olhava para os próprios pés.

Clary, ao lado de Jocelyn, era a única pessoa que estava olhando para Valentim. Ele sustentou o olhar da filha – que estranho pensar que alguém tão bom tinha parentesco com ele! –, lembrando-se do buquê que ela depositara junto ao caixão de Sebastian. Uma coisinha pequena, como ela, mas tocante. Fizera com que ele se sentisse mal por não ter comprado flores ele mesmo.

Valentim Morgenstern não era um homem religioso, mas ali, sob o julgamento de uma filha que nunca o reconhecera como pai e com o peso da morte de seu primogênito, ele não pensou em poderes divinos. Pela primeira vez, não pensou em aparências. Pensou em Sebastian. Em como ele nascera como algo inofensivo, e morrera como uma estrela cadente. Como Lúcifer. Ele teria gostado da comparação.

Sem conseguir mais sustentar o olhar de Clary, Valentim abaixou a cabeça e rezou.


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Notas finais do capítulo

Fonte dos significados das flores: http://www.portaldeholambra.com.br/significado-das-flores.html
Não tive coragem de revisar, tanto porque tô morrendo de sono e queria postar logo quanto porque o capítulo tá grande e bem da bad, então, por favor, me avisem se encontrarem qualquer erro gramatical. Ah, e eu não lembro como funcionam enterros, então perdão por isso também.
E... Chegamos ao fim, mais ou menos. Ainda escreverei dois capítulos bônus, um com ponto de vista do Jace e outro com ponto de vista da Clary, mas não tenho a menor ideia de quanto tempo vai demorar. Principalmente depois da minha bad eterna ahsaushaus
Até lá!