S7 e S12 puxam o corpo inerte de L1 pelos braços, deixando um rastro de sangue entre as folhas caídas da floresta de Sheratan. Seus olhos estão dilatados de medo, assim como suas mãos que estão tremendo ao entrelaçar com os dedos do jovem rapaz que não mais vive.

— S7... você acredita que... você acredita que foi a coisa certa...

— S12, NÃO DÁ MAIS PARA PENSAR NISSO, OK? – Explode S7, deixando que o pânico se alastre pelas suas feições.

S12 inicia um choro baixo, que aumenta conforme o árduo percurso é percorrido. A floresta se torna cada vez mais obscura, com galhos de árvores estreitando o caminho e impedindo que a luz do sol penetre no interior dela.

— Os olhos dele, 7... ainda dá para ver os olhos dele... – Geme S12 com timbre de horror, ao ver de esguelha o rosto imóvel de L1, completamente ensanguentado e sujo de terra. No entanto, os olhos azuis vibrantes que sempre atraíram atenção no rapaz ainda continuam entreabertos, fitando o vazio.

S7 respira fundo. Lembrou de uma das aulas que teve na Nave-Mãe, onde ela explicou que as pessoas poderiam ser “meninos e meninas”, e isto era uma característica definida logo quando o embrião estava na incubadora. As meninas eram mais sensíveis, e era obrigação dos meninos tomar conta delas e assumir o controle quando suas emoções sobressaíssem a razão. Às vezes S7 acredita que S12 está na tribo errada, e que provavelmente ela é uma nativa de Câncer.

Ele se abaixa ao lado do corpo, e encara por longos segundos aquele azul tão azul quanto o fundo do Lago Mirach. O sagitariano respira fundo e tenta não tremer tanto, mas é completamente impossível. Ele está diante do líder leonino que foi morto pela pedra que está guardada no seu bolso. L1 sempre foi um misto de celebridade e exemplo para a tribo Leo – gerando também uma certa admiração para as outras tribos. Quando L3 morreu acidentalmente ao atravessar o campus Ariano numa madrugada que não acusava nenhum motivo para o leonino estar ali, L1 tomou todas as providências para que a justiça fosse feita. Foi a partir de então que a reputação da liderança ariana, que já não muito agradava, tornou-se um símbolo de ódio e vingança, estimulando que as tribos rebeldes lutassem por uma nova liderança. L1 e S5 eram os principais responsáveis pelas rebeliões, e através de muito trabalho conseguiram reunir um grande grupo para atuar contra os arianos. A maioria vinha da própria tribo Leo e Sagitarius, mas uma aliança recente com integrantes da tribo Capricornus fez com que uma maior atenção recaísse sobre eles.

S7 coloca a mão sobre os olhos de L1, e os fecha para sempre. Lança um olhar marejado para S12, e grunhe amargamente:

—Precisamos leva-lo para o campus de Leo antes que escureça.

— O caminho mais rápido é pela Depressão de Bellatrix. Não podemos passar perto da Nave-Mãe de maneira alguma.

— Verdade. – Concorda S7, pensativo. – Precisamos tomar um caminho maior. Nossas duas opções são: continuar a atravessar a floresta ao leste, o que levaria mais de um dia, ou seguir a oeste.

— Atravessando os campus dos signos da Terra?

— Sim.

— S7, estamos carregando um corpo. Morto.

— Que representa a nossa liberdade.

(:)

V7 beberica seu chá de erva Cálie, cujos efeitos foram cuidadosamente estudados pelos geminianos antes de ser concebido para o consumo humano. Ela estuda o vasto campus de Virgo através da janela de sua sala particular, fechando um dos olhos propositalmente para averiguar se os arbustos do jardim estão devidamente podados. Enquanto isso, T9 está sentado ao seu lado, contando pausadamente a notícia que lhe fora o motivo de sua visita.

— A1 ordenou que a tribo Taurus reduza ao máximo a quantidade de suprimentos enviada para as tribos Sagitarius e Leo. T1 informou que ele não tem o poder de modificar o sistema da distribuição de suprimentos, cabendo a tribo Virgo decidir por isso. Fui enviado para voltar com uma resposta decisiva. Então, você está de acordo com isto tudo, cara V7?

A moça de semblante astuto e postura impecável vira-se para ele, arfando ao ser obrigada a tomar uma posição.

— Eu não quero participar de uma briga a qual não me pertence. A aliança rebelde pertence aos sagitarianos e leoninos, o resto da nação está de acordo com a liderança vigente.

— Exceto Capricornus.

V7 range os dentes.

— E Capricornus. Somos um total de doze contra três tribos. Eles jamais ganharão a maioria.

— Então você sucumbirá às ordens de A1. – Conclui T9, passando a mão nos cabelos loiros.

— Em nenhum momento eu quis dizer isso.

— V7, você sabe tanto quanto eu que só existe dois caminhos nessa encurralada. Ou obedecemos aos pedidos de A1, ou não obedecemos e automaticamente somos considerados parte da aliança rebelde.

— E quem determinou que tudo na Biosphera precisa girar em torno de A1? – Desdenha V7, terminando seu chá Cálie.

— Ah, deixe-me ver... a Nave-Mãe. Quando coroou A1 como líder supremo da nação zodiacal. – Responde T9, zombeteiro.

V7 sorri para ele, e ele devolve o gesto. T9 é definitivamente a pessoa com que V7 mais se identifica, até mais que os próprios virginianos de sua tribo. Foram incontáveis as vezes que eles gastaram tardes naquela sala, conversando sobre o gerenciamento de suprimentos ou de suas próprias vidas. V7 jamais se incomodou com a presença dele, muito pelo contrário, possui até uma certa necessidade dela. Por este motivo, o nomeou como assistente principal no setor de racionalidade dos recursos. V7 coordena muitos setores que entrelaça todas as tribos à sua, e isso a faz com que tenha muitos assistentes, porém nenhum deles teve a honra de passar mais tempo ao seu lado quanto T9.

— É por isso que A1 está se tornando um monstro. Nós somos os culpados: sempre abaixamos a cabeça e deixamos que sua força impere sobre os demais. E para reverter isso, estamos criando clubes de conspiração feito crianças imaturas. Diga-me T9, o que a tribo ariana poderá fazer caso eu simplesmente decida não participar de seus trâmites?

— Você será considerada uma líder rebelde, como L1 e S5 são.

— Então que eu seja. A diferença estará que não moverei um dedo para contribuir com isto. Independente da minha reputação, o que interessa são as minhas atitudes.

— V7, para mim você é a pessoa mais sensata que existe sobre a superfície da Biosphera. Não tenho dúvidas de que você jamais participará dessa guerra de poderes. No entanto, A1 não pensa dessa forma. Se pensasse, nunca teríamos nos deparado com esta ordem absurda de cortar alimentos para os integrantes de nossa própria nação. Pelos cinturões de Óregon, a tribo Sagitarius está repleta de crianças!

— Claro que eu sei, T9. Minha atitude gerará consequências. Na verdade, qualquer atitude que eu tome gerará consequências. O único poder de escolha que tenho é qual consequência será melhor para minha consciência...

Neste instante, batidas frenéticas ressoam do outro lado da porta fechada. V7 e T9 viram-se para ela, a líder aparentemente irritada com a interrupção.

— Estou tratando de um assunto sério, faça o favor de retornar mais tarde – Ela interpõe.

— Sou eu, V3. Também venho tratar de um assunto m-muito sério, líder V7 — Responde a voz no outro lado, ressoando temor em seu timbre.

— Se for a respeito do alagamento na ala sudoeste, este problema foi repassado para...

— Não, líder V7, não é sobre o alagamento. O-olhe para a janela... e v-veja...

V7 franziu o cenho para T9, e juntos caminharam até a grande janela com vista para o campus. Os olhos negros da virginiana arregalaram ao ver o aglomerado de pessoas que se formou em círculo na praça central do terreno.

— Mas o que... – Exclamou T9, aturdido.

— Estou descendo, V3.

Geralmente as pessoas costumam abrir espaço ao ver que está no caminho de V7, mas não desta vez. As pessoas estão concentradas demais em algo que ainda não está ao alcance da líder, porém seus rostos pasmos avisam que não se trata de uma boa coisa.

— Saiam da frente! – Ela retruca, com péssimo pressentimento.

Quando todos finalmente saem da sua frente e deixam a grande atração à mostra, sua boca se reverte numa exclamação de terror e seus passos impetuosos cessam instantaneamente.

Em toda a sua vida, V7 nunca havia visto uma pessoa morta.

Mas ali a sua frente, o improvável se concretiza: L1 estendido no chão, com S7 e S12 servindo como escolta. Ninguém ousa dizer uma palavra sequer, exceto T9 que sussurra ao pé de seu ouvido:

— É isto que A1 faz quando você possui a reputação de líder rebelde.