45% escrita por SobPoesia


Capítulo 25
A Aparição




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/641385/chapter/25

Queria começar dizendo que passei os últimos 24 capítulos dessa história preparando vocês leitores para o que acontece a seguir. Eu queria ter 24 capítulos de preparação, mesmo que ache que a dor que se seguiu não pode ser comparada com nada, muito menos preparada, é algo que só pode ser sentido.

Algumas coisas são assim, não são? Não importa o quanto a sua mãe te falou para levar um casaco, a menos que você passe chuva ou frio, não vai levar a merda do casaco. Isso é um exemplo pequeno, mas se segue. Eu fui avisada que as pessoas morrem, sempre seguidas de outras. Não é nos dado tempo para respirar, muito menos para a garota vitimista que nasceu com pulmões muito pequenos.

Vocês se lembram do não-tão-meu-cachorro? Mister Robins? Se vocês forem felizes, espero que se sintam apenas como ele se sentiu e não como eu me senti, como eu ainda me sinto todos os dias quando olho em meu braço e vejo aquela pulseira escrito BITCH com pequenas letras perdidas em quadradinhos de metal, posta juntas apenas para que coubessem em meu pulso extremamente magro.

Alguns dias do enterro haviam se passado e eu já estava acostumada com a morte de Abby. Não me levem a mal, mas a morte é algo do qual se acostuma. A falta da pessoa para de ser falta e passa a ser apenas a sua nova rotina, eu tinha seu cheiro e seu cordão, nada mais que pudesse fazer a respeito, além de chorar a noite e me iludir com fotos antigas de uma conta de Instagram inativa.

Minha vida seguiu, como a de vocês também seguiu depois que alguém próximo morreu. Porque o sol ainda vem no dia seguinte e ele te acorda, você toma banho, coloca uma roupa qualquer, vai para a escola e olha para aquele lugar que costumava ser dela e agora é de algum garoto moreno novo. Então você não vai à cafeteria, porque é doloroso demais e manda alguém levar comida para você no telhado, no qual fuma cigarros e mais cigarros que parecem não adiantar a sua morte. A minha vida era amarga e um pouco mais pálida, mas era o resto da minha vida e eu tinha de vivê-la, sem ter certeza do porquê.

Um desses dias tinha gosto de cacau. Estava comendo uma torta de amora que Bruni tinha roubado da cozinha enquanto Evans fazia algum exame de rotina. Próximas, em minha cama, o beijo era eminente, então fazíamos algo que funcionava todas as vezes, mudar de assunto.

Nossos rostos se aproximaram e eu olhava dentro do seu olho bom, esperando que ela entendesse o quanto aquilo era errado. Não sabia se 45% queria ou não queria aqueles encontros estranhamente românticos em nossos quartos, mas, com certeza, ela não fugia deles. Aquilo tinha de ser parado. Meus movimentos perto de sua boca só faziam sentido quando nossos lábios se tocavam e isso foi a saída.

Uma de suas mexas negras agarrou em alguma das minhas pulseiras, o que acabou com a sua respiração se tornando a minha respiração e se tornou um momento de desconforto moderado. Assim que ela conseguiu se soltar, ficou algum tempo com meu pulso em suas mãos.

–Porque você tem tantas pulseiras?

–Antes de você entrar, a nossa belíssima professora fez uma dinâmica em nossa sala, pediu que fabricássemos pulseiras e entregássemos para alguém especial. Ganhei quatro pulseiras, três de pessoas que já morreram e essa aqui – puxei uma pulseira cheia de bolinhas de metal colocas em um fio de silicone, dentre elas, estavam as letras B, I, T, C e H em quadrados de metal – Evans fez especialmente para mim. Já essa correntinha eu ganhei da minha mãe e esse fiozinho de couro eu uso com a minha irmã que tem isso amarrado no tornozelo. Essa de borracha desbotada é o que restou de uma bandeira gay.

–Então tudo que você usa tem um significado? – sua mão soltou meu pulso e se juntou em seu colo.

–Claro que não... – pensei, seria verdade? – Eu acho.

–Você faz uma careta estranha quando fica confusa, duvido que vi isso mais de três vezes desde que te conheço. – Bruni abriu um enorme sorriso, daqueles que me fizeram cair por ela tão rapidamente quando como se tropeça.

–Como ela é? – meu sorriso acompanhou o seu.

–Você torce a sua boca e levanta a sua sobrancelha esquerda, até seu nariz participa, é uma festa estranha.

Em pouco tempo o loiro entrou no quarto e a confusão tomou um outro ângulo. Nosso dia seguiu normalmente, assim como o início da noite.

Ambos foram buscar o jantar, comemos, rimos, 45% decidiu que era hora de se retirar. Tomamos banho, nos deitamos. Nossas máquinas foram ligadas. O barulho infernal que se seguia durante toda a noite começou.

A verdade é que eu não tinha dormido muito desde a morte de Abby. Esperava até que Evans estivesse em seu sétimo sonho, pegava o casado da GAP e, como uma droga, o cheirava e entrava em uma viagem deprimente durante grande parte da madrugada. Meus olhos se fechavam cerca de seis da manha e duas horas depois já era um novo dia.

Essa era a minha rotina.

Até que naquela noite tudo mudou.

A máquina do loiro se desligava quase que automaticamente as três horas da manhã, quando a sua diálise acabava. O silêncio do quarto não era absoluto com os ciclos de respiração da minha máquina. Um balão forte sugava o ar para fora de mim e fazia um estrondoso barulho, assim como ao empurrar tudo para dentro de novo.

Suspirei. As lágrimas já estavam fazendo meu rosto inchar por completo.

Mas aquela não era uma noite normal nas nossas vidas.

O barulho da máquina dele acabou. Quase que imediatamente ele se sentou na cama em um pulo, puxando suas cobertas e soltando um berro agonizante.

–Evans!? – me virei rapidamente.

Seus olhos estavam arregalados, suas mãos cravadas como garras em sua coberta surrada azul.

–A aparição! – ele gritou.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!