Ele tem 18 anos escrita por Hanna Martins


Capítulo 11
Frágil flor de vidro


Notas iniciais do capítulo

E o capítulo das revelações chegou! Mas ele... será digamos que um pouco diferente, em vez de termos o Peeta contando para a Katniss o que aconteceu, vamos voltar no tempo e ver através dos olhos do Peeta o que rolou...



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Mais um dia, apenas mais um dia. Peeta recitava mentalmente as palavras como um mantra, enquanto recolhia suas coisas encharcadas da privada. Suas anotações da aula, seus livros, tudo estava completamente molhado. Era mais uma das brincadeirinhas de Cato, o valentão do colégio. No entanto, aquilo até que não era nada, comparado aquela página na internet dedicada a xingamentos dirigidos a ele. Aquela coisa era horrível. Havia também os xingamentos que ele ouvia pessoalmente. Ele era uma espécie de divertimento do colégio. Adoravam fazer piadinhas com ele.

— Ei! — aquela voz fazia seu estômago se contorcer. — Ei, imbecil, estou falando com você!

Peeta virou-se. Cato sorria, junto com seu grupinho, três garotos da sétima série que pareciam estudantes universitários. No entanto, eles só eram grandes no tamanho, porque o cérebro era menor do que uma noz.

— Olha o que eu tenho aqui! — Cato segurava várias folhas... Reconheceu com uma pontada no estômago, eram seus desenhos. — Desenhando de novo, seu merdinha? Eu pensei que tinha proibido você de continuar a fazer seus desenhos estúpidos.

Cato sorriu. Um sorriso sinistro. Estava alegre.

— Você pensa que é alguma coisa só porque sabe desenhar?

Olhou para os desenhos, passara as últimas noites desenhando aquela história. Era uma história muito boa, sobre um garoto que tinha super poderes, que de dia era um estudante marginalizado por seus colegas e a noite um combatente do crime, amado pela cidade, herói das crianças, todos queriam ser ele.

Não, Cato não podia destruir aquilo. Seu estômago doeu.

— “Um herói da cidade” — Cato leu alto e deu uma grande gargalhada. — Você pensa que é uma grande coisa, pão fedorento?

Pão fedorento era o apelido gentil que eles haviam colocado nele. Cato gostara do trocadilho com seu nome.

— Venha aqui! — disse. — Olha o que faço com seus desenhinhos!

— Não! — gritou cheio de pavor.

Peeta não costumava revidar as ofensas. Sabia que tudo o que fizesse só iria aumentar o ódio de seus atacantes, embora nunca soubera o motivo de tanto ódio por sua pessoa.

Cato riu.

— Não? Ora essa, então o pão fedorento está pensando que é grande coisa.

O grupinho de Cato riu, imitando seu líder.

— Vocês acham que devo perdoar o pão fedorento? — perguntou para seu grupinho.

— Claro que não, Cato! — respondeu um deles, rindo. — Esse aí precisa de umas boas pancadas, talvez você até melhore essa cara ridícula dele.

— É, Cato! — riu outro. — Você irá fazer um ótimo favor para todos nós.

— Você está certo.

Cato rasgou as folhas, enquanto dava uma estridente gargalhada.

— Não! — ele não podia suportar a visão do trabalho que se empenhara tanto para desenhar sendo destruído.

Pulou em Cato, tentando detê-lo. Aquela fora uma má ideia, reconheceu imediatamente ao receber um soco na cara seguido de outro no estômago.

Quando eles terminaram, estava no chão do banheiro, com seu nariz sangrando e vários hematomas. Levantou-se e pegou os pedaços de papel que restaram da sua história em quadrinhos. Sua face estava banhada de sangue e lágrimas. Limpou-se.

Foi embora do colégio. Aquele era apenas mais um dia. Se fosse forte o suficiente acabaria com Cato e sua gangue.

A casa ficava longe da escola, por isso era preciso ir de ônibus. Sentou-se em lugar distante, colocou os fones de ouvido e encostou a cabeça no vidro da janela. Aquele momento era o mais tranquilo do seu dia, porque não existia valentões do colégio, também não tinha surpresas em casa...

O ônibus parou e ele saiu, dando adeus ao seu pequeno momento de tranquilidade.

Ao se aproximar da casa um frio invadiu seu estômago, será que o pai estava em casa? O pai estava desempregado, fazia alguns bicos, mas era apenas isso. Se ele estivesse em casa, poderiam passar a tarde juntos. O pai leria suas histórias em quadrinhos, daria uma sua opinião. Ele sempre achara que Peeta era o melhor desenhista do mundo. Muitas vezes, depois que o pai ia fazer um de seus bicos, ele comprava várias HQs. Os dois liam juntos, comentando suas partes prediletas. O pai colocava suas músicas favoritas para tocar ou tocava as músicas em seu violão. Ele era apaixonado pela música. Respirava música. A primeira lembrança de Peeta do pai, era ele tocando músicas no violão. Ele crescera ouvindo o pai tocar. O sonho do pai era ser um musico.

Porém, se o pai estivesse em casa e em vez de estar tocando músicas estivesse... Os pensamentos foram interrompidos rapidamente. Não queria pensar naquilo, pois lhe dava escalafrios. Quando o pai fazia aquilo, ele se transformava em outra pessoa. O homem doce e gentil já não existia mais.

Entrou na casa com o coração saltitando. Ultimamente, aquilo estava ocorrendo com mais frequência... Fazendo o mínimo de barulho possível foi para seu quarto. O pai estava em casa, escutara o barulho vindo da garagem. Se ele estava na garagem, não era um bom sinal. Tinha medo de ir confirmar suas suspeitas. Talvez, se ficasse quieto no quarto até aquilo passar...

Fechou a porta do quarto com cuidado. Respirou um pouco aliviado após fazer isso. Seu estômago roncou. Procurou no esconderijo de comida por algo, porém, esquecera de o abastecer. Seu estômago exigia comida. Sentou-se no chão do quarto, pegou um pedaço de papel e lápis, começou a desenhar.

Fazia quase quatro anos que morava com o pai. Após o divórcio de seus pais, ele decidira ir viver com seu pai. Sua mãe no início não concordara. Ele era apenas uma criança de 10 anos. No entanto, ele insistira muito até que sua mãe aceitasse. O pai precisava dele. Ele era um homem que desorganizado, mal sabia cozinhar, e quando o fazia, saia uma gororoba que Peeta tinha serias suspeitas se era comestível.

Peeta sabia cozinhar, aprendera ainda criança com a mãe. Ela era uma ótima cozinheira e Peeta adorava vê-la cozinhar. Gostava de passar um tempo com ela na cozinha, conversando, apenas os dois. Gale se juntava a eles após chegar do colégio. E o pai também logo aparecia, após o ensaio com sua banda. Então, os quatro ficavam na cozinha conversando. O pai, muitas vezes, cantava uma nova da música da banda a eles. Gale falava de seu dia no colégio, era o melhor aluno da turma. A mãe sorria. E Peeta observava tudo, enquanto desenhava nas folhas de papel que seu pai comprava especialmente para ele. Aquelas eram as lembranças mais felizes da sua infância.

Não soubera como, porém, as coisas começaram a mudar. Ele entrara na escola. Quando chegava, sua mãe já não estava mais preparando o jantar. Ela sempre chegava tarde. Estava trabalhando em um restaurante. Gale estava ocupado estudando para conseguir uma bolsa em uma faculdade de prestígio. E o pai era o único que não mudara muito. Ainda chegava em casa na mesma hora, ainda mostrava para Peeta as novas músicas de sua banda.

No entanto, um dia aquilo também mudou. A banda do pai acabou. E ele ficava o dia inteiro em casa. A mãe chegava cansada, reclamando da bagunça, Gale fora morar em oura cidade, conseguira entrar em uma universidade de renome.

Às vezes ouvia seus pais gritando um com o outro. Os dias passaram, a frequência das brigas aumentou. Os anos passaram, não havia um só dia em que seus pais não gritavam um com o outro. Veio o divórcio de seus pais.

Peeta morava com o pai agora. Não falava muito com a mãe, nem com o irmão. A mãe havia conseguido, em meio a muitos sacrifícios e esforço, juntar um dinheiro e abrir um pequeno restaurante. Gale estava ocupado com seus estudos.

O pai passava os dias em casa, jogado no sofá. Havia tentado tocar em várias bandas, mas nenhuma durara mais de seis meses. Quando apertava, ele conseguia alguns bicos.

Era Peeta quem cuidava da casa, evitando que ela se tornasse um caos. Também era ele que fazia todas as refeições, se ajeitava com o que tinha na geladeira para fazer uma refeição decente para eles. Sabia que se deixasse, o pai provavelmente não sobreviveria.

Ele cuidada do pai. O pai precisava dele.

Havia aquilo... mas o pai era uma boa pessoa. Ele sempre se arrependia no dia seguinte. Chorava, prometia que não voltaria a fazer. O problema era que ele sempre voltava a fazer e Peeta sempre acreditava que ele não voltaria a fazer.

Fizera vários desenhos. As horas passavam e sua fome aumentava. Não havia comido nada o dia inteiro. No dia anterior fora dormir sem jantar, pois precisara ficar escondido em seu quarto.

O pai estava fazendo aquilo com muita frequência.

Já passava da meia noite. A fome era tanta que impedia o sono. O pai já deveria estar dormindo àquela hora. Cautelosamente foi para a cozinha. A casa estava silenciosa, as luzes todas apagadas.

Não ousou acender a luz da cozinha. Encontrou, em vez disso, uma vela e a acendeu. Abriu a porta da geladeira. Não havia muita coisa. O armário de comida também estava praticamente vazio. Fez ovos mexidos.

Já estava começando a comer a comida que prepara, quando a luz da cozinha se acendeu. Peeta congelou. Nem se atreveu a levantar a cabeça.

— Moleque, o que você está fazendo? — perguntou o pai com aquela voz que não era dele.

Peeta não conseguiu responder nada. Sabia o que vinha a seguir. Tudo o que desejava era que acabasse rápido.

O pai se aproximou.

— Hein, moleque? — insistiu impaciente.

— Nada — sua voz era quase inaudível.

— O quê? Eu não ouvi! — berrou. — Fala direito, aquela desgraçada da sua mãe não te ensinou a respeitar os mais velhos?

Peeta virou-se para ele. O pai estava completamente chapado. Ele deveria estar desde o dia anterior se drogando na garagem.

Quando estava naquele estado, ele sempre espancava Peeta quando o via.

Peeta sentiu o tapa em seu rosto, tão forte que o derrubou da cadeira. Sua face deveria estar muito vermelha. No dia seguinte, o pai se arrependeria. Choraria ao ver os hematomas no corpo do filho, juraria que nunca mais faria aquilo. Ele iria conseguir algum trabalho, nos dias seguintes, os dois leriam juntos as HQs que o pai compraria...

Seu estômago parecia ter se partido em dois após o pontapé que recebeu ali. Mais outro pontapé. Outro. Outro. Outro...

— Por favor, pai, para — implorou.

— Você precisa apreender! — lhe deu outro pontapé, dessa vez bem nas costelas. O pontapé fora tão forte que poderia jurar que escutara algo se partindo.

— Por favor — seu rosto estava banhado em lágrimas.

Ele respondeu com outro pontapé.

— Para — pediu. — Por favor! Para... Para... Para — sua voz ficava mais fraca a cada palavra. — Pai... pai... para... para... pai... pa...

Não conseguia mais se mover. Não conseguia mais falar. O pai continuava a lhe aplicar pontapés. Sua visão estava turva.

Odiava aquilo, odiava não conseguir se defender. Odiava saber que amanhã o pai choraria de arrependimento, ficaria mal pelo que fez a ele. Se sentia tão pequeno. Tão frágil e inútil. Ele não podia fazer nada para parar o pai... Nada...

Perdeu a consciência.

Ao recobrar os sentidos, reconheceu que aquela não era sua casa. Onde estava?

Os rostos de Gale e sua mãe apareceram em sua frente. Então, se deu conta de onde se encontrava, um hospital.

— Peeta, como você está? — indagou Gale com aquela voz de quem está falando com um ser extremamente frágil.

A mãe chorava baixinho.

Fechou os olhos, não queria ver a tristeza da sua mãe, a preocupação do seu irmão.

As lesões de Peeta eram graves. Várias costelas quebradas, uma perna quebrada, um pulso torcido. No entanto, as lesões que mais incomodavam não eram as físicas.

Peeta pouco falava, mas capturava os olhares que recebia de sua mãe e seu irmão, os olhares que eles trocavam entre si. Eles o tratavam com cuidado. Talvez, tinham medo que ele fosse se partir a qualquer momento. Ele era tratado como uma frágil flor de vidro.

Seu quarto estava sempre silencioso, a luz era amena. A mãe e o irmão falavam o mais ternamente possível com ele. Ninguém falava sobre aquilo. Ninguém falava sobre o pai. Ninguém mencionava o fato de que o pai fizera aquilo com ele. Eles pareciam tão ou mais perturbados que ele com o que acontecera.

A mãe tinha enormes círculos negros em volta dos olhos. O irmão passava as noites o observando dormir, mas fingia que não via isso.

— Não, ele não pode entrar aqui — dissera a mãe uma noite a enfermeira, quando pensara que Peeta estava dormindo. — Olha só o que ele fez com Peeta! Eu não vou permitir! — ela estava exaltada.

— Diga a ele que estamos tomando providencias legais para que nunca mais se aproxime de Peeta — disse Gale, encerrando o assunto.

E será que ele queria ver o pai? Não, não queria. Enquanto seu corpo lutava para se recuperar, sua mente refletia. A situação nunca se alteraria... O pai o espancaria e no outro dia, pediria perdão, o perdoaria, tudo ficaria bem por alguns dias. No entanto, ele se drogaria novamente e o ciclo se repetiria infinitamente.

Estava cansado de tudo.

Cansado.

Em um dos raros dias que seu irmão ou sua mãe não estavam no quarto, seu celular tocou. Tocou por muito tempo. Não se atreveu a atender. Era o pai. Por fim, seu quarto voltou ao costumeiro silêncio.

Depois de alguns minutos, quando pensou que o pai não voltaria a ligar, recebeu uma mensagem:

Peeta, por favor, me perdoa. Estou muito triste com o que aconteceu. Eu imploro para que você me perdoe. Não era eu naquele momento. Você sabe que eu nunca quis te machucar. Nunca. Isso não irá mais se repetir. Eu prometo que nunca mais vou te machucar. Por favor, me perdoe, filho. Podemos nos ver?”

Respondeu apenas duas palavras:

Não posso”.

Ele precisava acabar com aquele ciclo vicioso.

No outro dia, notou que seu irmão não parava de o olhar. Gale estava agitado.

— O que foi? — perguntou.

Gale desviou os olhos dele — o irmão estava com um aspecto ainda mais cansado do que nos dias anteriores — e fitou a branca parede por um longo segundo. Parecia estar se decidindo sobre o próximo passo.

— Peeta... — ele tentava utilizar uma voz que transmitia calma. — Seu pai... — olhou para Peeta. — Ele se suicidou ontem.

Peeta sentiu que a frágil flor de gelo que era naquele instante havia se rompido em pedaços. Pedaços que não poderiam ser juntados novamente.


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Notas finais do capítulo

O que acharam do capítulo? Tenso o que aconteceu com o Peeta, não? Agora podemos entender um pouquinho o porquê de ele ter caído naquela depressão profunda da qual a Katniss o resgatou...