Ele tem 18 anos escrita por Hanna Martins


Capítulo 10
Exorcismos são necessários


Notas iniciais do capítulo

Capítulo quentinho chegando (ok, estou parecendo um padeiro kkkkkk)



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/640842/chapter/10

Observava Katniss dormir. Com toda certeza, ela acordaria com uma ressaca daquelas no dia seguinte.

Ver Katniss bêbada assim lhe remetera aquela outra noite. A noite em que começara a sair do casulo que havia criado e se aprisionado. A lembrança daquela noite estava bastante viva em sua memória. Havia sido a primeira vez, em muitos meses, que não pensara em sua dor.

Passara aqueles meses praticamente enclausurado em seu quarto. Dr. Aurelius dizia que ele precisava sair de seu casulo. No entanto, sair de seu casulo era algo totalmente impossível naquele momento.

O vazio em seu peito era terrível. Só queria dormir por horas e horas, assim não doía tanto. Não desejava fazer nada, até mesmo desenhar se tornara desinteressante.

Seus dias corriam um após o outro, um após o outro... e nada mudava. E o vazio só aumentava. Às vezes, fingia que era uma pedra, uma pedra sem sentimentos, que não precisava se mover, nem falar, nem nada. Às vezes, tinha a nítida sensação de que não existia.

Gostava de ficar no escuro de seu quarto, dormindo, ou assistindo TV. Não queria pensar.

Sua mãe e seu irmão estavam preocupados com ele. Mas, não importava. Apenas queria ficar sozinho, em silêncio, imóvel, sem falar, sem pensar, sem respirar, porque até mesmo respirar era trabalhoso. Era um vegetal.

Naquele verão, enquanto vegetava, ela chegou.

No início, ela não lhe interessou. A vira algumas vezes, muito rapidamente, mas não lhe chamou qualquer atenção. Sabia que seu nome era Katniss, e era a namorada de Gale. Apenas isso. Não teve interesse algum em descobrir mais sobre ela.

Gale fazia várias e várias tentativas de conversar com ele. Inúteis. Ele apenas ficava o escutando, ou melhor, fingia que escutava, pois apenas era um corpo vazio. Estava no piloto automático. Era um corpo vazio, sem alma.

Seu irmão falava de coisas alegres, interessantes, lhe dava músicas, livros, filmes. As palavras se evaporavam de sua mente, as músicas ficavam sem serem escutadas, os livros se empoeiravam sem serem abertos, os filmes não eram vistos.

Era uma noite qualquer, como tantas outras noites. Assistia TV, um programa qualquer. Escutou a maçaneta de seu quarto se mover. Aquilo era estranho. Gale e sua mãe sempre batiam antes de entrar em seu quarto.

A porta se abriu. Os dois se encararam confusos por alguns instantes. Mas, ela sorriu.

— A decoração mudou! — disse ela, entrando no quarto e fechando a porta. — Eu gostei disso!

Katniss desabou em cima de sua cama, sem se importar com o fato de ele estar lá. Ela o olhou.

— Ah, o irmão de Gale! — disse simplesmente.

Ela estava muito bêbada.

— Por que você está no meu quarto?

— Esse é meu quarto — respondeu, sua voz era quase inaudível.

Katniss não se importou com sua resposta. Aliás, nem prestara atenção a ela.

— Eu odeio meu orientador, aquele... — ela olhou para ele, procurando por auxílio. — Me ajude aqui, eu preciso de um xingamento que esteja à altura do professor Snow!

Katniss fazia caretas engraçadas, quando falava.

— Vamos, me diz um xingamento! — insistiu.

— Patife? — falou o primeiro xingamento que lhe passou pela cabeça.

— Não, isso não descreve o professor Snow! Ele é mais que um patife. Corionalus Snow é... — ela pensava em algo para chamá-lo, enquanto passava a mão pelos cabelos, fazendo uma grande bagunça. — Eu não sei! Eu odeio meu orientador! — gritou.

Katniss apoiou o rosto na mão e o encarou.

— O que foi? — ela não parava de o olhar.

— Você e eu vamos furar os pneus do carro dele — disse, sem parar de o encarar.

— Ahã?

— Sim! — falou empolgada. — O professor Snow precisa ter os pneus do carro furado.

— Você realmente odeia esse professor, não é? — falou, enquanto a observava fazer gestos e caretas engraçadas.

— Claro! Aquele... — ela ainda não havia encontrado um xingamento adequado para o professor. — Sabe o que ele fez? Ele sumiu do mapa por dois meses! Dois meses! — enfatizou, praticamente esfregando dois dedos na cara dele. — Não respondeu meus e-mails, nem um unzinho assim! — novamente, quase esfregou o dedo em sua face. — Eu mandei um monte de coisas para ele ler, que eu escrevi. Passei noites sem dormir para escrever aquilo. Ele leu? Leu nada! Nada! — dizia exaltada. — Eu queria ganhar a bolsa do departamento para minha pesquisa. E ele nem me avisou sobre as inscrições, inscreveu outro orientando no meu lugar, aquele puxa-saco do Marvel! Ele ganhou a bolsa. Todo mundo fica me perguntando o porquê de eu não ter me inscrito. Eu tenho que dizer que não me inscrevi porque eu não sabia. E as pessoas falam: “que pena”, ou “se eu tivesse um orientador como o professor Snow...”. Todo mundo o adora! — ela começou a puxar os cabelos, como se estivesse farta de tudo.

Peeta a observava. Era a primeira vez em meses que tinha um contato mais íntimo com uma pessoa que não fosse sua mãe, seu irmão ou Dr. Aurelius. Era algo... curioso observar aquela garota falar sem parar.

— O professor Snow me odeia! O que eu fiz de errado? Sabe o que ele falou, depois de desaparecer por meses, depois de não se dignar a responder um único e-mail sequer meu? Falou que eu havia desaparecido! Eu? Professor Snow, vamos analisar os fatos, não fui eu que desapareci, foi você! Esses dias eu mandei um artigo para ele... hoje, finalmente, ele se lembrou da minha existência e fez o grande esforço de me responder... disse que o artigo estava horrível, que tinha um monte de coisas erradas, e ainda escreveu outro artigo no lugar do meu! Eu odeio aquele velho. Para ele, eu sou insignificante. Nas reuniões que ele faz com os orientandos dele, ele nem dirige a palavra a mim! Parece que estou lá só para preencher um espaço, ou melhor, nem para isso eu sirvo! Esses dias, eu fui avisada de uma reunião que aconteceu, porque o Marvel me contou! O professor Snow não me avisou!

Katniss começou a fazer caretas de indignação.

— Por quê? — a respiração dela era acelerada, raivosa. — Por que ele me odeia tanto?

Ela se deitou na cama, fechou os olhos, ficou imóvel.

— Ei! — cutucou seu braço, mas ela não se moveu. — Ei!

O que deveria fazer? Parecia que ela tinha caído em um sono profundo, ou quem sabe, desmaiado.

— Katniss! — tentava acordá-la. — Você precisa se levantar... o que eu faço? Será que devo chamar o Gale?

Gale havia saído, não fazia a mínima ideia aonde ele havia ido.

— Katniss!

Ela abriu os olhos repentinamente, lhe dando um pequeno susto. Ela riu.

— Peguei você!

Katniss se levantou da cama energicamente.

— Vamos dar uma lição naquele velho! — falou, mostrando os punhos fechados. — Uma lição que ele nunca vai esquecer.

Antes que pudesse fazer qualquer coisa, ou entender a situação, ela havia pegado sua mão e o estava arrastando. Para aonde? Não fazia a mínima ideia. E muito menos sabia o que ela quisera dizer com “dar uma lição naquele velho”. No entanto, deixou que ela o conduzisse.

Se viu esperando Katniss do lado de fora de uma loja de conveniência.

— Toma — entregou uma sacola para ele.

Espiou dentro da sacola e viu várias latas de spray barato. O que ela estava planejando fazer com aquilo?

Katniss novamente pegou em sua mão e o conduziu. Ele era como um chaveiro sendo puxado de um lado para o outro, escutando suas queixas sobre seu orientador. Ela não parara um só segundo de reclamar do professor Snow.

Chegaram até a praia. Ele não viera a praia uma única vez desde que voltara a morar com a mãe. Nunca gostara muito de praia. Detestava a areia quente, que sempre entrava em lugares impróprios.

Lá havia uma grande pedra. A pedra das lamentações como era conhecida naquele lugar. Ela estava toda rabiscada com palavrões, piadas sujas, desenhos obscenos e declarações de amor.

Katniss se aproximou da pedra e a analisou por alguns instantes. Sorriu diabolicamente. Escolheu um lugar com vários desenhos obscenos e palavrões. Escreveu algo com o spray. Tirou uma foto com seu celular. Peeta apenas a observava, intrigado.

Se aproximou da pedra e leu a pichação:

Snow seu grandessíssimo filho de Snow”

Então, ela havia encontrando um xingamento adequado para seu orientador. Olhou para ela que ria enquanto digitava algo no celular.

— O que você está fazendo?

— Isso! — ela mostrou o celular para ele.

Estava aberto em uma página. Era o fórum da faculdade. Katniss havia postado a foto da pichação.

Katniss ria. Gargalhava muito.

— Precisamos exorcizar nossos monstros — falou, limpando as lágrimas dos cantos dos olhos, provocadas pelas gargalhadas. — Seu grandessíssimo filho de Snow! — gritou em plenos os pulmões.

Ela o olhou.

— Vamos gritar juntos!

— Como?

— Anda logo, grita também!

Katniss começou a perturbá-lo até ele aceitar gritar junto com ela.

A cena era engraçada. Estava no meio da noite em uma praia completamente deserta com uma garota bêbada, gritando.

Gritar era bom. Há muito tempo que não sentia aquela sensação de alívio. Era uma sensação pequena. No entanto, ela estava ali.

Olhou para Katniss que fazia uma dança maluca, enquanto gritava.

— Vai para aquele lugar, Snow!

Algo fez cócegas em sua garganta, algo realmente estranho, algo com que ele não estava familiarizado. Algo que explodiu em sua boca em uma estridente gargalhada.

Ele sentia. Estava vivo.

Katniss olhou para ele e riu.

Os dois riram e riram, até se cansarem. Katniss deitou-se na areia da praia e adormeceu. Ele estava cansando e acabou dormindo também.

Acordou com o sol em seu rosto. Katniss começava a se mexer na areia. A posição em que se encontrava não era lá muito confortável. Ela abriu os olhos e olhou confusa para ele.

— Por que você está aqui? — disse, se levantando. — E por que eu estou aqui? — olhou ao seu redor, totalmente desorientada. — Meu Deus, eu sequestrei o irmão caçula do Gale! — bateu a mão espalmada na testa. — Ai, minha cabeça está doendo... eu acho que vou vomitar.... — voltou a se deitar na areia. — O que foi que eu fiz?

Peeta a observava. Ela também era divertida sóbria.

Ele pegou o celular dela, que estava jogado na areia, e passou para ela.

Katniss olhou para o celular confusa. A página do fórum da faculdade continuava aberta. Foi divertido ver as expressões que passavam pelo rosto dela, confusão, perplexidade, incredibilidade. Ela olhou para a grande pedra com a pichação.

— Não! — praticamente gritou. — Eu não fiz isso! Cadê um pé de cebolinha para eu me enforcar de vergonha? — parecia que ela ainda não estava totalmente sóbria.

Peeta riu. Ela o olhou e acabou rindo também.

— Eu não me dou bem com bebidas — admitiu.

— Percebi — disse, a olhando, enquanto ela tentava se livrar da areia em suas roupas.

Aquela fora a primeira vez em meses que sua dor havia lhe dado uma trégua.

Peeta sorriu ao olhar Katniss que continuava dormindo ao seu lado.

— Obrigado — disse baixinho.

Katniss acordou, como ele previra, com uma ressaca daquelas. Preparou um café bem forte para ela.

— Obrigada — deu um grande gole no café. — Minha cabeça está preste a explodir...O que foi que eu fiz ontem? Não lembro de nada... — tomou outro gole de café.

— Nada... apenas cantou “Cantando na chuva”, na chuva — riu.

— Por que sempre eu faço coisas vergonhosas bêbada? — lamentou. — Eu não me pendurei em um poste, pendurei?

— Pelo menos você não pichou dessa vez uma pedra e colocou no fórum da faculdade.

Katniss riu.

— Você ainda se lembra disso?

— Como eu poderia me esquecer? O que aconteceu com seu orientador?

— Eu encontrei outro orientador — sorriu para ele. — Cinna foi o melhor orientador que alguém já teve. O professor Snow era um professor muito conceituado e tudo mais, super querido pelos alunos, mas ele tinha seus defeitos...

— Você sabe por que ele fez aquilo com você?

— Não sei... um dia desses encontrei um orientando dele. E sabe o que eu descobri? Que o professor Snow estava fazendo a mesma coisa que fez comigo com ele... Talvez, o professor Snow seja o tipo de pessoa que precisa sempre pisar em alguém para alimentar seu ego. Isso é tão cruel — disse ela tristemente. — Snow não sabe o mal que causa nas pessoas. Esse orientando mesmo, que encontrei recentemente, estava pensando em desistir de sua pós-graduação, porque não conseguia mais suportar o professor Snow. Mas ainda bem que existe orientadores como Cinna. Orientadores que realmente se preocupam com você, que não tem o ego maior do que tudo, como encontramos constantemente não só no mundo acadêmico, mas em todas as áreas. Snow era apenas mais uma dessas pessoas... Não importa, já passou.

Katniss se levantou da mesa e começou a arrumar suas coisas.

— Peeta... — ela mexia na bolsa. — No início... quando nos encontramos pela primeira vez, você sempre vivia em seu quarto, era raro eu te ver fora de lá... — ela hesitou por um momento em prosseguir com a pergunta. — Por quê? — indagou, levantando a cabeça e o encarando.

— Isso... — será que deveria contar para Katniss sobre aquilo? Era doloroso falar sobre aquele assunto mesmo agora.

— Se você não quiser, não precisa me contar — disse, fechando a bolsa. — Está tudo bem...

— Não... eu preciso contar, afinal temos que exorcizar nossos demônios...

Katniss o olhou apreensiva.

— Tem certeza? Está tudo bem se não me contar agora. Você pode me contar, quando estiver preparado.

Ele negou com a cabeça.

— Eu estou bem, não se preocupe.

Peeta a abraçou.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Odiaram? Gostaram? O que acharam da Katniss bêbada pichando pedras por aí e sequestrando o Peeta? E, sim, no próximo capítulo saberemos, finalmente, o que aconteceu com o Peeta.