Agora eu posso começar a escrever de novo. Anteontem eu fiquei muito nervosa, me desculpa. Cozinhei ontem o dia inteiro, fui levar os doces pessoalmente para Tomoyo ontem, na empresa dela, e depois ela me trouxe pra casa de carro. Foi bom passear, esparecer e conversar com a minha amiga. Ela me deixou mais tranquila para terminar essa tarefa - mas, apesar de compreender meus motivos, ralhou comigo por não estar te respondendo. Ela não entende esse meu medo, por mais que eu explique.

Enfim, não vou me alongar nisso de novo. Continuando no tópico que eu abri na última carta (que não sei se é realmente uma carta), poque ainda tenho outros tópicos que eu listei em uma folhinha ontem para não perder tanto assim o foco. Está se tornando uma tarefa realmente difícil isso aqui.

Perceba que, no meu último relato, eu falei que meu pai acredita no amor que sinto por você. Talvez tenha passado despercebido, talvez não. A questão é: eu ainda o sinto, Syaoran. Os meus sentimentos mudaram mas existe algo que me prende a você. Eu não consigo entender se são minhas memórias, se é um personagem fictício que eu criei em cima de você preenchendo à minha maneira suas lacunas, se é real ou algum vestígio dessa esperança que eu estou tentando desesperadamente conter. Seja o que for, parte do nosso término é uma tentativa de me desvencilhar de você e ver até onde esses sentimentos vão quando forem livres - perceber como é realmente a minha vida sem uma fantasia de Syaoran. E nesse ponto, não podemos negar, querido, que nosso relacionamento é uma fantasia. Faz anos que não nos vemos ao vivo.

Meu pai acredita que meus sentimentos já são são livres, e que minha tentativa de racionalização deles está me atrapalhando a te enxergar de verdade - que existe mais na nossa relação do que eu estou calculando e que, se eu tivesse uma conversa franca com você, eu descobriria uma série de coisas das quais eu estou me escondendo, mas que são importantes para que o nosso amor não seja jogado fora em vão.

Eu discordo disso porque penso que há mais em jogo do que simplesmente a minha racionalização. Nos últimos tempos eu tenho acreditado que só poderia te enxergar de verdade se você estivesse aqui por inteiro, e das vezes em que revisei suas cartas, e-mails e mensagens, eu percebi que, na verdade, eu só tenho partes de você. Partes desconexas e incompletas. Eu poderia acreditar no meu pai, não racionalizar as coisas e continuar com um status de facebook como se você estivesse inteiro para mim, mas não está. Você poderia, mas optou por não estar, e em algum momento eu fiz a mesma escolha. Quando eu disse isso para o meu pai ele falou “Então marque um encontro com ele, Sakura!”. Mas é, obviamente, mas fácil falar do que fazer. Até porque, não é como se nós não estivéssemos anos a fio no “mês que vem ele/ela vai vir me visitar”. Dá sempre algo errado Syaoran, não é mesmo?

Eu perdi muito tempo, nesses anos todos, pensando no motivo por trás de tantos fracassos nossos em pegar um avião e ir para outro país ver quem nós dizemos tanto amar. Isso dá um nó muito apertado na minha garganta, e eu já estou cansada dele. A única vez em que isso deu certo foi lindo, sim. Mas naquela época eu ainda era uma colegial, e é muito difícil estar sozinha fisicamente hoje em dia. Não vou atropelar o assunto da próxima carta porque ainda preciso dizer algo sobre essa: eu preciso aprender a respirar sem esperar você, Syaoran. Essa é uma espera que precisa acabar, para que eu possa provar de uma vida adulta sem ela. Meu pai diz que eu deveria ouvir o que você tem a dizer sobre isso, que você também me espera.

Talvez, em vez de renovar meus votos de espera novamente no nosso próximo aniversário de namoro, eu prefira encerrá-la. É claro que todos pensam que a maneira mais apropriada seria pegar o primeiro voo para a China. Mas você não fez isso (embora esteja bem agitado com o nosso término, aparentemente), então não me sinto mais tão confortável para ir atrás de respostas que eu não espero ter. Eu estou terminando com você porque decidi, com o poder que a mim enquanto namorada foi atribuído anos atrás, encerrar essa espera à minha maneira.

Me dói dizer isso, mas recomendo a você que, depois que eu finalizar esse nosso término, não me espere também.