O Menino que Queria Voar escrita por Klookies


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Originalmente era para essa fanfic ter sido postada no dia 4 de julho, dia da independência dos EUA, mas não consegui terminar a tempo.
América é um personagem que eu gosto muito em Hetalia, e apesar de USUK ser meu OTP absoluto, estou cansada das histórias da Guerra Revolucionária que só mostram o Inglaterra sofrendo e o América como o grande vilão ingrato. Pretendo mostrar uma visão diferente sobre esse assunto.
Ah, mais uma coisa: Escrevi essa história escutando Into the Woods de Cilla Jane e East of Eden de Zella Day. Pode ser bom escutar essas músicas enquanto lendo a história, para dar um clima :D
De qualquer forma, espero que gostem da minha primeira história nesse fandom!



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A primeira memória de América foi azul. Essa foi a primeira coisa que ele viu, azul total e absoluto, quando abriu os olhos naquele dia quente de verão. Mais tarde, ele descobriria que aquela imensidão de azul era o que os adultos chamavam “céu”.

Muitos países não se lembram, e não se sabe ao certo, como seres assim – nações – vem ao mundo na forma humana. Mas América se lembra, ele se lembra de acordar na grama macia de sua terra, seus olhos encontrando apenas o azul infinito do céu sem nuvens acima de sua cabeça.

Mesmo assim, sem conhecimento do mundo ao seu redor, uma mente recém-nascida, ele sentiu seu coração e seu corpo o conectando aquela terra – e de alguma forma, ele entendeu o que sua existência representava.

Se sentando lentamente, ele olhou para a grama ao seu redor, campos e campos de verde além do alcance de sua visão, e entendeu que aquilo era parte de si, a razão de sua existência.

Ele olhou para cima e se perguntou por que não conseguia sentir qualquer tipo de conexão com aquele azul acima de sua cabeça. Ele sentia a terra, a terra ao seu redor, mas aquela imensidão de azul continuava sendo um mistério para sua mente infantil.

Ele olhou e se perguntou – mesmo naquela época, ele se perguntou – o que poderia fazer para alcançar aquele azul.

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América não sabe quanto tempo se passou, dias, meses, anos? Ele só sabe que já faz certo tempo que foi acolhido pela gentil mulher de cabelos pretos e longos, que anda com a cara pintada e com penas em volta do pescoço.

Mayan, mayan, ele a chama.

E ela ri, e o abraça, e ele ri também, porque ele a ama – e porque ele sabe que ela o ama ainda mais.

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Mayan é diferente dele, e ele só vai entender porque muito tempo depois. Rugas surgem no rosto pardo dela, e o cabelo longo, preto e liso, torna-se branco.

Mas ele continua o mesmo, uma criança de cabelos loiros e olhos da cor do céu tão diferentes dos dela.

Mayan um dia não está na oca, e América procura por ela com lágrimas nos olhos.

Alguém diz a ele que ela agora é uma estrela no céu, e que está olhando por ele de lá. América se pergunta mais uma vez se, para chegar ao céu, sua imensidão de azul tão amada, ele teria que se tornar uma estrela também.

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América não sabe quanto tempo se passou desde que Mayan virou uma estrela e partiu para o céu para fazer companhia à mãe Lua. O que ele sabe é que fugiu e que agora está sozinho, só ele e sua terra de campos verdes e árvores frondosas.

Um dia ele escuta vozes diferentes, diferentes de todas as vozes que já escutou antes, palavras numa língua fluida e exótica.

Ele segue a direção das vozes e se esconde atrás de uma árvore. Ele vê dois homens, adultos, vestidos em roupas pomposas e cheias de adornos – e América sufoca um risinho, porque ele acha esses dois muito esquisitos, vestidos em tantos panos coloridos e discutindo em uma língua tão estranha.

Mas ele não pode deixar de notar que, apesar dos dois serem esquisitos, eles tem os cabelos loiros e os olhos claros. América sente uma estranha conexão com esses homens... Esses desconhecidos são parecidos com ele, diferentes das pessoas de pele cor de mel e cabelo escuro que América tinha conhecido até agora.

Guiado por esses pensamentos, ele aparece detrás da árvore, na frente dos homens, que param de gritar um com o outro e olham para ele com expressão de choque.

América aproveita esse momento para observar os dois mais de perto. Um deles, o mais alto, tem olhos azuis (iguais aos meus olhos de céu, ele pensa) e cabelo loiro caindo em ondas elegantes até um pouco acima do ombro. América se pergunta, surpreso, se talvez ele confundiu esse homem com uma mulher. Movendo seu olhar para o outro, ele vê olhos de uma cor que nunca tinha visto nos olhos de uma pessoa antes. Verdes, verdes como os campos de sua terra, América se encanta.

Os homens parecem finalmente se recuperar do choque e discutem mais algumas coisas entre si, sem tirar os olhos dele. Os dois estendem a mão em sua direção, falando coisas que América não compreende. Mas, mesmo assim, ele sabe o que estão perguntando: Os homens querem saber com qual deles América quer ir.

O homem dos olhos de céu se ajoelha e dá um sorriso gentil, mostrando uma cesta cheia de comidas coloridas e bonitas, que o menino nunca viu antes. Ele estende a mão, e América toma um passo na direção dele.

Mas então, América escuta um pequeno som de tristeza que reconhece bem, e olha para o lado vendo o segundo homem sentado na grama com a cabeça entre as mãos.

E ele se esquece do estranho com o sorriso gentil, as comidas exóticas e os olhos de céu, e corre até o outro chorando no chão. América corre até ele e coloca sua mãozinha de criança no seu joelho. E o homem olha para ele, surpreso, com lágrimas ainda brilhando nos olhos.

E América olha naqueles olhos verdes, verdes como os campos sem fim de sua terra, e sente algo parecido com “casa” nos olhos daquele homem. O homem sorri, com uma mistura de felicidade extrema com surpresa encantada, e América sabe que já fez sua decisão.

Ele segura na mão de Inglaterra e os dois seguem caminho.

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América aprende muitas coisas com o homem de olhos verdes: Ele aprende a falar aquela língua estranha que agora ele sabe ser inglês, aprende a vestir roupas chiques e pomposas, e a fazer contas.

Mas acima de tudo, ele aprende o que é viver sem solidão de novo. Inglaterra (Inglatela, ele o chama, na língua embolada típica das crianças) construiu uma casa chique de madeira e outros materiais que América não conhecia antes.

Ele trouxe pessoas, mais pessoas de peles claras e falantes de inglês para sua terra, e agora América não se sente mais sozinho. Toda vez que Inglaterra sorri para ele, ou o elogia por alguma tarefa bem feita, América se sente ainda mais feliz e orgulhoso de si mesmo.

América não era assim antes, tão sedento de atenção e carinho, mas agora que sabe o que é não ficar sozinho depois de tanto tempo, ele não consegue ficar sem seu amigo de olhos verdes e sobrancelhas gigantes.

América come suas refeições com Inglaterra, acompanha ele nos seus deveres, aprende suas lições na sua presença, e a noite dorme ao seu lado, contente de ter alguém para compartilhar o medo nas noites de tempestade – em que seu amado céu se torna escuro, nuvens negras cobrindo as estrelas e raios acompanhados do barulho mais horrível possível o cortando impiedosamente.

Mas um dia América acorda sozinho, sem sinal de Inglaterra. Ele se levanta e o procura com lágrimas nos olhos, e uma sensação horrível de déjà vu toma conta de si – (“Mayan, mayan, onde está você?!” Ele tinha gritado há tanto tempo atrás, e agora, de novo–)

“Inglatela!”

E os servos o seguraram, impedindo América de continuar correndo procurando Inglaterra, dizendo todos ao mesmo tempo “Ele não queria te acordar”, “Ele teve uma emergência”, “Ele teve que voltar para seu país” –

e América chora, e grita, e esperneia, porque ele sabe que está sendo abandonado de novo.

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Depois que conheceu Inglaterra, América percebeu que sua terra estava mudando. Mais pessoas vieram do além mar, expandindo cada vez as fazendas e plantações e finalmente seu corpo começou a acompanhar essas mudanças também. Agora América era uma criança com aparência de uns doze anos.

Sua mente amadureceu junto com o corpo, e ele entendeu coisas que não compreendia antes. Ele sabia agora as diferenças entre si e os humanos ao seu redor, e entendia, apesar de não gostar, o conceito de morte e envelhecimento.

América também sabia ler e escrever inglês fluentemente. Era assim que ele conseguia se comunicar com Inglaterra (não mais ‘Inglatela’, agora ele sabia falar direito) e matar um pouco da saudade. A outra nação tinha vindo visitar algumas vezes, depois daquele dia em que tinha ido embora sem avisar (reduzindo América a uma criança chorosa e birrenta por meses), mas América ainda sentia que não era suficiente.

Inglaterra era uma nação muito importante, e por isso muito ocupada, todos diziam. Ele tinha que cuidar da própria casa e das outras colônias – e sim, América sabia o que ele era para Inglaterra, uma colônia, apesar da palavra deixar um gosto amargo na boca. Ele era muito mais para Inglaterra do que isso, ele tinha certeza. Ele era o tesouro, o preferido, assim como Inglaterra dissera em tantas cartas.

No geral, América estava levando uma vida tranquila, mesmo sem Inglaterra ao seu lado. É claro que ele sentia falta do mais velho, mas com o tempo ele percebeu outras coisas para aproveitar e amar na sua juventude. Amigos humanos, corridas de cavalo, guerras de lama, brincar no rio.

América era um verdadeiro espírito da natureza, livre e selvagem, sempre preferindo o ar fresco dos campos do que lições de história, inglês e matemática com seus instrutores. Os servos que cuidavam de América (“não são babás!”, ele insistia) não eram muito coniventes com esse lado do menino, e hora ou outra escreviam cartas à Inglaterra sobre seu “comportamento inadequado”, ao que Inglaterra respondia mandando livros e livros para “incentivar a criança a entender as maravilhas das letras e do estudo” – e América ria, porque sabia que teria mais material para barquinhos de papel.

Mas, um dia, uma carta especial chegou. Inglaterra estava finalmente vindo visitar. E América ficou com um sorriso na cara o dia todo (não que isso fosse muito diferente do normal).

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Quando América viu o barco familiar se aproximando do porto, ele começou a dar pulinhos de alegria sem conseguir se conter.

Uma das empregadas mandou um olhar repreensivo na sua direção, mas ele só sorriu adoravelmente para ela (sua arma mais poderosa contra adultos raivosos. Ninguém resistia suas covinhas).

E o barco finalmente parou no porto, carregando em sua tripulação a pessoa que América mais queria ver no momento. Ao avistar a cabeça loira que estava procurando, ele não perdeu tempo e correu em sua direção, ignorando os servos gritando atrás de si.

América deu um pulo impressionante, e caiu nos braços de Inglaterra ainda no ar. O mais velho, que definitivamente não estava esperando um ataque surpresa assim, perdeu o equilíbrio e caiu na areia com América em cima de si.

As empregadas guincharam em horror ao comportamento do menino, e os soldados acompanhando Inglaterra se moveram para remover o pestinha de cima de seu chefe, mas pararam surpresos quando viram Inglaterra se recuperar da confusão, abraçando sua colônia com força, e o soltando apenas para apertar suas bochechas com afeição aberta.

Os servos mais antigos da casa abafaram sorrisos. Eles já sabiam como o estrito e sério Inglaterra se reduzia a mais um coração derretido perto de América.

“Você cresceu ainda mais, América!” Inglaterra disse afetuosamente enquanto se levantava e ajeitava suas roupas chiques agora sujas de areia.

“E suas sobrancelhas continuam gigantes como sempre!” América respondeu com igual afeição.

Os dois deram as mãos e começaram a andar para a carruagem. Os outros presentes só olharam, alguns chocados e outros abafando risadas.

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Naquela noite, depois de passarem o dia todo juntos, Inglaterra chamou América para irem dormir. América sorriu, mas no lugar de ir junto com Inglaterra, desejou boa noite e se moveu para ir para seu próprio quarto.

Ao notar o olhar perdido de Inglaterra, ele sorriu e disse simplesmente: “Eu cresci, Inglaterra. Não tenho mais medo de trovões.”

Ele não notou o olhar escuro de tristeza lançado nas suas costas quando se virou para sair.

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Mais ou menos um mês depois, América estava de volta ao porto, mas dessa vez sem tanta alegria: Era hora de Inglaterra partir.

Ele prometeu a si mesmo que não iria chorar dessa vez, e quando Inglaterra se virou para dar o último adeus, América deu o sorriso mais brilhante que conseguiu. Mas a outra nação não pareceu impressionada ou orgulhosa pela demonstração de amadurecimento da sua colônia, e entrou no barco com uma expressão de tristeza e resignação.

América se perguntou, pela primeira vez, se Inglaterra não gostava do fato que ele estava crescendo.

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Inglaterra sempre mandava cartas avisando quando iria visitar, e por isso América se surpreendeu quando uma das empregadas o chamou para ir ao porto aguardar a chegada da nação.

Anos tinham se passado desde a última visita de Inglaterra, aquela em que ele partira com uma expressão desagradável no rosto, e América se perguntou se aquela expressão se tornaria pior quando ele visse como América estava agora.

Com uma aparência de um jovem de dezesseis anos, América era outro, de corpo e alma. O garotinho de olhos grandes e inocentes tinha dado lugar a um rapaz alto e forte, com mãos cheias de calos e pele marcada pelo sol, fruto do trabalho nas fazendas.

Mas quem desceu do barco, para surpresa de América, não foi Inglaterra – e sim um homem com roupas muito mais espalhafatosas e cabelo loiro até pouco acima dos ombros.

Amérique! Se lembra de moi?” Ele disse se movendo para perto do rapaz.

“... Não. Mas eu suponho que você seja o França? O que você quer aqui?” América perguntou em tom autoritário e sem nenhum traço de simpatia. Afinal, Inglaterra tinha lhe avisado várias vezes sobre seu arqui-inimigo, e América sabia muito bem que os dois estavam atualmente envolvidos em mais uma guerra sangrenta.

O que fazia os motivos de França ter ido em uma das colônias de Inglaterra seriamente questionáveis.

“Ora, não seja mal criado! Apesar de que eu não poderia esperar muito de você... Afinal, não podemos negar que foi aquele sobrancelhudo sem classe que te criou.”

“Se você veio aqui reclamar do Inglaterra...” América começou, sua paciência por um fio.

“Não!” França o interrompeu. “Eu vim para te contar algumas coisas... Você está muito isolado do mundo aqui, e tenho certeza que Inglaterra faz questão de mantê-lo assim. Mas tem algumas coisas que acho que você gostaria de saber.”

América olhou para a outra nação curiosamente. França sorriu.

“Me diga, América... Você já ouviu falar no Iluminismo?”

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América desceu do cavalo e o amarrou em uma árvore. Sentou-se no chão, apreciando a grama macia sob seus dedos. Alguma coisa sobre aquele lugar sempre o acalmava.

França já tinha ido embora há algumas semanas, disse que tinha que espalhar sua “maravilhosa ideologia” para outros lugares.

E a ideologia com certeza tinha se espalhado, não só na mente de América, mas como na do seu povo também. E América não conseguia mais ignorar a revolta, a tristeza e decepção que vinha sentindo em relação à Inglaterra há meses – anteriores até a visita de França.

O povo estava revoltado com as taxas que a metrópole havia imposto injustamente a eles, e a revolta crescia no coração de América também, conectado ao seu povo. Era injusto que América fosse obrigado a ver seu povo sangrar para curar as feridas de Inglaterra, Inglaterra que nunca quis que ele crescesse tanto, que se aproveitava do seu ouro e do esforço de sua gente para curar feridas de guerras inúteis.

Mas América se sentia mal quando tinha esses pensamentos, porque Inglaterra o tinha criado, e apesar de tudo ele amava Inglaterra, e sabia que ele o amava também.

Se você ama alguma coisa ou alguém, deixe que parta.

América deu um sorriso amargo quando as palavras surgiram na sua cabeça. Frase de um autor inglês, o preferido de Inglaterra, William Shakespeare. América nunca foi de ler muito, mas tinha lido alguns trabalhos de Shakespeare por muita insistência de Inglaterra, e a única coisa que se recordava de qualquer um desses livros era essa frase que encontrara.

Ela tinha ficado gravada na sua mente por muito tempo, e na época ele não soube por que algumas simples palavras tinham causado uma impressão tão grande em si.

Ele olhou para cima e viu uma águia, grande e poderosa, alçando voo no céu confiantemente.

E por um momento, um instante mínimo, ele se perguntou como seria poder voar assim. Sem dever nada a ninguém, só voar e voar, olhando o mundo de uma perspectiva completamente diferente. Voar para longe, para além mar, conhecer novas terras, novas culturas, novas pessoas.

Liberté, Egalité, Fraternité.

“Liberdade,” América pensou. Uma única palavra, mas com um significado tão profundo.

Uma ideia surgiu. E esse não foi o final, mas sim o início de tudo.


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Notas finais do capítulo

Mayan significa "mamãe" em uma das línguas dos índios nativos da América do Norte. Mais USUK no próximo (e último) capítulo. Me contem o que acharam da história! Quero saber o que vocês pensam. Beijos e até mais :D