A Beautiful Winter Day escrita por Summertime Sadness


Capítulo 5
Doce Sonho


Notas iniciais do capítulo

Boa Leitura :)



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“É claro que eu vou voltar” lembrava-se de dizer antes de deixar o 221B.

Não sabia exatamente a veracidade da afirmação. Sentia que precisava se afastar o quanto pudesse do apartamento para que pudesse pensar com clareza, sem que as entranhas fantásticas da situação o enlaçassem sem volta. Mas nada daquilo poderia ser pensado e entendido, mesmo o quanto tentasse. Seus pensamentos se resumiam ao rosto do amigo e tudo que ouvira dele, o que não ajudava em nada em encontrar algum sentido.

Não podia ter sido um sonho ou uma alucinação; fora real. E considerar como uma realidade era um patamar absolutamente diferente. Uma voz em seu interior, a mesma que o fizera voltar à Baker, soava num silêncio significativo.

Sherlock não fora embora completamente.

Não, ele não fora. E John tivera a prova disso. O que faria a respeito? Afinal, o que podia fazer? Não tinha nenhuma ideia de como agir. E de alguma forma, estava certo que Sherlock também não. Nunca fora o tipo de pessoa que se interessaria em fenômenos espirituais.

Ótimo, Watson estava agora tremendamente bom para aceitar a verdade daquilo tudo? Por um instante olhou para o assento vazio ao seu lado e quase esperou que seu amigo aparecesse. Mas não apareceu.

Não adiantava pensar ou tentar esquecer. Muito menos contar a alguém. A única coisa a se fazer era manter o silêncio e fingir que nada de anormal acontecera. Foi assim que passou os próximos três dias, mantendo a habitual postura de superação e homem com problemas comuns. Estava distraído, era inevitável, mas nada que fizesse sua esposa desconfiar de alguma coisa. Ela também não percebera que seus pesadelos acabaram se transformando em noites de insônia.

Tirando todo o resto, tudo ia bem. Até que o quarto dia chegou e Mary teve a brilhante ideia de visitar o túmulo – verdadeiro, diga-se de passagem – de Sherlock. Era de manhã e os dois iriam junto de Mrs. Hudson e Molly. John tinha vários motivos para não ir, mas ele nunca fora o tipo de pessoa boa com insistências e a loira não era boa em aceitá-las. Porém, foi outro motivo que o fez ir.

Mary parecia triste. A energia e o brilho em seus olhos conseguiam esconder seus sentimentos, mas John notava. Ele nunca considerara a possibilidade de outras pessoas sentirem algo próximo do que sentira, como se fosse o único que tivesse a capacidade de ver alguém no detetive que merecesse a dor de sua partida. Muitos tinham ido ao funeral e muito mais pessoas do que poderia ter imaginado pareciam profundamente entristecidas. É claro que John mergulhara essas memórias no escuro, onde não seriam encontradas com facilidade. A coisa mais nítida encontrada era Mary ao seu lado, com olhos semelhantes aos da Mary dirigindo o carro até cemitério.

Quando chegaram ao portão, John disse que ficaria ali por enquanto e depois entraria. Felizmente, não houve protestos e ele foi deixado em paz, encostado numa árvore. Ficou assim até uns dois minutos, quando viu Mycroft saindo do cemitério. Entreolharam-se.

O mesmo terno caro, o mesmo guarda-chuva, a mesma falsa simpatia. Lembrava-se dele no funeral com os pais. Foi a única pessoa que não tentou ser caridosa com ele ou algo do gênero. Provavelmente por que deixara claro que não queria que o irmão se envolvesse com Magnussem, e John sabia disto. E mesmo assim, o pior aconteceu.

— Dr.Watson – saudou – Como de praxe acho que devo perguntar como está.

Apoiou-se no guarda-chuva. John ficou desconfortável, pois normalmente era ele que devia perguntar aquilo, já que Mycroft é que era da família. Desconsiderando que tecnicamente os irmãos haviam vivido em guerra fria.

— Ótimo – não que você se importe, John quase acrescentou.

— Não acha estranho sua mulher estar sofrendo tanto com a morte de um homem que ela conhecia faz tão pouco tempo?

A pergunta veio rápida e subitamente.

— Você pode ficar um pouco surpreso, mas nem todo mundo o odiava. Ela só está sentindo o que qualquer pessoa sã sentiria.

— Ela passa a maior parte da noite em claro e tem a grande ideia de visitar o cemitério. Conta pra você durante o café da manhã e te arrasta pra cá contra sua vontade. Sua súbita decisão pode ser tanto advinda de um pesadelo que teve ou de lembranças amargas a respeito de nosso querido falecido.

John apenas o encarou.

— Se eles brigaram ou não antes de Sherlock morrer, acho que isso não importa muito agora, não é!? – cuspiu.

Geralmente evitava usar Sherlock e morrer na mesma frase, mas a última coisa que ele queria naquela manhã era ficar de papo com o Governo sabe-tudo Britânico. Mycroft utilizou seu costumeiro sorriso falso e superior.

— Deveria tê-lo impedido de investigar Magnussem, impedido de ele ir lá aquela noite – sua voz ficou séria e mais parecida com o homem que pedira a John para cuidar do irmão por ele há tempos atrás.

— E é claro que ele me ouviria. Sherlock Holmes sempre me ouviu – sua voz saiu menos áspera do que pretendia – Desculpe por não tomar conta do seu irmãozinho tão bem quanto eu gostaria.

Ironia? Sinceridade? John não tinha certeza e Mycroft também parecia não ter. Porém, algo em seus olhos brilhou, como uma tristeza iluminando fracamente a extensão gélida de suas íris. Logo, a emoção se dissipou e ele voltou a agir como aquele que não se importava. John sabia percebeu que ambos usavam a mesma estratégia.

Holmes ergueu o guarda-chuva e a ponta tocou o peito de John.

— Cuidado com as pessoas ao seu redor, Watson.

Afastou-se sem dar tempo de ser perguntado. Entrou no carro negro e se foi pela rua. O maior problema dos dois era que se importavam com a mesma intensidade de que desejavam esconder isso. Mas não era como se quisesse escutar seus conselhos, ainda mais enigmáticos. Watson perambulou por um tempo e acabou se afastando do cemitério. Caminhou distraído e parou numa vitrine. Ver superfícies envidraçadas sempre lhe causavam d’javu.

Mas isso não pode ser somente um d’javu.

Virou-se.

— Sherlock!

— Antes que pergunte eu não estava seguindo você, bem... Tecnicamente agora estou. E a propósito, seu clubinho feminino está vindo atrás você.

John pegou a deixa e entrou rapidamente na loja. Na verdade, percebeu, era uma doceria. Branca e ampla. Atravessou, desceu alguns poucos degraus e ficou na última mesa dos fundos. Sherlock se sentou na sua frente. Agora, o detetive usava o casaco característico e o cachecol. Parecia tão completo. Tão normal.

Tão vivo.

Baixou a cabeça. Era inevitável. Quando todas as suas amarguras se resumem a uma só pessoa, você acaba desejando esquecê-la e guardá-la eternamente na memória ao mesmo tempo. Duas grandezas incompatíveis.

— Estava bisbilhotando no cemitério?

— É o lugar mais chato do universo – Sherlock se debruçou na mesa – John, você não entenderia como minha existência tem se resumido ao tédio total, alguns poderiam achar interessante observar pessoas sem ser observado, mas as pessoas são insignificantes e desinteressantes, elas nem mesmo conseguem me ouvir!

— Sorte a delas.

Holmes o ignorou.

— O que Mycroft queria com você?

Os olhos celestes o perfuraram como aço. John não tinha certeza do por que aquilo importaria.

— O de sempre. Falar de você e me irritar. Acho que ele não quer perder esse costume.

Por um momento, o detetive pareceu decepcionado. Mas foi algo tão rápido que John pensou ter imaginado.

— É claro – comentou Holmes –Devia ter imaginado.

John fitou o vaso florido da mesa. A última vez que encontrara com ele não fora uns dos momentos mais normais de sua vida. E se excluísse o encontro no 221B, o último cenário que os dois compartilharam fora um funeral e um enterro. Tremendamente apropriado lembrar-se disso quando seu colega em questão está na sua frente reclamando do pós-vida.

— Eu ainda não entendo como... Pode estar aqui – John murmurou, não escondendo o quanto ansiava por uma resposta.

Sherlock olhou ao longe e pareceu tomar fôlego para demandar diversas explanações quando John prosseguiu:

— Quer dizer não só pelo fato disso ser totalmente não plausível, mas você nunca foi o tipo de pessoa que liga pra esse tipo de coisa.

— Esse tipo de coisa? – Sherlock ficou um pouco confuso.

— Religião. Crenças.

Encararam-se por alguns momentos. A confusão no rosto de Sherlock não desvaneceu.

— Por que estamos falando de religião?

— Está brincando, não está?

— Por que brincaria!?

John esperou até ter certeza de que Sherlock não sabia do que estavam falando.

— Você... É um fantasma! – anunciou como se fosse a coisa mais óbvia do mundo. E era mesmo.

A expressão de Sherlock voltou a ser a costumeira cara de alguém entediado que é obrigado a ouvir pessoas idiotas o tempo todo.

— John, eu não sou um fantasma. Fantasmas não existem – suspirou – você está sendo um condutor de luz decepcionante!

John balançou a cabeça mal acreditando.

— O que mais você poderia ser? Um anjo? – ironizou.

Sherlock suspirou de novo.

— Você pode parar de nomear seres fantásticos? Obrigado.

— Só estou dizendo que a não ser que você seja uma alucinação, que é um espírito.

— Ah, então ainda acha que ainda sou uma alucinação!?

— Eu...

— Está vendo aquele cara? – Sherlock apontou o polegar para trás. Ao longe um garçom ruivo limpava uma mesa.

John ficou incerto pela mudança de assunto.

— É alcoólatra e por causa disso teve uma crise violenta que o fez agredir, talvez até matar a esposa; a marca da aliança ainda permanece na pele o que nos diz que teve remorso e ficou com ela no dedo enquanto esteve na cadeia. Tem uma tatuagem na nuca e tenta esconder com o cabelo, mas ele não sabe que uma parte está à mostra, a tinta é propriamente feita por prisioneiros e ele foi obrigado, considerando as linhas irregulares despropositais. Não dorme há uns três dias e a única coisa que o fez conseguir ter esse emprego é que é filho do dono. Não confia no filho e por isso retirou do estoque as bebidas alcoólicas, pelos recibos escondidos na gaveta e a insatisfação perceptível daquele senhor – ele apontou novamente para trás e John viu um senhor a várias mesas de distância comendo uma torta – é diabético, mas sempre vem aqui. Tem até mesmo amizade com o dono. A diabetes é ordinária e o afastaria desse lugar se não fosse o Chopin.

A boca do doutor ficara entreaberta e o ruivo logo se aproximou. Tinha uma expressão estranha e um pouco hesitante e John se perguntou se ouvira a conversa dos dois. Ou mais precisamente, ele falando sozinho, pois duvidava que mais alguém no mundo enxergasse esse tipo de coisa.

— Qual o seu pedido, senhor?

Sherlock inspirou profundamente.

— Sente o cheiro? Fumou cocaína. A droga e as lembranças da cadeia não o deixam dormir. Está tentando trocar de vício, como se fosse possível e se seu corpo aguentasse. O que tem a dizer sobre isso, doutor? É possível?

— Senhor? Não vai pedir nada? – o garçom parecia inseguro, próprio dos novatos.

— Eu vou querer – John pegou o cardápio e passou os olhos.

— John, o que acha mais provável: Este cara suprimir seu vício em outras drogas ou sua mente sem graça e normal fazer deduções e colocá-las na boca de uma alucinação?

Watson o encarou.

— Cale a boca.

O garçom arregalou os olhos.

— Não, não era com você. Estou falando no celular.

— Seu celular está em cima da mesa. Um pouco longe da orelha – lembrou Sherlock.

— Viva a voz – disse batucando a tela do aparelho.

O garçom ainda parecia um pouco confuso, mas logo voltou a perguntar sobre o pedido, visivelmente querendo sair logo dali. John pediu bolo de morango, a primeira coisa da lista.

— Você foi preso? – Watson perguntou enquanto o ruivo anotava o pedido.

Os olhos dele ficaram surpresos. E com um pingo de raiva e receio.

— Quem foi que te contou!? – a voz soou ríspida e depois controlada – como sabe?

— Eu... Visitava um amigo na cadeia, me lembro de ter te visto por lá.

O ruivo assistiu, desconfiado. Afastou-se rapidamente.

John ficou olhando a mesa sentindo os olhos de Sherlock o observando.

— Você não respondeu minha pergunta – falou o detetive.

— Okay. Talvez você não seja minha imaginação.

— Brilhante – ironizou.

— Então a única alternativa que resta é a obvia: fantasmas e o assunto não terminado.

Sherlock bateu na mesa.

— Eu não sou um fantasma!

John massageou uma das têmporas. Ele próprio ainda tinha dificuldade em acreditar naquilo, não precisava que o espírito em questão também tivesse dúvidas.

— Ótimo. Então o que acha que está acontecendo aqui!?

Holmes juntou as pontas dos dedos, concentrado.

— Tenho algumas teorias a respeito. Na verdade excluí a maioria depois de alguns segundos fora do meu corpo, e a única que tenho me parece a mais sensata, apesar da incompatibilidade neurológica que possa aparentar.

Watson suspirou.

— Você acha que está sonhando, não está?

Sherlock o encarou surpreso e depois pensativo.

— Nunca considerei essa possibilidade. Talvez, sim. Boa teoria, mas eu precisaria estar em coma pelo tempo estendido de sonho.

John apoiou o queixo numa mão.

— Chegamos num impasse, então. Nós dois achamos que cada um é fruto da nossa imaginação.

Sherlock deu seu pequeno sorriso característico.

— Não estou sonhando. Meu Palácio Mental produziria coisas muito mais interessantes do que um pedaço de bolo e ex-presidiários seguindo a lei.

— É verdade.

— Você queria que fosse um sonho.

— Sim – o monossílabo saiu mais intenso do que gostaria.

Era a coisa que John Watson pensava todas as manhãs. Ás vezes até mesmo antes de seus olhos se abrirem. Era reconfortante imaginar só por um curto instante, que tudo de ruim que acontecera no escritório de Magnussem não passasse de um borrão, pinturas oníricas formadas pelo sono e que seriam destruídas no momento em que abrisse os olhos. Mas aquilo nunca aconteceu. Não haveria mais milagres.

Porém, Sherlock estava ali na sua frente, contra todas as possibilidades. Sherlock voltara da Queda. O tiro o apagou de uma maneira mais verdadeira do que a Queda conseguiu, mas mesmo assim ele estava ali. Não deveria chamar aquilo de milagre também?

— Qual foi seu último pensamento antes de morrer? – perguntou de súbito.

— Que a Scotland Yard ficaria perdida de vez.

Juntou novamente as pontas dos dedos. John Watson soube que nunca teria uma resposta concreta. O coração do detetive consultor sempre foi e continuaria sendo um mistério.

(...)


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Notas finais do capítulo

O que vocês acharam?



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