A Beautiful Winter Day escrita por Summertime Sadness


Capítulo 4
Vida


Notas iniciais do capítulo

Postarei agora nas terças e sextas; achei melhor do que em dias muito juntos.
Boa Leitura!



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A mente de John Watson nem se incomodou em criar palavras a serem ditas. Parecia saber que elas escapariam pelos lábios em um silêncio borbulhante. Não havia limite de tempo ali, a quietude podia ser só por alguns instantes e até estender-se ao infinito. Por um momento, era como se fosse ficar estático o resto da tarde. Não conseguia ver qualquer realidade além daquela.

Holmes usava seu terno, a camisa branca por baixo com dois botões costumeiramente abertos. Seus olhos metamórficos o analisavam até a alma. Suas sobrancelhas se franziram levemente.

— Essa é a terceira reação que eu esperava de você – Sherlock se levantou – e mesmo assim está me assustando. Nivele as respirações para controlar a taquicardia, antes que desmaie.

John baixou a cabeça, as lufadas de ar pesavam em seus pulmões. O fino tecido da realidade estava rasgado dentro daquele quarto, e ele se transportara completamente. A linha ainda mais fina que o separava da inconsciência jazia próxima e desejável, querendo sugá-lo e o levar dessas emoções insanas. Quando abrisse os olhos, as coisas voltariam ao normal?

Queria realmente que as coisas voltassem ao normal?

Vislumbrou Sherlock dando um passo em sua direção. Mais por instinto do que por qualquer outra coisa, Watson recuou. Pelo menos não tropeçara. Levou os olhos novamente ao amigo de terno, sentia-se que tinha acabado de correr uma maratona.

— Sherlock –a sonoridade soou estranha aos seus ouvidos.

— É, sou eu.

John Watson percebeu pouco a pouco seus pensamentos voltarem aos eixos, ou o quanto foi possível naquela situação.

— John, notou que a cada coisa que eu falo você me devolve com um silêncio constrangedor? – levantou uma sobrancelha – quase acho que teria sido melhor um telegrama e odeio telegramas.

Watson balançou a cabeça, mal acreditando. Era esse o ponto da questão que reinava tudo: ele não acreditava no que via. Não conseguia.

— Isto é...

— Não, não diga... – Sherlock ficou subitamente de mal humor.

— Improvável. Impossível – seu sussurrou ficou um pouco mais alto – Não pode estar aqui. Não pode.

— E por que não?

Alguém lá em cima devia estar pregando uma peça com ele. E não era engraçado, mas um pequeno sorriso surgiu. Um sorriso sem dentes, angustiado por não entender nada.

— Por que...

— Vamos, diga a palavra mágica.

— Você está...

— Sim – concordou.

— E mesmo assim ainda está aqui...

— Sim.

Watson balançou a cabeça. A cada segundo mais desacreditado ele ficara, o que era até estranho pelo modo que nunca conseguira entender sua ligação com o flat logo depois que o amigo se fora. Ele sempre acabava voltando como se fundo estivesse procurando algo. Estava ali agora mesmo! Mas não podia simplesmente assentir com aquilo tudo e achar a situação perfeitamente racional. Sherlock não estava mais ali e ele, muito provavelmente, estava sonhando.

— Eu já sei o que está acontecendo aqui – ergueu as mãos – É um sonho. Jesus, um sonho...

Falou mais para si mesmo, desejando que as palavras tivessem poder ditas em voz alta. Elas pareceram deixar Holmes impaciente, como se John não passasse de uma criança de cinco anos que não aprendia matemática.

— A segunda reação que eu esperava de você – massageou as têmporas – se continuar seguindo a lista, vai acabar desmaiando mesmo, coisa que já está fora de questão ou pulando a janela.

— Por que eu pularia a janela!?

— Fuga instintiva. As pessoas costumam fugir do desconhecido, não passam de insetos desesperados.

— Você não é um desconhecido.

Sherlock cruzou os braços e o fitou atentamente. John desviou o olhar e fez o que pode para não recuar quando o detetive se aproximou.

— Não acha que esse “sonho” – fez aspas com os dedos em tom de desprezo – está um tanto real demais? Pode sentir seu coração batendo, o sangue correndo e o peso de seu corpo. Suas mãos estão suando – subitamente pegou o pulso de John – pode sentir a pressão na veia sem problema. Detalhes demais para um homem que nunca tem sonhos lúcidos, não é?

Seu toque era desconstituído de qualquer temperatura. Como se um ar irreal estivesse envolto de seu pulso. John retirou seu braço com certa violência. Sim, sentia seus processos vitais e o peso de estar acordado, uma certeza aguda e lógica. Céus, mas aquilo era demais!

— Eu... – nem sabia o que realmente queria dizer. Mordeu os lábios, baixou a cabeça.

O ato foi automático. Virou-se e começou a andar em direção à porta. Mais parecia um afogado indo em direção á superfície. Mas a porta se fechou num estrondo. Por alguma razão, John sabia que estava trancada. Virou-se novamente, Sherlock ainda estava lá.

— Abra a porta – John não o olhava, apenas falava sem vida.

— John...

— Abra a droga da porta! – a voz havia subido e Sherlock ficou surpreso.

Watson se sentiu mal. Desconfortável.

— Eu sei – Holmes falou – que isso é difícil pra você, mas talvez se tentasse desconsiderar toda a improbabilidade...

— Você sempre foi bom com reencontros, sabia?

Holmes deu um sorriso que parecia triste e sem graça ao mesmo tempo.

— Pelo menos você não saiu de um bolo – John murmurou encostando-se na parede.

— Na verdade – Sherlock ficou sério – eu pensei em fazer isso.

Watson riu. O som de sua risada foi tão estranho que ela morrera após poucos segundos. Fitou-o.

— Então... Eu não imaginei você, digo, no vidro.

— É claro que não – suspirou.

— E... Essas coisas estranhas que aconteciam por aqui...

— Fui eu – deu uma acenada – Nada importante, só queria chamar sua atenção. Demorou, realmente, mas eu já esperava por isso, considerando sua lentidão e os conselhos de seus amigos.

— Você me seguiu!?

— Esperava que eu ficasse trancado aqui o tempo todo!?

— É! É isso que as pessoas fazem, elas... Ficam conectadas á determinado lugar.

Parou de falar. Nunca se preocupara em entender fantasmagoria, muito menos de considerar essa probabilidade.

— Do que você está falando?

Certamente Holmes também nunca considerara fantasmagoria como um campo de estudo a se preocupar, juntamente com astronomia. Disse um esquece.Quase esquecera de que estava preso. E ao lembrar, não se sentiu um pingo de conforto.

— Ótimo – começou – Eu estou aqui e... Você também. Então, o que você quer?

Sherlock o encarou. Não havia entendido a pergunta.

— Geralmente nos filmes a coisa diz respeito a algum assunto não terminado.

O quê de confusão se acentuou no detetive.

— Você me trouxe aqui por um motivo – tentou esclarecer – qual foi?

— Oh – pareceu entender – por que quer saber?

John o olhou desacreditado, o que sempre foi comum entre eles.

— Porque estou trancado no quarto de um... Morto!

Sherlock não pareceu se importar com a palavra utilizada. John também queria não se importar, mas o termo foi praticamente um balde de água fria. Toda a vontade de esquecer-se daquilo tudo e recontinuar seu próprio caminhou o tomou. Mas logo foi substituído por um desejo antigo, onde tudo não passava de um pesadelo e ele logo acordaria um mês antes, com seu amigo vivo e bem.

— Por que me trouxe aqui? – sussurrou, não olhando para o outro.

— Eu... Queria falar com você.

— Bem, estamos fazendo isso agora, então desejo realizado.

— John – seu tom tornou-se repreensivo – não te obriguei a vir aqui, na verdade até pensei se viria á Baker, lembrando da última vez. Mas veja só, você veio como num passe de mágica porque no fundo sabia que eu estava aqui. Porém você não queria se dar ao desfrute de as pessoas saberem que você considerava isso, não por acharem que você ficou insano, e sim que está se afundando no próprio luto e não consegue ver uma saída decente, a não ser visitar um apartamento vazio e fingir que tudo está bem.

— Cale a boca... – sussurrou.

— Por que está sendo pior do que da outra vez? E não me venha com a explicação que deu ao Lestrade, ele se satisfaz com qualquer coisa.

— Cale a boca! – ralhou – Você não entende, nunca entendeu e não sei por que ainda me surpreendo com isso! Não sabe o quanto eu passei por sua causa, o quão foi difícil da outra vez e agora depois de repetir tudo me leva pra cá por que!? O além da vida é entediante e você só quer alguém pra bater papo!?

— Se quer ver por esse ângulo... Então, sim.

Watson balançou a cabeça. Não podia acreditar. Não podia. Apontou para a porta.

— Se você não abrir essa porta agora, vou dar um jeito de te matar de novo. Não, fique quieto, vou dar um jeito de fazer isso, acredite.

Por um momento, apenas se entreolharam. Sherlock cruzou os braços e desviou o rosto, contrariado. John pensou ter ouvido alguma coisa vinda da porta. Como um trinco. Olhou-a e levou a mão à maçaneta.

Gesto tão normal. Abrir e ver o resto apartamento, esperando que ele o atravessasse e fosse embora para sempre. Seu peito ficou pesado, ainda mais pesado do que antes. O mundo real o engoliria novamente. Se se virasse, Sherlock ainda estaria lá?

Virou-se e sim, ainda estava. Via-o de perfil, concentrado em não o olhar. John fitou novamente o resto do flat. De modo automático caminhou deu alguns passos no pequeno corredor, com uma vontade crescente de ser parado, impedido pela voz de Holmes.

Seu desejo se realizou á um passo do fim do corredor.

— John – chamou.

Watson olhou para ele com um ombro encostado na soleira.

— Estou com medo, John – sussurrou.

Watson esperava tudo, menos aquilo. Raramente aquela frase era dita pelo amigo.

— Eu também.

Sua resposta saiu igualmente sussurrada. Sherlock sorriu tristemente.

— Você não precisa ter medo dos mortos.

— Não tenho medo dos mortos. Tenho medo do vazio que eles deixam.

John Watson achou a própria resposta bastante apropriada. E percebeu o quanto ela o resumia tão bem.

— Dr.Watson sempre sentindo minha falta.

John balançou cabeça.

— Não fui que tranquei as portas só pra ter atenção.

Entreolharam-se por um instante e como se fosse a coisa mais normal do mundo, riram.

Irônico como aqueles segundos foram os mais vivos das últimas semanas.

(...)


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Notas finais do capítulo

Foi muito difícil escrever este capítulo, tentei muitas vezes começá-lo e nunca me parecia bom. Demorou uns três dias para eu terminá-lo, e ainda hoje tenho dúvidas a respeito dele, apesar de ter um enorme carinho por ele. O que acharam?



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