The Bastard Heir escrita por Soo Na Rae, Lady Ravena


Capítulo 36
Capítulo Extra - Os Quatro Ciclos


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura, e tem música na frase. Ela é a letra dos primeiros versos dessa canção infantil japonesa.



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Os Quatro Ciclos

Dê a volta, dê a volta, moinha d’água, dê a volta

Dê a volta e chame o senhor Sol

Pássaros, besouros, bestas

Grama, árvores, flores

Traga a primavera, o verão, outono e inverno.

Por detrás do véu de seu cubículo de confinamento, era possível ver os altos chapéus dos homens que se ajoelhavam a sua frente. Ou melhor, em frente ao altar erguido a ela, ou local onde ficava presa. Seus joelhos doíam pelo tempo que ficara sentada, e não sentia as pernas, coagulando. Os ombros pesavam para baixo, sustentando o peso de quarenta peças de tecido muito bem amarrados em seu corpo, porém a coluna permanecia ereta. Os cabelos muito bem oleados estavam causando-lhe cócegas perto da parte inferior da bochecha e seus olhos lacrimejavam pois a tinta não secara devidamente. O gosto amargo dos dentes parecia com o gosto da fome, que ela acumulava minuto após minuto, silenciosamente inerte em sua posição. Poderia relaxar agora que ninguém a estava observando. Poderia esticar as pernas e curvar as costas, livrar-se daquelas roupas exageradas e limpar a boca negra e o gosto amargo. Porém continuou piscando lentamente seus olhos, subindo e abaixando lentamente seu peito. Ouvindo o próprio coração e as palavras encantadoras dos cavalheiros.

– ... à princesa, com grande triunfo. – um deles terminou seu discurso.

Eram pretendentes, todos dispostos a se casar com uma completa estranha, apenas para se unirem ao clã Mori. Dominavam a Província de Aki, e eram uma das casas mais crescentes de todo o território. A Princesa Mori era conhecida em todo o Japão nos poemas do poeta Tairo no Makosano, um jovem poeta que a conheceu durante sua juventude e que conhecia a tal beleza. Achava que compará-la a uma nascente do alto da Montanha Asai era exagero, mas não reclamava.

– Josei no Moriya. – o príncipe Moriya disse com sua voz imponente diante de seus adversários. Josei no Moriya era o rapaz que seu pai queria como esposo para ela. Ele tinha um grande exército e samurais bem treinados, além de descender de um ramo inferior da família Mori. Os Moriya antes serviam os Mori, hoje dominavam a Província vizinha. Juntar os dois clãs em apenas um significava dobrar o poder do clã. Deste modo, tirar Ashikaga do poder seria mais fácil. – Estou aqui para dizer a Amaya Hime que, caso me escolher como esposo, terá meu coração hoje, e amanhã. Não irei a uma batalha sequer, sem antes te dar todo o carinho que não poderia dar nos próximos dias. E não a deixaria sozinha, para depois voltar apenas anos a fio e dizer que tem de tratar de seu papel como esposa.

Palavras. Apenas palavras. Eles iam para as guerras, viajavam pelo arquipélago. E elas permaneciam em casa, esperando. Esperando. Uma espera sem fim, para que quando estivessem velhas e feias demais, eles as trocassem por donzelas de quinze primaveras. Não era isso que queria para si, queria sentir aquilo que os poetas tanto falavam em seus poemas, sobre o amor, a nascente do rio Tatsuta. O sentimento dos deuses. Queria provar. Amaya, uma princesa digna de sua posição, apenas deixou que esses pensamentos inúteis se esvaíssem por suas longas mangas, que pesavam os ombros e deixavam-na arqueada. Josei tinha uma voz tão irritante que ela deixou de ouvi-o.

– Eu sou Jasão de Amaral Ferreira, capitão do Temor dos Mares, vice-comandante das tropas marítimas de Portugal, Senhor de Castelo Forte e descobridor de sua terra perdida nos mares. – anunciou-se o sétimo e último pretendente. Amaya estava cansada de ouvir sempre as mesmas coisas “Príncipe de tal lugar, cavaleiro do Sol das terras do norte...”, tão ridículo. Mas um senhor de castelo? Um capitão do mar? Isso era novidade. Normalmente os pescadores eram pobres demais para pagar seu dote, porém desde que os homens pálidos pisaram em sua terra, de repente descobriu que existiam milhares de títulos, cada um mais ridículo que o outro. Senhor, visconde, barão, duque, arqui-duque, grão-duque, marquês... Eram tantos nomes que Amaya sentia-se estranhamente fascinada por tal lugar além-mar. Quem sabe eles não teriam dragões ou o céu seria vermelho, como diziam as lendas? – Há cinco meses atraquei em seu porto, onde encontrei homens de grande perícia em armas brancas, porém sem conhecimento das armas de fogo, descoberta dos homens pálidos. Há cinco meses, me deparei com sujeitos amarelados, com olhos estranhos e com língua ainda mais estranha, mas aqui estou eu, sentado com esses sujeitos amarelados, estreitando os olhos como eles e falando sua língua. Princesa Amaya, em minha terra as mulheres aprendem vários idiomas, principalmente aquelas que são princesas. Elas usam vestidos como este – Jasão retirou de um embrulho a peça, que fez os olhos de Amaya brilharem. Era como uma camisola, porém muito mais apertada e parecia ser muito mais leve, sem tanto tecido. Além de possuir diversos enfeites e desenhos no peito que brilhavam. – E usam coroas em suas cabeças, como símbolo de autoridade. Mas aqui não é assim. Princesa Amaya, eu não tenho toda a influência que os cavalheiros presentes, nem mesmo um quinto de sua dignidade ou honra, não tenho um sangue nobre, das terras de onde venho, mas tenho um navio, tenho moedas que o rei me deu e tenho homens que iriam comigo até o fim do mundo apenas pelo prazer de viajar os mares desconhecidos. – ele limpou a garganta – Caso se tornar minha esposa, terá um lugar em meu navio, para viajar à Portugal, e Espanha e Itália, e onde a vossa senhoria quiser. Lhe mostrarei meus mapas, meus tesouros, meus homens a seu dispor, e a levarei para novas terras, em meu castelo dado pelo próprio rei de Portugal.

Amaya piscou, atônita. Mas que oferta era aquela? Nenhuma joia, nenhum tecido caríssimo, nada de juras de amor ou mesmo recompensas pela guerra. Apenas... liberdade. Mordeu os lábios. Sabia o que seu pai pensaria caso escolhesse o homem pálido. Jasão... detestava sua posição, detestava estar ali apenas como um enfeite. Queria ser uma princesa das terras de Jasão, onde seria adornada com ouro e prata, falaria diversas línguas e poderia sair para qualquer lugar do mundo. Jasão, que era amigo do rei de Portugal e que tinha um navio grande que superava todos os navios de seu pai. Amaya abri um leve sorriso, mesmo sabendo que aquilo era deplorável para uma dama cortês. Por fim seu pai se colocou entre os pretendentes e ela.

– Agora minha filha escolherá um dos pretendentes enviados de cada região do... do Mundo. – ele diria “país”, porém havia Jasão entre eles e ele não era do Japão. Amaya implorou para que seu pai entendesse, que ele a apoiasse, mesmo sendo impossível, mesmo sendo... traição. Ela tinha de escolher a si mesma antes de qualquer outro, senão quem a escolheria? Quem se importaria com uma mulher, se não ela mesma?

– Ouvi adoráveis palavras de vocês hoje, nobres homens, porém apenas um cativou meu coração, talvez com sua lábia, talvez pelo deus do amor. Meus ouvidos foram atentos a cada um de seus presentes, mas o mais valioso de todos foi aquele que determinou minha escolha. – viu o vislumbre de seu pai se arrumando para abraçar o novo genro. – Eu decido diante de todos que testemunham que... – coragem, Amaya, você é forte o suficiente. Você pode. Você tem. – Minha escolha é Jasão de Amaral Ferrera, príncipe dos mares e amigo do rei de Portugal.

O silêncio que se instalou a seguir foi quase mortal. Amaya sentiu que havia cometido o pior dos pecados ao desonrar sua família assim, aceitando um forasteiro que não os ajudaria na guerra. Seu pai continuou imóvel, talvez digerindo aquilo. Quando ele se levantou, não disse uma só palavra, apenas abriu a cortina de seu cubículo de confinamento e entrou, abruptamente. Aquilo assustou Amaya de tal forma que não conseguiu fazer nada além de saltar para trás, caindo de costas. As roupas a obrigavam a permanecer assim. Papai agarrou-lhe os cabelos.

– Como ousa? – ele gritava, enraivecido, puxando-a para cima e logo em seguida a jogando de volta ao chão. – Filha ingrata! Um verme em nossa família!

– Pai, eu

– Nunca interrompa um Mori! – e então a estapeou, tão forte que Amaya sentiu a visão escurecer. A dor explodiu pela bochecha e pulsou, deveria estar muito vermelho, Amaya cobriu-se com os braços. Papai apenas abandonou o cubículo e se virou para os nobres. – Minha filha está mal de cabeça, ela responderá amanhã.

E assim, Amaya virou-se para a cortina e viu os vislumbres dos homens se levantando e saudando seu pai. Não... Por favor, não vão... Jasão, não a deixe ali. Não espere. Você não tem até amanhã.

º º º

Amaya sabia que seu pai mataria Jasão naquela noite, por isso, fugiu. Deixou para trás todos os trapos de roupas que a obrigavam a usar e colocou o traje dos servos, uma simples camisola branca, presa por fitas brancas, sapatos de couro e os cabelos presos num coque alto. Assim, revestiu o peito com tiras de tecido até que os seios ficassem invisíveis, pintou-se no rosto com sobrancelhas grossas e penugem no queixo. Roubou uma espada e entrou nos aposentos do príncipe dos mares. Ele estava sentado, lendo um carta que lhe fora enviada há alguns dias. Provavelmente do rei de Portugal, seu amigo. Quando ergueu os olhos, ele se levantou e sacou a própria espada, que era mais larga e mais pesada que a espada de seu povo. Amaya sentiu os membros congelarem. Ele a mataria?

– Sou eu, a princesa. – sussurrou, apontando para si mesma. Então notou o modo como ele a encarava, completamente desconfiado. Homens... Eles aprendem desde cedo a não serem enganados. – Por favor, acredite.

– Você parece uma criada com barba. – ele riu baixinho e então se aproximou, apalpando-a. – E não tem seios, como um homem. Me disseram que Amaya é uma formosa dama, de rosto e corpo.

– Eu posso lhe mostrar isso assim que entrarmos em seu navio e partirmos para Portugal, pois nesta noite ainda meu pai virá te matar. – agora não sussurrava e sua voz saiu como era. Jasão reconheceu e encarou-a por segundos, logo voltando a olhar sua própria mão, enrubescendo.

– Perdão, senhora, eu...

– Não há tempo para isso! – disse, firme e então girou nos tornozelos. Aqueles sapatos eram muito melhores. – Vamos fugir, agora! Seus homens devem estar no navio, se não estiverem, iremos sozinhos.

– Não se preocupe, meus homens nunca abandonam seu posto. – ele pegou sua capa e alguns mapas, em seguida jogou a carta que estava lendo no fogo e colocou a espada na bainha. – Me siga.

E assim, Amaya nunca mais viu seu pai, seu povo ou mesmo as constelações do céu que conhecia tão bem. E ela nunca se arrependeu.


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Notas finais do capítulo

Introdução às novas figuras da corte! Lembrando que foi nos anos de 1500 e 1600 que o Japão foi "descoberto" pelos portugueses, mas não colonizaram pois os próprios japoneses não deixaram, eles que já tinham uma boa estrutura e técnicas de combate. Os portugueses levaram a pólvora e as armas de fogo recém-inventadas na Europa, mas os japoneses se recusaram a se converter ao cristianismo, temendo que isso desse abertura para que os europeus tomassem suas terras. Desde sempre, o Japão cuidou muito bem de sua cultura. E é por isso que ele é hoje um dos países que mais presam as tradições.
Bom dia para vocês!