Dália

Caiu sobre o tatame e acabo machucando meu tornozelo, não chego a gritar com a dor, mas tenho certeza que fiz uma careta bem feia. Meu professor, Ícaro, se aproxima e pergunta onde dói e aponto para o meu tornozelo.

– Acho que teremos que adiar as aulas por um tempo, senhorita Dália – diz ele ao examinar meu tornozelo.

– Me chame só de Dália, por favor. Sabe que não gosto de formalidades.

– Acabo me esquecendo – riu timidamente e voltou sua atenção para meu pé. – Acho que terei que aplicar os primeiros socorros.

Apontei para um pequeno armário ao fundo da sala e tentei mexer meu pé enquanto Ícaro pegava a caixa de primeiros socorros.

– Não consigo mexer meu pé, acha que quebrou? – perguntei na esperança que sua resposta fosse um “não”.

– Se você tivesse quebrado o pé não aguentaria a dor. Conheço um garoto que desmaiou ao quebrar o pé, pois não aguentou a dor.

Ele ajoelhou-se ao meu lado e abriu a caixa de primeiros socorros. Pegou um pequeno frasco e o sacudiu.

– Minha mãe vai me matar se eu não conseguir firmar o pé no chão.

– Acho que ela não fará nada. Apenas não deixe que ela perceba.

O jato gelado do pequeno frasco fez meu pé adormecer. Foi ótimo não sentir aquela dor.

– Tente mexer o pé – Ícaro instruiu.

Não consegui.

– Acho que terei que verificar se está deslocado – disse ele.

– Não acha melhor se formos ao médico?

– Eu sou paramédico, masse você prefere ir não tem problema.

Ele olhou pra mim de uma forma que eu sabia que podia confiar nele. Ícaro é meu professor de Karatê desde que me conheço por gente, e essa não será a primeira vez que ele me faz os primeiros socorros.

– Vai doer muito? – perguntei.

– Um pouco.

Ele segurou meu pé mais firme e o puxou. A dor subiu pela minha canela e foi impossível não gritar. Ouvi um estralo e a dor diminuiu. Ícaro mais uma vez colocou o spray no meu pé e me ajudou a levantar.

– Consegue apoiar o pé? – perguntou.

Tentei apoiar o pé mais ainda doía.

– Não, mas acho que consigo chegar até meu quarto sozinha.

E foi o que fiz. Ícaro suspendeu as aulas por alguns dias e se despediu. Subi para meu quarto e enchi a banheira para tomar um banho.

Quando terminei de tomar banho sentei na cama e comecei a massagear meu pé. A dor já estava mais suportável que antes.

Minha irmã, Wendy, entra no quarto e vem até mim.

– Mamãe mandou te chamar. O Jornal já começou e ela está uma fera porque você ainda não desceu – disse ela.

– Eu estava massageando meu pé, machuquei ele na aula de karatê. Já vou descer.

Me levantei e desci para a sala de TV junto com minha irmã. Quando chegamos a foto de uma garota estava na tela.

– Onde vocês estavam? Cinco garotas já foram apresentadas – mamãe disse com a cara fechada.

– Eu estava massageando meus pés, acabei esquecendo da hora.

– Da próxima vez, procure esquecer da hora em uma ocasião que não seja importante.

Sentei no sofá e revirei os olhos. Até onde eu sei, nenhuma das garotas selecionadas era eu, então porque ficar nesse nervosismo todo?

As garotas foram apresentadas, uma pequena maioria era dois e todas eram bonitas, mas me concentrei no príncipe. Ele estava bonito como sempre e seu sorriso estava impecável. Seria uma honra se eu pudesse vê-lo de perto e conhecê-lo.

– Dália Sparkis, de Califórnia, modelo, Dois. Tem 18 anos.

~*~*~

Lary

É insuportável ter que ficar o dia todo em casa e ficar ouvindo minha mãe dar gritos nos pequenos pestes, que são meus irmão. E pra piorar ainda tem meu padrasto, Carlton, que decidiu tirar o dia de folga pra ficar com a família. Como se ele desse importância.

Minha única salvação é meu irmão mais velho, Gui. Ele é a única pessoa com cérebro aqui, a única pessoa que tenho o prazer de suportar.

Sou escritora, mas ultimamente não consigo me concentrar no trabalho porque meus irmãos mais novos estão em uma fase em que não conseguem ficar parados. Gritam e choram o tempo todo, não suporto isso. Me pergunto se, quando eu era criança, era assim?

– Lary venha me ajudar com seus irmãos. Tire a bunda desse sofá – minha mãe grita da cozinha.

– Ninguém mandou você pari-los, vire-se com esses pestes – grito de volta.

Me inscrevi na Seleção por isso. Pra ficar longe dessa casa, longe deles. Preciso relaxar um pouco, ficar em um lugar mais calmo pra colocar meus pensamentos em ordem. Porque, ultimamente, nem os livros conseguem me desligar deste mundo paralelo cheio de gritos e vozes irritantes que é a minha casa.

– Já estou indo mãe! – Gui diz.

Meu padrasto se aproxima de onde estou com as mãos na cintura.

– Até quando você vai ficar setada nesse sofá Lary? A casa está uma bagunça e sua mãe e a empregada estão tendo que arrumar tudo e colocar seus irmãos em ordem.

– Ficarei aqui até vocês decidirem calar a boca e me deixarem trabalhar. E já que está falando tanto de mim porque não vai ajudar sua mulher com os dois pestes, que são seus filhos.

– Já chega! – gritou.

Ele me puxou pelo braço e começou a me arrastar em direção a cozinha.

– Você vai lavar essa louça. Agora! – berrou ainda segurando meu braço.

– E quem você pensa que é pra me tratar assim, seu verme?!

Gui se aproximou e puxou meu padrasto para longe de mim e se pôs entre mim e Carlton.

– Carlton, vá ajudar a mamãe dar banho na Roxanne e no Louis. Deixe que eu me entendo com a Lary – Disse Gui.

Por isso que gosto tanto dele. Ele sabe colocar idiotas em seu devido lugar. Carlton sai de perto de nós e vai ajudar mamãe.

– As vezes tenho vontade de socar a cara dele – disse a Gui.

– Mas tenho que admitir, você as vezes tira a paciência dele.

– Quero que esse verme desgraçado se dane.

Ele olhou pra mim e sorriu.

– Algum dia você ainda vai conhece alguém que vai fazer você engolir essa grosseria.

– Pode até ser, mas antes disso ele leva um soco meu.

Algumas horas depois estávamos todos nós em frente a televisão, sentados no sofá, como uma família feliz não fosse por mim, que detesto a maioria sentada.

Grivery anuncia as candidatas, e só estou assistindo isso porque quero muito ser selecionada para ficar o mais longe possível de todos. Dá pra ver que a maioria que foi apresentada são patricinhas e acham que o mundo deve estar aos seus pés.

– Lary Eaton Ravenwood, de Long Island, escritora, Três. Tem 17 anos.

Levantei do sofá e fui para meu quarto satisfeita. Fiz questão de não olhar para o rosto de nenhum naquela sala, exceto Gui.