O Vizinho Perfeito - Leonetta escrita por Nicky Uchiha Zoldyck


Capítulo 6
CAP. 6 - A ligação de Antonio Blake




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Quando muitas idéias a respeito de cenas e de pessoas preenchiam sua mente, Violetta era capaz de trabalhar até seus de­dos começarem a doer e se recusarem a segurar adequadamente o lápis ou a caneta.

Nos dias em que isso acontecia, geralmente ali­mentava-se apenas com biscoitos e bebidas diet, por gostar de ter a sensação de que estava equi­librando as calorias em relação aos dias em que havia abusado delas.

No papel, a cada tira cômica, Emily e sua amiga Cari, que durante os últimos anos vinha apresen­tando muitas características da personalidade de Fran, planejavam e arquitetavam mil maneiras de descobrir os segredos do Sr. Misterioso. Iria chamá-lo de " *Argas ", mas não por muitos episódios.

Durante três dias, Violetta mal saiu da mesa de desenho. Francesca tinha uma cópia da chave de seu apartamento, por isso não era necessário ficar se preocupando em atender à porta quando a amiga aparecia para uma visita. E Fran nunca fazia ceri­mônia para abrir a porta para a Sra. Dominguez, ou para algum outro vizinho que decidia visitar Violetta.

De fato, em um dado momento da terceira noite, havia tantas pessoas no apartamento de Violetta que foi possível fazer até uma festinha informal, dentre elas: O Sr.e a Sra.Dominguez, Napo e Braco com suas respectivas namoradas.

Helena e Gery (que moram no mesmo andar que a Sra. Augusta Calixto) também estavam presente, assim como Diego, Francesca e Hugo, entre outras pessoas.

En­quanto ela terminava de colorir a tira cômica que sairia no jornal de domingo.

Alguém havia ligado o aparelho de som, mas a música não a distraiu. Os risos e a conversação chegavam até seus ouvidos, vindos do andar de baixo, mas ela não se importava com isso. Gostava da animação de seus vizinhos, mesmo quando não podia compartilhá-la.

Sentiu um delicioso aroma de pipoca e imaginou se alguém levaria um pouco para ela. Encostan­do-se na cadeira, examinou o que já estava pronto em seu trabalho. De fato, não tinha a veia irônica de seu pai nem a genialidade artística de sua mãe, mas tinha o que poderia ser considerado como um "talento inusitado".

Tinha a mão muito ágil e precisa para o dese­nho. Sim, gostava do que fazia e do resultado final de seu trabalho. Mas gostava principalmente do fato de ele fazer as pessoas rirem.

Se Vargas, do 3B, achava que ela ficara ofen­dida com o comentário dele, estava muito enga­nado. Violetta estava mais do que contente com seu "talento inusitado para o absurdo".

Agitada pelo êxito de três dias de trabalho in­tenso, pegou o telefone assim que este começou a tocar.

– Alô?

– Ora, ora, se não é minha neta preferida.

– Vovô! - Violetta se encostou na cadeira, com um sorriso satisfeito.

– Eu estava morrendo de saudade, mas não me venha com essa história de "neta preferida", porque eu sei que você diz isso para todos.

Tecnicamente, Antonio Blake não era avô de Violetta, mas isso nunca a havia impedido de considerá-lo como tal. Para ela, o amor ignorava tecnicidades.

– "Morrendo de saudade"? - Antonio repetiu. - Então por que não me telefonou ou para sua avó? Você sabe quanto ela se preocupa com você, aí sozinha, nessa cidade imensa.

– Sozinha? - Com um sorriso, ela segurou o te­lefone no alto, para que o som da festa no andar de baixo de seu apartamento pudesse ser ouvido por seu avô. – Parece mesmo que estou sozinha, vovô?

– Está com seu apartamento cheio de pessoas de novo?

– É o que parece. E vocês, como estão? Está tudo bem por aí? Quero saber tudo.

Os dois passaram a conversar a respeito da fa­mília. Violetta ouvia tudo com um brilho de diver­timento no olhar, rindo e fazendo seus próprios comentários de vez em quando. Ficou contente ao saber que havia uma reunião familiar marcada para dali a algumas semanas.

– Que bom! Mal posso esperar para ver todos novamente. Parece que faz tanto tempo que nos vi­mos, desde o casamento de Nicholas e Jade, no último outono. Estou morrendo de saudade de vocês.

– Ora, então por que esperar até a reunião de família? Você sabe que estamos aqui o tempo todo.

– Talvez eu faça uma surpresa a vocês.

– Pois telefonei para fazer uma a você - de­clarou Antonio, com seu costumeiro tom firme mas bem-humorado. - Aposto que ainda não sabe que nossa Jade está esperando um bebê. Teremos mais uma caixinha de presente sob nossa árvore no próximo Natal.

– Oh, vovô, isso é maravilhoso! Vou telefonar para eles ainda hoje. E com Jackie e Beto prestes a ter o deles nos próximos dias, teremos uma por­ção de bebês para mimar nesse Natal.

– Para alguém que gosta tanto de bebês, de­veria estar preocupada em ter um também - insinuou Antonio.

O velho tema, mais do que conhecido por Violetta, fez com que ela começasse a rir.

– Meus primos já estão cuidando disso muito bem, vovô.

– Ah, se estão! - concordou ele. - Mas isso não a livra de sua incumbência, mocinha. Você pode até ser uma Castilho de nascimento, mas carrega a chama do amor dos Blake no coração.

– Bem, em último caso, ainda me resta a chan­ce de jogar tudo para o alto e me casar com Tomás.

– Aquele sujeito com boca de peixe?

– Não, vovô. - Ela riu.

– Ele só beija como um peixe. De qualquer maneira, sim, é ele mesmo. Poderíamos dar algumas "trutinhas" como netos para você.

Antonio fungou, impaciente.

– Você precisa é de um homem, não de uma truta vestida com um terno italiano. Um homem com mais interesses na mente do que apenas dó­lares e investimentos. Alguém que entenda de arte e que tenha juízo suficiente para mantê-la longe de problemas.

– Sei me manter longe de problemas - lem­brou Violetta, achando melhor não mencionar o in­cidente daquela fatídica noite.

– Além disso, vovó não iria gostar que eu o roubasse dela, portanto, terei de me conformar em continuar sozinha, aqui, nesta imensa cidade.

Antonio riu alto, do outro lado da linha.

– Com todos os homens que existem em Londres, não é possível que não acabe encontrando um que lhe sirva. Você sai para passear de vez em quando, não sai? Não acredito que passe o dia inteiro sentada aí, desenhando seus papéis engraçados.

– Tenho feito isso apenas ultimamente, porque tive uma ótima idéia e precisei aproveitá-la logo. Estou com um vizinho novo, vovô. Ele é meio ta­citurno e reservado. Bem, digamos que ele é "cer­tinho" demais e que detesta que invadam o espaço dele. Acho que ele está desempregado, embora to­que sax de vez em quando em um clube aqui perto. É simplesmente o vizinho perfeito para Emily.

– Só isso?

– Bem, ele passa o dia inteiro fechado no apar­tamento e não fala com ninguém. O nome dele é Vargas.

– Mas se ele não fala com ninguém, como sabe o nome dele?

– Vovô. - Viletta sorriu com ar travesso. -Alguma vez já me viu desistir de falar com alguém quando decido fazer isso? Não que ele seja do tipo que se solta depois de alguns biscoitos de choco­late, mas, mesmo assim, consegui descobrir o nome dele.

– E o que achou dele? - indagou Antonio, fin­gindo um tom casual.

– Ele parece muito, muito incrível. Capaz de deixar Emily maluquinha.

– É mesmo? - Antonio riu com satisfação.

Quando conseguiu saber tudo o que precisava da neta, Antonio fez a ligação seguinte. Cantaro­lando baixinho e examinando as unhas, lustrou-as sobre a camisa e sorriu quando León atendeu ao telefone com um tom impaciente:

– Sim, o que é?

– Ah, essa sua natureza dócil sempre me deixa surpreso, Vargas. Chega até a me comover.

– Sr. Blake?

León se ajeitou na cadeira no mesmo instan­te. Não havia como confundir aquele sotaque es­cocês. Mudando subitamente de humor, riu e afas­tou-se do computador.

– Isso mesmo, meu rapaz. Como está se saindo no apartamento?

– Muito bem. Quero lhe agradecer mais uma vez por me deixar usá-lo enquanto minha casa continua naquela infinita reforma. Eu nunca con­seguiria trabalhar com todo aquele barulho. - Dizendo isso, lançou um olhar de censura para a parede, enquanto o barulho do outro apartamento lhe chegava aos ouvidos.

– Não que a coisa esteja muito diferente por aqui esta noite. Minha vizinha parece estar comemorando alguma coisa.

– Violetta? Ela é minha neta, sabia? Uma garota muito sociável.

– Até demais - falou León, quase em um resmungo.

– Não imaginei que ela fosse sua neta.

–Bem, apenas informalmente. Precisa se sol­tar um pouco, rapaz, e ir participar da festa.

– Não, muito obrigado. - Ele preferiria saltar de pára-quedas, sem pára-quedas.

– Acho que metade da população do bairro deve estar lá nesse momento. Este seu prédio, Sr.Blake, está cheio de pessoas que preferem mais falar do que viver. E sua neta parece ser a líder da "gangue de tagarelas".

Antonio riu. Admirava a sinceridade de León Vargas.

– Ela gosta apenas de ser amigável com todos - disse, em defesa da neta.

– De qualquer modo, fico mais tranqüilo em saber que você está mo­rando no apartamento em frente ao dela. Você é um rapaz sensível, León. Por isso não me im­porto em pedir que você fique de olho nela. Vilu é muito ingênua às vezes, se é que entende o que eu quero dizer. Eu me preocupo com ela.

León riu, lembrando-se de quando a vira acertar uma boa ajoelhada nas "partes baixas" do bandido que tentara atacá-la.

– Eu não me preocuparia se fosse o senhor. Pode acreditar.

– Bem, não vou mesmo me preocupar sabendo que você está por perto. Minha Vilu... Ela é uma gracinha, não é?

– Linda como uma flor - anuiu León.

– E inteligente. Também é responsável, embo­ra às vezes pareça levar a vida feito uma borboleta esvoaçante. Ora, mas também não é possível ser um iceberg e conseguir produzir uma tira cômica por dia para um jornal, não é mesmo? Só tendo muito senso de humor, e isso é o que não falta à minha Vilu.

– Sem dúvida, Sr. Blake.

– Para trabalhar nesse tipo de coisa - conti­nuou Antonio -, é preciso ser criativa, ter uma boa veia artística e ser prática o suficiente para encontrar temas nas situações do dia-a-dia. Mas você sabe de tudo isso melhor do que ninguém, certo? Escrever roteiros de teatro também não é um trabalho fácil.

– Não mesmo - concordou León, massa­geando os olhos cansados depois de horas diante do computador.

– Mas você tem o dom, meu rapaz. Um dom raro que eu admiro muito.

– Esse dom tem sido mais como uma maldição para mim ultimamente, Sr. Blake , mas obri­gado pelo elogio mesmo assim.

– Precisa sair um pouco, arejar a mente, beijar uma bela garota... Não que eu entenda muito do processo de escrever, embora tenha dois netos que se dedicam a isso, e muito bem por sinal. Deveria aproveitar mais o fato de estar aí, em Londres, antes de voltar para sua cidade e se fechar em sua casa.

– Talvez eu ainda faça isso.

– Oh, Vargas? Poderia me fazer o favor de não mencionar a Vilu que eu lhe pedi para ficar de olho nela? Ela não gosta muito de superpro­teção. Mas é que a avó dela vive preocupada com aquela menina e, você sabe como é, na idade em que estamos não é bom facilitar...

– Pode ficar tranqüilo, Sr. Blake. Não di­rei nada a ela - León prometeu.

Ciente de que aquele barulho não o deixaria mesmo trabalhar, León saiu do apartamento. Tocou no clube de Naty, mas, dessa vez, nem mesmo a música o distraiu dos pensamentos que andavam rondando sua mente.

De onde estava, sobre o palco, não era difícil imaginar Violetta sentada no fundo do salão, com o queixo apoiado sobre a mão, os lábios curvados em um sorriso e um brilho sonhador no olhar. De fato, ela conseguira invadir um de seus bens mais preciosos: a música. E ele estava se sentindo pro­fundamente irritado com isso.

O Tonks’s era um de seus refúgios. Havia noites em que ele viajava de carro de a Londres(o trajeto de Brighton a Londres é de 1 hora e 26 minutos no tráfico atual) só para subir no palco com Maxi e tocar até que toda sua tensão desaparecesse por meio da música.

Então voltava para casa ou, se já fosse muito tarde, apenas se acomodava em um sofá no fundo do Tonks’s e dormia até a manhã. Ninguém o abor­recia no clube ou esperava que ele desse mais do que queria dar.

Mas depois que Violetta estivera ali, seu olhar insistia em se voltar para a mesa que ela havia ocupado, enquanto ele se flagrava imaginando se ela não estaria ali, observando-o com aqueles olhos felinos.

– León- disse Maxi, tomando um gole de água da garrafa deixada ao lado do piano -, você está mesmo esquisito esta noite.

– Sim, acho que sim.

– Geralmente, quando um homem fica com essa expressão, é porque há alguma mulher en­volvida na história.

León balançou a cabeça, negando o fato mais para si mesmo do que para o amigo.

– Não, não há nenhuma mulher. Estou preo­cupado com o trabalho.

Maxi se limitou a dar de ombros enquanto León levava o sax novamente aos lábios. - Se é o que você diz...

León chegou em casa às três horas da manhã, preparado para bater à porta do apartamento de Violetta e exigir silêncio. Por isso, foi um alívio chegar e descobrir que a festa havia terminado. Não se ouvia nenhum ruído vindo do apartamento dela.

Entrou em casa, trancou a porta e prometeu a si mesmo que aproveitaria ao máximo aquele mo­mento de paz. Depois de preparar um café forte, acomodou se novamente diante do computador, preparando-se para entrar na mente das perso­nagens que estavam arruinando suas próprias vi­das por não conseguirem seguir os impulsos de seus corações.

O sol já estava alto quando ele parou de tra­balhar, depois que o súbito surto de energia cria­tiva que se apoderara de sua mente finalmente se desvaneceu. Concluiu que aquele fora o pri­meiro trabalho mais consistente que ele consegui­ra realizar na última semana, e decidiu comemo­rar isso caindo sobre a cama com a mesma roupa com que estava vestido.

Não demorou muito para começar a sonhar. Um belo rosto com expressivos olhos âmbar se apo­derou da maioria das imagens que surgiram em meio a seu estado onírico. E juntamente com ele, uma voz insistente que parecia não parar mais de falar.

Por que tudo tem de ser tão sério?, ela pergun­tou, rindo ao deslizar a mão sobre o peito dele.

Porque a vida é um negócio sério.

Mas esse é apenas um dos lados da moeda. E há muitas e muitas moedas em nossa vida. Não vai dançar comigo?

Ele já estava dançando. Estavam no Tonks’s, e embora o clube estivesse vazio, havia música no ar. Uma música suave e sensual.

Não vou ficar de olho em você. Não conseguirei fazer isso.

Mas você já está.

León apoiava o queixo no alto da cabeça dela. Quando ela inclinou a cabeça para trás e mordis­cou-lhe o queixo com sensualidade, ele sentiu um arrepio pelo corpo.

Ficar de olho em mim não é tudo que você quer fazer comigo, não é?

Eu não quero você.

Ouviu-se uma risada leve como o ar.

Acha que adianta negar isso até mesmo em seus sonhos? Pode fazer o que quiser comigo em seus sonhos. Não fará diferença.

Eu não quero você, ele repetiu, já deitando-se com ela sobre o chão.

León acordou ofegante e suando, enrolado en­tre os lençóis. Depois de alguns segundos, quando sua mente finalmente começou a clarear, não con­teve o riso.

Violetta era mesmo uma ameaça, concluiu. De fato, a única coisa que parecera mais sensata em seu sonho erótico fora o detalhe de ele repetir que não a queria.

Depois de passar as mãos pelo rosto, olhou para o relógio ainda em seu pulso. Já passava das qua­tro horas da tarde, e foi somente então que ele se deu conta de que aquela fora a primeira vez que ele conseguiria dormir por oito horas na úl­tima semana. Que culpa tinha ele, se seu relógio biológico andava meio maluco?

Ao chegar à cozinha, notou que teria de descer e comprar algo para comer. Tomou um banho e se barbeou pela primeira vez, depois de três ou quatro dias sem fazê-lo.

Pensou em comer algo fora, para ter uma re­feição decente. Quem sabe assim teria mais ânimo de enfrentar o horror de ter de fazer compras e ver todas aquelas pessoas armazenando carrinhos e mais carrinhos de comida no mercado.

Já vestido e sentindo-se mais bem-disposto, abriu a porta.

Violetta abaixou a mão que havia acabado de le­vantar para tocar a campainha.

– Graças a Deus que você está em casa.


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