O Vizinho Perfeito - Leonetta escrita por Nicky Uchiha Zoldyck


Capítulo 2
CAP.2 - Malditos Biscoitos




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O nome dele era León Vargas. Não se considerava particularmente misterioso, apenas reservado. De fato, fora justamente o desejo de privacidade que o levara, ironicamente, a ir pa­rar bem no coração de uma das maiores cidades do mundo.

Felizmente, seria por pouco tempo, pensou ele guardando o sax na maleta própria para o ins­trumento. Seria por pouco tempo. Com sorte, dali a alguns meses a reforma de sua casa em Brighton estaria terminada. Algu­mas pessoas diziam que o lugar parecia um forte, mas ele não se importava com isso. Pelo menos em um forte era possível se ter paz e silêncio durante semanas, caso fosse necessário. Além dis­so, ninguém podia entrar no local sem permissão.

Começou a subir a escada, deixando para trás a sala praticamente vazia. Costumava ficar ali apenas quando decidia tocar, pois a acústica do ambiente era ótima. Ou então para se exercitar, quando não tinha vontade de caminhar até a aca­demia alguns quarteirões adiante.

O segundo andar era o local onde ele passava a maior parte do tempo. Mas felizmente aquilo não duraria muito, pensou mais uma vez. Tudo que precisava enquanto estava ali era de uma cama, um guarda-roupa, iluminação adequada e uma mesa de escritório com um tamanho sufi­ciente para comportar seu notebook e os papéis de trabalho que ele costumava usar. Não quisera ter um telefone, mas sua agente insistira para que ele mantivesse pelo menos um telefone celular, para o caso de ela precisar entrar em contato com ele. León aceitara a idéia, mesmo não gostando dela.

Sentou-se à mesa de trabalho, satisfeito por seus pensamentos estarem mais claros depois do breve exercício com o sax.

Esmeralda Di pietro, sua agente, andava preocupada com o progresso de seu último roteiro teatral. Mas, em sua mente, tudo já estava bem definido. A peça ficaria pronta quando tivesse de ficar, e nem um minuto antes. Fora assim que ele sempre trabalhara, e não seria àquela altura de sua carreira que iria mudar de atitude, devido ao nervosismo de uma agente.

O problema com o sucesso, pensou ele, era o nível de cobrança que ele trazia consigo. Ao fazer algo que as pessoas apreciavam, você era sempre cobrado a repetir o feito, só que de maneira mais rápida e mais eficiente. León não dava a mí­nima para o que as pessoas queriam. Elas pode­riam arrombar as portas do teatro para ver sua próxima peça, laureá-lo com outro Pulitzer ou lhe pagar um caminhão de dinheiro. Nada disso era importante para ele. Também não dava a mínima para críticas. Se o público não gostasse, que fosse à bilheteria e exigisse seu dinheiro de volta.

Para León, o trabalho em si era o mais im­portante. E isso dizia respeito apenas a ele e a mais ninguém.

Financeiramente, estava seguro como sempre estivera. Esmeralda costumava dizer que isso era par­te do problema. Sem a necessidade ou o desejo de ganhar dinheiro para incentivá-lo, ele havia se tornado arrogante e indiferente ao público. Por outro lado, dizia ela, isso também era o que o tornava um gênio da criação teatral. León não se importava com nada, e isso era o que fazia seu trabalho ser tão especial.

Continuou sentado à mesa, pensativo. Porém, logo despertou do devaneio e passou a mão por entre os cabelos castanhos naturalmente bagunçados. Seus olhos, de um verde-brilhante, examinaram as últi­mas palavras que havia digitado. A expressão sé­ria e os lábios ligeiramente apertados denotavam sua concentração.

Com os ruídos característicos da rua chegando-­lhe aos ouvidos, León estava tendo de se es­forçar mais para voltar a penetrar na alma do homem que ele havia criado no texto mostrado na tela do computador. Um homem que lutava deses­peradamente para superar os próprios desejos.

De súbito, o incômodo som da campainha o fez praguejar, desconcentrando-o mais uma vez. Pen­sou em continuar ali e não dar atenção, mas sua noção da natureza humana o fez mudar de idéia, ao concluir que provavelmente o intruso continua­ria insistindo até obter uma resposta. Por isso, decidiu despachá-lo de uma vez por todas.

Imaginou que se tratasse da senhora do andar térreo. Aquela com olhos de águia, que parecia viver bisbilhotando a vida de todos. Ela já havia tentado abordá-lo por duas vezes quando ele es­tava saindo para o clube à noite, mas não tivera êxito. León sempre fora muito bom em escapar àquele tipo de situação, mas aquela insistência já estava começando a aborrecê-lo. Seria melhor bancar o mal-educado de uma vez e deixar que ela saísse falando mal dele, afinal, não era do tipo que se importava com isso.

Porém, ao espiar através do olho mágico, não se deparou com a mulher corpulenta que ele havia imaginado estar ali, mas com uma bela morena de cabelos castanhos-claro e lindos olhos cor de âmbar.

O que diabos ela poderia querer? Reconheceu-a como uma vizinha do mesmo corredor, cujo apartamento ficava quase em frente ao que ele estava ocupando. Depois de haver sido deixado em paz por quase uma semana, imaginara que a situação fosse continuar assim. O que, em sua mente, faria dela a vizinha perfeita. Mas, pelo visto, enganara-se mais uma vez.

Ainda aborrecido por ter sua paz perturbada, abriu a porta e apoiou-se nela. - Sim?

– Olá. - Oh, Deus, ele era a ainda mais bonito de perto, pensou Violetta, contendo a vontade de suspirar.

– Sou Violetta Castilho, sua vizinha do 3A - apresentou-se com um sorriso amigável, indicando a porta de seu apartamento.

León se limitou a arquear uma sobrancelha.

– Pois não?

Um homem de poucas palavras, concluiu Violetta, mantendo o sorriso. Desejou que ele se distraísse pelo menos por um instante, para que ela pudesse esticar o pescoço e dar uma espiada no interior do apartamento. Claro que não poderia tentar fazer isso com aquele olhar perscrutador centrado bem em seu rosto, sem nenhuma indicação de que iria se desviar.

– Eu o ouvi tocar há alguns minutos. Trabalho em casa e, você sabe como é... O som atravessa as paredes.

Se ela fora até ali para reclamar do barulho, não iria conseguir nada, pensou León. Ele tocava quando sentia vontade de tocar, e isso não mudaria devido à mera reclamação de uma vizi­nha, por mais encantadora que fosse ela.

Continuou a observá-la com atenção. Nariz arrebitado, lábios polpudos, sensualmente curvados...

– Geralmente esqueço de ligar o aparelho de som quando estou trabalhando - continuou ela em um tom animado, interrompendo os pensa­mentos de León.

– Por isso gosto de ouvi-lo tocar. Broduey e Camila ouviam Vivaldi durante a maior parte do tempo. Não deixa de ser agradável, mas se torna monótono quando isso é a única coisa que você ouve o dia inteiro. Eram eles que ocupavam o apartamento antes de você se mudar. Broduey e Camila Torres- acrescentou ela, indicando o apar­tamento atrás dele.

– Eles se mudaram para Winchester, depois que Broduey teve um caso com uma vendedora da Chanel. Bem, ele não chegou a ter um caso de verdade, mas parecia estar pen­sando na possibilidade. Por isso Camila deu-lhe o ultimato: se não mudassem de cidade, ela pe­diria o divórcio. A Sra.Torres(Mãe de Ludmila) deu seis meses de prazo para os dois continuarem juntos. Par­ticularmente, acho que eles vão conseguir re­solver o problema.

Dizendo isso, mostrou um prato com uma sim­pática decoração com detalhes amarelos cheio de biscoitos de chocolate cobertos por um plástico pro­tetor, próprio para alimentos.

– Estes biscoitos são para você - disse, es­tendendo o prato na direção dele.

León abaixou a vista para olhá-los, dando a Violetta a breve oportunidade de espiar a sala vazia atrás dele. Pelo visto; ele não tivera condições nem mesmo de comprar um sofá, pensou ela. Então os introvertidos olhos verdes voltaram a fitá-la.

– Por quê?

– Por que o quê?

– Por que me trouxe os biscoitos?

– Bem, fui eu mesma que os fiz. Às vezes, co­zinho para arejar um pouco a cabeça, quando não estou conseguindo me concentrar no trabalho. Na maioria das vezes, é cozinhando que eu consigo relaxar o suficiente para voltar a trabalhar. Mas se eu ficar com tudo isso, acabarei comendo tudo sozinha e vou me detestar por isso. - O brilho bem-humorado continuou presente nos olhos âmbar.

– Não gosta de biscoitos?

– Não tenho nada contra eles.

– Então, sirva-se - falou Violetta, entregando o prato a ele.

– E bem-vindo ao prédio. Se precisar de alguma coisa, estou sempre por aqui. - Indicou a porta do outro apartamento com um gesto vago. - Se quiser conhecer os outros vizinhos, também poderei apresentá-lo a eles. Moro aqui há alguns anos e conheço todo mundo.

– Não quero conhecer ninguém - respondeu León, dando um passo atrás e fechando a porta.

Violetta ficou ali parada por algum tempo, atônita com o que acabara de acontecer. Em seus vinte e quatro anos de vida, nunca alguém havia fe­chado a porta em sua cara, mas, mesmo tendo acabado de passar pela experiência, felizmente concluiu que aquilo não a afetara tanto assim.

No entanto, teve de se conter para não bater à porta e pedir seus biscoitos de volta. Não iria descer tão baixo, disse a si mesma, girando deci­didamente sobre os calcanhares e encaminhando-se para seu apartamento.

Agora sabia que o Sr. Misterioso era irresisti­velmente atraente, que tinha o corpo de um deus grego e também que ele era tão mal-educado quan­to uma criança de dois anos necessitada de umas boas palmadas no traseiro. Mas tudo bem, tudo bem. Iria sobreviver àquilo e aprender a ficar lon­ge do caminho dele.

Não bateu a porta de seu apartamento, para não dar a ele o gostinho de ouvir e deduzir que ela ficara irritada. Mas ao se ver no ambiente seguro de seu apartamento, virou-se para a porta e fez uma porção de caretas, mostrando a língua e mexendo as mãos ao lado das orelhas. E isso a fez se sentir incrivelmente melhor.

Contudo, a questão principal era que ele havia fi­cado com seus biscoitos, seu prato de sobremesa pre­ferido e com uma boa dose do seu bom humor. E tudo isso sem que ela sequer soubesse o nome dele!

León não se arrependia das atitudes que to­mava. Nem por minuto. Tinha quase certeza de que sua rudeza propositada manteria sua atraen­te vizinha a distância por algum tempo. A última coisa que precisava era do comitê local de boas­ vindas reunido à sua porta, principalmente sendo este liderado por uma bela morena falante, falante até demais, e com olhos de fada.

"Droga!", praguejou ele, em pensamento. Em Londres, era de se supor que as pessoas igno­rassem os vizinhos. Ao se mudar para ali, tinha quase certeza de que esse era o comportamento vigente, mas, pelo visto, enganara-se.

A sorte era que ela era solteira, segundo León pudera notar, pois se tivesse um marido, o pobre coitado provavelmente já estaria maluco com toda aquela tagarelice. O fato de ela trabalhar em casa e de haver deixado claro que estaria sempre por ali não era um detalhe lá muito agradável.

Como se não bastasse, também fazia os biscoitos de chocolate mais apetitosos que ele já tinha visto, isso também não era nada promissor. De fato, era quase imperdoável.

Conseguiu ignorar os biscoitos por algum tempo enquanto trabalhava. Na verdade, era capaz de ignorar até mesmo um holocausto nuclear quando assunto em questão era lidar com palavras em um texto. Entretanto, assim que León se des­concentrou voltou a lembrar-se dos biscoitos que havia deixado na cozinha.

Continuou pensando neles durante horas, ao se vestir e enquanto massageava a nuca dolorida depois de horas sentado no mesmo lugar, em uma postura que sua professora do terceiro ano fun­damental, irmã Aurora Sinistra, classificaria como "deplorável".

Por isso, quando foi à cozinha buscar sua me­recida latinha de cerveja, não conseguiu deixar de olhar para o prato sobre a mesa. Abriu a la­tinha, tomou um gole de cerveja e continuou olhando para os biscoitos, pensativo.

E se pro­vasse alguns deles? Afinal, não havia motivo para jogá-los fora, se já havia deixado bem claro para Violetta Castilho que não estava interessado em amizades.

Evidentemente, ela iria querer o prato de volta, e ele teria de esvaziá-lo de alguma maneira. Foi então que provou um deles e gemeu baixinho, aprovando o delicioso sabor. Depois comeu outro, com um suspiro de pura apreciação.

Quando já havia comido quase duas dúzias, foi que se deu conta do que estava fazendo e pra­guejou. Olhou para o prato quase vazio com um misto de autocensura e de indignação. Então foi para a sala e pegou seu sax. Seria mais saudável fazer uma breve caminhada antes de ir para o clube.

Ao abrir a porta, ouviu Violetta se aproximando com passos firmes pelo corredor. Com ar de de­sagrado, ele deu um passo atrás, deixando apenas um pequeno vão aberto na porta. Mesmo a certa distância, ouviu a voz dela e arqueou- uma so­brancelha ao notar que ela estava sozinha.

– Nunca mais! - protestou Violetta. - Nem que ela me ameace de morte. Nunca mais pas­sarei por essa tortura novamente! É isso, e pon­to final!

León notou que ela havia mudado de roupa. Estava vestida com uma pantalona e um blazer preto, por cima de uma elegante blusa de seda lilás. Um par de brincos de argola dourados dei­xaram-na com uma aparência mais sensual.

Continuou falando sozinha, enquanto abria a bolsa do tamanho de um envelope do correio.

– A vida é curta demais para ter suas horas desperdiçadas com uma pessoa tão insuportável. Ela não vai me fazer isso novamente. Sei como dizer "não", e é isso que farei da próxima vez. Preciso apenas praticar um pouco, só isso. Onde diabos está aquela chave?

O som de uma porta se abrindo atrás dela a fez se sobressaltar e virar-se de repente. León, notou que os brincos que ela estava usando não eram totalmente iguais e imaginou se aquilo seria um novo tipo de moda ou falta de atenção mesmo. Porém, ao se lembrar de que ela não estava con­seguindo encontrar uma chave dentro de uma bol­sa menor do que a palma de sua mão, optou pela última hipótese.

Violetta parecia refrescada, como se houvesse aca­bado de sair do banho, deixando para trás uma nuvem de um perfume maravilhoso. E o fato de León haver se sentido afetado por isso, deixou-o ainda mais aborrecido.

– Espere um pouco - pediu a ela, então voltou ao apartamento para pegar o prato.

Violetta não tinha a mínima intenção de ficar ali esperando. Finalmente encontrou o escon­derijo da chave: no canto do bolso interno, onde ela mesma a havia colocado justamente para se lembrar de onde encontrá-la quando fosse necessário.

León conseguiu alcançá-la antes que ela en­trasse. Saiu do apartamento pouco depois e fechou a porta atrás de si. Em uma mão, trazia a maleta do sax e na outra o prato onde Violetta havia colocado os biscoitos.

– Aqui está - disse a ela, jurando a si mesmo que não iria perguntar o que provocara aquele brilho de indignação nos olhos dela. Se o fizesse, era bem capaz que ela passasse a meia hora se­guinte contando a história a ele.

– De nada - ironizou ela, aceitando o prato.

Estava com a cabeça doendo, depois de haver passado as duas últimas horas ouvindo a conversa monótona de Tomás, primo de Fran. Mas do que estava reclamando?, pensou com sarcasmo. Afinal, agora estava sabendo tudo sobre o mercado de ações e sobre as aplicações mais seguras que po­deriam ser feitas nele. Levada pelo mau humor, decidiu dizer poucas e boas ao Sr. Misterioso.

– Ouça, se não quer fazer novas amizades, tudo bem. Não preciso mesmo de mais amigos - declarou ela, balançando o prato para enfa­tizar o que dizia.

– Na verdade, tenho tantos no momento que estou querendo me livrar de alguns deles. De qualquer maneira, não havia motivo para você ser tão rude. Tudo o que fiz foi me apresentar e lhe oferecer alguns malditos biscoitos!

León teve de se esforçar para se manter sério.

– Malditos biscoitos deliciosos - confessou ele, arrependendo-se assim que viu um brilho de di­vertimento surgir nos olhos dela.

– E mesmo?

– Sim.

Dizendo isso, ele seguiu pelo corredor em di­reção à saída, deixando-a surpresa com aquela reação.

Foi então que Violetta decidiu seguir seu impulso, um de seus hobbies preferidos.


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