O Vizinho Perfeito - Leonetta escrita por Nicky Uchiha Zoldyck


Capítulo 1
CAP. 1 - O Sr. Misterioso do 3B


Notas iniciais do capítulo

Fic Nova espero que gostem!!!



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– Então ainda não falou com ele?

– Hum? – Violetta Castilho continuou a trabalhar em sua mesa de desenho, marcando traços divisores no papel com uma experiência adquirida ao longo de anos.

– De quem você está falando?

Seguiu-se um longo suspiro de censura. Ao ouvi-­lo, Violetta teve de se esforçar para não rir. Conhecia muito bem Francesca Domínguez, sua vizinha do andar de baixo, e sabia exatamente sobre quem ela estava falando.

– Do irresistível sr. Misterioso do 3B, . Ele se mudou para cá há uma semana e ainda não trocou uma palavra com ninguém! É mistério de­mais para mim. Seu apartamento fica bem em frente ao dele e você nem tentou dizer "olá"? Pelo amor de Deus, mulher! Você precisa fazer alguma coisa!

– Tenho andado muito ocupada ultimamente. - Violetta levantou a vista e arriscou olhar para Francesca, que estava andando pelo estúdio com ar impaciente, fazendo os cabelos negros balançarem com veemência.

– Mal notei a presença dele.

Fran revirou os olhos, parecendo não acreditar no que estava ouvindo.

– Não me venha com essa história, Vilu. Notou a presença dele, sim.

Francesca se aproximou da mesa de desenhos e in­clinou-se por cima do ombro da amiga, então tor­ceu o nariz. Nada além de algumas linhas azuis. Gostava mais quando Violetta começava a esboçar as figuras.

– Ele ainda nem pôs o sobrenome na caixa do correio. E ninguém o vê sair do prédio durante o dia. Nem mesmo a Sra. Pontes e olha que nin­guém escapa àquele olhar de falcão.

– Talvez ele seja um vampiro.

– Uau... - Intrigada com a idéia, Fran aper­tou os lábios. - Sabe que essa hipótese seria mesmo excitante?

– Excitante demais – anuiu Violetta, voltando a se concentrar no desenho, enquanto Francesca reto­mava sua caminhada impaciente pelo estúdio, fa­lando sem parar.

Violetta nunca se importara em ter companhia en­quanto trabalhava. Na verdade, até gostava disso. Não era do tipo que gostava de isolamento e quie­tude. Talvez por esse motivo se sentisse tão feliz vivendo em Londres, em um prédio de aparta­mentos cheio de vizinhos animados e, quase sem­pre, muito barulhentos.

Aquele tipo de coisa a satisfazia não apenas em nível pessoal, mas também servia de base para seu próprio trabalho.

De todos os moradores do prédio, Francesca Dominguez era sua vizinha preferida. Três anos antes, quando Violetta se mudara para o prédio, Fran era uma enér­gica recém-casada que acreditava plenamente que todo mundo tinha de ser tão feliz quanto ela. E felicidade, para Francesca, era sinônimo de casamento.

Depois que se tornara mãe de Hugo, um ado­rável bebê de oito meses, Francesca passara a se em­penhar ainda mais em sua campanha casamen­teira. E Violetta sabia muito bem que era a principal "vítima" da amiga.

– Nem mesmo o viu no corredor? -Fran quis saber.

– Ainda não.

Pensativa, Violetta pegou uma caneta e apoiou-a entre os lábios rosados e polpudos. Seus olhos ex­pressivos eram de um profundo tom de Castanho cor de mel ,com um brilho se­melhante ao reflexo dourado do sol como em algumas praias privi­legiadas ao redor do mundo. Os suaves matizes esverdeados , que permeavam o estonteante tom de mel das íris, sugeriam a imagem das luzes do crepúsculo sobre o mar. Seriam considerados "olhos de uma predadora", tamanho era a força do olhar, não fosse o fato de viverem constante­mente iluminados por um brilho de bom humor.

– Acho que a Sra.Pontes está é perdendo a prática. Eu o vi sair do prédio durante o dia, o que elimina a "hipótese vampiresca".

– Viu mesmo? – Fran se aproximou dela no mesmo instante, com ar de interesse. - Quando? Onde? Por quê?

– Quando? De madrugada. Onde? Indo na di­reção leste da cidade. Por quê? Por causa de uma crise de insônia. - Decidindo entrar na brincadeira, Violetta girou a cadeira, mostrando um brilho de divertimento no olhar.

– Acordei cedo e fiquei pensando nos biscoitos que sobraram da festa da outra noite.

– Biscoitos atômicos – brincou Francesca.

– Sim. E não consegui voltar a dormir até pro­var outro deles. Já que havia levantado e estava sem sono, decidi vir até aqui trabalhar um pouco e, em certo momento, acabei indo parar diante da janela. Foi quando o vi sair. Aliás, é impossível não notá-lo. Deve ter um metro e oitenta, mais ou menos. E aqueles ombros...

As duas reviraram os olhos, imaginando como deveria ser tudo aquilo de perto.

– Bem, ele estava carregando uma espécie de mochila de ginástica e trajava jeans e camiseta pretos. Portanto, deduzi que ele estivesse saindo para o trabalho, em alguma academia. Ninguém consegue ter aqueles ombros comendo batatinhas fritas e bebendo cerveja por aí, meu bem.

– A-ha! – Fran estalou os dedos no ar. - Você está interessada.

– Não estou morta, Fran. Ele é lindo de morrer. E como se não bastasse isso, aquele ar misterioso e o traseiro perfeito moldado no jeans justo...- Violetta levantou as mãos no ar. - O que mais uma mulher pode fazer, senão fantasiar?

– E por que só fantasiar? Por que não bate à porta dele e lhe oferece alguns biscoitos ou algo do gênero? Dê-lhe as boas-vindas como vizinha. Quem sabe, assim, conseguirá descobrir o que ele faz lá dentro o dia inteiro. Tente descobrir se ele é solteiro, no que trabalha... Se é solteiro... E o que... - Ela se interrompeu, levantando a cabeça, em alerta. – Hugo está acordando.

– Eu não ouvi nada. – Violetta virou a cabeça, mirando o ouvido na direção da porta. Concen­trou-se, mas não ouviu nada.

– Puxa, Fran, desde que deu à luz está com uma audição de morcego.

– Vou trocá-lo e levá-lo para um passeio. Quer vir também?

– Não, não posso. Preciso trabalhar.

– Nos veremos à noite, então. O jantar será às sete horas.

– Está bem.

Francesca foi até o quarto de Violetta, onde havia dei­xado o filho dormindo, e o pegou no colo. Acenou para a amiga, ao passar pela porta do estúdio, e saiu em seguida. Violetta sorriu consigo. Francesca podia até ser meio excêntrica, mas havia se tornado uma mãe maravilhosa.

Com uma careta, lembrou-se do jantar que te­ria pela frente. Um jantar tedioso com Tomás, primo de Francesca. Quando criaria coragem para di­zer a ela que parasse de tentar lhe arranjar um pretendente? Provavelmente no mesmo ins­tante em que reunisse coragem para dizer o mes­mo à Sra.Pontes, concluiu. E à sra. Domínguez(sogra de Fran) do primeiro andar. Por que as pessoas insistiam em manter aquela obsessão de ficar lhe arran­jando pretendentes?

Estava com vinte e quatro anos, era solteirís­sima e feliz por isso. Não que não pensasse em formar uma família algum dia. Como qualquer garota, queria ter uma casa confortável, com um jardim onde seus filhos pudessem brincar. Ah, e um cachorro... Sim, teria de haver um cachorro. Mas isso era coisa para o futuro. Gostava de sua vida no presente e não pensava em mudá-la. Não mesmo.

Mantendo os cotovelos sobre a mesa de dese­nho, apoiou o queixo sobre as mãos unidas e se permitiu olhar através da janela e divagar um pouco. Devia ser o ar da primavera, pensou, que a estava fazendo se sentir tão inquieta e cheia de energia.

Considerou a possibilidade de sair com Fran e o bebê para se distrair um pouco, mas logo em seguida viu sua amiga já no portão do prédio, saindo para seu passeio. Suspirou. Bem, não es­tava mesmo com vontade de sair.

"Então desenhe “Violetta Castilho", pensou con­sigo, voltando a se concentrar na mesa de traba­lho, onde os primeiros esboços de sua tira de jornal aguardavam ser terminados.

Amigos e vizinhos - leu o título em voz alta.

Tinha uma mão bastante firme e treinada para desenhar, por isso os traços seguintes foram sur­gindo naturalmente, sem grande esforço. Sua mãe era uma .artista de sucesso, reconhecida interna­cionalmente. Seu pai, o gênio recluso por trás das famosas tiras de jornal do personagem "Macin­tosh". Juntos, haviam transmitido a ela e aos ir­mãos o amor pela arte, o senso do ridículo e uma sólida formação.

Mesmo depois de haver deixado a atmosfera de segurança da casa dos pais, em Casliste, Violetta sabia que seria aceita de volta com todo carinho, se Londres a rejeitasse.

Mas, felizmente, não fora o que acontecera. Ha­via mais de três anos que vinha apresentando suas tiras cômicas em um famoso jornal local e seu trabalho estava ganhando cada vez mais re­conhecimento. Sentia-se orgulhosa disso, orgulho­sa da simplicidade, do contexto agradável e do humor que conseguia criar com seus personagens, em situações vividas no dia-a-dia. Não tentava imitar a ironia de seu pai ou as sátiras políticas que ele costumava fazer. Seu estilo era outro. Para ela, a vida era uma fonte de risos. Entrar em uma fila quilométrica para ir ao cinema, encontrar um par de sapatos que combinasse com a roupa, sobreviver a outro almoço de negócios, esse tipo de coisa.

Enquanto muitos viam sua personagem, Emily, como uma criação autobiográfica, Violetta a via sem­pre como uma maravilhosa fonte de idéias, nunca como um reflexo de si mesma. Afinal, Emily era uma linda loira alta que vivia sempre com pro­blemas para se manter nos empregos e para ar­ranjar namorados.

Violetta, por outro lado, era morena, de estatura mediana, e tinha uma carreira bem-sucedida. Quanto aos homens, bem, eles não eram exata­mente uma prioridade em sua vida para que fi­casse se preocupando muito com isso.

Um ar de censura surgiu em sua expressão, fazendo-a estreitar os belos olhos âmbar ao se flagrar tamborilando a caneta, em vez de estar usando-a para trabalhar. Não estava conseguindo se concentrar. Passou a mão nos cabelos casta­nho-claros, mordeu o lábio bem delineado e deu de ombros. Talvez estivesse precisando mesmo pa­rar um pouco e comer alguma coisa. Provavel­mente um chocolate resolvesse seu problema.

Empurrou a cadeira para trás, colocando a ca­neta atrás da orelha, repetindo o gesto do qual vinha tentando se livrar desde a infância. Então deixou o estúdio ensolarado e desceu para o andar de baixo.

Seu apartamento dúplex era incrivelmente are­jado e um pouco separado de seu local de trabalho. Aliás, fora justamente esse o motivo que a le­vara a ficar ali quando se mudara para Londres. Um longo balcão separava a cozinha da sala, criando um espaço aberto e agradável para receber visitas. As janelas amplas permitiam que a luz do sol entrasse com vigor no ambiente, criando uma atmosfera saudável. Nos primeiros dias em que se mudara para ali, o único pro­blema que tivera de enfrentar fora o barulho vindo da rua, que a mantinha acordada durante a maior parte da noite. Londres nunca dor­mia, mas, aos poucos, ela acabara se acostu­mando com isso.

Com seu andar elegante, outra característica herdada de sua mãe, Violetta encaminhou-se des­calça para a cozinha. Tinha pernas esguias, ad­quiridas na época em que implorara para fazer aulas de balé, só para, pouco depois, enjoar e abandonar o curso.

Cantarolando baixinho, abriu a geladeira e examinou seu interior. Poderia preparar alguma coisa para si. Também havia tido lições de cu­linária na adolescência, e só se cansara delas quando sua criatividade começara a sobrepujar à de sua instrutora.

Suspirou, quando começou a ouvir aquele som que já estava se tornando familiar. Atravessando as paredes do prédio e o corredor, a música lhe chegou aos ouvidos com a mesma suavidade dos últimos dias. Triste e sexy, pensou ela. Era assim que definia aquela espécie de lamento do sax alto. O Sr. Misterioso do 3B não tocava todos os dias, mas Violettta gostaria que ele o fizesse.

Aquelas lânguidas notas prolongadas sur­tiam um efeito estranho em seu ser. Uma es­pécie de emoção que ela não sabia explicar. Bem, talvez porque a música era sempre tocada com muita emoção.

Seria ele um músico em começo de carreira, tentando encontrar seu lugar ao sol em Londres? Sem dúvida, devia ter sofrido alguma de­silusão amorosa para tocar daquele jeito, pensou ela, enquanto tirava alguns ingredientes dos ar­mários. Devia haver uma mulher por trás de todo aquele sentimentalismo. Provavelmente uma rui­va deslumbrante que o enfeitiçara com seus en­cantos sedutores, fizera-o abrir o coração e depois pisara nele, ainda vivo, vulnerável e pulsante, com seu salto de sete centímetros.

Poucos dias antes, havia inventado um contexto diferente para seu novo vizinho. Nele, o Sr. Mis­terioso havia saído da casa de sua renomada fa­mília com dezesseis anos. Vivera nas ruas, tocan­do sax nas esquinas de Edimburgo, uma de suas cidades preferidas, e recebendo alguns tro­cados por isso. Depois seguira em direção ao sul, enquanto aquela mesma família perseguidora, li­derada por um tio insano, vasculhava o país à procura dele.

Não desenvolvera muito bem a idéia do motivo pelo qual eles eram perseguidores, mas isso tam­bém não importava muito. Ele estava buscando seu lugar ao sol no mundo, confortado apenas por sua música.

Também havia a possibilidade de ele ser um agente federal trabalhando disfarçado. Ou um la­drão de jóias internacional fugindo de um agente do governo. Ou, quem sabe, um serial killer à procura da próxima vítima.

Sorriu consigo, então olhou para os ingredientes que havia acabado de separar sem prestar muita atenção. Quem quer que ele fosse, ponderou com outro sorriso, pelo visto estava prestes a ganhar biscoitos feitos por ela.


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