O sangue expelido pelo mais velho continuava a manchar seu rosto e o coração ainda pulsava em sua mão. Pensou em esmagar o coração negro de uma vez só, em dar um fim definitivo para aquilo, mas queria que o outro sofresse como nunca antes sofreu. Por isso apenas rompeu algumas de suas veias e artérias, principalmente as do pulmão, e apenas o necessário para que ele tivesse uma morte lenta e muito dolorosa.

¬ Parabéns, Ikki... Você finalmente derrotou seu Mestre...

Tirou a mão do peito do outro e o deixou tombar sob seu olhar de desprezo e fúria, que aos poucos foi se transformando num olhar de pena. O ser aos seus pés não merecia nada mais do que pena, se é que ainda a merecia, e ainda devia se considerar sortudo por ter ao menos isso.

¬ Mas...– sempre tem um maldito “mas”. - Para aperfeiçoar ainda mais o seu ódio, vou lhe contar algumas coisas interessantes...– tossiu ainda mais sangue e tinha cada vez mais dificuldade em respirar. - O seu pai, ou melhor, o pai dos órfãos reunidos pela Fundação Graad... Era seu fundador, Mitsumasa Kido...

Duas rochas no magma se chocaram e geraram uma grande explosão, que acabou jogando sua lava efervescente bem próximo a eles, queimando o sangue que caíra no solo negro. Aquilo foi como uma representação perfeita do que aconteceu ao restante das crenças do leonino. Destruíram-se. Era como perder o restante do chão e descobrir que o mundo acabava ali, que o tempo inteiro você viveu uma mentira fajuta.

Agora não era somente seu coração que ardia em chamas, mas sua alma também.

¬ MENTIRA!!– urrou tremulo. - E-Ele... Ele é o meu pai? E pai dos outros também? M-Mas...– lembrava com clareza de todas as coisas ruins que passou na mão do tipo e de seu secto, que, assim como seu Mestre, merecia todo seu ódio. - Mas se isso for verdade... Foi ELE quem arruinou nossas vidas! Foi ELE quem arruinou a vida dos próprios filhos!– arruinou tudo. - EU VOU MATÁ-LO!! VOU FAZÊ-LO EM PEDAÇOS!!

Viu o mais velho atirar a máscara que usava para longe, na tentativa de continuar a respirar. O rosto era muito bonito para ser de um demônio, mas dizem que os piores demônios são sempre os mais belos. Assistiu, com certo escárnio, ele rir debilmente.

¬ Infelizmente você nunca será capaz de fazer o que promete... O velho está morto a mais de cinco anos...– tossia cada vez mais, estava afogando-se no próprio sangue. - Não tem mais nada ou ninguém em que descontar sua ira... Seu ódio vai se acumular, assim como seu cosmo, e por fim consumi-lo, transformando-a na verdadeira Fênix...– riu com a ar que ainda restava no pulmão.

Ele perdeu tudo. Tudo! Seu irmão, o que restou de sua família, estava perdido em algum lugar do mundo e, no pior dos casos, morto em uma vala qualquer. Sua alma e consciência estavam totalmente destroçadas, as únicas coisas que o definiam como um ser humano estavam quebradiças. Seu coração, o que o definia como um ser único, endureceu até quase se tornar rocha. E sua última salvação, a única coisa, a única pessoa, que ainda o lembrava do que era ser um homem, estava morrendo em agonia ali perto.

¬ Então ao menos irei me vingar! - ditou furioso, não tinha mais nada a perder de qualquer forma. - Vou exterminar todo e qualquer vestígio de sua existência na Terra!

¬ Hun... Mas você ainda tem uma tarefa a cumprir...– disse tossindo quase que incessantemente. - Já te contei que o território próximo à cratera do vulcão esta sob o domínio dos Cavaleiros Negros, lembra? O líder deles se chama Jango, o mesmo que está com a Lacrima da Rainha, a única coisa capaz de salvar a garota...– tossiu tanto sangue que ele começou a borbulhar de sua boca, escorrendo lentamente pelos cantos. - Ele está com a Armadura de Fênix... Mas agora ela é sua, pois acaba de receber o título de um legitimo Cavaleiro...

Não prestou atenção de fato às palavras de outrem, mas algo chamou-lhe verdadeiramente a atenção e desejava saber mais, bem mais sobre isso.

¬ O que é essa Lacrima da Rainha?

O maior riu. No fundo, sabia que a única razão para o mais velho lhe contar sobre algo assim era apenas para que seu ódio e desprezo pelo mundo aumentasse de alguma forma. Era uma armadilha e ele caio feito um patinho. Mas faria qualquer coisa para salvar o único anjo que já andara naquela ilha e que teve a alegria de conhecer. Faria qualquer coisa para mantê-la viva e faria qualquer coisa para tê-la ao seu lado, mesmo que isso custasse todo o resto.

Egoísmos? Talvez. Mas qualquer pessoa é egoísta quando ama.

¬ O outro fato interessante que eu queria lhe contar...– disse assim que parou de tossir. - Nesta ilha existe um artefato muito antigo conhecido como Lacrima da Rainha, um colar simples a primeira vista... Dizem que em Eras Mitológicas, quando está ilha ainda era um lugar fértil e parte de um grandioso continente, ninguém ficava doente ou morria por ferimentos no campo ou batalha...– mais sangue foi expelido. - Isso porque uma de suas rainhas tinha lágrimas capazes de curar qualquer ferimento ou enfermidade... Ela sabia que um dia morreria como qualquer outro ser se sua raça e que não estaria mais lá para ajudar seu povo... Então ela chorou o máximo que podia e guardou as lágrimas em um frasco... Levou-a até seu artesão de maior confiança e mandou que transformasse o líquido em pedra...– mais tosse e mais sangue, mal conseguia puxar mais ar para os pulmões, aquele era seu fim. - A lacrima, ou lágrima, portanto, possui o mesmo poder de cura... Se correr... Talvez consiga salvar a garota com a ajuda da lacrima...

O moreno não esperou ouvir ou ver mais nada, não queria nem saber o termino da história ou lenda. Enquanto a tenebrosa máscara rachava, se desfazia e então virava pó, e seu dono mergulhava no sono eterno da morte, tomou a ainda resistente virginiana nos braços e saio correndo o mais rápido que podia na direção indicada, se ainda houvesse uma forma de salvá-la, ele certamente a tentaria.

¬ Onegai...– suplicou olhando para jovem cada vez mais pálida. - Resista! Se agarre a sua vida e não solte dela, apenas resista. Eu juro, juro pra você Esmeralda, eu vou te salvar e nunca mais vou deixar alguém te ferir.– apertou-a em seus braços, mantendo-a bem próxima de seu peito. - Eu imploro... Não me deixe...

Mais nada o segurava naquele lugar, impedindo-o de fazer qualquer coisa por ela, nem mesmo aquele homem odioso poderia impedi-lo. Ou melhor, o homem que odeia tudo e todos, definhava afogado no próprio sangue e daquela desgraça jamais escaparia.

¬ Acabe com Jango, vista a armadura de Fênix...– sua voz escapava entre um borbulho e outro de sangue. - E salve a garota se for capaz, é claro...

Somente o resquício do que um dia foi um riso cruel daquele homem reboou por toda ilha, depois tudo o que se ouvia era as explosões de magma e o desespero do rapaz em sua busca por ar e da única salvação para jovem em seus braços.