60 dias apaixonado escrita por Mayara de Souza


Capítulo 3
Capítulo 3




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Enzo Murat. Ele tem covinhas. Eu sou apaixonada por covinhas. Quando a pessoa sorri e suas covinhas acompanham o sorriso, sempre parece que é mais sincero.

Ele tem a pele levemente bronzeada, não igual à de alguém que mora em Malibu, mas também é um indicativo de que ele não mora na congelante Moscou.

Não tão alto e também não tão forte. Mas ele faz academia ou prática regularmente algum esporte, sei disso porque ele tem alguns músculos. Cabelos escuros. Olhos curiosos acinzentados. Sorriso presunçoso. Queixo quadrangular, que deixa o seu rosto muito mais masculino. O perfume. O jeito de andar. Deus. Ele não para de sorrir. E eu não sei porque mas gosto de vê-lo sorrindo.

Ele está com um moletom cinza escrito Yale em azul marinho, os meus pais sempre sonharam em me ver vestindo esse mesmo moletom, sonhavam também em me ver cursando essa mesma universidade, sonhavam em poder se exibir para os amigos contando que a filha perfeita havia alcançado todos os objetivos e expectativas depositadas nela, o que no meu caso nunca chegou a acontecer e eu duvido que um dia aconteça. Eu me pergunto, se ele é aluno de Yale, o que ele está fazendo aqui no meio do ano letivo?

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Ele é exatamente como a Marina o descreveu na semana passada. Lindo. Mas também é um riquinho mimado que esconde o seu coração, mesmo que ninguém mais possa ver, eu consigo, porque eu também já fui assim.

Ela me contou que o pai dele o mandou para cá na tentativa de abafar algum escândalo em que ele estava envolvido e que prejudicaria o nome da família, caso viesse a público. Chega até ser engraçado. Eu voltei para o Brasil pelo mesmo motivo.

Ela também me disse que ele se envolveu com drogas e em rachas ilegais, que chegou a ser preso uma ou duas vezes por atentado ao pudor e na última semana quase atropelou uma mulher enquanto dirigia bêbado, a mesma ameaçou colocar a boca no mundo.

É um pena que a Ana não tenha contado mais nada, isso é tudo o que eu e a Marina sabemos... E não é muita coisa.

Ele chegou achando que é o dono da razão, que todos estão errados e só ele certo, que nada do que ele faz ou deixa de fazer prejudica os outros, ele só não sabe o quanto está errado e que isso vai destruí-lo, assim como me destruiu a alguns anos atrás.

Eu me lembro de quando cheguei aqui. Já faz cinco anos desde que meus pais decidiram que o melhor era eu voltar para o Brasil. Hoje eu sei que eles estavam certos.

Eu tinha quatorze anos e não queria saber de nada. Eu fui morar em Manhattan contra a minha vontade e deixei tudo o que eu conhecia aqui no Brasil. Depois de alguns meses, eu arrumei um namoradinho bem mais velho do que eu, Peter, ele era vocalista de uma banda de rock que ensaiava em um galpão velho e estudava no mesmo colégio que eu, só que ele já estava no último ano. E eu estava completamente perdida.

Comecei a usar drogas, passar noites fora de casa, sempre bêbada. As brigas com a minha mãe eram cada vez mais frequentes, os meus irmãos não sabiam o que fazer para me ajudar e eu via a decepção nos olhos de todos eles. Eu perdi minha virgindade e nem me lembro de como ou com quem... Por pouco eu também não perdi a vida.

O real motivo de me trazer de volta para São Paulo aconteceu em uma sexta-feira de novembro. Eu não me lembro de muitos detalhes, mas dos que eu me lembro, eu gostaria de poder esquecer.

Me lembro que estava no galpão abandonado onde eles ensaiavam, mas naquele dia não teve ensaio. Foi apenas mais uma noitada com um grupo de conhecidos, que também queriam esquecer dos problemas com drogas e álcool.

Eu já estava bêbada quando Daryl, um amigo, se aproximou de mim e disse que tínhamos que ir embora. Eu não entendi muito bem, mas acabei concordando, já que ele me puxava desesperadamente para o lado de fora. Quando estávamos próximos do carro eu perguntei onde o Peter estava, ele colocou a mão sobre meu ombro e disse às palavras que eu nunca vou me esquecer. “Overdose, ele está morto... Ele morreu e a gente tem que dar logo o fora daqui”.

Não me lembro do que aconteceu em seguida.

Estava abraçada ao corpo dele morto no chão, com Daryl ao meu lado, quando a policia e a perícia chegaram. Algumas horas depois, meus pais.

Não sei se foi Manhattan, se foi o Peter ou se foi eu mesma. Só sei que naquele dia eu percebi o quão perdida e sem vida eu estava.

Quatro dias depois meus pais me avisaram sobre o meu retorno ao Brasil. Para eles era um alívio e para mim uma fuga. O combinado era, que eu teria que ficar dois anos em São Paulo morando com um casal de amigos, que até então eu não conhecia e que voltaria para cursar a universidade. Direito em Yale, Connecticut. Era o plano deles para mim. Ouve uma pequena mudança. Meus pais até hoje não me perdoaram e se recusam a falar comigo. Mas era o que eu precisava fazer, o que eu queria fazer.

Fiquei no Brasil.

Hoje sou aluna da USP. Estou cursando letras e me formo em dois anos. Já que os outros dois primeiros já se foram.

Eu sinto como se no Brasil eu tivesse nascido de novo. A família Cavalcanti me deu a luz pela segunda vez. E nunca, nada do que eu fizer vai ser o bastante para agradecê-los. Eu cheguei aqui como uma garota chorona e hoje eu posso dizer que sou uma mulher. Eu aprendi tanta coisa. Meus pais me mandaram para cá, achando que Ana e Marcelo eram á salvação de todos os seus problemas. Eles realmente foram. Eu estou aqui hoje e não tenho a intenção de voltar.

Pode ser que eu mude de ideia daqui a alguns anos e que eu volte para Manhattan, volte a falar com meus pais e que eu pare de chorar ao me lembrar do Peter ou daquele dia. Mas eu sei que independente de tudo eu ainda posso ser feliz, eu tive um recomeço.

Estou tão distraída nos meus próprios pensamentos que nem consigo prestar atenção na conversa de Ana, Marina e Enzo. Sei que eles estão falando algo sobre faculdade. Mas não sei ao certo o que.

A Ana mandou que eu tomasse cuidado com ele. No começo eu não entendi muito bem o que ela quis dizer com todo aquele drama típico dela. Ela me contou sobre ele ser um conquistador e não levar a sério nenhuma garota. Resumindo, ele é um galinha. Não dei muita importância ao que ela me falou. Agora que estou frente a frente com ele, eu entendo. E sem dúvida alguma eu agarraria esse garoto agora mesmo. Claro, se eu não tivesse namorado. Namorado. Para de pensar essas besteiras Isabella. Você tem namorado.

Meu celular começa a tocar, me trazendo de volta a realidade. Todos ficam em silencio no carro e Ana abaixa o volume do rádio, que até então eu não tinha nem percebido que estava ligado. Olho no visor e sorrio. Gabriel. Olho para o lado e vejo que Enzo me encara com um sorriso. Malditas covinhas.

– Alô?

– Oi amor. – “Esse bosta tá apaixonado.” Escuto uma voz ao fundo e sorrio. “Cala a boca Felipe”. – Amor?

– Oi? – pergunto com tom divertido.

– Onde você está?

– Indo para casa. – suspiro.

– A galera quer se reunir em um barzinho novo. Acho que é na paulista mesmo.

– Qual?

– Acho que é... On the road. – o inglês dele é péssimo.

– On the road? – confirmo.

– ON THE ROAD? – Marina grita eufórica se virando no assento de passageiro e ficando de frente para mim e eu confirmo com a cabeça.

– Que horas amor?

– Ás 23h00. Eu passo na sua casa. Avisa a Marina que o Felipe vai. – ele solta uma gargalhada.
– Aí.Meu.Deus. – digo pausadamente em um tom brincalhão. – Não precisa me buscar, a gente se encontra lá mais tarde.

– Sim senhora. – ele solta outra gargalhada.

– Como você é bobo.

– E você é linda.

– Eu também te amo.

– Tchau – ele cantarola.

– Tchau. – antes que eu consiga desligar a ligação, a voz de Enzo chama minha atenção.

– A onde nós vamos? – pergunta confiante.

– Parece que abriu um bar novo na paulista. – respondo e ele sorri.

– Enzo... – o sinaleiro fecha e Ana se vira negando com a cabeça.

– Deixa ele ir mãe. Por favor. – Marina implora.

– Nós tomamos conta dele, Ana. Pode confiar. – me apresso em dizer.

– Eu não confio em vocês garotas. – ela diz em um tom brincalhão. – E ainda não sei se posso confiar nele também.

– Eu juro que volto vivo para casa. – ele diz com as mãos levantas em sinal de rendição e eu acabo sorrindo do gesto infantil.

– E quem é que me garante isso? – Ana questiona.

– Eu. – Marina se apressa em dizer.

– E eu? – coloco minha cabela entre o espaço dos dois bancos e Ana suspira.

– Isso é um sim? – pergunta Marina. Ana sorri e apenas confirma com a cabeça e voltando seus olhos para a rua.

– Obrigada. – ele diz quase em um sussurro.

Ele não sabe agradecer. Ou não está acostumado a fazer. Acredito mais na segunda opção.


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