60 dias apaixonado escrita por Mayara de Souza


Capítulo 10
Capítulo 10




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/610016/chapter/10

Hoje é um daqueles dias em que você não quer levantar da cama por nada nessa vida. E não tem um motivo para todo esse drama, é só preguiça mesmo.

Eu acordei com o insuportável toque do meu celular ecoando por todo o quarto e me odiando por não ter colocado no silencioso antes de dormir. Era o maldito do Hugo. E eu cheguei a conclusão de que preciso mudar essa merda de toque.

Eu não sou um cara matutino, eu sou totalmente e completamente noturno. Quase um morcego ou até mesmo o Drácula, só para deixar esse fato bem claro. E puta que pariu, o Hugo sabe disso, e mesmo assim ele resolveu me acordar ás 8:37 da manhã de uma segunda-feira. Eu definitivamente resolvi que não vou atender á essa ligação. Eu me recuso á atender essa ligação.

Jogo meu celular na cama, me levanto e vou em direção ao banheiro pensando em uma maneira bem dolorosa de matar o Hugo.

(...)

Eu não faço ideia do porque, mas eu acordei morto de fome.

Desço correndo a escada em direção á cozinha, na esperança de que a Ana tenha deixado o café da manhã pronto antes de sair para o trabalho. Eu paro imediatamente quando chego na porta e vejo a Isabella. Eu me surpreendo com a cena que vejo: ela está de costas para mim mexendo em alguma coisa sobre o balcão, usa uma camiseta cinza e um short da mesma cor, que eu até pensei ser uma calcinha, de tão curto. Ela está com boots? Um boots colorido que me lembra de casa, ou melhor, da casa do meu pai em Londres. Acho que esse tipo de sapato não é muito usado aqui no Brasil, mas por alguma razão ela usa. Talvez por saudade de Manhattan, eu entendo ela, também tenho saudade da minha vida em Londres e esses pequenos detalhes ajudam ás vezes. Ela está com fones de ouvido ligados no iphone que segura em uma das mãos e dança, dança como se não tivesse nenhuma preocupação e aquilo fosse a única coisa que importava. Acredito que seja uma música agitada. Muito agitada. Ela está definitivamente engraçada, sexy e excitante. E foi inevitável não cair na gargalhada.

http://www.polyvore.com/cgi/set?id=157178367

– Oi. – me virei assustado ao ouvir a voz estranha e ao mesmo tempo familiar ao meu lado. – Do que você está rindo?

Não! Não Deus! Isso não é possível. Puta merda!

– Oi? – é tudo o que eu consigo dizer.

– Eu perguntei do que é que você rindo. – ela sorri e é impossível dizer que não é a mesma garota da noite passada. A garota com quem eu acordei naquele quarto de hotel. Merda!

– Dela... – aponto com a cabeça na direção da Isabella sem conseguir tirar os olhos da morena. – Dançando.

– Você está rindo da minha irmã dançando? – ela questiona confusa e olha na direção da Isabella que ainda está de costas alheia aos recentes descobertas e acontecimentos e eu acompanho o seu olhar.

– Sua irmã? – não mais confusa e surpresa do que eu. – A Isa... Isabella é sua irmã?

PUTA QUE PARIU ENZO! Como é que você não notou a semelhança? Elas são idênticas cara, idênticas.

– Sim, ela é. – ela se vira novamente para me encarar. – Porque?

Ela não parece surpresa, envergonhada ou confusa em me ver aqui.

– Nada. – forço um sorriso e ela também o faz, eu só não sei dizer se o dela é forçado ou não.

– Você é o namorado dela? – pergunta sem deixar o seu sorriso se desfazer.

– Não! Não. Pelo amor de Deus. – seu sorriso se desfaz e ela fica parada ao meu lado me observando.

Porra. Ela deveria estar dando graças á Deus e pulando de alegria por não ter transado com o namorado da irmã dela.

– Você é ainda mais bonito do que eu me lembrava. – ela diz depois de alguns segundos em silêncio.

– Olha só, eu acho... – suspiro. – acho que ninguém deveria ficar sabendo sobre o que aconteceu entre nós. – ela cruza os braços e abre um sorriso.

– E porque não? – ela se aproxima apenas alguns centímetros de mim e eu fico sem reação. Engulo em seco.

– Porque aquilo não deveria ter acontecido. – eu finalmente consigo encontrar a minha voz. – Foi um erro. – ela se aproxima ainda mais e sua boca está a centímetros da minha.

– Eu não me importo nenhum pouco em repetir á nossa outra noite. – e quando ela ia me beijar, ou sei lá, eu ia beijar ela, eu ouvi algo cair no chão.

Isabella. Me viro na direção onde ela estava e vejo que ela derrubou um prato cheio de panquecas. Que desperdício. Merda! Eu não sei o que dizer. Como é possível que essas duas garotas consigam me deixar assim? Sem nenhuma reação. Puta que pariu.

– Enzo... – ela respira fundo e olha para a garota do quarto do hotel ao meu lado, que até agora eu não sei o nome. – Será que você pode nos dar licença? – ela até tenta sorrir, mas desiste.

– Claro. – mesmo querendo ficar, eu caminho em direção a sala e paro no meio do caminho, a onde eu sei que vou conseguir escutar a conversa delas.

Não que eu seja curioso e nem nada, mas o caso é que elas vão falar sobre mim e é claro que esse assunto me interessa e muito.

– Luana o que você acha que você está fazendo? – Isabella pergunta aflita.

Luana. Esse é o nome dela.

– O que foi que eu fiz dessa vez? – ela pergunta inocentemente. Só que de inocente essa menina não tem nada, eu sei.

– O Enzo. Ele.. Você ia beijar o Enzo?

– E? Qual o problema disso? – essa é uma ótima pergunta, á qual eu também gostaria de saber a resposta.

– VOCÊ TEM DEZESSETE ANOS. – ela grita. – E ele não presta, ele é um desastre. No que você acha que ele esta interessado? Em te beijar e só?

CARALHO DEZESSETE ANOS? FUDEU.

– Eu transaria com ele. – porque essa menina não cala essa maldita boca? Deus!

– O que é que você está fazendo com a sua vida? Você vai estragar, vai destruir tudo... Você não tem ideia do que está fazendo. – Isabella diz.

– Eu não vou precisar destruir ou estragar a minha vida irmã, sabe porque? Porque você já fez isso por todos nós. Fez isso por mim, pelo Henrique, pelo Felipe e também pela mamãe e pelo papai. Você é um desastre assim como ele é por isso que você está aqui. – Luana a acusa.

Eu realmente deveria parar de ouvir a conversa delas. Deveria, mas não vou.

– Você... Você não tem ideia do que está falando. – da sala eu consigo ver que a Isabella está chorando, na verdade eu não consigo ver, eu consigo ouvir e sentir toda a angustia em sua voz.

– Claro que eu sei Isabella. Eu sei que a culpa é sua.– o silêncio vem e se instala por alguns segundos. – Você sabe. Todo mundo sabe.

– Você precisa ir embora. – ela diz séria.

– O que? – Luana pergunta incrédula – Você vai me mandar embora? – e com raiva.

– É. Eu vou sim.– depois de alguns segundos em total silêncio, eu só conseguir ouvir o barulho da respiração ofegante delas. – Pega suas coisas que eu vou te levar para o aeroporto.

– Não precisa. – Luana diz. – Eu sei me virar muito bem sozinha.

– É claro que sabe. – diz com ironia. – E é por isso que você veio atrás de mim.

– Você não passa de uma vadia Isabella. – ela grita.

– É. É isso que eu sou. Uma vadia. – ela suspira lentamente. – E agora a vadia vai te colocar para fora dessa casa. Vai logo.

– Eu espero que você sofra, sofra muito. Como você nos fez sofrer.

(...)

A Isabella está no quarto desde que a irmã louca dela foi embora. E isso já faz mais de duas horas se eu não estiver enganado. Não tem mais ninguém em casa, já que Ana e Marcelo estão trabalhando e Marina está na faculdade, onde a Isabella também deveria estar...

E eu estou aqui sentado nesse sofá, há duas horas decidindo entre ir até o quarto dela, o que só para deixar claro seria suicídio ou jogar vídeo-game até alguém chegar e socorrer ela. Eu sei que pode parecer egoísmo, mas realmente seria suicídio se eu optasse por subir até o quarto dela, porque afinal nós não nos damos muito bem, qual é? Nós não nos damos nada bem.

Eu realmente prefiro jogar vídeo-game.

Caramba, vira homem Enzo... Pensa. Pensa. Pensa. Já sei, eu vou bater educadamente e ocasionalmente na porta dela e perguntar se ela precisa de alguma coisa. Ótimo. Ela vai dizer que não e eu vou poder jogar vídeo-game em paz, sem essa maldita consciência me perturbando.

Me levanto do sofá e subo os degraus da escada de dois em dois, sigo até o fim do corredor e paro em frente á porta branca. Ainda dá tempo de voltar para o vídeo-gam...

– AHHHHHHHHHHHHHHHHHH. – ela grita e um barulho alto de algo se quebrando me assusta.

Em questão de segundos eu estou com a porta do quarto dela aberta, passo os olhos pelo quarto. Ela está ajoelhada no chão ao lado da cama, rodeada por cacos de vidro que eu imagino ser de um antigo espelho. Eu não faço ideia do que esta acontecendo aqui, mas agora eu tenho certeza que ela precisa de alguma coisa. Cacete, ela precisa da minha ajuda e eu preciso ajudar ela.

Fico alguns segundos em silêncio sem saber direito o que fazer e ela levanta o olhar para encontrar o meu, ela não é mais aquela garota sorridente e alegre que eu conheci á alguns dias, seus olhos azuis estão vermelhos de tanto chorar e as lágrimas continuam a escorrer pelo seu lindo rosto. Eu consigo ver que seu olhar tem um vazio, uma frieza que ninguém entende, uma dor, um desespero, um grito que ninguém consegue escutar.

Eu não sei o que devo dizer ou se não devo dizer nada, também não sei o que fazer ou o que ela espera que eu faça. A observo e vejo sangue na blusa cinza que ela ainda usa e que ela segura a mão esquerda com força. Respiro fundo sabendo que mesmo que ela não queria ela precisa da minha ajuda.

Caminho na direção dela, estendo a minha mão e a ajudo a se levantar, por mais incrível que possa parecer ela não se opõe em nenhum momento. A sento lentamente e com muito cuidado na cama e vou até o banheiro procurar por alguma coisa para colocar no corte da sua mão. Volto ao quarto com um kit de primeiro socorros que achei em uma das gavetas do armário e faço o melhor que posso, ela sorri, acredito que em agradecimento. Ela não disse nada, nenhuma palavra e eu também não.

(...)

Estamos sentados á mais ou menos meio hora na mesma posição, um ao lado do outro na cama, olhando pela janela de vidro que vai do chão até o teto e mostra a imensidão de São Paulo. Inesperadamente ela solta uma gargalhada e mesmo sorrindo seu olhos ainda choram. A encaro esperando que ela me olhe ou fale algo, mas ela se limita em sorrir olhando em direção á imensidade de SP.

– O que há com você? – pergunto confuso, não sabendo se deveria perguntar.

– Você deve me achar uma maluca, não é? – ela ainda sorri e deixa escapar uma última lágrima dos seus olhos.

– Talvez, um pouco. – ela finalmente se virá para me encarar e seus olhos se encontra com os meus. Merda! – Mas todo mundo tem problemas.

– E é exatamente por isso que nossos pais nos mandaram para cá. – ela passa a mão pelos cabelos.

– Isso e também porque nós somos um desastre. – suspiro. – Porque te mandaram para cá? – seu sorriso se desfaz e ela engole em seco.

– Eu... – ela respira fundo como se estivesse travando uma luta interior. – Eu fui tão idiota. Ingênua. Eu sabia, achava que sabia exatamente o que estava fazendo e no fim das contas eu destruí tudo o que eu amava, eu consegui destruir a minha família. – escorre uma ou duas lágrimas pelo seu rosto e ela se apressa em enxuga-lás. – Passado.

– Sinto muito. – é o que eu consigo dizer, porque eu realmente não sei o que ela espera que eu diga. Eu não sou bom com palavras, nem com conselhos, nem com nada disso.

– Eu também. – ela volta novamente seu olhar pela imensidão além da janela de vidro.

– Eu sou uma espécie de garoto “problema”. – fiz aspas com as mãos e ela riu. Estou orgulhoso de mim mesmo, por tirar um sorriso dela.

– E porque? – ela questiona voltando a me encarar.

– Bebidas, rachas ilegais, drogas, mulheres... – dei de ombros. – Eu gosto de me divertir.

– Garoto problemas. – ela repete. – Eu gostei.

– Gostou? – arqueio uma das sobrancelhas.

–A palavra que eu usei antes, desastre, não é... Bem, problema é a palavra certa para te descrever. – eu ri.

– Tonta. – reviro os olhos e ela ri. – O que foi?

– Também gosto quando você faz isso com os olhos. – sorri e eu tenho certeza que pela primeira vez na minha vida, eu estou corando. O que faz ela sorrir ainda mais.

Eu estava pensando no que responder quando o celular dela começou a tocar em cima do criado mudo ao meu lado. Estico meu braço, já que estou mais perto e pego o aparelho. Olho no visor, Henrique, quem é Henrique? E mesmo querendo atender, eu entrego o celular para ela.

Ela pega o celular e sorri ao ver o nome no visor. Merda, eu não sou o único que consegue fazer ela sorri. Caralho Enzo, porque você ta pensando nisso? Para. Agora.

– Alô? – ela atende e parece mais serena.

– Henrique. – ela diz depois de alguns tempo. – Calma. Está tudo bem, ela foi embora. – ela está falando da Luana.

– Está tudo bem, eu juro. Eu estou bem. Estou com um amigo. – sorrio ao ouvir ela me chamar de amigo. – Ele voltou? Ligou? Alguma coisa? Qualquer coisa... – de quem ela está falando agora? E com quem ela está falando?

– Tudo bem. Beijo. – ela desliga o celular e encara o aparelho em suas mãos. Novamente em silêncio.

– Quem era? – a curiosidade me fez perguntar, ela volta seu olhar para mim.

– Meu irmão. – sorri.

– Quantos irmãos você tem? – pergunto.

– Comigo nós somos em quatro. Henrique, Luana e... – ela morde o lábio inferior. – O Felipe.

– Todos eles moram em Manhattan? – pergunto.

– Não. – ela engole em seco. – O Felipe não.

– Aonde ele mora? – eu só estava tentando puxar assunto, mas vi que fiz merda no momento em que seus olhos ficaram marejados e as lágrimas voltaram. Ela demoro algum tempo para responder.

– Eu não sei. – ela diz enquanto enxuga algumas lágrimas. – Ele... Eu.. Meus pais o culparam pelo o que aconteceu comigo e ele simplesmente fugiu. A culpa não era dele. – ela suspira. – Sabe eu tenho medo... – me olha tristemente. – Medo de nunca mais vê-lo e não conseguir pedir perdão.

– Minha mãe morreu quando eu era criança, queria poder vê-la uma última vez. A diferença entre nós dois é que eu tenho certeza que você vai reencontra-lo novamente e tenho a mesma certeza, que eu não. – desabafo.

E o inesperado aconteceu. Ela passou os braços pelos meus ombros. Ela me abraçou. E eu retribui.

Eu respiro fundo, uma, duas, três vezes. Conto até dez e não consigo. Eu choro. Eu jurei que nunca mais iria chorar e toda vez que eu sentisse vontade, eu me lembraria de todos os momentos felizes com a minha mãe e iria sorrir. Dessa vez eu falhei. Nesse momento eu não preciso de muita coisa, para ser sincero eu só preciso de um abraço bem forte, daqueles que protege. E sei que é disso que ela também precisa. E eu a abraço, na esperança de fazê-lá se sentir segura. Do mesmo jeito que ela está fazendo por mim.

(...)

Estou deitado na cama olhando para o teto tentando entender que merda aconteceu aqui mais cedo. Ela está dormindo ao lado de costas para mim. Ela finalmente conseguiu dormir... Depois de chorar por horas compulsivamente.

São quase quatro horas da tarde e logo a Marina deve chegar. Não sei se a Isabella vai querer falar sobre o que acontece com alguém, mas tenho quase certeza de que não. Então decido me livrar das provas do incidente com o espelho mais cedo.

Me levanto bem devagar da cama para que ela não acorde. Olho para o chão e todos os cacos de vidro e gotas de sangue estão ali, me mostrando que eu não sou o único que tem problemas, eu não sou o único que estou quebrado. E eu perto dela ou os meus problemas perto dos problemas dela, são insignificantes.

Desço as escadas, sigo pela sala de estar, passo pela cozinha e chego até a lavanderia. Volto para o quarto fazendo o mesmo caminho, dessa vez com uma vassoura e com uma pá nas mãos. Limpo toda a sujeira com o maior cuidado para não fazer barulho. E mesmo depois de muito esforço, algumas machas de sangue se recusam a sumir. Por hora, eu acho que está bom.

Saio do quarto dela e antes de fechar a porta, olho ela dormi por alguns segundos. Parece até um anjo.

(...)

Me deito na minha cama com a cabeça á um milhão, pego meu celular que está jogado ao meu lado e adivinha... Mensagem do Hugo.

Prefiro não responder de imediato, deixo o meu celular de lado e abro a gaveta do criado-mudo e pego uma foto. Uma foto de quando eu era criança. Com a minha mãe e a Ana me abraçando. Choro de novo. Sozinho dessa vez.

É só saudade. – penso.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "60 dias apaixonado" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.