Contador de Histórias escrita por Darth


Capítulo 9
Sangue de Aço




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Após se despedir de Tarek, o bardo cantante rumou norte para o Mar de Areia. Atravessar o gigantesco deserto da parte norte do continente não era uma tarefa fácil. As caravanas mercadoras já tinham dificuldade, uma pessoa solitária estaria fadada ao fracasso. Mas Galeth não se tratava de alguém comum, então tinha confiança de que conseguiria fazer a travessia em segurança.

O maior perigo no Mar de Areia eram os terríveis Dracos do Deserto, lagartos de mais de trinta metros de comprimento que nadam pelas dunas em buscas de caravanas e desavisados. Os dracos tinham uma baforada de calor terrível, conhecida por separar pele de ossos. Até as tribos nômades que viviam viajando pelo Mar evitavam essas criaturas terríveis.

O sol escaldante castigava o bardo enquanto ele caminhava, horas depois de ter adentrado as dunas do Mar. Galeth tinha usado uma magia de bardo para saber sempre para que lado estaria o norte e não se perder na imensidão de areia. Foi quando viu uma cauda se mover ao longe que começou a se preocupar com sua segurança.

A cauda ia da direita para a esquerda, impulsionando algo imenso. E se aproximava com uma velocidade incrível, deixando um rastro de areia e fumaça. O bardo sabia que não conseguiria escapar correndo de algo tão rápido, ainda mais estando sobre areia. Quando a fumaça abaixou um pouco, pôde ver quatro veículos fugindo em grande velocidade do draco do deserto. Apenas teve tempo de gritar:

– EI, ME AJUDEM!

Ao que um dos veículos passou ventando ao seu lado e seu passageiro o pescou com uma lança. Eram um dos famosos trenós de areia dos povos nômades. A estrutura leve feita em madeira do deserto, a conhecida madeira usada por esse povo e cuja qual apenas eles sabiam localizar, tinha lugar para três pessoas, um condutor e dois passageiros. O condutor era um dos magos de areia, que usava magia para impulsionar os trenós a altas velocidades. Os nômades se vestiam com roupas pesadas, cheias de faixas brancas e amareladas cobrindo o corpo inteiro para se protegerem da areia e do sol.

Galeth viu que o draco continuava nadando atrás deles e estava quase alcançando o trenó em que ele estava, que perdera velocidade para apanhá-lo. “Não vou deixar essas pessoas pagarem com suas vidas por me ajudarem.” Pensou o bardo, deixando sua mente vagar e seu poder fluir uma vez mais.

Já faziam vários dias desde que usara seu poder, contra o monstro na cidade de Brishock. Os cabelos castanhos se tornaram brancos uma vez mais e os olhos azuis se tornaram quase brilhantes. Os sons ao redor do homem se tornaram sopros de uma amante, recitando significados e palavras a muito esquecidos.

O nômade com a lança ficou olhando surpreso para o bardo de cabelos brancos, sem entender o que um homem que fizera seus cabelos mudarem de cor enquanto retirava um alaúde de seu estojo poderia fazer para ajudar naquele momento. Mas suas dúvidas foram sanadas ao ouvir a primeira nota soar no instrumento.

Foi como se o mundo ouvisse uma ordem e obedecesse. Em um momento, a garra do draco estava prestes a golpear o trenó e em outro, a areia havia se levantado e se solidificado em rocha pura para defendê-los. A garra do monstruoso animal não foi capaz de destruir a barreira, mas seu corpo sim. Porém foi o tempo que Galeth conseguiu para garantir mais distância para seu trenó. “Essa coisa não vai parar por nada.” Pensou enquanto ouvia os sons.

“Tenho de matá-lo!” Foi o veredito. Virou-se para o nômade com a lança:

– Distraia o draco por um momento! Preciso de ouvir o som dele para matá-lo!

– Matar um draco do deserto? Você realmente é um viajante idiota mesmo! Andando sozinho e agora querendo enfrentar um draco... Não é algo que um homem comum como você possa fazer sozinho! – O bardo sorriu com aquela frase.

– Acho que já percebeu que eu não sou um homem comum, não é? Agora use essa lança nômade para atirar uns projéteis de madeira como sei que ela pode fazer.

– Você está bem informado, viajante. Farei como deseja, mas se morrermos por sua tolice, você pagará caro!

– Como quiser, como quiser. Só faça isso logo! – disse com um abanar de mãos indiferente.

O nômade se posicionou na ponta do trenó, segurando a lança rente ao lado do corpo e com a ponta apontada na direção do imenso corpo do draco. Com um chacoalhar e uma leve pressão das mãos, a lança disparou uma farpa de areia tão grande quanto sua lâmina. Em um movimento rápido, o lanceiro pegou mais areia para a lança enfiando-a na duna em que esquiavam.

Enquanto isso Galeth fechara os olhos e se concentrara. “Ouça, Galeth. Ouça. A lança disparando, o trenó correndo pela areia, os outros trenós também correndo, o nômades gritando para atirar no draco e retardá-lo, o draco rugindo de ódio pelo incômodo das farpas. O rugido está carregado de energia. Ouça o ódio do draco, ouça-o reverberar em seu ser. Ouça sua vida. ACHEI!” E abriu os olhos. Com cuidado, tocou o acorde. O acorde que ressoava na vida do draco do deserto. O acorde que simbolizava sua vida e sua morte.

Um terrível estrondo se seguiu, como se a realidade tivesse sido quebrada. Com um rugido final, o draco se ergueu no seu esplendor titânico de trinta metros e caiu com um tremor. A fera estava morta.

Os quatro trenós pararam para observar a cena impressionante. Matar um draco do deserto era um feito difícil, que exigia um grande e bem preparado grupo de caçada. Os nômades não conseguiam entender como o monstro simplesmente morrera perseguindo-os até o lanceiro que estava com Galeth explicar para os outros que fora o bardo quem matara o monstro com sua música. Todos ficaram estupefatos, observando o homem, agora de cabelos castanhos novamente e olhos azuis apagados. O líder do grupo, um nômade mago da areia com um manto vinho cheio de badulaques, se aproximou dele:

– Impressionante, bardo. Que magia foi esta que usou?

– Não é algo que eu possa ensinar ou explicar, sinto muito. O que posso dizer, é que toquei a música do draco. A música necessária para ele morrer, aquela que ressoou na própria alma da criatura.

– Não compreendo muito bem, mas pela forma que você disse nem mesmo você compreende completamente o que faz. Apenas faz.

– É exatamente isso.

– Que seja. Você salvou meus homens e a mim, estamos em dívida com você. Venha conosco passar uma noite, lhe daremos transporte, comida e abrigo. E depois podemos levá-lo até a saída do Mar de Areia que você desejar.

– Me parece ótimo.

Chegaram ao final da tarde em um dos acampamentos dos nômades, um punhado de barracas de lona dispostas ao redor de uma fogueira e de um totem sagrado. Galeth foi bem recebido pelos locais assim que a história de como matou o draco foi contada. Comeu e bebeu com eles durante a noite e tocou algumas canções, já que bardos não eram muito comuns entre eles. Depois de tocá-las, disse:

– De onde eu venho, é um costume meu sempre contar uma história depois de minhas canções. Desejam ouvir? – O coro respondeu um uníssono “Sim” – Ótimo, fico feliz em ouvir isso. A história que vou contar é sobre um homem que criou um estilo de esgrima singular. Cada ferimento o tornava mais resistente e mais forte. O espadachim que nunca perdeu uma luta, mas se feriu horrivelmente em todas. Estou falando de Hector Chiel.

“Essa história se passa depois do treinamento pelo qual Hector passou com os bárbaros das Montanhas Sombrias. Sobre esse treinamento basta dizer que ele teve de enfrentar cada bárbaro que estava treinando junto com ele, incluindo os instrutores. E foi graças a esse treinamento que ele começou a criar seu estilo de esgrima. Mas foi na arena de Porto Capital que ele demonstrou sua habilidade.

A arena era um local aonde os maiores guerreiros, lutadores, magos e toda sorte de aventureiros iam quando queriam conseguir algumas boas peças de ouro sem muita dificuldade. Havia também os lutadores profissionais da arena, os gladiadores especializados em combater no palco arenoso.

Existiam duas modalidades principais: as lutas de exibição, normalmente entre dois gladiadores ou entre aventureiros, onde o ganhador era aquele que derramava a primeira gota de sangue do oponente. E existiam as lutas de eliminação, normalmente entre aventureiros e monstros capturados ou invocados especialmente para essas lutas ou entre aventureiros e bandidos que buscavam a liberdade, onde o ganhador era aquele que permanecia vivo ao fim do combate.

O espadachim decidiu se inscrever para uma dessas lutas de eliminação, visto que o estilo de esgrima que estava criando exigia que ele derramasse o próprio sangue para se tornar mais forte. E o destino resolveu interferir em sua vida quando o soldado responsável pelas inscrições julgou que ele parecia um guerreiro muito experiente e o colocou contra os três piores criminosos que haviam na arena e contra dois behemoths na mesma luta.

Behemoths eram monstros enormes, quadrúpedes e com aparência draconiana. Não possuíam asas, mas suas patas fortes permitiam que se movessem incrivelmente rápido. Um adulto da espécia tinha quatro metros de comprimento e dois de altura. Sua grossa cauda terminava em espinhos ósseos e da sua bocarra saía um jato de energia elétrica.

E foi alheio a isso tudo que Hector Chiel entrou na arena naquele dia, a alguns anos atrás. O anunciante, em uma plataforma de pedra em um dos lados da arena, gritou a plenos pulmões:

– De um lado, o poderoso aventureiro Hector Chiel! Dizem que ele pode cortar uma casa inteira com um único golpe de sua espada! – A mentira deixou o espadachim um pouco desconfortável, mas ele sabia que se tratava de algo comum em apresentações de arenas. – E do outro lado, os trio Carniceiro, os três piores saqueadores que estão presos em Porto Capital. Famosos pelos saques na Estrada do Rei, onde comandavam os monstros locais com magia e dilaceravam suas vítimas com facilidade. E para ajudá-los, temos dois behemoths adultos retirados das Campinas de Virdras.

Enquanto o anunciante falava, portões se abriram e permitiram a passagem do trio Carniceiro e dos dois behemoths. Os três homens caminhavam tranquilamente entre as duas feras, que estavam sob seu controle. A plateia gritava e aplaudia todos os presentes na arena. “Aqui embaixo não importa se você é herói ou bandido. O que importa é se você é bom.” Pensou o espadachim.

Enquanto os três saqueadores trajavam armadura de couro com cota de malha e empunhavam espadas curtas, Hector, ao contrário deles, carregava uma espada bastarda chamada Banho de Sangue e trajava roupas comuns, sem armadura. Seus trajes eram brancos e limpos e segurava a espada com as duas mãos.

– LUTEM! – gritou o anunciante, arrancando um urro da multidão animada.

Os saqueadores olhavam com descrença para o homem a sua frente, armado com uma espada e sem nenhuma proteção. O líder disse para os outros:

– Cuidado, ele pode ser um mago. Armaduras atrapalhariam a usar feitiços e mágicas, então ele pode estar esperando que avancemos sem pensar.

E ordenaram aos behemoths para que avançassem sobre o espadachim solitário. Os monstros alcançaram Hector em um salto, mas ele desviou facilmente com um salto para o lado. Assim que pousou ao lado de um deles, fez dois cortes e abriu a fera ao meio. Defendeu a investida do outro behemoth com a espada, retesando todos os músculos e demonstrando uma força impressionante. Virou-se, levantando o monstro no ar e cortando-o em dois no processo. A multidão foi à loucura, o homem era realmente forte.

Entretanto, essa exibição de força arrancou um sorriso do trio Carniceiro também, pois significava que o oponente deles era apenas um espadachim forte. Os três avançaram correndo e gritando. O espadachim mal tinha tempo para se defender de cada golpe, até que levou o primeiro corte. Um corte superficial em sua coxa esquerda, que foi seguido quase instantaneamente por um corte profundo em suas costas. Hector cerrou os dentes pela dor e cambaleou, mas continuou a se defender.

Os saqueadores sabiam ser questão de tempo até o espadachim cair, a cada avanço ele acabava com mais um corte. Quando já havia sido cortado mais de dez vezes, o espadachim afastou os saqueadores com alguns golpes. Ele não arfava de cansaço ou de dor, o que impressionou os três. Mas seu olhar os assustou, pois era um olhar determinado, implacável e poderoso. Algo mudara no homem com a roupa tingida de vermelha com seu sangue. Ele avançou.

O primeiro golpe que um dos saqueadores defendeu o arremessou dois metros para trás, tamanha a força. Os outros dois aproveitaram para deixar mais dois cortes em suas costas enquanto avançava contra o homem que arremessara longe, mas suas espadas atingiram algo tão duro que foram repelidos. Um segundo antes de receber o golpe, o sangue do ferimento nas costas de Hector se solidificou, se tornando uma carapaça impenetrável. Os saqueadores começaram a temer que talvez o espadachim fosse realmente poderoso como o anunciante tinha dito, ou até mais.

Começaram a atacar os locais onde não havia ferimentos em Hector, porém tiveram uma nova surpresa: o sangue saía dos ferimentos para formar um escudo no resto do corpo. Os três golpeavam o espadachim sangrento em rápida sucessão, mas não conseguiram causar um mero arranhão nele graças ao incrível escudo de sangue. A multidão não parava de gritar, estimulando Hector.

A cena era impressionante: três homens atacando um quarto, que era defendido por uma cúpula de sangue, que rodopiava ao redor de seu corpo defendendo-o. Quando o espadachim decidiu defender um dos saqueadores com Banho de Sangue, seu sangue também o ajudou revestindo seu braço e conferindo-lhe mais força. A espada do saqueador foi cortada ao meio pela força absurda da defesa de Hector, que continuou o golpe e trespassou o bandido.

Virou-se para os outros dois, que agora estavam assustados com a força dele. Avançou contra os dois, desviando os golpes de suas espadas com o escudo de sangue e matando a ambos com Banho de Sangue. Dois golpes e ambos estavam mortos.

A multidão enlouqueceu com essa exibição de poder e habilidade. Depois dessa luta Hector Chiel não teve dificuldades em encontrar trabalhos como aventureiro, buscando sempre oponentes formidáveis para enfrentar com seu estilo de esgrima, que acabou recebendo o nome Sangue de Aço, assim como o próprio Hector.”

– Parece que esse tal Hector é realmente um lutador impressionante. Só de imaginar um homem comandando o próprio sangue para defendê-lo eu vejo que ele seria um oponente formidável. – Disse o lanceiro que estivera no trenó com Galeth mais cedo.

– E realmente ele é. Tive a sorte de ser um membro da plateia no dia em que ele venceu o trio Carniceiro. Inicialmente todos achavam que ele não teria chance, quando ele estava sendo fatiado pelos saqueadores. Mas a opinião de todos mudou quando ele demonstrou aquele estilo incrível de esgrima.

E assim o dia terminou. Quando se deitou para dormir, Galeth lembrou-se da arena e deixou sua memória vagar a uma lembrança mais recente. Uma lembrança onde o Sangue de Aço defendera um vilarejo com o próprio corpo do terrível Olhos Amarelos, enquanto o bardo e Tarek voltavam com a ajuda de um mago que diziam ser capaz de moldar o destino.


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