Violette Von Bismarck escrita por Petra


Capítulo 8
Inversão parte 1


Notas iniciais do capítulo

Em si, esse capítulo é beeem maior, mas aí ia estragar demais o tamanho médio dos meus capítulos e resolvi dividi-lo em dois u_u



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/60191/chapter/8

 

Tentou em vão levantar Marian, mas desistiu após algumas tentativas. Segurou-o pelos braços e foi arrastando-o até a entrada da vila. Olhou com uma careta para a trilha de sangue que se formava. Seguiu como podia, parando várias vezes para pegar novamente o corpo, que lhe escapava das mãos. Ela sentia que desabaria a qualquer momento, a súbita vitalidade que a assaltara durante o conflito ia abandonando-a e a perna voltava a incomodar bastante. Mentalmente, repreendeu-se por dar atenção a tais coisas, sentindo raiva de si mesma por ser tão fraca, e ainda mais por demonstrá-lo.

 

Motivada por nada além do próprio orgulho, chegou ao vilarejo.

 

Sondando o que se encontrava a vista, resolveu-se por ocultar Marian no estábulo. Arrastou-o até a entrada deste, testou a porta de meia-altura e encontrando-a destrancada, abriu-a e olhou para dentro. Nenhum humano a vista. Puxou-o para dentro e, num último rompante, conseguiu colocá-lo por sobre os fardos de feno, usando mais destes para cobri-lo completamente. Analisando o resultado, concluiu que o homem só seria encontrado se alguém revirasse o feno.

 

Virou-se para a saída e então, ao olhar para o chão, fez uma careta: o percurso que fizera estava todo marcado por rastros de sangue. Fez uma nota mental para descobrir quanto sangue comportava um corpo.

Foi dispersando a trilha manchada com os pés, revolvendo a terra ou esfregando com o calçado as pedras.  Assim o fez meticulosamente até a entrada da vila, quando, já com as pernas rígidas e latejantes, notou uma mudança na iluminação. Já ia raiar o dia.

 

Não havia mais onde se esconder no mesmo local e assim, temendo a chegada de raios do sol, e ainda movida pelo hábito, apressou-se automaticamente rumo à capela que avistara anteriormente em seu rápido estudo da região.

 

Visava inicialmente um mausoléu do cemitério adjacente a esta, porém viu logo que este encontrava-se trancado, olhou para o alto e viu a claridade espreitando-a.

 

Amaldiçoando tudo, foi em seu passo abalado até a porta principal da capela e abriu-a com ambas as mãos, não lhe passou pela cabeça o que faria se esta não estivesse destravada. Fechou a porta atrás de si e dirigiu-se diretamente para o local onde sabia que encontraria uma escada para o subsolo, encontro-o e agradeceu à falta de criatividade das pessoas que construíam as capelas parecidas.

 

À escada seguia-se um corredor estreito, com duas portas em cada um dos lados. Em um dos lados, pôde ouvir respirações ressonantes pela porta e estas pareceram-lhe de quartos dos padres ou algo do gênero. Testou as portas do lado oposto, através das quais nada se ouvia, mas encontrou-as trancadas, considerou que poderiam guardar livros ou pertences dos residentes. Preferiu arriscar-se até mais a frente no corredor, que descobriu acabar em uma porta bem mais afastada das outras. Encostou-se a ela e, não ouvindo nada, a abriu com facilidade.

 

Viu-se em uma galeria com uma mesa e alguns utensílios como óculos e penas para escrita. Em uma prateleira ao canto, residiam alguns vidros e algumas peças de pano dobradas. A galeria se abria para um quarto pouco extenso onde dois corpos repousavam sobre leitos: nobres a serem velados, assim ela supôs. Sorte dela que padres também podiam ser negligentes em suas tarefas.

 

Ela pensou em procurar uma veste de padre e talvez fazer-se passar por um deles, cobrindo o rosto, fingindo velar um dos corpos. No entanto não tinha certeza se tal plano infantil sucederia e percebeu que não conseguiria manter-se em pé nem acordada por muito mais tempo.

 

Foi até os fundos do aposento e encontro uma grande tapeçaria presa displicentemente a uma parede que não era vista da entrada por conta de um armário que ficava ao lado. Levantando grandes nuvens de poeira, postou-se atrás da tapeçaria, deitou e encolheu-se, enrolando-se um pouco na parte do pano que se entendia pelo chão.

 

Se tivesse analisado sua situação melhor, se sentiria uma completa idiota, executando atos mal pensados e medíocres, completamente desprotegida em um abrigo improvisado, e aquela Voz da Razão lhe diria “Brilhante! Você não consegue pensar em nada melhor?”, mas não ficou desperta por tempo suficiente para isso... Mais tarde provavelmente se flagelaria por isso, mas por ora encontrava-se esgotada demais para tal.

 

Acordou sentindo-se mal pelo dia passado em uma posição tão incômoda, mas no mínimo feliz por não ter sido descoberta. Aguçou os sentidos, tentando detectar algum sinal de movimento no cômodo. Parecia não haver ninguém. Ao menos, ninguém vivo. Arriscou desenrolar-se e então se sentou, espiou para fora da tapeçaria e, pelo menos até onde enxergava, realmente não havia ninguém além dos mesmos corpos. Movimentou um pouco a perna e notou que estava praticamente curada. A regeneração em vampiros era mais acelerada, provavelmente a mesma só não melhorara já na noite anterior pelo esforço que infligira a ela.

 

Levantou-se e postou-se por trás do armário, espiou o resto da sala. Vazia. Com seus pertences agarrados junto ao corpo, andou cautelosamente até a antecâmara, aonde havia registrado, com o fundo da mente, que havia uma prateleira com tecidos dobrados. Não errara, eram algumas peças de roupa puídas, mas ainda inteiras. Remexendo na pilha, encontrou uma capa como queria: longa, negra, com capuz. Ela despiu sua capa, agora praticamente em frangalhos, além de cheia de respingos de sangue coagulados, e provou a nova. Esta era bem parecida com sua própria, porém ligeiramente mais pesada, ainda assim Violette a achou perfeita. Escondeu sua antiga por trás da prateleira, com alguma sorte demorariam a encontrá-la.

 

Dirigiu-se até a porta e tentou ouvir algo vindo do corredor. Nada. Abriu a porta e confirmou isso. Andou sorrateiramente, com o capuz já cobrindo-lhe as feições, até a entrada de um dos quartos dos padres. Já fazia uns bons cinco dias que não se alimentava. Esperava encontrar os padres já deitados, mas quando escutou à porta, pôde ouvir dois padres conversando. Eram notícias, aparentemente.

 

Violette se afastou rapidamente, não sem antes captar duas frases soltas. “Ele está na praça agora e há bastante gente por lá” e “Foram procurar... Pobre alma!” foi tudo que ouviu, considerou que, se estavam acordados e conversando calorosamente, poderiam decidir sair a qualquer momento.

 

Dirigiu-se apressadamente para as escadas e espiou a nave. Novamente ninguém. A porta frontal encontrava-se aberta, estranhamente, considerando que não havia ninguém por lá. Sondou mais uma vez o ambiente e não encontrou nada. Atravessou a igreja até a porta lateral. Esperava passar despercebida àquele horário e encoberta se saísse por lá. Empurrou a porta. Trancada. Sua perseguidora Voz Interior riu-se “Maravilha! Que tal sair agora pela porta principal convenientemente aberta e expor-se?”.

 

Violette analisou suas opções, não tinha nenhuma outra. Podia ouvir vozes, muitas vozes, do lado de fora e esperou poder misturar-se à multidão antes de chamar atenção.

 

Foi até a porta e olhou o exterior: pouco a frente reuniam-se várias pessoas em torno de algo, algumas exclamavam e outras murmuravam entre si. Felizmente estavam quase todas de costas para a entrada da igreja.

 

A garota saiu andando calmamente, já bolando uma desculpa para estar na capela vazia. Felizmente ninguém a notou e ela conseguiu fingir ser só mais uma transeunte curiosa e foi se aproximando do grupo. Uma voz se elevou e as outras silenciaram:

 

- O homem que encontramos não é de nossa comunidade! Provavelmente é um caçador que foi atacado por animais, mas nos preocupa a trilha de sangue até a vila. Se foi uma pessoa que o matou, pode ainda estar aqui, então peço que todos se recolham às suas casas e lá permaneçam!

 

Violette gelara por um momento, achando que falavam sobre Marian, mas notou, pela direção que um ou outro apontava e pelo resto da fala, que se tratava do ex-lupino que ela própria deixara estirado próximo ao bosque.

 

- E os guardas que foram para a floresta hoje de manhã? - Exclamou alguém do grupo.

 

- Bem... Eles... Eles ainda estão por lá e voltarão em breve. E enquanto isso meus vigias farão a segurança de nossa comunidade. Agora vão para suas casa, todos vocês. - A primeira voz respondeu.

 

A multidão começou a dispersar-se e Violette ainda não estava perto o bastante para fingir ser parte dela, apressou-se em ocultar-se atrás de um muro de pedras irregular que se estendia em parte em volta da capela. Pôde ver que as pessoas haviam se reunido em torno de um homem magro e baixo que, apesar de não aparentar, deveria ser importante na comunidade. Ele era ladeado por dois homens portando espadas largas, eram ambos muito parecidos: extremamente altos, fortes, carecas, com aparência feroz e com símbolos gravados na pele da cabeça.

 

O homem ao meio disse algo aos guardas e estes se separaram. O pequeno se dirigiu, arrumando suas roupas, para o fim da rua principal. Após um tempo, Violette e os vigias eram os únicos do lado de fora.

 

Ela estudou o caminho. Para ir até o estábulo, percorreria um trajeto sempre às costas dos homens, porém passaria relativamente perto destes e não poderia fazer barulho. Esgueirou-se para fora de seu abrigo e foi andando, tentando aparentar naturalidade, mas pisando o mais levemente possível. Incrível como o percurso de alguns metros parecia se estender por quilômetros.

 

Chegou sem maiores incidentes à porta da cocheira e a abriu lentamente. Um cavalo ao fundo pisoteava nervosamente. Ocorreu a Violette que, talvez por conta do rebuliço na cidade, ninguém houvesse dado atenção aos animais. Ela dirigiu-se até onde colocara Marian na noite anterior, aparentemente nada fora mexido no local. Um ponto positivo para a publicidade da morte do lupino: fora criado acidentalmente um fato para desviar a atenção da população local.

 

Ela remexeu no feno e constatou que o corpo ainda estava lá. Puxou-o para fora e surpreendeu-se com o peso do mesmo, ergueu a sobrancelha, reconhecendo que fizera algo considerável ao trazê-lo nas condições em que se encontrava. Os eventos do final da noite anterior se restringiam a lembranças embaçadas e febris de um plano mal-sucedido.

 

O cavalo mais próximo encontrava-se a duas baias de distância. Era castanho amarelado – daquela cor que seu pai chamava baio – parecia velho, mas, ao contrário dos outros, que se remexiam ou faziam barulho, este olhava para eles, silencioso e ávido. Ela entendeu e aproveitou-se da situação. Retirou um maço de feno e foi levando até o animal, lentamente. Ele aceitou a oferenda de muito bom grado e, ao terminar, ainda emitiu uma bufada. Ela usou o forcado para levar mais feno ao cavalo e deixá-lo ocupado.

 

Mexendo nos objetos da cocheira, encontrou umas cordas e uma sela puída. Seria o bastante. Levou-os até o cavalo e, amigavelmente, foi falando com ele e acalmando-o enquanto abria a pequena porteira da baia e o amarrava com os acessórios. Sentia-se uma idiota, falando com um animal, mas era necessário e deu certo, então não havia do que reclamar. Teve um pouco de dificuldade com a sela e suas amarras complexas, mas o que lembrava de sua infância foi o suficiente para que conseguisse um bom resultado.

 

O cavalo pareceu bem disposto a ajudar e, mesmo quando Violette arrastou Marian para perto, não esboçou reação de aversão. Ela teve bastante dificuldade para estender o escudeiro sobre o animal, mas ao menos o transporte não se moveu muito. Quando conseguiu finalmente alçar o homem em torpor, o que fez com um rompante e um resmungo, examinou o animal para avaliar-lhe o limite de sua docilidade.

 

Confiando na sorte, montou e arrumou-se sobre a montaria. Virou-se na sela e puxou Marian para uma posição como se estivesse sentado. Foi um trabalho horrivelmente ingrato, ele escorregava para o lado e pendia para trás, um boneco de palha provavelmente teria cooperado mais, mas ela conseguiu afinal mantê-lo meio sentado. Virada para frente, ela o apoiava em suas costas, fazendo parecer que ele dormia. Segurando-o daquela forma como podia, ela tocou o cavalo, que seguiu pelo seu trajeto usual, rumo à saída da cocheira.

 

Ela, indecisa, formulava em sua cabeça o que faria quando o guarda a visse, não sabia se se justificava ou simplesmente saía correndo. Passou-lhe pela cabeça que nunca conseguiria manter Marian no cavalo se a montaria galopasse, então já se preparava para contar ao vigia sua história, de que era uma viajante passando pelo povoado e resolvera ir embora com seu parceiro doente o quanto antes possível, tendo em vista os eventos estranhos do dia e o perigo que podiam estar correndo, já que ouvira falar o que ocorrera àquele pobre home perto da floresta....

 

Porém, incrivelmente, quando saiu pela porta – que o animal abriu com o peito – andando lentamente, e mesmo enquanto andava pela área de terra até a saída do vilarejo, não foi vista pelos vigias, que, aliás, ela também não pôde avistar. Achou a situação extremamente suspeita, ao sair pela abertura da muralha, fez o baio acelerar o passo, trotando levemente.

 

Só quando afastou-se bastante da entrada, seguindo para oeste, para onde ela sabia que ficava a França, em campo aberto, é que se permitiu relaxar um pouco. E só então começou a acreditar que sua fuga despercebida fora somente um golpe de inacreditável sorte. 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Sim, o capítulo se chama inversão porque aqui invertem-se os papéis e tenho que cuidar do meu suposto protetor xD (err.. esquece, Violette tem que cuidar dele xD)

Acrescentei os últimos parágrafos hoje 22-04



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Violette Von Bismarck" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.