Violette Von Bismarck escrita por Petra


Capítulo 10
Apêndice


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo não faz parte da história atual! É uma espécie de Spoiler. =P
 
Essa parte acontecerá beeeeem pra frente, os acontecimentos entre a história atual e essa parte darão sentido aos novos personagens, assim como darão sentido a algumas mudanças na própria Violette.



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Já que é um apêndice nonsense mesmo, vou postar algumas das partes que já escrevi e ainda não se ligam nem com a história nem entre si, de forma que os jogadores, se lerem, possam me auxiliar com detalhes ou qualquer coisa que eu tenha esquecido, enquanto o jogo ainda está fresco na memória de todos...

 

Toreadores

- Vocês partirão imediatamente – disse Catherine – Um barco os espera. Sebastian os levará até ele.

 

Violette franziu o cenho, a garotinha – Vachel, pensou a Capadócia – cruzou os braços e fechou a cara, Chronos grunhiu. Ela só percebeu que pensara o mesmo que eles quando Vachel verbalizou o receio coletivo.

 

- Sebastian... Vai com a gente?

 

Catherine, entendendo errado a entonação, respondeu afetada.

 

- Não dessa vez. Essa missão é de vocês. Espero que possam lidar com ela adequadamente. Sem contar que Sebastian terá trabalho a fazer por aqui. – Violette achou que ouvira um suspiro de alívio, mas provavelmente fora só sua imaginação – Se não tiverem mais nenhuma dúvida...

 

Vachel e Lilia assentiram e se viraram. Chronos, logicamente, não podia apenas concordar, virou-se e se dirigiu à porta lateral.

 

Violette pretendia seguir com as garotas, porém viu que Jules hesitava, olhando para Catherine. Esperou que este se resolvesse por falar.

 

- Ahn... Senhora? Há aqui uma sala com armas ou alguma forma de obtermos equipamento?

 

- Um arsenal, você quer dizer? – Todos que saíam pararam, interessados – Lógico. Muito bem. Sebastian, por favor.

 

Como sempre que requisitado, Sebastian praticamente se materializou na sala, dessa vez ao lado do espaldar da cadeira de sua mestra. O incrível era que ele provavelmente estivera ali o tempo todo mas ninguém o vira.

 

Ele ultrapassou Lilia e Vicky e saiu pela porta principal, sendo seguido por todos os convidados – inclusive pelo mal-humorado Chronos.

 

Dirigiram-se para o saguão, descendo as escadas, seguiram por um corredor à esquerda e entraram em uma sala arredondada e ampla, as paredes cobertas por suportes com lanças, espadas, escudos, alguns elmos... Nada para equipar um exército, mas o suficiente para uma guarda bem armada, e o suficiente para eles, com certeza.

 

Eles se dispersaram pela sala, testando e pesando diversas armas, tentando movimentos e escolhendo o melhor para cada caso. Violette passou direto pelas espadas, aquelas armas pesadas e desengonçadas nunca a atraíram, não eram nada práticas para se carregar por aí – isso se ela conseguisse carrega-las. Deteve-se um pouco próxima aos escudos, mas por curiosidade – dois deles possuíam gravuras interessantes – já que também não cogitava equipar-se com um deles. Passou os olhos pela sala e, à primeira vista, nada lhe chamou a atenção, mas então seu olhar pousou no suporte de lanças. Aqueles espetos também não eram seu tipo, porém, na base do suporte, residiam cabos longos de lança, bastões compridos sem ponta.

 

Ela foi diretamente ao local e pegou uma das varas. Era leve, prático, resistente e – solvendo a maior dificuldade que o punhal lhe trazia – longo.

 

Armada do bastão, sentiu-se bastante satisfeita e dirigiu-se à saída da sala, onde já esperavam Lilia e Vicky. Ela juntou-se ao grupo no corredor e, pouco depois, passou Chronos sem aparentar levar nada novo, indo sozinho ao térreo. Jules apareceu logo após, com uma espada nova, mais larga e maior que a anterior.

 

Juntaram-se a Sebastian no final do corredor e ele os conduziu até o saguão, onde os esperava Viktor, o Senhor de Chronos. Seguiram todos - menos o gigante esguio, que havia sumido - ao exterior da construção. A lua estava baixa, mas a visibilidade era boa, Violette estimou que ainda fosse cedo, parecia que desperdiçariam uma noite inteira a bordo.

 

Contornaram o prédio até a lateral, caminhando por uma trilha de pedras muito bem cuidada entre as plantas dos belos jardins. Violette notou que alguns setores do jardim apresentavam plantas exclusivamente noturnas, o que a fazia considerar a hipótese de que o objetivo do jardim não era meramente de fachada. Profundamente a intrigavam os motivos que levariam um vampiro a cultivar um jardim. “Toreadores?!”, ais uma vez, a Voz estava provavelmente certa.

 

A trilha, estreitando-se, os levou para a entrada de um bosque. Este era reduzido e esparsamente arborizado, mas já abrigava alguns animais, pelo que pôde notar pelo cheiro. A mata tinha as copas das árvores suficientes para projetar sombras negras pelo trajeto e as raízes, para fazê-los tropeçar, fazendo com que seguissem olhando mais para o chão, o que não impedia a garota Bismarck de observar e catalogar as plantas ao redor, que não eram, afinal, tão diferentes das com que se familiarizara no seu país de origem.

 

Após um curto período de caminhada, o bosque desembocava em um gigantesco lago, no qual os esperava um barco médio de um modelo que Violette nunca vira antes – não que tivesse visto muitos barcos em sua vida.

 

Dirigiram-se à embarcação, na qual os esperavam três homens: o malandro Mark e mais dois, humanos provavelmente, pela forma como olhavam os recém-chegados. Eles subiram a bordo em fila, a Capadócia se mantendo por último, estudando o veículo. Até a pouco, nunca havia navegado na vida, mas, já tendo provado a eficiência desse transporte, as estruturas daquelas coisas que flutuavam apesar de todo peso a fascinavam demais.

 

Já sobre o convés, foram-lhes indicados os compartimentos onde poderiam passar o dia. Violette andou pela embarcação, olhando os equipamentos e técnicas de amarras. Entreteve-se próxima à popa – nome o qual ela descobrira através do diálogo entre os humanos – vendo tipos de nós e depois dirigiu-se ao porão, onde passou um tempo estudando alguns barris lacrados. Tentava adivinhar seu conteúdo pelo cheiro ou por rastros ao redor. Subiu satisfeita, sabendo que teria ao menos algo para estudar durante a noite: identificara um barril com alguns peixes guardados no sal.

 

Voltou ao convés para perguntar o motivo de ainda estarem atracados. Encontrando um dos homens andou rapidamente até ele para falar-lhe. Este, só notando a presença dela quando ela já se encontrava a um palmo de distância, se assustou e se afastou com um pulo, olhando para ela, alarmado. Violette suspirou, dando vazão a seu velho hábito. O homem era um marinheiro loiro de feições duras e ombros largos, medindo no mínimo 1,90 m e ela, uma garota de 1,60 ou 1,70 que mal conseguiu levantar uma espada. Era bom impor respeito, mas a enojava a covardia daqueles humanos.

 

- Porque não partimos logo?

 

O homem pareceu acalmar-se com o mero fato de ela não ter pulado em sua jugular no primeiro instante. Postou-se ereto e mexeu no cabelo desgrenhado com uma das mãos.

 

 - Parece que... hum.. Falta um de seus companheiros... O mestre Viktor mandou que esperássemos por um senhor alto, de sobretudo e chapéu.

 

A garota estreitou os olhos, entediada. Para atrapalhar, só podia ser ele, lógico.

 

- E não poderemos sair sem ele?

 

O homem balançou a cabeça negativamente.

 

- São nossas ordens, me desculpe.

 

Ela girou os olhos, irritada. Quanto mais demorassem a sair, mais tempo demorariam a chegar, e isso poderia significar que acabariam desperdiçando mais noites na viagem.

 

Viktor, que andava pelo convés, aproximou-se.

 

- Ele ainda não chegou, não é? O que mais eu poderia esperar... – Ele balançou a cabeça e dirigiu-se à margem pela tábua de acesso. – Vou chamá-lo.

 

Violette quase sorriu, pensando consigo mesma até que ponto Chronos resistiria. Ela, decidida, desceu da embarcação, iniciando o caminho de volta à mansão logo atrás de Viktor.

 

Percorreram todo o trajeto rapidamente e em absoluto silêncio, mesmo as plantas pareciam desconfiar deles por entre as sombras das árvores.

 

Entrando novamente no saguão, seguiu Viktor até o aposento de Chronos, cuja porta se encontrava fechada. Postaram-se do lado de fora, o Senhor do gigante olhando para Violette, provavelmente se perguntando o que ela fazia lá. Ele bateu à porta e esperou. Nenhum som pôde ser ouvido vindo do interior.ostaram-se do lado de fora, o Senhor do gigante olhando para Violette, provavelmente se perguntando o que ela fazia lá. Ele bateu à porta e esperou. Nenhum som pôde ser ouvido vindo do interior.

 

- Chronos, é chegada a hora de partirmos, por favor apresse-se. – Disse pacientemente Viktor.

 

Uma voz saiu.

 

- Nunca disse que iria. E ainda não digo, não vejo porque ir.

 

- Pense melhor... Posso entrar para conversarmos?

 

A essa altura, Sebastian chegou, postando-se com os braços ás costas, com uma postura que dizia claramente “O levaremos mesmo que à força”. Ouviu-se um ranger e a porta se entreabriu.

 

- Meu Senhor... – disse Chronos pela fresta.

 

Viktor adiantou-se e entrou, empurrando a porta. Violette pretendia seguir logo atrás, juntamente com Sebastian. O rebelde, porém, estendeu o braço em um gesto brusco, bloqueando-lhes a passagem. Instintivamente, Violette estendeu o braço também, como a aparar um golpe. Quando esticava o braço, ocorreu-lhe uma ideia. Ela sorriu, um de seus raros sorrisos abertos e cheios de dentes.

 

O homem que lhe bloqueava a passagem, ao alçar o braço, deixava antever um pedaço de pele exposta entre a manga do sobretudo e a luva, e foi para lá que a mão da Capadócia se dirigiu. Com um único toque, ela testou uma de suas habilidades em Chronos. E funcionou.

 

A pele que podiam ver enrugou-se. A porta, deixando de ser segurada, abriu-se mais, deixando antever um Chronos alarmado, com a pele mais translúcida e solta, o cabelo branco e uma postura encurvada. Ele havia envelhecido. O sorriso de Violette só fez aumentar, porém era totalmente inconsciente. Um instante depois, recuperando-se, um raivoso Chronos bateu a porta.

 

A garota desmanchou o sorriso, mas continuava satisfeita consigo mesma. Agora sabia que tinha uma carta na manga realmente útil. Era bom sentir-se com poderes. E ela queria ver é como Chronos resistiria fisicamente naquelas condições.

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Luta no castelo 2 (no corredor antes de fugirem e encontrarem Richard)

 

O soldado à esquerda (1) estocou com a lança, Chronos desviou, segurou a lança e a puxou, com seu sorriso cheio de dentes. Tencionava mordê-lo, porém foi rechaçado com o cotovelo e acabou abocanhando, frustrado, o ar a dois centímetros de seu pescoço.

 

Jules, com suas garras proeminentes, golpeou com ambas as mãos os dois outros guardas (2 e 3), um dos braços atingiu raspando a armadura do mais alto, que estava à direita, porém nem tocou o outro (2), que tivera tempo de esquivar-se. Violette, notando que mal a tinham ouvido, resolveu por aproximar-se da ação, resignada.

 

O Gangrel bateu mais uma vez, dessa vez acertando ambos antes que se recobrassem. Um deles, acertado entre as placas da armadura e teve um braço quase inutilizado, o outro levou a patada no rosto e desequilibrou-se, com o capacete amassado pela brutalidade do golpe.

 

Chronos recuou com um pulo antes mesmo do inimigo atacar com a lança novamente, tendo um tempo extra para sacar o arco e buscar uma flecha.

 

Nesse ponto do desenvolver, Violette alcançava a batalha, e, já no embalo da investida, acertou o queixo do guarda à direita de Jules (3) juntando seu golpe poucos instantes após o ataque de garras, fazendo com que o soldado caísse.

 

 Lilia, que andara reforçando seu poder com aquelas pedras de sangue, lançou um ataque flamejante contra um arqueiro que mirava do canto do corredor, arqueiro este cuja chegada ninguém mais havia noticiado. Ele, pouco ferido, no entanto totalmente apavorado, virou-se e fugiu pelo corredor. Sua flecha foi chocar-se fracamente contra a proteção de couro de Violette, por sorte mal a arranhando quando esta foi pega de surpresa pelo projétil.

 

Chronos, aproveitando-se da momentânea distração causada pela chama da maga, armou sua flecha e, mirando a uma velocidade que só seria percebida por outro filho de Caim, acertou o soldado que combatia, em uma fresta em seu ombro. O homem ainda quebrou a flecha com a mão e ia brandir a lança novamente, porém o monstro esguio já se encontrava sobre ele.

Ele ainda teve sorte. Morreu rápido.

 

O soldado à esquerda de Jules (2), tendo se virado rapidamente, acertou o Gangrel nas costas, cravando nele a ponta da espada com a força de seu braço que ainda estava bom. O guarda quase começou a sentir-se triunfante, no entanto repensou seu ponto de vista quando o homem com garras virou-se, tirando-lhe a espada das mãos.

 

Ele considerou, por um segundo, rezar. Morrer por aquelas garras deveria ser extremamente horrível. Suas quase-preces foram atendidas: um momento antes do Orelha Peluda alcançá-lo, o combatente foi morto por uma esfera de fogo oriunda da ponta do corredor.

 

A Capadócia, emendando o movimento à estocada que dera com o bastão, abaixou-se, puxando sua adaga, e desferiu um golpe amplo em direção à jugular do homem caído (3), mas este estendeu o braço, bloqueando o ataque. Escapou daquele fim rápido, porém ganhou uma bela abertura no lado de dentro do braço, da altura do cotovelo até o pulso. O homem urrou e reagiu com um chute no abdômen da garota, que, por conta da posição em que se encontrava, o recebeu em cheio e foi jogada para o lado, caindo sobre o braço esquerdo, que se entortara por segurar o bastão.

 

Encharcado pelo próprio sangue e com o braço pendurado ao lado do corpo, o soldado ainda se levantou e foi pegar sua espada, com o corpo visivelmente enfraquecido, mas com a expressão irada dos desesperados. Não chegou a tocar em sua arma, pois Jules virara violentamente com sua própria espada e, quando o corpo do soldado bateu novamente no chão, já não tinha cabeça sobre os ombros.

 

Já não havia mais vivos em seu campo de visão, mas Violette tinha outros sentidos aguçados. Apoiada no chão, pôde sentir a vibração de passos, muitos deles, e então foi capaz de ouvi-los também, aproximando-se cada vez mais.

Pôs-se sobre os pés com um salto.

 

- Há mais deles. Muitos.

 

Ela começou a recuar para a sala do trono, com uma sensação de perigo eminente na qual aprendera a confiar. Não estava errada: da curva à frente no corredor, vários homens surgiram. Alguns com escudos, todos com espadas largas ou lanças. Violette estimou que pelo menos trinta deles viriam. “Uhull” foi tudo com que a Voz mental contribuiu.

 

Humanos eram presas fáceis, mas não naquela quantidade. Com uma vantagem de percepção sobre os outros, a Ladra de Túmulos saiu em disparada rumo ao portão pelo qual vieram. Passou chispando pela lateral do trono, onde se recostava Vicky com... ora se não era a cabeça do rei que ela segurava. Gritou para ela como pôde.

 

- Vamos embora! São muitos, vindo logo!

 

Atrás de si, ela pôde ouvir algumas exclamações altas e um brado.

 

- Eles mataram o rei! Eles mataram nosso rei!

 

Continuou correndo, sem olhar para trás. Sabia que não conseguiria correr muito, nem por muito tempo, então qualquer vantagem que obtivesse antes seria bem-vinda.

 

Não manteve a dianteira por muito tempo. Logo após chegar ao corredor mais largo, o que levava à saída, a Malkaviana passou como um raio por ela, com aquela expressão caricaturalmente ensandecida que as vezes ostentava.

 

Ouviu que os outros a seguiam e, olhando por sobre o ombro, viu que Chronos a seguia a certa distância, adquirindo mais velocidade com suas pernas tão longas. Atrás vinha o Gangrel, que carregava a Tremere nas costas. Para sua surpresa, ainda não podia visualizar os perseguidores.

 

Sua mente corria bem mais rápido que suas pernas. Ela já se encontrava no portão de ponte levadiça e refletia sobre o caminho a tomar. Muito, muito ruim. O espaço externo que se seguia ao castelo era aberto e desprotegido demais, seriam alvos fáceis se houvessem besteiros ou arqueiros a segui-los. Isso sem contar aqueles que atacaram Jules quando este conversava com o vigia, eles podiam ainda estar a postos na amurada da fortaleza. Uma droga, mas ela não conseguiu pensar em outro caminho. Como não correria para o interior do castelo, a única opção era sair correndo e abrigar-se, ou fazer o melhor possível nesse sentido.

 

Seus membros começavam a queixar-se, mas ela não deu atenção a eles. Pouco depois, ouvindo um barulho de madeira contra pedra (uma flecha? Uma axa? Uma lança?), enxergou o odioso gigante atrás de si tombar, ela até mesmo conseguiu  acelerar o passo.

 

Seus passos ecoavam alto na pedra, odiava aquilo, odiava fazer barulho ou chamar atenção. Os ruídos de armaduras chocando-se e passos vigorosos aproximavam-se.

 

Ouviu alguns gritos surpresos e aparentemente uma comoção se passava, o corredor iluminou-se por um instante com aquela luz alaranjada que reconheceu facilmente. Não pôde deixar de sorrir com o canto da boca. Até que os Usurpadores podiam ser bem úteis.

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jogo de 28/03 Na Cidade

Violette e Lilia saíram da taverna, sem saber onde procurar primeiro.

 

Encontravam-se próximas às docas, à esquerda da rua principal que seguia para o castelo. Um forte vento batia e Violette abraçou-se para aparentar sentir frio. As poucas pessoas que andavam na rua se dirigiam pela rua principal rumo a uma construção um pouco mais alta à direita, mais à frente no percurso. A igreja. As duas moças começaram a se mover, para não chamar atenção e Violette, pensando em todas as possibilidades, decidiu que a melhor opção de informação àquela hora seria o único lugar onde ainda se reuniriam pessoas além da taverna, e esse lugar era a igreja. Comunicou o pensamento a Lilia e elas corrigiram o curso para se juntar ao curso comum das pessoas.

 

Avançaram bem próximas, olhando para baixo. A capadócia espiava furtivamente tudo ao redor, não parecia haver vigias nas ruas e o povo não parecia alarmado ou exaltado com nada fora do comum. Imaginou se eles haviam sido comunicados da morte do rei. Caso negativo, a missão das duas ali no exterior era praticamente inútil.

 

Já alcançavam o gramado na frente da igreja quando sentiu uma mão pousando em seu ombro. Subitamente, suas pernas enrijeceram e deixaram de se mover, tentou mexer os braços e obteve o mesmo resultado. Um alarme disparava em sua cabeça e um medo irracional se misturava aos seus pensamentos. Percebeu pela falta de movimento ao lado que o mesmo acometia Lilia. Passou então por elas aquele homem que se encontrara na taverna, virando-se para ambas pouco a frente. Só então Violette pôde ver bem suas vestes, longas e negras, contrastando com o cabelo claro. Ele levava uma bolsa a tiracolo que aparentava estar bem cheia. O medo que parecia correr em suas veias começou a formar um sentido para Violette. Um caçador? Um sacerdote verdadeiro? Daquele homem parecia emanar um poder além de tudo que ela já vira. E não era um poder exatamente inóquo aos vampiros. Muito pelo contrário.

 

- Vocês estão fazendo a coisa certa, mas pelos motivos errados. – Parou. Olhando de uma para outra. – Hoje estou sendo muito gentil, então as pouparei, mas porque não causaram nenhum problema. É bom que ajudem essa gente, mas não é de meu feitio poupar seu tipo imundo de criatura. Vocês têm cinco noites para terminar o que estão fazendo e saírem daqui. Não serei bonzinho novamente. – Ele já se virava, mas voltou-se mais uma vez – Diga a Jules que Dieter Dietrich  o procura. Cinco noites. Cinco noites é o que ele tem para acabar o que começou aqui... – Ele olhou para cima – Ou então... Digam-lhe que muito mais gente pagará pelos erros dele. Descerei ao subsolo e ninguém será poupado. Eu disse cinco noites.

 

“Nós já notamos que são cinco noites”, foi o que pensou Violette, e se sentiu infinitamente grata por estar completamente paralisada, pois sentia as palavras coçando em sua boca, mas não podia dizê-las por mais que quisesse.

 

O suposto Dietrich se virou para um espaço aparentemente vazio e murmurou um “O mesmo vale para você”, então se voltou totalmente para a construção e avançou a passos rápidos, entrou e conferiu o exterior, vendo que mais nenhum camponês se aproximava, fechou as portas da igreja. Ao baque da porta se seguiram dois ganidos quase simultâneos, o poder sobre as meninas desapareceu e ambas quase caíram antes de conseguirem se recobrar completamente. Violette já se acalmara desde o instante em que o homem se afastara, mas notou que Lilia ainda estava bem abalada. Do local para o qual o aparecido havia dito a última frase surgiu o mouro, que aparentava não estar ali a um segundo atrás. Um truque qualquer o fizera ficar praticamente invisível, mas Violette notou, não sem certa satisfação, que o truque não fora perfeito e não funcionara com aquele homem que parecia padre.

 

 - Acho que não só eu notei, mas o último lugar onde deveríamos entrar é a igreja. – disse Violette, franzindo o cenho e olhando para o prédio.

 

- Eu acho que vou comunicar o recado a Jules. Eu... eu vou para a floresta – disse Lilia, hesitantemente, e se afastou.

 

O mouro só deu de ombros. A capadócia se irritou profundamente. Ele podia até não ligar para os outros – ela geralmente também não ligava – mas uma coisa era não se importar com os outros e outra completamente diferente era ignorar uma idéia e se fazer de burro. Anda mais naquele momento, quando os dois se encontravam na mesma situação: seguindo, provavelmente não por vontade própria, mas por obrigação ou por interesse posterior, uma missão envolvendo algo que não lhes dizia respeito. Pesando nisso, Violette sentiu saudades de viver sozinha em sua capela.

 

Focada nesse pensamento, Violette se distraiu ao notar que se sentia extremamente curiosa para saber o que aconteceria se ela permanecesse no mesmo recinto que aquele homem poderoso, ainda mais naquele lugar teoricamente sagrado que era a igreja. Supôs, é lógico, que não se tratava só de curiosidade, mas daquele seu instinto louco de entrar em situações extremas - e provar a si mesma que poderia sobreviver.

 

Ela então se dirigiu à porta da igreja, já ensaiando abri-la sem barulho e lentamente, mas não chegou a alcançá-la, uma força incrível parecia barrá-la, aquele medo instintivo se instalava em todos seus pensamentos, ela se esforçava para pensar claramente e se controlar em parte e seguir em frente, mas era como se seu cérebro gritasse que lá dentro se encontravam os quatro Cavaleiros do Apocalipse, o Demônio, Deus e a Morte em pessoa. Não conseguiu prosseguir, o único passo que deu para a frente fez enfraquecerem todos seus órgãos e membros, fazendo com que ela sentisse como se derretesse.

 

Soltou um resmungo de frustação que deve ter soado mais como um choramingo, então virou-se e seguiu a passos apertados para o outro lado, rumo às casinhas do vilarejo. Nem mesmo olhou para trás, mas soube, satisfeita, que o (como era mesmo o nome dele?) Arda não se aproximara da igreja.

 

 

Foi andando naquele passo, pensando em onde estaria melhor informada. Não lhe passava outro lugar pela cabeça a não ser a taverna... Ela definitivamente não fora feita para um trabalho que envolvesse socialização.

 

Um pensamento irônico passou por sua cabeça, e sentiu-se satisfeita em saber, mesmo que pouco, sobre cidades daquele tipo. Se não haviam homens na taverna, quem sabe não haveria um certo lugar onde eles esperassem obter mais diversão? É lógico que, caso existisse algo do tipo, ela nunca conseguiria entrar, mas não custava procurar e quem, sabe, ouvir do lado de fora.

Entrou em uma das vielas, que eram a opção à rua principal e foi seguindo, sempre buscando lugares mais iluminados ou ao qual parecesse haver gente se dirigindo. Acabou umas três vezes seguindo pessoas que passavam esparsamente até a porta de suas casas ou chegando a uma tocha que iluminava uma madeira tosca na qual se lia “alfaiate” ou qualquer coisa do gênero.

 

Suspirando, decidiu-se por voltar, esperando que os outros houvessem achado algo de útil. Dirigiu-se por uma rua menor em direção à rua principal, a qual atravessaria para chegar a taverna, contudo, não conseguiu chegar até ela. Passando por um corredor especialmente estreito, foi parada por um braço que lhe fechava a passagem na abertura posterior. Seu instinto lhe fez começar a estender a mão, no mesmo gesto que fizera uma vez com Chronos, mas o braço que lhe parava estava inteiramente coberto por uma armadura, sem deixar antever um único pedaço de pele.

 

Um soldado saiu de onde estava, medindo Violette de cima a baixo com os olhos, sorriu com o canto da boca.

 

- And why would a woman like you walk alone at this time of the night? – Perguntou, presunçoso, o guarda, encostando-se na parede.

 

Detalhe: Violette não progredira em seu inglês, então o que ele fazia era nada mais que balbuciar coisas ininteligíveis para ela.

 

Ele prosseguiu naquela ladainha, cruzando os braços. Falava de um jeito orgulhoso, sorrindo e com as sobrancelhas arqueadas. Violette, que não sabia muito desses jogos humanos, ficou impaciente e tentou, puxando algumas conexões do fundo da mente, explicar para o homem que não o entendia.

Falou primeiro em francês, mas, sem receber resposta, arriscou uma frase em inglês que, pela reação do guarda, deve ter saído extremamente engraçada.

 

A garota só estreitou os olhos e respirou fundo. O homem começou a falar algo em tom de pergunta. E então repetiu a frase.

Violette se virou e já se afastava quando a mão do homem pousou em seu braço. Se seu coração ainda batesse, ele teria acelerado. Ela não esperava que ele se metesse com ela. Só então lembrou que não trajava suas roupas e armas usuais. E deveria ainda parecer uma camponesa estranha, jovem, tão limpa e tão perdida àquele horário.

 

Ela se voltou, pensando em puxar a adaga com a canhota e se livrar de uma vez do intrometido, mas o vigia pareceu surpreso com algo e, por sua vez, se virou de costas para ela. Falou algo com um homem maior que surgira atrás. Soava como desculpando-se. Se afastou, não sem antes lançar um ultimo olhar à garota, parecendo frustrado.

 

Violette não se sentiu nem um pouco inclinada a agradecer o recém-chegado, ele fazia parecer que lhe daria mais trabalho que um simples guarda.

 

O homem, de cabelos longos e negros, de vestes decentes e limpas, aproximou-se e disse a ela, em alemão:

 

- Ora se não é minha cara Bismarck!

 

“Realmente, você encontra alguém que vivia reclusa a vários quilômetros daqui, a qual nunca te viu, você sabe seu sobrenome e a reconhece mesmo no escuro e disfarçada. Com certeza é apenas uma coincidência.” Violette lamentou não ter verbalizado a frase, as vezes a Voz Interior tinha umas boas tiradas.

 

- Fiquei sabendo que está sob os cuidados de Greta...

 

- Dependendo do que define como “cuidados”... – Violette se aprumou para poder olhar o homem nos olhos.

 

O interlocutor franziu o cenho e a encarou de volta.

 

- Meu nome é Prince, por obséquio. Vim lhe fazer uma proposta. Por consideração a Greta, é lógico. Entregue seus amigos e eu lhe pouparei.

 

Ela levantou uma sobrancelha. A questão da fidelidade com aquela missão estranha nunca havia lhe passado por mais de um instante pela cabeça.

 

- E que interesse você teria neles?

 

- Mantenho minha proposta e nada mais. – O homem visivelmente começou a se irritar. Violette notou, alarmada, que o ambiente ao redor parecia escurecer cada vez mais. A escuridão parecia até palpável. Algo lhe saltou à mente. LaSombra.

 

- Que garantia eu teria? – Disse, aproximando a mão de onde se encontrava sua adaga.

 

- Só minha palavra. E estou cansando desse jogo.

 

- Não é o bastante para mim. – Disse Violette e ensaiou sair correndo.

Porém o inimigo se moveu mais rápido. Rápido demais. E ela se viu mais uma vez paralisada por um feitiço. Ele a virou para encara-lo e deu um sorriso sinistro.

 

As trevas em volta fluíram como líquido ao redor dela.

Tentáculos de sombra os envolveram lentamente, em espiral, e Violette achou que cresciam demais. Então percebeu que não só as sombras subiam: eles estavam descendo, se fundindo às sombras e entrando no chão. Ela tentou em vão se mexer.

 

Só podia mover freneticamente os olhos de um lado para outro.

 

Nas Sombras: (meldels me superei nessa parte o_O)

 

Submergiram suas pernas, depois o tronco e então a cabeça, o homem a sua frente só ficava sorrindo. Violette achou ter visto seu rosto se fundir com as sombras um instante antes de tudo escurecer. O rosto se desfigurara e exibia um sorriso fino cheio de dentes, de orelha a orelha, literalmente.

 

Imersa nas sombras, ela pode ver vultos passando ao seu redor rapidamente, pareciam pessoas ou animais, adquiriam quase formas conhecidas mas então se esvaíam em gritos de agonia.

Súbitos relâmpagos de imagens surgiam e as sombras dançavam como caçoando dela. Sentia como se suas órbitas fossem ser sugadas pelo fluxo de imagens e sua cabeça fosse ser esmagada pelo fluxo de pensamentos.

Ela viu a si mesma matando o pai com seus próprios dentes, depois comendo suas entranhas, feliz. Vislumbrou uma cena em que andava pelo fogo em rumo a um pequeno estábulo, seus membros se retorciam e se consumiam em chamas aos poucos, mas em sua visão ela só cantava sua música de ninar favorita.

Violette sentia todo seu corpo se contrair espasmodicamente e encolher. Sentia na pele o fogo e na boca o gosto de sangue.

 

Nunca sentira tanta raiva, dor, angústia e medo em sua vida. Seus olhos ardiam e não podia fechá-los. Seu sangue parecia borbulhar e ela, naquele momento, não queria nada além de poder se despir de si mesma, arrancar toda a pele e carne para que sua dor fosse menor.

Se esforçava para pensar claramente mas tudo que lhe vinha a mente eram imagens desconexas. Via a si mesma abrindo o próprio corpo, indiferente, e jogando os órgãos aos cães.

Passavam-lhe imagens de pessoas que não conhecia, mas de repente sentiu infinitas saudades de todos eles. Queria vê-los e abraça-los, mas no fundo, tinha o desejo profundo de abrir cada um deles, vivos.

 

Quando achou que não agüentaria mais, que nada a agradaria mais que a morte, caiu num chão de pedra, frio e liso. Bateu com os braços e o queixo no chão, mas não se importou. Ela tinha ossos a serem quebrados. Aquilo sim era real.

Levantou-se, lambendo o sangue que escorria de seu queixo, e vislumbrou um movimento rápido por cima de si. Foi enrolada fortemente pelo ser, ou o que quer que fosse, e mantida parada.

 

- A piada do dia é me manter paralisada, não é? – Deixou cair a cabeça sobre o peito e a balançou, dando uma risada histérica.

 

Levantou a cabeça pouco depois, seu cabelo estava todo molhado por algum motivo e lhe caia ao rosto. Ela encarou, com a cabeça inclinada, o homem que aparecera a sua frente.

 

- Você veio me visitar? – Disse ela, mordendo o lábio. – Deixe que eu vou até você.

 

Mexeu os membros, tentando se soltar do aperto, e recebeu como resposta uma contração violenta no laço que a apertava. Ossos se estalaram e ela pôde sentir o calor de seu próprio sangue escorrendo-lhe pelo tronco. Delícia.

 

Tentou encarar o homem a sua frente, que murmurava alguma coisa incansavelmente.

Ela queria pedir para que ele falasse mais alto. Pedir para que ele falasse seu idioma. Não gostava de não entender os outros, ela tinha que saber o que era. Quando seu pai chegasse, contaria a ele. E ele lhe ensinaria todas as línguas do mundo. E ela entenderia tudo, sempre.

 

Seus pensamentos iam se perdendo e sua vista foi se embaçando. O homem continuava falando e Violette não conseguia se manter em pé. Seu pescoço pendeu e suas pernas fraquejaram. Quando seu pai chegasse, ele a levantaria. Com certeza. E iria dizer que estava tudo bem e que ela deveria dormir melhor. E ele contaria histórias e cantaria para ela. Sim, era o que faria.

Mas seu pai não estava ali.

 

Um segundo antes de apagar completamente, Violette arregalou os olhos. Por que ele não estava lá?

 

Porque ela não fora uma boa filha. Porque sentia gosto de sangue na boca.

E o sangue era dele.

.

Acordou tonta em um lugar frio e úmido. Forçou a vista e balançou a cabeça para clarear os pensamentos. Onde infernos ela estava? Não se lembrava de nada recente, algumas lembranças esparsas se misturavam e a confundiam... Um buraco na água, um gigante que envelhecia, um padre, um homem invisível? Apoiou-se nas mãos e levantou o tronco até sentar-se. Olhou ao redor novamente e, aparentemente, seu cérebro começava a funcionar, pois começou a distinguir as coisas ao seu redor. Chão, sim. Relva, sim. Cordas... Não... Raízes, sim. Árvores, sim. Uma floresta provavelmente. Concluiu finalmente que sim também.

 

Pôs-se completamente de pé, a cabeça latejava um pouco e seus músculos se contraíam involuntariamente em espasmos. Examinou-se. A roupa estava bem suja, muito mais do que antes, cheia de sangue seco – seu próprio

provavelmente – e chamuscada na parte superior. Essa última característica chamou a atenção da porção lúcida da mente de Violette. Ela estudou as pernas. Ilesas a não ser por arranhões. Os braços, idem. Então viu uma queimadura no ombro direito e a apalpou para ver sua extensão.

 

Sentiu que fora queimada no ombro e em parte das costas, assim como no começo do pescoço. Sua mão subiu ao rosto. Ah, não. Não podia ser. Agitou o pulso no ombro, onde deveria encontrar o cabelo. Não, não, não. Fechou os olhos e inspirou fundo, esperando que a ilusão passasse e ela voltasse a perceber as coisas claramente. Abriu os olhos, mas se encontrava no mesmo lugar. Pois é, teria de aceitar que agora seu rosto era desfigurado pelo fogo e parte do seu cabelo se fora com ele.

 

Já lhe subia um sentimento instintivo e irracional à cabeça. E quando tocou as vestes, procurando um certo punhal de grande valor simbólico que não se encontrava lá, aquela emoção a tomou e a fez ter vontade de sair rasgando o que visse.

 

Ofegante, seguiu mancando, adentrando mais a floresta. Mordeu os lábios até que sangrassem. E, olhando para trás uma única vez, achou ter visto correndo por entre as árvores um lobo negro, perseguido por um grupo de guardas. Cada coisa podia um cérebro perturbado criar... Apenas se virou, como se não tivesse visto nada, e prosseguiu.

 

Foi andando sem rumo até que pôde ouvir ruídos. Andou diretamente até a fonte do som e distinguiu vozes familiares. Não associou as vozes a rostos ou nomes conhecidos, mas não lhe pareceu importante isto no momento.

 

Irrompeu em uma pequena abertura, onde conversavam uma garota pequena e loira e um homem grande. Ocorreu a Violette que o homem se chamava Gilbert, mas a menina parecia sentimental e insignificante, então não deu atenção a ela. Vislumbrou uma abertura no chão e, do fundo da mente, veio a lembrança de que a porta a levaria para um lugar escondido. Foi com seus passos cambaleantes até lá.

 

Os dois estacaram quando ela passou, boquiabertos. Um deles exclamou algo, em inglês.

 

Já chegava à entrada quando a pequena lhe alcançou. E pensava “pequena” apenas por se sentir tão velha, mesmo a garota aparentando ter praticamente sua idade.

 

- Violette, o que aconteceu?

 

Incrível, todo mundo parecia conhecê-la ultimamente. Ela considerou a hipótese de que era famosa e só ela não sabia. Agora essa menina e antes... Antes o que? Não se lembrava direito. Um homem de sombras? Balançou a cabeça. Ela definitivamente estava variando.

 

A garota – que Violette achava com cara de Elizabeth por algum motivo que não saberia explicar – insistiu.

 

- O que aconteceu com você? Você não voltou na noite anterior, acho que foram até a procurar...

 

A capadócia virou o rosto para ela, bruscamente. Arrependeu-se um pouco do gesto, pois pôde imaginar, pela expressão da menina, o estado de sua própria face. Em seguida, repensando o ato, quase sorriu. Era muito bom se sentir impondo pelo menos algum medo.

 

- É com certeza uma boa pergunta, se por acaso descobrir a resposta, eu gostaria realmente de saber. – E prosseguiu, se sentindo uma velha decrépita.

 

Os dois a ultrapassaram rapidamente e seguiram à frente a uma pequena distância.

 

Vendo as paredes de pedra, começou a lembrar aos poucos de tudo. Ou boa parte... Enfim. Forçava a memória para lembra-se do caminho labiríntico e se recordava do motivo de estar do lado de fora. Ah, Alice. O nome da garota era Alice.

 

Sua vista se clareou progressivamente e, com ela, sua mente. Começou quase a sentir-se bem. Os machucados não a incomodavam tanto e já começava a se sentir psicologicamente sã.

 

Estava satisfeita consigo mesma. Só não se recordava do que acontecera após ter tentado fugir do tal Prince e isso a intrigava.

 

Pensando nisso, a certo momento do percurso, levou a mão ao rosto, já por hábito. Qual não foi então sua surpresa quando alguma outra coisa que não sua mão tocou seu rosto.

 

Estacou de súbito. Olhou para os lados. Aparentemente nada. Olhou então para a própria palma. Segurava uma espécie de rocha porosa branca. Quando aquilo aparecera ali? Uma lembrança vaga lhe ocorreu: viu a si mesma tirando o fragmento das dobras de seu vestido.

 

Olhou novamente as paredes, algo no fundo de sua mente havia notado algo diferente. Pois é, havia riscos brancos a cada curva. Riscos daquela rocha que segurava. Ela andara marcando o caminho. Dessa vez, a Voz pareceu até surpresa. “Legal, você ficou louca”.

 

Abriu a mão para soltar a rocha. Ou melhor, achou que tinha aberto a mão. Olhando sua mão, via que ela não a obedecia. Tentou em vão soltar a rocha. Testou então arrancá-la com a outra mão e também não obteve resultado. Seu braço direito parecia ter vida própria.

 

Avançou um pouco, sua mão dirigiu-se automaticamente à parede e a riscou, ela ficou assistindo boquiaberta. Tentou avançar afastada da parede, mas acabava que andava riscando o chão ou os muros de qualquer um dos lados. Ela parecia um boneco descontrolado se debatendo. E seu braço ainda zombava dela.

 

Começou a irritar-se, mas no fundo já surgia um pingo de desespero. Não poderia continuar daquele jeito. Olhou para o corredor que se seguia. Os dois já haviam sumido atrás da próxima curva. Não gritaria por ajuda. Isso, nunca.

 

Virou-se para a direção de onde viera e começou a voltar. Seu estúpido braço continuava com a brincadeira. Passou a ignorá-lo.

 

Pouco depois, surgiram passos apressados atrás de si. Alice vinha, ofegante.

 

- Você está voltando? Por quê?

 

Humanos e suas perguntas. Quisera ela poder livrar-se de ambos.

 

- Por isso. – Instintivamente gesticulou apontando as paredes. Ou melhor, achou que tivesse gesticulado. Mal-humorada, ela usou então o outro braço para apontar.

 

A garota, lerda demais para o gosto de Violette, levou alguns segundos para notar as marcações.

 

- Nossa, quem fez isso? – olhou para Violette. Olhou para a mão de Violette. – Céus, por que você fez isso?

 

Já disse que ela queria se livrar de toda essa falação irritante? Bom, era o que mais almejava naquele momento. Por que raios a chama em seu rosto não a deixara surda?

 

- É outra boa pergunta.

 

- Você marca as paredes e não sabe o porquê?

Violette suspirou, procurando em si todas e quaisquer paciência e boa vontade que pudessem lhe socorrer.

 

- Não sei, alles klar? Não consigo controlar meu braço e ando marcando o percurso. Obviamente não é seguro que eu continue. Vão vocês.

 

A menina abriu a boca para acrescentar algo. A Cainita, que a encarava, ergueu uma sobrancelha. Alice fechou a boa de novo, pensativa. Tornou a abri-la para falar e Violette quase – quase mesmo – soltou um suspiro de frustração.

 

- Não podemos prosseguir sem você!

 

“Então não prossigam” Violette começava a se identificar com aquela Voz Interior que tanto a irritara antes. Uma ideia lhe ocorreu.

 

 - Gilbert ainda está por aqui? Pode chamá-lo? Explique brevemente a ele a situação no caminho, por gentileza.

 

Ela concordou com a cabeça e voltou a passos rápidos. Pouco depois, vinham ela e o grande Gilbert.

 

 - Gilbert, você pode me carregar?

 

Ele fez uma perfeita cara de interrogação, mas depois pareceu entender.

 

- Não me solte, não importa o que aconteça. – Violette cruzou os braços, para enfatizar. Na realidade, tentou cruzar os braços, seu braço era talvez mais teimoso que ela.

 

O humano se aproximou e, sem jeito, a segurou pela cintura. A colocou com cuidado sobre o ombro e testou andar. O primeiro impulso de Violette foi se esticar para riscar o teto, mas não o alcançava. Ela arregalou os olhos.

 

- Pode ir. Estou bem. – Ela disse, sem convencer nem a si mesma.

 

Gilbert prosseguiu, no início hesitante, mas depois acelerando o passo. Alice ia atrás, provavelmente para vigiá-la.

 

No começo Violette ainda se esticou um pouco para tentar alçar-se até o teto, mas, notando que não o faria, começou a tentar escorregar das costas do homem. Ou então se jogava para o lado para desenhar na parede. Não conseguiu uma única vez. Então, passando por partes de paredes sem riscos, estas lhe estranhas, estavam tão feias! De repente se tornou questão de honra completá-las. Começou a balançar-se de um lado para o outro, mordendo o lábio, como uma criança travessa. A isso se seguiram resmungos e gritinhos. A visão das paredes simplesmente a enlouquecia. Começou a debater-se.

 

- Me solte! É rapidinho! Isso não está certo! Aaaaaaaaaaaaahhh

 

Socou o homem, o agarrou pelo pescoço, chutou. A parte lúcida da garota, que parecia ter sido chutada para o fundo da mente dela, agradecia por não ser mais forte que o homem e se lamentava pela cena. Que vergonha. O irônico era pensar que aquilo era como se o braço dela tivesse se rebelado e tomado todo o corpo.

 

A certo ponto, vendo que não riscaria nada daquele jeito, ela parou e se largou sobre o homem, com os braços estendidos, ficando a encarar o chão. Estava ainda desse jeito quando notou que entraram em um recinto maior. A sala principal provavelmente. Parte da mente dela observou a sorte que tinha por não poderem ver seu rosto. Ela arregalava os olhos e tinha a boca aberta, balançava um pouco a cabeça, a expressão de uma verdadeira maluca.

 

Após um trecho seu carregador parou. Ela levantou um pouquinho a cabeça para espiar. Alice também parara, se encontrava ao lado de Gilbert. Uma terceira voz surgiu em sua mente “Era o momento ideal para fugir”. Violette rezou para que ela fosse temporária, assim como sua recém-adquirida compulsão.

 

- O que está acontecendo por aqui? - Era a voz de Richard.

 

O homem que a carregava começou a içá-la para a frente e a garota se alarmou. Se segurou nas vestes dele e foi arranhando suas costas enquanto era puxada. Só então notou que, se conseguia se impedir de sair correndo e se ainda queria que ele a detivesse, então já estava de posse de parte de suas faculdades mentais. Soltou-se e foi depositada em pé na frente de Richard. Viu satisfeita que conseguia soltar a pedrinha. Quase com orgulho a chutou levemente para um canto.

 

Ainda mirava a rocha quando ouviu Richard novamente.

 

- Você pode me explicar o que acontece? O que houve com seu rosto e por que estava sendo carregada?

 

Perguntas, perguntas, perguntas. Dessa vez, estando se reportando a alguém que de certa forma respeitava e ainda, por ser a quem respondia em comando, muniu-se de toda sua escassa habilidade social.

 

- Eu não sei. Sinceramente não sei. Eu saí com Lilia e nos separamos após um tempo. Pouco lembro a partir daí, só sei que fui pega provavelmente em uma armadilha. Talvez tenha sido hipnotizada ou enfeitiçada, não sei, mas quando entrei aqui, comecei a marcar inconscientemente o caminho, por isso pedi a Gilbert que me carregasse. Só isso.

 

Richard olhou para os outros dois, esperando uma confirmação. O homem deu de ombros e a garota balançou a cabeça fracamente, concordando. Mirou novamente Violette.

 

- Muito bem. Mas já se encontra melhor? Pode ficar por si só sem problemas?

 

Ela concordou com um movimento impaciente de cabeça.

O líder se virou para alguns camponeses que assistiam à cena, mandou que alguém voltasse e limpasse os rastros nas paredes.

 

As pessoas se dispersaram e o mesmo fez a Capadócia. Recolheu-se a um canto do corredor e ficou a examinar seus ferimentos. Concentrou-se em curar o rosto, sabia que podia acelerar ainda mais sua recuperação se consumisse mais energia por um tempo e então assim o fez. A deformação começou a formigar e desaparecer lentamente. Ela fechou os olhos para se concentrar melhor. Queimaduras eram danos graves a vampiros, bem mais difíceis de curar.

 

Uma comoção na sala chamou sua atenção. Conferiu com a mão seu rosto. Estava praticamente bom, era como se só estivesse um pouco chamuscado, sem problemas. Seguiu até o salão para observar o que se passava.

 

Pelo meio da sala vinha aquele grandão caolho, Jules, e o assunto entre os humanos que passavam parecia ser ele. Quando ele passou pela frente de onde se encontrava Violette, ela pôde notar o porquê dos comentários: Jules tinha agora, pura e simplesmente, uma cauda negra. Um rabo longo e peludo de lobo.

 

Em um corredor lateral encontravam-se Mark, Lilia, Arda e Victoria, que vinham de algum lugar com Richard. Eles se juntaram a Jules e conversaram brevemente. Violette dirigiu-se ao grupo.

 

A eles juntaram-se então dois camponeses que vinham apressados da direção de onde viera Jules e ela, mais cedo. Eles noticiaram algo a Richard, em inglês, e alguns ao redor pareceram interessados. Richard transmitiu, em francês, a todos:

 

- Vocês estão em condições de me acompanhar? Temos... Hum... Uma situação na floresta. Seria interessante se pudéssemos contar com a ajuda de vocês nessa questão que envolve alguns guardas antes que eles possam descobrir a entrada para o refúgio.

 

A maioria concordou, Violette se absteve de comentar, ela imaginava se havia qualquer opção.

 

O líder seguiu à frente, conduzindo o grupo, que andava a certa distância. A Capadócia foi mais à dianteira do grupo, junto com o Assamita e Vicky, Mark e a maga seguiam na fileira de trás e Jules ia por último. Violette achou graça: o garoto-lobo estava com vergonha da própria cauda, literalmente.

_____________________________________________

 

Batalha na entrada da floresta.

 

Quando se aproximavam da entrada, puderam ouvir alguns sons de golpes e um par de gemidos. Os vigias de fora provavelmente não seriam aqueles a explicar o que se sucedera.

 

 

 

Já se postaram em posição de defesa quando ouviram passos rápidos nos degraus de pedra. Cinco guardas aparentemente humanos – provavelmente os que seguiam o lobo negro na floresta, pensou Violette – desceram em fila, correndo. Estes, pegos de surpresa pela turbe que os aguardava no subsolo, tiveram um segundo sem reação, postando-se quase lado a lado no corredor que se abria, e deram tempo para a ação dos Cainitas.

 

 

Richard avançou, com garras saindo de seus dedos, e saltou sobre o guarda mais à frente, os soldados reagiram, e os três mais próximos do Gangrel se postaram ao redor deste para atacá-lo ao mesmo tempo (1/4/5). Violette, avançando pouco atrás de Richard, se aproveitou do fato da atenção de três deles estarem completamente voltadas para o homem com garras para acertar o bastão em cheio no rosto de um deles (1), que levantou tardiamente o braço e acabou levando outra paulada por detrás dos joelhos, caindo de costas com um baque alto, sobre a própria perna.

 

Julius, ou Jules, ou como quer que se chamasse aquele grandão com orelhas peludas, veio atrás e fincou a espada no lugar onde o homem caíra, mas este conseguiu se mexer e levou apenas – e digo “apenas” porque a opção a isto era quase certamente a morte – um rasgo na panturrilha.

 

 

O homem que se encontrava mais à direita (2), livre do combate, se achava postado quase na lateral do Orelha Peluda e pretendia utilizar-se dessa vantagem para golpeá-lo. Chegou a brandir a espada, mas então o mouro e a garotinha avançaram juntos contra ele, pegando-o totalmente de surpresa. Vicky chegou a ele antes, fincando, com um movimento de arco, sua foice esquerda bem na boca do estômago do guarda, enquanto a outra se projetava para suas costas. Vistos pelo canto de olho por Violette, eles pareciam quase abraçados. Mas Violette pôde ver o medo puro que envolvia a vítima e também o sorriso largo da menina, cujos olhos se escureciam e a cabeça se inclinava para o lado. “Garota sinistra” foi o que se registrou em seu cérebro. A cena durou cerca de um segundo, e já estava Arda em cima do mesmo, abrindo-lhe a jugular e finalizando o malfadado guarda.

 

 

Lilia, de sua comum posição atrás, iluminou a sala com a chama que se projetou diretamente para o soldado postado perto da parede direita e que ainda não havia agido (3). Este foi empurrado para trás, enquanto tinha seus braços queimados por usá-los para proteger o rosto. Ele ainda ensaiou um contra-ataque, que exigiria que ele passasse pela lateral de Richard, mas Arda já se aproximava dele (3) por trás.

 

Richard, ocupado agora com dois dos homens (4/5), fez menção de atacar o combatente a sua esquerda (4), mas teve de desviar-se de ultima hora de um ataque do outro (5), e acabou não acertando, afastou-se um pouco enquanto se safava e acabou se vendo ao lado do homem que se ocupava do assamita Arda (3), acertou-lhe o ombro, ainda no mesmo movimento.

 

 

Violette, dando as costas para o homem que se levantava, atacou o homem a esquerda de Richard (4), mas sua ação foi desajeitada e não saiu como ela esperava, acabando por acertar a lateral da perna do homem e não lhe causando dano algum. Este virou-se, pisando sobre o bastão – o que já a desequilibrou – e a socou com a mão que segurava a espada. O cabo de metal atingiu em cheio o maxilar da garota e a atirou ao chão, esta mal conseguindo aparar a queda com os cotovelos. Mais uma vez, aquela sensação até pouco tempo esquecida, a de pura ira, a tomou. Percebeu, surpresa, que poderia conviver com ela.

 

 

Atrás de si, o soldado derrubado (1) se levantava, mas não teve tempo de alçar a espada e já recebia um chute da pequena Malkaviana, que se lançava com os braços para trás. O chute o fez quase cair para trás novamente, mas Lilia foi rápida de onde se encontrava e o que caiu no solo era nada mais que uma pilha cremada de carne.

 

Ao lado, Jule girou a espada e fincou-a no que atacara Violette (4), acertando-o na lateral do corpo um segundo antes da adaga de Mark se fincar no lado do pescoço do mesmo. Assim, restavam apenas dois no confronto (3/5).

 

O que encarava Richard (5) aparou com a espada um golpe de garras e, seguindo o movimento, golpeou a parte superior do tórax do líder, mas não teve impulso o suficiente para fazer mais que um corte raso, absorvido facilmente por Richard, que o empurrou com o pé e saltou sobre ele, acertando-lhe o rosto com a pata e derrubando-o.

 

Arda se engafinhara com o homem mais a direita (3) e eles trocavam golpes e esquivas numa sequência muito rápida. Violette se levantou e tomou o bastão, o alçou contra o oponente de Arda e o atingiu na cabeça, utilizando-se de toda sua força, depois se virou, sem olhar o resultado, para a escada, de onde surgiam ruídos. Aparentemente ileso, o mouro terminou o combate com um soldado em mãos totalmente retalhado.

 

 

 

 

 

Violette notou que alguns de seus companheiros de combate estavam até cogitando se alimentar, mas então todos voltaram suas atenções para as escadas, de onde saíam mais soldados. Alguém atrás de Violette suspirou. A comida teria de esperar.

.

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Diablerie

Violette usou sua Disciplina para despertar-se novamente. Já se encontrava muito fraca pelos excessos que havia cometido e pelos últimos danos recebidos, mas ao menos havia se alimentado bastante anteriormente. Notou que já não se desenvolvia aquela batalha ao seu redor, aparentemente apenas corpos a rodeavam. Dessa vez demorara, e muito, a sair de seu torpor.

Apoiou-se nas mãos e tentou levantar-se, porém uma dor aguda subiu por seu braço e a fez cair deitada novamente. Do fundo da mente veio-lhe a imagem do golpe que a havia atingido em cheio o ombro.

Caída meio de lado, concentrou-se em apressar a cura do ferimento. Não saberia exatamente descrever a sensação. Era como se sua vitalidade fosse sendo deslocada para o braço, preenchendo o espaço aberto na carne. Ela tinha outros machucados, diversos deles, mas no momento esse era o que exigia atenção e então bastou a ela consertar apenas esse.

Quando pôde sentir que suas fibras se juntaram no corte, sentou-se lentamente e mexeu o ombro. Perfeito novamente. Olhou o ambiente que a cercava.

Richard e Chronos se encontravam bem próximos, no chão, da forma como haviam caído. Assim encontrava-se também Jules, um pouco a esquerda de Violette. Muitas cinzas se espalhavam pela relva.

Nem todos os inimigos, porém, haviam desaparecido: caído bem próximo a ela própria, de bruços, estava um dos Nosferatus que os atacaram, também, um dos Assamitas, o que permanecera na batalha principal, estava estendido, com Vicky debruçada por cima dele. A princípio Violette chegou a pensar que a garota também estava em torpor, mas então viu que ela se movimentava, mesmo que pouco. Sugava-lhe o sangue freneticamente. Na mesma situação a Capadócia encontrou o mouro Arda sobre aquele repudiável vampiro do clã dos Seguidores de Set.

Ela fitou o rosto do mouro, este bebia o sangue do Setista com vigor, quase de forma desesperada. Violette estranhou a cena. Ela não achava que era assim que se parecia quando ela se alimentava. Estaria ele tão faminto ou era outra peculiaridade daquele clã renegado? Quando veio-lhe à mente o clã, uma palavra estampou-se em sua mente. Diablerie.

Até onde aprendera, o clã dos assassinos não era confiável justamente por isso. Além da união e lealdade entre seus membros que não era vista em nenhum outro clã da sociedade vampírica, havia aquele aparente ódio dos mouros aos outros Cainitas, o qual era realçado pelo boato de que, aparentemente, esse clã do Oriente era fixado pelo aumento de poder, cometendo o ato proibido do diablerie sempre que tivessem oportunidade.

Boquiaberta, Violette voltou a mirar Victoria. Estaria ela também...? Por um segundo, dominou sua mente a terrível imagem do que os aconteceria se descobrissem seus atos. Por mais que fosse sabido que a diablerie – quando um vampiro suga não só todo o sangue, mas também a alma de outro vampiro para obter poder – era comumente cometida por diversos Cainitas, a ação ainda era proibida, considerada um tabu, praticamente um pecado e podia acarretar diversos problemas ao vampiro que fosse descoberto praticando-a.

Mas então ela teve a certeza de que ninguém os veria. Aquele seu instinto de perigo estava calmo, quase adormecido. Ninguém viria nem os surpreenderia enquanto sugavam a força vital daqueles combatentes.

Brotava nela um pingo de curiosidade, sim, aquela curiosidade imprudente e perigosa. O Nosferatu que a atacara estava lá. Lembrou-se da força com que ele a atingira e uma sensação, que ela percebeu, surpresa, como sendo cobiça, se alojou. Se ela pudesse, ao menos, rapidamente... Sabia que, se raciocinasse demais sobre o assunto, poderia acabar mudando de ideia, então se ateve ao impulso que tivera e arrastou-se rapidamente até o corpo daquela criatura de aparência bizarra.

Virou-o e observou-lhe a aparência. Essa era uma das características que esperava não ser possível adquirir quando se diablerizava uma daquelas criaturas.

Fincou rapidamente suas presas no indivíduo e começou a sentir o gosto familiar de sangue. Tomou-o sem escrúpulos: mesmo que não obtivesse nada de especial, ao menos se alimentava. Aquele prazer animal em beber a vida de um ser a invadia, não sabia se a sensação era a mesma para todos, mas seu contentamento em enviar aquele morto-vivo para sua única e verdadeira Morte Final era imensurável, infinita. Era mais um a poder presenciar a verdade sobre o que havia do outro lado, verdade aquela que cabia aos Capadócios desvendar, em terra.

A certo ponto, Violette percebeu poder sentir algo diferente, como se o líquido vital do Nosferatu estivesse incumbido de lembranças. Não podia distingui-las, sabia apenas que não eram suas. Começava a tomar para si o espírito de sua vítima.

Um fluxo maior de lembranças se seguia, para ela eram meras imagens desconexas, no entanto seu gosto era incomparável. A garota começou a empregar mais força, um torrente de emoções, pensamentos, memórias, ideias, medos, vícios, virtudes, horrores, características, sonhos, vislumbres, sentimentos, teorias, imagens, cheiros, sabores, sensações e miragens fluía com o líquido que escorria por sua garganta. Já não era mais sangue, o que tomava era a essência do outro. Ela arregalou os olhos. Naquele momento, nenhum pedaço de si duvidava que diablerie pudesse viciar.

Poder. Mas quanto? Seria ele forte o bastante para melhorar sua condição? Seria de uma geração menor que ela? Seus olhos começaram a mover-se freneticamente. Sua sede, estranhamente, aumentava ao invés de diminuir. Mais, mais, mais, mais.

Certo tempo depois, ligeiramente zonza, começou a parecer-lhe que não conseguiria. Sua mente começou a ficar um pouco alheia e seus pensamentos pareciam distanciar-se, beirando o inalcançável. O que importava a seu lado animalesco era o prazer, a força, o poder. Mesmo que seu corpo não comportasse outra alma. Mesmo que sua mente não suportasse. Uma parte de si alarmou-se e ela forçou-se a ficar consciente. Porém o poder do Nosferatu, ou daquele estado dela mesma – já não sabia mais – era muito grande.

“Não, não conseguirá” foi a última coisa que ouviu. Depois desfaleceu sobre o corpo que virava cinzas sob si.

~~~~~~

Umidade, eco, mofo. Pois é, parecia que ela estava de volta ao subsolo, em uma daquelas camas maravilhosas. Lambeu os lábios. Sangue fresco. Pôde identificar o gosto de sangue animal, bem diferente do sabor doce e costumeiro do sangue humano, e ainda mais da viciante e perigosa sensação do sangue vampírico. Abriu os olhos lentamente, já preparando sua usual expressão de Interrogação Cética de Sobrancelha Esquerda Arqueada.

Marck e Lilia estavam em pé junto a si, com expressões gêmeas de ansiedade e dúvida. A maga do clã dos Usurpadores tinha um jarro em mãos, de onde viera aquele líquido viscoso rubro, provavelmente. No mesmo cômodo de pedra encontrava-se também Vicky, recostada ao espaldar da cama ao lado, murmurando algo consigo mesma.

Não tendo obtido respostas com seu olhar mais convincente de “O que raios está acontecendo?”, ela suspirou, frustrada. Estava começando a achar que deveria se acostumar a falar tudo com todos, e em detalhes, por mais que detestasse.

- Muito bem, o que há?

Os dois que estavam de pé se entreolharam e Lilia fez um movimento com a cabeça. Ambos se viraram para Violette e o cigano começou a falar.

- Violette, o negócio é o seguinte: Achamos que há algo errado acontecendo por aqui. Richard está em torpor e, pelo que parece, Alice assumiu o comando. Não que isso seja realmente o que nos preocupa, mas é que parece ter algo mais, algo que não estão contando pra gente. Lilia ouviu uma conversa no corredor quando fomos caçar e eu palestrei com alguns desses camponeses. É como se estivessem tramando contra nós. Só não sabemos o que é e nem o porquê, afinal... A gente está ajudando, não é?


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Notas finais do capítulo

Êêêêêêê consegui finalmente conectar duas partes escritas! xD
Me sinto super vitoriosa
Essa parte que eu postei agora (depois que ela acorda até a batalha na floresta) foi extremamente FAIL, pq era para parecer sinistra e saiu engraçada, mas não vou conseguir mudar, então fica assim mesmo xD hauhaua



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