Céu & Mar escrita por Luh Castellan


Capítulo 2
Last Day


Notas iniciais do capítulo

A pedidos, ou melhor, "ordens" do meu amigo Beto, aqui está o primeiro capítulo. A história começa aqui, o prólogo foi só para deixar vocês no suspense :3 Espero que gostem.



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Thalia

Último dia de aula em Westover Hall, antes das férias de verão. Meus olhos já estavam secos, de tanto fitar aquele relógio que pendia na parede da sala de aula. Os ponteiros arrastavam-se pesadamente. Cada minuto durava uma eternidade. A nossa professora de latim era uma mulher de meia idade, cabelos grisalhos e cara amarrada chama Sra. Tengiz (sim, isso é o nome de uma pessoa). Ela estava sentada em sua mesa, lendo um velho livro de mitologia, alheia ao restante de nós. As provas já tinham terminado, portanto, não havia mais nada para fazermos. Mesmo sendo o último dia letivo, as rígidas regras do colégio militar permaneciam e o costumeiro silêncio firmava-se no ambiente, quebrado somente pelo tic-tac do relógio e, ocasionalmente, pelos suspiros lamuriosos dos alunos.

Nossa sala de aula era simples, antiquada e completamente entediante. As paredes eram de pedra, bastante antiga e a velha pintura cinza já estava descascando. Era quadrada, o quadro negro estendia-se na parede frontal e fileiras de rústicas carteiras de madeira posicionavam-se voltadas para ele. Haviam duas estreitas janelas na parede esquerda, que davam visão para os bosques de pinheiros lá fora. Alguns estandartes com cenas de batalha compunham a escassa decoração do recinto.

Os alunos usavam de todos os meios que estavam em seu alcance para vencer o tédio. Não era permitido conversas, nada de aparelhos eletrônicos, brincadeiras, ou qualquer outra forma de diversão. E acredite, você não vai querer saber como éramos punidos caso um de nós desobedecesse tal regra. Então, uns se viravam fazendo rabiscos no caderno, outros liam, outros tiravam um cochilo e os mais ousados passavam bilhetinhos de papel por baixo das carteiras, esforçando-se ao máximo para passarem despercebidos pelos olhos atentos de Tengiz. Já eu, preenchi várias páginas do meu caderno com nomes de algumas bandas, seguidos por trechos das minhas músicas preferidas.

Suspirei e encarei o relógio pela milésima vez. O ponteiro mal havia se movido. Eu mal esperava para aquela droga de sinal tocar e eu sair logo daquele inferno. Geralmente, eu passava os verões com meu pai, Zeus, em Nova York. Ele era o dono de uma das maiores companhias aéreas do país, por isso passava muito tempo ocupado. Assim, "passar as férias com papai" significa três longos meses sozinha na nossa casa de campo, assistindo a maratonas de séries, me empanturrando de pizza e ouvindo rock nas alturas sem me preocupar com vizinhos chatos reclamando. Parecia tentador, mas felizmente tia Atena conseguiu convencê-lo a me deixar ir para um acampamento de verão em Long Island, com minha prima Annabeth. Annie já tinha passado outros verões no acampamento e falava mil maravilhas do lugar.

O Acampamento Meio-Sangue (não me perguntem o motivo dele se chamar assim) recebia todo ano centenas de campistas vindos de todo o país, em busca de lazer, aventura, e diversão em contato com a natureza. Sonhava acordada imaginando esse lugar perfeito, sem restrições idiotas, professores chatos, castigos e monotonia.

Eu terminava de escrever um trecho de Radioactive no meu caderno quando um barulho estridente semelhante a um sino invadiu meus ouvidos. O clima monótono da classe transformou-se numa algazarra de gritos eufóricos e correria. Ninguém se importava mais com as regras, não estavam nem aí para os protestos da Sra. Tengiz, ou a ameaça de punição. Arrumei meus materiais às pressas e tentei acompanhar a turba. Eu só queria dar o fora dalí o mais rápido possível.

Quando alcancei o corredor, fui arrastada por uma multidão de adolescentes que saiam de suas salas como um bando de ovelhas desesperadas por liberdade. Subi os degraus das escadas de dois em dois, em direção aos dormitórios. Os antes sombrios corredores de Westover Hall foram inundados pela animação dos estudantes.

Finalmente cheguei ao meu quarto. Empurrei a pesada porta de carvalho e encontrei minha colega de quarto, Bianca di Angelo, arrumando suas malas. Nosso quarto era simples, mofado e obsoleto, como absolutamente tudo naquela escola. E quando eu digo "simples", eu quero dizer simples mesmo. Só duas camas, uma em cada extremidade do quarto, e um guarda roupa no meio, que tínhamos de dividir. Bianca tentou alegrar o ambiente, colando alguns de seus desenhos nas velhas paredes cinza. Eu mesma colei um pôster do Green Day na minha parede, na vã tentativa de deixar o lugar mais com uma cara de "meu". Pelo menos tínhamos um banheiro individual, só para nós. Me joguei na cama e fiquei deitada, encarando as rachaduras do teto.

– Vai passar as férias onde, Bianca? - Me virei de lado, apoiando-me no cotovelo, a fim de ficar de frente para ela.

– Vou pra casa do meu pai em Los Angeles - Ela colocou um par de meias na mala e sorriu, empolgada. Bianca era alta e elegante, pálida, tinha os cabelos negros e ondulados, e seus olhos eram de um preto profundo, a pupila fundia-se com a íris. Ela era dois anos mais velha do que eu. - E você?

– Eu vou pro Acampamento Meio-Sangue, com Annie.

– Long Island?

Assenti com a cabeça.

– Nico também vai passar o verão lá - Nico di Angelo era o irmão mais novo dela. Eu me lembrava vagamente dele. Ele ficou poucos dias em Westover, foi expulso depois que provocou um incêndio no laboratório de química. Nico tinha a minha idade, também era alto, muito pálido, cabelos negros rebeldes e olhos do mesmo preto dos da irmã. A diferença é que na garota os olhos ajudavam a completar o visual sofisticado, já nele, os olhos o tornavam mais sombrio, perfeitos para olhares fatais. Ele era um garoto misterioso, calado e sempre parecia estar de mal humor. Agora morava com o pai, em Los Angeles e tinha professores particulares, que pediam demissão quase todo mês.

– Papai disse que ele precisa... Se enturmar um pouco com outros adolescentes - Ela falou, pouco à vontade, como se tratasse de um assunto muito delicado. Decidi que seria melhor não alongá-lo.

A morena tentava com esforço fechar o zíper de sua mala extremamente lotada. Eu tentei ajudá-la, forçando a tampa para baixo, mas não funcionou. Aquela mala teimosa não iria ganhar de Thalia Grace, então tomei uma atitude drástica: sentei em cima dela. Bianca riu e conseguiu puxar o zíper.

– Vou sentir saudade de você, maluquinha - Ela me abraçou, tentando esconder as lágrimas que já se formavam em seus olhos. Esse era seu último ano no colégio interno e ela iria para Harvard no outono.

– Eu também vou - Não percebi que meu próprios olhos estavam marejados. Eu não chorava com facilidade, mas Bianca era a minha única amiga naquele lugar detestável. Se não fosse por ela, sobreviver àquele inferno teria sido mil vezes pior.

– Se cuida - Ela murmurou, quase inaudível, e deixou o quarto.

Eu me livrei do horrível uniforme militar preto com debrum vermelho, jogando-o num canto e fui para o banheiro. Era pequeno, tinha um vaso de cerâmica antiga, um chuveiro meio enferrujado e uma pia com bancada de mármore. Tomei um banho rápido, o que significa uns bons 20 minutos (adeus água do planeta) e me troquei. Vesti um jeans rasgado qualquer e minha camiseta preferida, uma que dizia Morte à Barbie e mostrava a estampa de uma boneca Barbie com a cabeça atravessada por uma flecha. Passei meu inseparável delineador preto ao redor dos olhos e calcei minhas botas de combate. Me olhei no espelho. Meu cabelo curto, preto com mechas azuis estava espetado, meio rebelde. Perfeito.

Vou resumir as partes chatas para você: três horas e meia de vôo de Bar Harbor, no Maine, até Nova York; Robert, o chofer do meu pai, me buscou no aeroporto e me levou para casa; o lugar era grande e muito bonito e blá blá blá; meu pai não estava em casa (para variar); eu comi qualquer coisa que as empregadas trouxeram e apaguei na super confortável cama do quarto que meu pai fizera para mim (que eu odiei, pois era todo pink e cheio de frescuras, como flores e lacinhos, e eu não vou perder tempo descrevendo-o).

Assim que acordei, desci para tomar café e me deparei com uma cena inesperada. Um homem alto, usando terno risca-de-giz, estava sentado na cozinha, de costas para mim.

– Hm... Pai? - Perguntei, meio atônita.

Ele se virou e pude ver seu rosto: barba aparada, olhar imponente, como se o poder exalasse dele. Tinha uma expressão que intimidava, mas logo se abriu em um sorriso sincero. Exatamente como eu me lembrava.

– Filha, quanto você cresceu! - Me puxou para um abraço, meio sem jeito.

Conversamos sobre banalidades, tomei suco com bolachas e subi para me arrumar. O ônibus do acampamento me pegaria em casa às 9 h.

Tomei um banho rápido e vesti a camiseta laranja que eles entregaram no dia da inscrição. Ela tinha os dizeres "Acampamento Meio-Sangue" em letras pretas e um desenho de um animal abaixo. Era um daqueles seres mitológicos metade homem metade cavalo... Como era mesmo o nome? Ah! Centauro. Coloquei uma jaqueta de couro preta por cima dela, vesti um jeans com tachinhas de metal e calcei minhas botas de combate. Peguei minha mochila e desci, no exato momento em que um grande ônibus laranja businou na porta.

Subi no veículo e o motorista me cumprimentou. Um homem na faixa dos 35 anos, forte e de olhos azuis. Li seu nome no crachá que pendia em seu pescoço: Argos. Corri os olhos pelos bancos e avistei um vago na fileira à esquerda, mais ou menos na metade do ônibus. Eu estava com sorte, teria um banco inteirinho só para mim. Conforme eu caminhava pelo corredor, percebi muita gente olhando para mim como se eu fosse um alguem de outro planeta. Já estava acostumada com isso, eu não dava mais a mínima.

Me joguei no assento de couro, coloquei meus fones de ouvido e fiquei encarando a janela. O ônibus parou mais algumas vezes e outros adolescentes subiram, mas felizmente ninguém quis sentar do meu lado. Eu já estava certa de que o banco era inteiramente meu quando o ônibus parou de novo e três figuras subiram. Primeiro um garoto alto, branquelo de cabelos castanhos encaracolados e uma barba fina no queixo. Segurava a mão de uma menina bonita, baixinha, de pele bem clara, num tom quase esverdeado. Ela tinha cabelos longos e loiros, com as pontas pintadas de verde. Seus olhos eram de um verde intenso, como clorofila. Usava uma tiara de flores na cabeça, e a camisa do acampamento ensacada dentro de uma saia de babados. Eles sentaram juntos no primeiro banco da minha fileira. Logo atrás do casal, estava um rapaz de cabelos pretos e lisos, olhos verdes e corpo atlético. Okay, admito que ele era bonito. Usava um casaco cinza de capuz por cima da camiseta laranja. O garoto piscou para duas meninas que estavam sentadas lá na frente e elas deram risinhos histéricos. Babaca. Correu os olhos cor-de-mar pelo veículo e os fixou em mim. Ou melhor, no assento vazio ao meu lado. Percebi qual era a intenção dele. Ah não, de jeito nenhum eu dividiria meu lindo banco com um idiota convencido.

Ele veio caminhando em minha direção. Instintivamente, deslisei para o assento do corredor, bloqueando a passagem dele. Dessa forma, ele não conseguiria sentar no assento vazio ao lado da janela, a menos que eu me levantasse. O moreno já se aproximava de mim, com um meio sorriso zombeteiro no rosto. Aumentei o volume da música e deixei que "American Idiot" preenchesse minha mente. Fingi estar distraída olhando a paisagem.


Percy

Corri os olhos pelo ônibus a procura de um lugar vazio. Só havia um, ao lado de uma garota... Punk... Gótica... Rockeira... Sei lá. Só sei que ela estava vestida toda de preto, exceto pela camiseta do acampamento. Tinha o cabelo preto com mechas azuis, curto e espetado. Seus olhos se voltaram para mim. Eram de um azul elétrico e estavam contornados por delineador, adivinha de que cor? Isso mesmo, preto. Comecei a andar em direção a ela, mas garota mudou de lugar, impedindo minha passagem. Não sei o que deu nela, era doida, talvez. Me aproximei.

– Com licença - Pedi, educadamente, porém ela não ouviu. Ou fingiu que não ouviu. A música que saia dos seus fones estava tão alta que eu ouvia de longe. Ela iria estourar os tímpanos, desse jeito. Sua atenção estava voltada para a janela, como se ela estivesse me ignorando de propósito.

– COM LICENÇA! - Praticamente gritei dessa vez, mas ela não moveu um músculo. As pessoas a minha volta me olharam como se eu fosse louco. Eu já estava me cansando daquela garota.

– Ei garoto, sente-se! - O motorista ordenou lá da frente, me encarando pelo retrovisor.

Olhei para o fio do fone de ouvido conectado ao IPhone da menina. Sem pensar duas vezes, puxei-o desconectando ele do aparelho e fazendo a música parar. A garota me encarou, enfurecida. Parecia que seus olhos estavam soltando faíscas para mim.

– Quem você pensa que é, moleque??!! - Ela gritou, cerrando os punhos. Por um momento, achei que ela iria me bater - O que você quer?!

– Ei docinho, calma. Eu só queria que você me deixasse passar - Indiquei o assento vazio ao seu lado.

– Não me chame de docinho! - Ela cuspiu a palavra, como se fosse o pior dos insultos. Caramba, o que ela tinha de linda, tinha de chata - E não, vai sentar em outro lugar!

Suspirei. Óh céus, que garota difícil...

– Não sei se você reparou, docinho– Fiz questão de chama-lá assim de novo, sabendo que a irritava - Mas esse é o único lugar vago. Querendo ou não, eu vou sentar com você. Então, por favor, me deixe passar, por bem ou por mal.

– Não - Ela disse, de cara amarrada, e cruzou os braços.

Não tive escolha, então eu a empurrei "delicadamente" para o lugar ao lado da janela e me sentei. E quando eu digo "delicadamente", quero dizer que num movimento brusco, joguei ela para o lado, até ter espaço suficiente para eu sentar. Porra, tentei ser legal com ela e a menina só me deu patada, tive que tomar medidas drásticas. A morena não ficou muito contente com isso.

– Aii seu idiota!! - Ela gemeu, ou melhor, gritou ao se chocar contra a janela e me fuzilou com o olhar. Mas ao invés de tentar me matar ou algo do tipo, ela só reconectou os fones e ficou emburrada, encarando a paisagem lá fora. Estava sentada o mais longe possível de mim que o banco permitia, como se eu tivesse alguma doença contagiosa.

Pensei em puxar assunto, mas ela ainda estava com cara de poucos amigos, por isso achei melhor permanecer calado, para poupar minha vida. Fiquei observando a marrentinha pelo canto do olho e notei que ela era até gatinha. Okay, chega de diminutivos. Ela não tem nada de "inha", só na altura mesmo. Era poucos centímetros mais baixa do que eu. Se não fossemos inimigos mortais, eu até que pegaria. Isso era um "se" bem grande. Provavelmente, ela me odiava. Nem sabia seu nome, mas ela me odiava.


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Notas finais do capítulo

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