Porventura da péssima noite de sono que tive, acordei cedo para arrumar o apartamento. Minha mãe estava tomando café e vendo o jornal na pequena televisão que ficava na cozinha. No momento em que varria a sala, Cookie surgiu afim de morder a vassoura, deixando vestígios e baba por todo o sofá vermelho.

A sala era o cômodo mais decorado do apartamento, uma mistura de boho e retro, isto é, década de 50 e 70 juntas. Havia uma estante com discos de vinil de minha mãe e alguns livros que não couberam no meu quarto. A parede azul-royal possuía diversos quadros com fotos da nossa família. Mas a maioria eram eu pequena. Minha mãe evitava fotos dela com meu pai, mas depois de eu insistir muito ela deixou colocá-la na parede, apenas uma.

– Meu deus, Aria. Venha ver isso - minha mãe gritou apontando para a televisão da cozinha.

O repórter dizia da bolsa de valores de nova York que havia caído 35% e que mesmo sendo, aparentemente, pouco, havia afetado diversas pessoas por causa do desemprego. Ele continuou falando que o cenário tendia a piorar, e que talvez em dias a bolsa despencaria, dando inicio a uma possível crise.

– Mae, calma. Eles só estão falando isso para que as pessoas deem o seu melhor na área financeira, você sabe como a mídia exagera.

– Filha, se a bolsa cair você sabe que vou sair prejudicada – ela continuou - mesmo eu sendo uma corretora de imóveis. Quando não se tem dinheiro, ninguém procurara casa para comprar e...

– Mae, se houver uma crise, todos vão sair prejudicados, fique calma, não é como se fosse a grande depressão de 29!

– Aria, sua lerda. É exatamente disso que eles estão com medo, minha filha.

Como se o universo estivesse com raiva, tudo veio a piorar durante as semanas seguintes. Os Estados Unidos encontravam-se em crise, o que preocupava não somente o povo como também os outros países que dependiam desse comércio. Houve brigas entre presidentes e discussões no parlamento, pelo menos era isso que ouvia de minha mãe, ela entendia politica, eu não. Portanto apenas assentia com seus resumos do jornal.

A bolsa foi caindo cada vez mais, e então, no dia 1 de março, mais de um mês depois do meu aniversário, veio o primeiro chamado de desafeto: Japão, Alemanha e EUA haviam cessado seus comércios internacionais. Era a terceira guerra mundial.

Com essas grandes potencias em crise, as outras estavam praticamente a beira da miséria. Um mês , apenas. Um mês. Aquilo era impossível, inacreditável. Um tempo tão medíocre para tamanha desgraça.

Eu odiava ligar a TV, pois esse era o único assunto transmitido, e sentia como se de alguma forma eu precisava fazer algo. Não é como se eu quisesse partir para a área da política – nunca. Mas, durante uma conversa com a minha mãe veio algo em minha mente. O sonho que havia tido a um mês atrás. O anjo, guardião, seja lá o que fosse, ele falou sobre isso, o apocalipse. Será que era verdade, estava realmente acontecendo?! Loucura, me encontrava tão desesperada que cogitava nessa bobagem. Mesmo assim, não pude evitar de pesquisar, e já sabia por onde começar.

Subi para o quarto de minha mãe e peguei o livro, sentei-me no carpete e o folheei, ali estava: “ pagina 1675, Novo Testamento, O apocalipse”.

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Quando eu era pequena, meu pai e minha mãe me levavam todos os domingo de manha na igreja, diziam que era isso que traria paz e felicidade a nossa família. Porém, desde sempre eu não me sentia muito bem-vinda, era como se de algum modo não pertencesse aquele lugar, e tudo não se passava de uma mentira. As declarações feitas pelo padre e o dinheiro que pediam, não me parecia certo. Mas nunca comentava isso com ninguém, afinal, o que pensariam da opinião de uma criança de oito anos?!

Existiam dias que eu fingia estar doente para não ter de ir a igreja, eu me sentia culpada no começo, mas depois eu esquecia.

Quando completei nove anos, meus pais passaram a discutir constantemente. Eles não podiam se ver, que uma confusão se iniciava. De manha; a noite; não importava, tudo era motivo para briga. As vezes, eu precisava aparecer chorando e me posicionava no meio deles para que, finalmente, parassem.

Era difícil dormir com seus gritos vindos da cozinha, mas mesmo com todas as desavenças, no domingo de manha eles acordavam, se trocavam e conduziam-se para a igreja, como se fosse obrigação ou algo do tipo. Eles acreditavam mesmo que isso os trazia felicidade?!

Não durou muito tempo para que minha mãe descobrisse que meu pai estava tendo um caso. Um mulher dois anos mais nova, apenas. Loira e com seis fartos. Clair. Eu tinha dez anos quando a conheci. Ela já tinha um filho, e também uma família, não somente eles haviam destruído sua família, como também a minha.

Foi assim que fiquei cada vez mais fechada, presa no meu próprio mundo. Culpava qualquer um por tudo aquilo. Principalmente, a igreja. Não era para trazer paz e felicidade? Amor? Meu pai traíra minha mãe a mim também.

Só sei que nunca mais pisei naquele lugar, e demorou quase dois anos para eu voltar a me comunicar com meu pai.

Eu folheava a bíblia imersa em meus pensamentos e lembranças. Cada vez mais eu me perdia em tudo aquilo, percebi como estava sendo ridícula em levar sonhos a sério. Mas era fato que o mundo se encontrava em uma situação crítica. Essa foi a única razão para me fazer continuar lendo.

O que eu havia entendido na bíblia...

Certo. Havia um livro, este com sete selos. Somente uma pessoa poderia abri-lo e lê-lo, um príncipe acredito que de Israel. A cada selo aberto, um cavaleiro saia, trazendo a humanidade destruição e sofrimento. Mas, eram quatro cavaleiros ao todo e sete selos, isso não fazia sentido.

O livro havia sido arrancado da mão direita de quem estava no trono, isso seria, a mão de Deus. A cada palavra que devorava, mais perguntas vinham em minha mente, piorando mais a situação.

Quatro cavaleiros: conquista, guerra, fome, morte.

Os minutos foram se passando e nada melhorava. Haviam mais perguntas, muita morte, sangue e ruindade. Aquilo era horrível demais.

As pessoas realmente teriam de passar por isso?! E Deus havia criado aquilo?

Por algum motivo comecei a chorar. Pingos caiam nas folhas finas da bíblia e embaçavam minha visão. Meu corpo tremia e lutava para se manter quieto, mas era inviável. E então, outro apagão.

Acordei com um barulho, não sabia distinguir qual era, levantei a cabeça e abri os olhos devagar. Minha mãe havia saído para o trabalho, pois o relógio mostrava onze horas da manha. O barulho continuou, agora eu tinha ideia do que era. Alguém batia em minha porta, os latidos agudos de Cookie transpassaram por todo o apartamento.

– Já vai – gritei para a pessoa do outro lado.

– Abra logo, por favor! – era a voz de um homem, fiquei assustada, não tinha ideia de quem poderia ser.

No momento em que destranquei a porta e a abri, fiquei paralisada com os olhos arregalados, parecia ter um ovo preso na garganta me impossibilitando de gritar. O anjo, guardião, homem do sonho me fitava confuso e ao mesmo tempo sofrido. Para piorar, ou não, a situação, aquele imbecil estava nu. Sim, um homem alto, musculoso, com os olhos cinza e cabelo cor de lã nu, na porta do meu apartamento.

– Jesus cristo! – falei pasma

– Não, Aria. Meu nome é Hamon

Meu olhos percorriam todo seu corpo, com suas curvas volumosas no abdômen e...

– Ahh, meu deus! Você precisa tampar isso! – peguei o travesseiro do sofá e o lancei – Anda, cubra o seu... negocio!

– Calma, minha ama. Isso é o corpo humano, o natural do ser.

– Cala a boca! Você é louco? – estava gritando – eu não sei em que mundo você vive, mas aqui no meu, não é nada natural bater na porta dos outro nu desse jeito.

– Me perdoe, minha ama – ele disse abaixando a cabeça

– Pare de me chamar assim! – naquela hora escutei outra porta do corredor se abrindo, não pensei duas vezes, puxei o peladão para dentro do apartamento antes que qualquer pessoa visse aquilo, quer dizer, ele.

– Você precisa me explicar o que esta fazendo aqui – eu respirava fundo para manter a calma – Mas antes, vamos arrumar algumas roupas para você – continuei – E, Hamon!?

– Sim?

– Nem ouse sentar no meu sofá com essa sua bunda angelical.