Oceano escrita por Mateu Jordan


Capítulo 23
Gritar seu nome




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Não penso muito em o que fazer na hora em que escuto algo entrando aqui no reservatório, apenas tento me esconder nas poucas algas que encontro perto da caverna. Vejo que o impacto da coisa que caiu não fora tão grande, então descarto a ideia de que uma pessoa - criança ou adulta - tenha mergulhado aqui.

Meu coração ainda bate forte, mas a medida que o tempo vai passando e eu não vejo nada se mover - a não ser os peixes - ele vai relaxando, e eu suspirando. Meus dedos soltam as algas que eu não havia percebido estar segurando e eu agora estou melhor.

Observo a pedra indo em direção ao solo do reservatório. Solto uma risadinha.

Uma pedra. Mas quem jogou-a?

Entro em alerta novamente, e vou subindo para a superfície. Quando estou quase chegando no primeiro degrau do reservatório, onde a água ainda chega, já não ouço mais a canção e foco em me transformar em uma humana novamente. Fecho os olhos e suspiro. É mais difícil quando se está ansiosa e nervosa.

Relaxo meu corpo e percebo que estou precisando de oxigênio mais do que nunca. Minhas pernas já estão batendo e vejo que minhas mãos estão se apoiando no degrau, assim eu continuo aqui perto da superfície, senão já estaria afundando.

Dou um impulso com os pés no degrau e subo para a superfície. Diferente do que eu pensara, a pessoa com que eu me encontro não parece surpresa ao me ver.

*****

Tim está me olhando forte, mas tranquilamente. Seus cabelos encaracolados e loiros estão platinados na luz do sol. Meu coração quase fica feliz em vê-lo. Mas não por ser ele, e sim por pensar que poderia ser Riba. Digo um olá baixinho e ergo-me na ponte de madeira que está quente. Mas não me importo, eu estou fervendo por dentro a dias.

— O que você está fazendo aqui? - Pergunto. Acho que foi meio grosseiro da minha parte, e tento contornar a situação da melhor maneira. Minhas roupas, diferentemente daquela vez em Oceano, estão molhadas. Acho que fiquei tempo suficiente na forma humana dentro da água para molha-las. — É que você me pegou de surpresa...

— Desculpa... é que sua mãe disse que você havia saído, e eu resolvi vir aqui. — Ele coloca as mãos nos bolsos da calça jeans. Abaixa a cabeça e meio que sorri. Timidamente. — Ai vi suas pegadas na areia, e agradeci por ter vindo..

Viro o rosto e tento pensar em alguma outra coisa. Eu estava quase fascinada por sua beleza e por sua fofura. Conheço ele a muito tempo, mas devido ao fato de eu achar que tinha um trauma e de ter muitas coisas em minha mente, nunca olhei-o como um homem. E eu sei que perdi muito tempo. Mas não posso, simplesmente não posso.

— Ainda bem que é você, Tim - Digo. Não sei o que dizer. Pareço um peixe fora d'água. E sou.

— Mas o que diabos você está fazendo ai? - Ele agora parece curioso. Deve ter escondido a curiosidade no bolso e agora tirara ela de lá. — Eu sabia que você estava diferente, e o fato de você ter vindo para o luau na sexta, me fez crer que você tinha perdido esse medo.

Me sinto constrangida. De um tempo para cá, muitas pessoas estão reparando em mim de uma forma que eu não gostaria. Não quero que me veem como uma pessoa indefesa. Posso ter meus defeitos, mas me considero forte e sã.

— Eu reparo em você desde sempre, Leo. — Ele diz aquilo e eu quero calar a boca dele de um modo mais delicado. Não sei o que falar, mas viro mais ainda o rosto de sua direção. Não posso.

Penso na decepção de Riba ao me ver ir embora daquele jeito em Oceano. A chuva molhava suas asas, e seus cabelos pareciam estar ficando fosco a medida que as enormes gotas de água caiam sobre ele. Depois disso não consigo achar uma outra forma de esquecer isso. E não posso viver com uma culpa dessas. Mesmo que o tempo cure, ainda não é o momento.

— Não quero voltar para casa - Digo para Tim. - Mas também não quero falar sobre isso.

Ele me olha. Me olha com compaixão. Seus olhos são castanho-escuros e eu acho-o atraente ao sol. E algo me diz que ele acha o mesmo de mim.

Não me preocupo com o meu cabelo, nem com o quanto minha maquiagem que passei hoje cedo deve estar borrada. Sei que Tim não ia reparar nisso e nem vai. Seus olhos me mostram muito mais do que o céu e o oceano, mas mesmo assim ainda não são maiores que ambos.

— Vamos para minha casa — Ele diz, se aproximando de mim — Não precisa me contar o porque agora você é uma garota que perdeu o medo em poucos dias. Só quero que confie em mim e que passe um tempo comigo.

Agradeço-o mentalmente. Não abraço-o e nem falo nada. Apenas sigo Tim para onde ele quer que eu vá.

*****

Passamos o dia todo na casa dele vendo filme. Tim tinha me emprestado uma toalha e uma roupa da mãe dele seca. Me recusei a passar em casa e me trocar, e Tim não protestou contra isso. Ficamos de bobeira o dia todo, e minha mãe só me ligou uma vez para saber onde eu estava. Ela não mandou eu ir embora, nem nada do tipo. Mesmo eu estando morrendo de saudades de Logan, eu resolvi ficar aqui mais um pouco.

A mãe dele nos serviu almoço e depois nos fez alguns lanches pela tarde. A casa de Tim era confortável, e eu gostava de ficar deitada perto dele. Ele me fazia ficar bem.

Quando o jantar ia ser servido, resolvi ir embora, não porque Tim ou a mãe dele dissera algo, mas porque eu não queria ser estraga prazer. Dei tchau para eles, e segui em direção a minha casa. Tim havia falado que ia me acompanhar, mas depois que eu disse inúmeras vezes que não precisava, ele cansou de tentar e me deixou ir. Sorrio pensando nisso.

Caminhei nas calçadas com as mãos no bolso da jaqueta de Tim. Seu cheiro me lembrava Logan, acho que é mais uma coisa psicológica do que um fato real.

Alguns cachorros latiam na luz da lua, mas não consegui ver nenhum definitivamente. Andei o caminho todo com a cabeça baixa, até passar em frente ao reservatório.

Ao passar em frente ao reservatório, meus olhos se perdem na água da superfície, e hoje, como na sexta-feira do luau, as estrelas e a lua dançam em uma sincronia arrepiante na água. Relaxo e sorrio. Queria que meu coração relaxasse também, para sempre.

Estou quase indo embora quando ouço um farfalhar conhecido, mas não consigo achar na minha imensidão de pensamentos o verdadeiro som. Procuro pelo reservatório algo que pareça com aquele som e meus olhos caem nas árvores ao redor do local.

Algo está caminhando ali e quando sai das árvores meus pensamentos se esvaem como ar. Não lembro mais de nada, nem de Tim e nem do cheiro dele. Nem de Logan, nem de nada. Nada.

Quando o enorme dono daquele par de asas senta na pequena ponte de madeira onde horas atrás eu estava, o único pensamento que tenho é: como alguém tão lindo quanto ele pode existir. E finalmente, posso gritar seu nome.


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