Oceano escrita por Mateu Jordan


Capítulo 11
Como abraçar um anjo?




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Meu céu desaba no mesmo momento em que uma cortina negra cobre meus olhos como uma venda. Sinto o chão oscilar sob meus pés, e a gravidade ir embora. Eu ganhei o céu, mas em troca tive que dar o inferno.

Olho para Lylha como se ela estivesse me mandando arrancar um braço ou coisa parecida. Mas são coisas parecidas mesmo. Tirar minha família é como entregar um pedaço do meu corpo. Não quero fazer essa oferenda.

– O que você quer dizer com isso? – Pergunto. Eu já sei a resposta, é claro, mas eu não posso estar acordada, eu preciso estar sonhando.

– Você que escolhe, Leona – Riba agora fala, Lylha parece perplexa, pelos menos nela meus olhares pesados funcionam. – Aqui no Oceano você pode ter uma vida totalmente nova e prazerosa, além de ela ser oficialmente sua casa. Sua família.

“Você também vai ter uma nova identidade, uma nova forma de fazer sua vida. Aqui nós vamos te dar tudo...”

– Minha família é tudo para mim, Riba – Eu digo, olhando-o profundamente nos olhos. Ele sabe o que está falando? – Meu pai – mesmo que seja ele ou não – e minha mãe, me criaram com tanto amor e dedicação que eu vivo por eles. Por meu irmão também. Vocês estão pedindo a minha felicidade, em troca de uma casa? Do que adianta ter uma casa, se a felicidade não mora ali?

– Estamos te mostrando suas opções, Leona – Mar diz, coçando o local onde o piercing no meio dos olhos está – Você que vai escolher o que quer fazer ou não. Eu e Lylha estávamos comentando aqui sobre você. Se Riba gostou de você, todos podem gostar.

Tentei pensar em porque Mar me disse aquilo. Pensei que Riba tinha essa função de ajudar os novos sereianos a chegarem ao Oceano, mas pelo visto me enganei. Eu fui a escolhida.

Olhei Riba nos olhos e percebi que mesmo meu coração batendo mais forte vendo seu rosto perfeito e seus cabelos louros em frente a cabeça, eu não seria capaz de abandonar meus pais para ficar com ele. Mesmo que seus olhos suplicassem. Não nesse momento.

Coloco a mão na testa e percebo o quanto estou arrumando problemas um dia antes do meu aniversário. Amanhã receberei a “benção” do meu pai, e eu não sei o que esperar. Não sei o que irei dizer a minha mãe sobre o meu trauma ter virado um alivio e uma casa. Eu só sei que queria acordar, mesmo que isso significasse ter medo de entrar no mar ainda.

– Você não sabe o que fazer? – Riba me perguntou com uma voz que eu nunca havia ouvido dele antes. Essa voz fez meu coração virar ao contrário, deixando cair todos os meus sentimentos e colocando-os em uma ordem que eu queria agora. Refleti sobre eu querer acordar desse sonho, mesmo que isso significasse ter medo ainda. Sou uma tola, eu sei que não é um sonho, e eu gosto de saber disso.

– Riba – Digo – Eu não sei... – A única coisa que eu sei agora, é que Riba está no topo dos meus sentimentos, e seus olhos estão no topo do meu desejo.

– Deixe para resolver isso amanhã – Ele diz por fim – Amanhã é um dia especial, você sabe. Aproveite o dia antes do almoço com seus pais, e depois eu irei te buscar no mesmo local de hoje. Você virá?

– Sim – Digo, olho para Mar e Lylha, que estão tentando não se intrometer muito na conversa. Eles perceberam o clima. – Eu juro.

– Ótimo então – Lylha diz – Sabe de uma coisa? Já que foi Coral quem iria se responsabilizar por você, deixe que ela leve a bronca por não ter a levado até Tritão hoje. Acho que sua cabeça está bem cheia para um dia só, não é, Leo? – Ela fala meu apelido com um sorrisinho. Sei que gosto dele, sei que é verdadeiro. – Então amanhã, depois do pôr-do-sol, vou leva-la para ele, e ele irá explicar algumas coisas sobre o Oceano a você, mesmo que você... bem... não fique.

Sinto meu estômago girando, mas agora sei que não é por medo do mar, deve ser pela minha falta de decisão sobre tudo o que eu tenho que fazer daqui a alguns dias. Sobre qual caminho seguir.

– Eu estou muito confusa, Lylha – Digo – Desculpa...

– Tudo bem – Ela me lança um sorriso – Amanhã é um novo dia e acredito eu que ele será muito especial, não é?

– Sim! – Sorrio de volta.

– Vamos Mar – Chama Lylha – Até amanhã, Leo. E cuidado com o Riba, ele já te disse que gosta de garotas marrentas?

Sorrio, mas não respondo. Eu sei Lylha, eu sei.

Os dois sereianos correm até o mar e mergulham. Vejo a ponta de suas caudas pararem na superfície antes de afundarem na água cristalina. E meus olhos se fecham para não chorar.

*****

Riba fez questão de me levar até a borda do bosque, onde os raios do sol da tarde já brilhavam forte naquela parte. Ouço os sons habituais dos pássaros. Me sinto bem e suspiro.

– Não posso ir mais do que aqui, Leona – Ele não diz meu apelido. – Desculpe. Acho que os humanos achariam estranho um psicopata com asas, não? – Ele está tirando uma comigo. – Até amanhã, vou estar aqui te esperando a 14 horas. Tudo bem para você? – Ele disse que vai me esperar.

– Claro. – O som sai como um gemido da minha boca. Ranjo meus dentes silenciosamente, pescando palavras para dizer, mas hoje o mar não está para peixe. Sorrio, para não ficar um vazio tão grande.

– Ok, então – Ele diz. Suas mãos estão no bolso da calça, e eu quero agarra-lo. Sinto meus instintos hormonais explodirem dentro de mim, mas essa é uma guerra só minha, ele não precisa saber.

– Tchau, então – Digo, me virando. Não quero despregar os olhos dele, mas é a única coisa que eu tenho que fazer nesse momento. – Até amanhã...

– Até amanhã... – Ele diz. Um vazio cresce entre nós, mas sinto seus olhos pregados em mim enquanto caminho na direção contrária dele. Finalmente consigo fisgar algo para falar para Riba antes de ir embora, e então viro-me subitamente chamando-o. Quando ele olha, seus olhos pesam em mim, mas minha mente está tão leve quanto o ar da manhã.

– Como se abraça um anjo? – Sei que a pergunta pode parecer boba, mas eu precisava falar algo.

– Você vai descobrir logo, logo. – Ele sorri pela primeira vez de verdade para mim. Seus dentes flutuam na escuridão, e eu agora posso ir embora.

*****

Rolo pela cama enquanto a chuva grita na janela do meu quarto e de Logan. Não abro os olhos, mas sei que iria ver sombras dançando na escuridão.

Meu corpo transpira como nunca, e meu sonho está me levando a um lugar em que eu não posso enxergar.

Agora consigo ver uma luz, e nela está uma mulher segurando um bebê que esguelha feito um rádio velho. As mãos dela estão vermelho-sangue, e seu vestido estão sujos da mesma substância.

Ela tenta acalma-lo como se fosse a única coisa que importasse na vida. Como se ela não estivesse com seu próprio sangue incrustado nas unhas das mãos. Vejo que ela chora também, e no fundo ouço o som de uma porta se abrir.

Quando ela se abre ouço o som da chuva, e a claridade da lua e das estrelas lá fora fazem-me reconhecer a mulher. Minha mãe. Ouço passos caminhando até ela e parando subitamente do lado dela. Sei que ela está com medo, e sei que algo está bem errado.

– Quantas vezes eu falei para você abortar essa criança, Amelia? – A voz do meu pai. Do meu pai. Ele parece tão zangado, e percebo que está tirando o cinto de sua calça. – Você é uma vadia que não sabe segurar as pernas fechadas.

– O que você vai fazer Hugo? – Ela parece suplicante – Não... não por favor!

– Eu não vou ferir essa criança, sua filha – Ele diz, ouço o cinto estalar em suas mãos. – Coloque-a sobre a cama. COLOQUE-A SOBRE A CAMA.

Minha mãe obedece e ouço a risada do meu pai. Minha mãe está chorando baixinho, falando coisas para fazer o bebê se acalmar.

– A partir de amanhã cedo – Meu pai começa – Tudo vai voltar a ser como antes. Você nunca me traiu, e essa filha é MINHA. Você ouviu? ELA É UMA PARKER.

– Tudo bem, Hugo. – Minha mãe diz – Agora abaixe isso. Me desculpe, meu amor...

– CALE A BOCA - ele diz – CALE A BOCA. AGORA SOU EU QUEM FALO AQUI... – Ele abaixa sua voz, e sussurra no ouvido da minha mãe: - Isso vai ficar entre nós, você vai registra-la como uma Parker, e depois disso não vai abrir a matraca para ninguém sobre ela não ser minha filha biológica, não quero passar a ser o chifrudo da vizinhança... E quando ela crescer, ela não vai saber que ela não é minha filha... ELA É MINHA FILHA, ENTENDEU?

– Sim, Hugo...

– ENTENDEU?

– Sim...

– Agora, Leoninha... – Ele diz sorrindo para o bebê – Veja sua querida mãe sendo devidamente castigada por ter tido você.

E antes que ele terminasse de lançar o cinto sobre minha mãe, meus olhos se abrem e eu sei que eu era o bebê bastardo, e que realmente era filha de Poseidon.

– Obrigada, pai.


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