Oceano escrita por Mateu Jordan


Capítulo 10
Minha casa




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Continuamos a caminhar até chegarmos onde Lylha e Mar estavam. Meus sintomas do trauma estavam voltando aos poucos, pois quanto mais eu andava, mais se aproximávamos do mar.

Agarrei Riba pelos braços e quando ele virou para mim, eu soube que meus olhos estavam se dilatando. Não perguntei nada, e nem ele disse nada. Apenas me segurou com seus braços e chamou com a mão, Lylha e Mar.

Ouvi barulho de passos vindo na minha direção, e a voz de Lylha chegou aos meus ouvidos. Abri os olhos que estavam encostados nos joelhos, pois Riba havia mandado eu sentar. Olhei na direção de Lylha e ela pareceu hesitar quando viu meus olhos. Eu nunca havia vistos sereianos de perto, a não ser Riba, e ele não tinha os olhos dilatados.

– Cruzes, Leona – Disse Lylha, sua voz era doce e ao mesmo tempo divertida – Você vai morrer se não entrar em contato com a água selvagem. Seus olhos estão tão dilatados que você parece um demônio.

– Obrigado pela ajuda, Lylha – Disse Riba, que estava ajoelhado do meu lado. – E agora, como vamos faze-la se convencer a entrar na água?

– Eu não faço isso nem por milhões de dólares – Eu digo rápido. Não quero entrar na água. Não posso.

– Não sei Riba, mas você Leona, precisa ter a consciência de que seu corpo foi projetado para passar grande parte da vida na água. Você devia de alguma forma amar nadar, mas não é isso que ocorre no seu caso. – Lylha estava série agora, e percebo o como ela mudou de feição. Antes alegre agora preocupada, mas não deixou de se mostrar emotiva.

– Eu tive um trauma a uns 4 anos – Digo – Não entrei em qualquer lugar que tivesse água desde então, a não ser o chuveiro.

– Nossa! – Mar parece impressionado. Ele parece me calcular sob seus piercings ao redor do seu corpo e da face. – Seu corpo então reage selvagemente quando vê água do mar. Ele precisa agora, ou o mais rápido possível de água salgada. Você precisa se concentrar e entrar em contato com o mar.

– Vocês não entendem... – Estou indignada, eles falam como se eu fosse qualquer uma. – Eu tenho um trauma, quase fui morta por tubarões – Riba pigarreia e eu mudo minha fala –, bom, eu pensei pelo menos que era um ataque. E não é muito legal quando nem se quer sabe nadar direito.

– Eu sei que deve ser a coisa mais absurda que já ouviu falar, Leona – Mar diz – Mas teremos que leva-la a força. Se ficar muito aqui perto da praia e da água, seu corpo vai entrar em coma, e seu coração vai parar de bater o mais rápido possível. Você precisa tentar.

Olho para os três sereianos ao meu redor, todos parecem ser bem mais ágeis e destemidos que eu. Penso em como eles fariam para me levar até a água. Eu posso ter uma estrutura normal e ser magra, mas não deixo de lutar nunca. Não posso ir para a morte. Iria ser na certa.

– Olha vocês não estão entendendo... Vocês não seriam capazes de me forçar...

Antes que termino a frase, Lylha está agarrando meu pulso e me puxando para perto da água. Nos poucos momentos de surpresa, deixo-me levar alguns poucos metros para perto do mar, e os sintomas do trauma crescem em meu ser. Luto para desvencilhar de Lylha, e finalmente consigo. Corro para perto de Riba, que parece estar tão espantado quanto eu. Mar não parece tão expressivo assim.

Fico perto dele, e agarro seu braço. Não quero solta-lo. Não vou. Pensei que Lylha queria me ajudar.

– Por que fez isso, Lylha? – Disparo, raivosa. – Pensei que gostasse de mim!

– Não quero assustar ou matar você, Leona – Diz ela, séria, e voltando para onde estávamos – Só quero que você não morra. Você precisa entrar na água antes de conhecer Tritão e ser classificada por ele. Você não pode ignorar isso.

– Ninguém vai fazer nenhum mal a Leona – Diz Riba, e um alívio toma conta de mim. Quero agradece-lo do fundo do meu coração.

Mas subitamente me assusto ao ver seus dois braços me agarrando e me puxando para cima. Antes que consiga entender algo, percebo que estou se elevando para o céu.

Estou voando com Riba. Nas asas dele.

Por um momento acho que ele está me levando de volta para a casa, mas depois percebo que ele está me levando em direção ao mar, e já estamos quase chegando lá.

Tento sair de alguma forma dos braços dele, mas ele é duro como ferro. Eu não consigo. Eu estou gritando. Estou suplicando. Estou desesperada.

Meu instinto humano faz com que eu arranhe várias partes do corpo de Riba, ele parece não se importar com isso. Meus pés e braços balançam como se eu estivesse tendo um ataque do coração. Eu preciso voltar para a terra firme. Não deixo de perceber como o barulho de suas asas é sombrio. Como um corvo.

Quando já estamos quase na metade do mar, e mesmo que eu consiga ver a areia daqui, estou tão desesperada quanto quando um boi vai para o abate. Ninguém é bom ali. Nem Riba. Nem Lylha. Nem Mar. Acho que Coral é a melhor pessoa do Oceano. Talvez nem exista essa sociedade de verdade. Só sei que quero matar Riba com todas as minhas forças.

Já não tenho mais voz, estou completamente rouca e muda. Olho para ele, meus olhos brilham de lágrimas, e eu não quero cair. Sinto que paramos no ar. Estou parada também, esperando minha morte iminente.

– Não estamos fazendo isso para o seu mal, Leona. Você vai entender. – Sinto seus braços se abrindo, e enquanto caio, olho-o nos olhos, deixo o olhar fixo nele. Uma lágrima vinda de Riba passa por mim e cai primeiro no mar, depois eu só consigo pensar em como eu queria ter morrido de qualquer outra maneira.

Meus olhos se abrem antes mesmo de eu estar definitivamente acordada. Sinto água ao redor de mim em todos os lados. Devo ter caído bem fundo, mas nesse momento, pareço ter finalmente achado o meu lugar. Eu encontrei minha casa.

Meus olhos não precisam se fechar, eu posso usa-los tranquilamente, meu coração bate como qualquer outro do mundo, e o melhor, pareço estar nadando tão rápido. Como se aquilo fosse feito exatamente para mim.

Meu medo é levado com as águas da praia deserta. Mexo-me para todos os lados, afim de acreditar que estou realmente nadando. Sorrio, e abro a boca. Eu consigo respirar debaixo d´água. Finalmente tudo pareceu se encaixar e eu encontrei a minha verdadeira vida.

Olho para minhas pernas, onde achei que encontraria uma cauda de sereia, ou qualquer outra coisa que me lembrasse um animal marinho, mas não tem nada. Ainda estou usando meu short azul claro desfiado, e meus pés estão descalços. Mas mesmo assim estou realmente muito feliz.

O mar aqui debaixo é bem interessante. Algas estão por todos os lados e os peixes nadam de lá para cá com uma agilidade lunática. Vejo algumas espécies que não conheço, e alguns que eu já havia estudado. Tudo é tão lindo, tão bem desenvolvido. Eu pertencia aquilo. Eu era parte da paisagem, do equilíbrio.

Senti vontade de chorar de emoção, mas antes disso, percebi que precisava nadar até a praia e avisar aos outros que eu não havia morrido. Agora eu entendo Riba, agora eu sei que só queriam me ajudar.

Surjo na superfície e logo ouço o som dos gritos de Lylha me saudando, Riba e Mar batem palma e sorriem, de alguma forma sabiam que eu pertencia a água. Com certeza sou uma filha de Poseidon.

Nado rapidamente até eles, e Riba me recebe com um abraço, e depois disso finalmente percebo que meu coração ainda aguenta grandes emoções – Ele bate forte, desejando mais.

Abraço Mar e Lylha, e ela me lança olhares risonhos. Ela gosta mesmo de mim, e eu gosto mesmo dela.

– Viu como ninguém queria te matar? – Ela pergunta, rindo. – Desculpem-nos pelo susto... era a única maneira.

– Tudo bem – Eu digo – O importante é que finalmente sei que agora não tenho mais nenhum trauma... minha mãe vai ficar tão feliz...

– Como assim, Leona? – Lylha ainda sorri, mas é bem pouco agora. – Você não vai contar para ela, não é?

– Claro que vou – Eu digo, olhando-a nos olhos, séria – Ela é super preocupada comigo por isso...

– Você ficou maluca? – Ela diz – Se sua mãe souber que você agora sabe que seu pai adotivo, não é seu de verdade, tudo vai desandar. Poseidon sempre fala quem é de verdade, antes de se envolver com qualquer pessoa. Ela sabe que ele é o deus dos mares. Se você contar que realmente dentro da água é o seu local, ela vai proibi-la de ficar com a gente. Você tem que tomar uma decisão muito, mas muito grave mesmo.

– Que... decisão? – Pergunto, curiosa.

Os três sereianos me olham antes de olharem para o chão. Lylha suspira e fala:

– Você tem que escolher entre ir embora, e viver sua vida na sua cidade... ou ficar aqui no Oceano, e forjar sua morte para sua mãe e para seu pai adotivo.


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